quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

De volta à vaca fria

As apaixonadas discussões que se travam sobre o que é ser gótico ou não! Como se ainda houvesse dúvidas.

Hoje, estava eu à espera do autocarro com aqueles olhos perdidos de quem espera e não vê nada embora observe tudo com um tédio infinito, fez-se tudo muito claro.

Obviamente, ser gótico implica gostar de música gótica mais do que toda a outra música. Não é obrigatório que se vista de preto mas ainda estou para conhecer a excepção que confirma a regra. Depois de quase vinte anos nisto, acho que é muito científico afirmar que em 99,9% dos casos o gosto pela música gótica anda a par com a roupa preta.

Há quem diga que isto chega mas na minha opinião não chega. É indispensável ter uma alma melancólica, como já abordei aqui: Não há coisa que seja um "gótico alegre". O tempo também mostra que os "góticos alegres" acabam todos por desertar para costas mais coloridas assim que lhes passa o acne e arranjam namorado e mudam de roupa. Poseurs!

Obviamente, também, nem todas as pessoas melancólicas e deprimidas são góticas. A maioria, a maioria mesmo, não tem culpa de ter mau gosto musical e vestir-se mal. Se a depressão fosse sinónimo de gótico os hospitais psiquiátricos estavam cheios deles. Tenhamos juízo.

Não estou a simplificar demais. É mesmo assim. Música mais alma. Alma mais música. Os góticos já nascem góticos. Não se fazem góticos pela embalagem. Demos graças pela música que embala o nosso berço.

The Skeleton Key / A Chave (2005)



Em New Orleans, essa mítica e mística cidade, uma assistente de geriatria vai trabalhar para um casal de idosos cujo marido, vítima de trombose, se encontra incapacitado de andar ou falar. Depressa a bem intencionada jovem percebe que algo de errado se passa e que o grande casarão senhorial junto aos pântanos da Louisana guarda muitos segredos. Apesar de ter em seu poder a chave mestra que supostamente abre todas as portas, entregue pela própria dona da casa, tem razões para desconfiar de um misterioso quarto no sotão que permanece fechado. Ao mesmo tempo, começa a perceber que o seu paciente tenta por todos os meios pedir ajuda para fugir da casa e da mulher. Suspeitando de crime, a jovem resolve investigar e descobre que a mansão está envolvida numa história antiga de horror à volta de dois criados negros, mestres de "hoodoo" (magia mais negra do que o vudu), e que que há razões para temer a sua vingança do Além... ou de bem mais perto do que se poderia pensar.
Além de abordar um dos temos preferidos de H. P. Lovecraft, o "roubo" de corpos, e de ser igualmente delicioso para todos os leitores de Anne Rice, o grande trunfo deste filme é algo tão bom que já nem se faz: manter o suspense até ao último minuto e terminar daquela forma imprevisível que nunca mais nos sai da cabeça.
De salientar, também, mais uma grande interpretação do veterano John Hurt que com o maior dos profissionalismos e talento não descura a qualidade a que nos habituou seja num filme dito "sério" e candidato aos óscares ou no mal amado cinema de terror.


15 em 20

1408 (2007)



O ponto de partida é magnífico: um certo quarto, num certo hotel, onde ninguém conseguiu sobreviver por mais de 60 minutos. É o perfeito desafio para um especialista no tema que vive da publicação de livros sobre "hotéis assombrados" mas não acredita no sobrenatural. Todos os dados que lhe são fornecidos pelo gerente, que o tenta dissuadir de alugar o quarto 1408, são por ele descartados como histórias da carochinha para alimentar a lenda e garantir clientela.
Até ao momento em que o intrépido escritor entra no quarto, ou mesmo até à visita amedrontada do homem do ar condicionado, o filme corre bem, a recordar a atmosfera de "Shining" (ou não fosse "1408" também a adaptação de uma história de Stephen King), mais uma vez à volta dos mistérios da sanidade mental de um ser humano (ou falta dela) posto num ambiente fechado e isolado do resto do mundo. Não sei porque carga de água, a partir deste ponto salta para ali uma catrefada de sustos mal engendrados e o filme torna-se histérico. Não encontro melhor palavra para descrever a coisa. Se não fosse por isso, e pela falta de fundamentação em que se baseia a parte supostamente assustadora, até poderia entrar no subconsciente e meter algum medo. Sendo assim, o poster acima é mais susceptível de sugestionar monstros escondidos debaixo da cama do que o próprio filme que quer vender, e por isso o escolhi.
É preciso um remake de muitas boas ideias que se estão a desperdiçar em filmes sem inteligência, e este é um excelente exemplo.


12 em 20

Memórias dolorosas

In Blitz:

Dave Grohl diz que não consegue ouvir música dos Nirvana
Porque as memórias são dolorosas.
Dave Grohl, líder dos Foo Fighters e antigo baterista dos Nirvana, assumiu que não consegue ouvir música da banda que desapareceu com a morte do vocalista Kurt Cobain. O músico diz que ainda é muito dolorosa a morte de Cobain e que sempre que uma música dos Nirvana passa na rádio se sente transportado para o tempo em que a banda estava em estúdio.


Já não sou só eu, e nem sequer é por causa do Kurt Cobain.
É possível que a música dos Nirvana seja de facto insustentavelmente depressiva porque lhe falta aquela "almofada" estética, etérea, espiritual, subjacente à temática gótica que observa este mundo frio de longe, como uma entidade fantasmagórica que não lhe pertence.
A música dos Nirvana está no meio do mundo, e vive-o, e não se pode sofrer o mundo todo sem desesperar.

domingo, 23 de dezembro de 2007

O fim do Natal

É oficial. A partir deste ano não vou desejar bom natal a ninguém, acabaram-se os postais e as prendinhas simbólicas, puta que os pariu.
Agradeço que não me desejem feliz natal e que, se não souberem a razão do meu rompimento com esta geral quadra festiva que não celebro, se abstenham de perguntar porque não é da vossa conta.
Mas posso dizer, na generalidade e caindo no lugar comum, que o natal se tornou tamanha febre de protocolos e consumismo que me dá simplesmente vómitos. Já basta ter de "participar" nesta estupidez a nível profissional, quanto mais a nível pessoal.
O natal é para a família e eu não tenho família. Estou fora. Brinquem vocês.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O cancro

«A justiça é de longe o maior problema de Portugal. Penso isso há muito tempo»

Rui Rio


Só discordo da magnitude. Não é um "problema", é um cancro. Muitos ainda se iludem com sintomas como a educação ou a economia.
Mas todos os dias acorda um.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Queres ser fussoreira?

Tou fula da vida. Metade dos meus auscultadores acabou de morrer. Ela já andava colada com fita cola daquela grossa, castanha, para não se separar da outra parte, e não posso dizer que tenha sido apanhada de surpresa. Há muito que definhava e ameaçava deixar-me para sempre a ouvir música apenas por uma orelha. Hoje morreu e aqui estou eu a ouvir música em mono no verdadeiro termo do mono. Uma orelha.
Isto deixa-me furiosa, à beira de um ataque de nervos, com vontade de partir a metade restante. Para terem uma ideia do que falo, só conheço duas situações comparáveis. No caso das mulheres é a Tensão Pré Menstrual. No caso dos homens, é a nega das mulheres por causa da Tensão Pré Menstrual. No meu caso, é ouvir música por uma orelha. É que eu gosto mesmo muito, muito de música. Em quantidade e qualidade.

É por isso que venho aqui para o blog com o intuito de me divertir (e porque não a vós?) com uma história trazida à lembrança pelo Arrebenta e que não tem mesmo nada a ver com os auscultadores.

"so you are a panelas' maker", disse ele,


Como eu ando numa fase de escrever as memórias, lembrei-me logo de que durante muito tempo, na infância, de facto acreditei piamente que paneleiro era mesmo a profissão de fazer panelas e que as pessoas é que lhe davam uma conotação pejorativa. Tipo "bicha" e "fila", que em Lisboa quer dizer exactamente a mesma coisa. Só mais tarde vim a saber que a profissão de fazer panelas e outros artigos em lata se chama "funileiro", se é que não estou completamente enganada, e se estou o leitor fique à vontade de me corrigir. Há de facto um funileiro na minha rua que se deixou de fabricar utensílios de cozinha e se dedicou à arte. Agora muito a sério, faz candelabros, espelhos, molduras e outros artigos de decoração que são verdadeiro artesanato e do mais sóbrio que se pode ter em casa.
Mas voltemos à história engraçada.
Tinha eu por volta de 6 ou 7 anos quando a minha mãe me apanhou a assediar uma colega da minha idade. Com essa colega nada se passou (excepto mais tarde porque a miúda era um bocado não-precoce e tive de esperar até à nossa puberdade), por isso a minha mãe não viu nada de nada, porque o que se tinha passado antes com raparigas nem ela sonha, pelo que só posso depreender que era eu que estava a provocar. Tudo isto começou com a mania de brincar às casinhas debaixo da mesa, tapadas por um cobertor, mania que aliás é universal e que parece fazer parte dos genes femininos. Que conversa lúbrica eu mantive com a minha amiga (e até que ponto eu queria fazer de marido) nunca saberei (ou nunca terei a lata de perguntar à minha mãe). Sei que ela ouviu mais do que devia e, nesse mesmo dia, antes ou depois de a minha colega ter ido para casa, me chamou à parte e me perguntou, muito séria e verdadeiramente perturbada como nunca a tinha visto:

"Ouve lá, tu queres ser fussoreira quando fores grande? É isso que queres ser, uma fussoreira? Eu ouvi a conversa com a S(...)! És uma fussoreira, é?!"

Não sei se fiquei vermelha que nem um tomate se pálida como a morte. Provavelmente, a segunda opção. Sei é que tive medo de levar uma tareia! Ora, isto é daquelas coisas que podem castrar uma criança para a vida toda se entretanto não houvessem outros males a virem por bem e a tornarem este episódio numa anedota que se conta num blog com uma gargalhada geral. Naquele momento, porém, só me lembro que tive medo de apanhar e tentei fazer-me o mais inocente possível.

"Eu? Eu não.", jurei. E como não sabia, perguntei: "O que é isso, uma fussoreira?"

Respondeu a minha mãe: "Uma fussoreira é uma mulher que fussa nas outras, como os porcos, e esfregam-se umas nas outras e lambem-se todas umas às outras, as porcas!"

Ok, não se venham já nas calças. Eu sei que não era intenção da minha mãe que hoje me lembrasse disto desta maneira, mas não fica por aqui.

"Esfregam-se como?", insisti.

"Os pipis. Esfregam os pipis umas nas outras e lambem os pipis umas às outras". A minha mãe queria ter a certeza que eu ficava curada com aquela conversa e não se poupou a pormenores.

Ser homofóbico é fodido. A minha brincadeira seguinte com as minhas amiguinhas foi brincar às fussoreiras. Até brinquei às fussoreiras e aos paneleiros com os coleguinhas do sexo masculino. Era à vez. Gostávamos igualmente de brincar às prostitutas e às violações. Brincar aos médicos já não estava a dar. Também brinquei com o meu priminho da minha idade (já não sei se às fussoreiras se aos paneleiros mas ia tudo dar ao mesmo) até me dizerem tantas vezes que "primos com primos dão filhos malucos" que acabei por desenvolver o horror ao incesto que de outra forma nunca conheceria (ser filho único dá nisto).

Gostava de ver a minha mãe a ler este blog e a questionar, como se questionam muitos homossexuais que se dizem esclarecidos mas no fundo têm aos bissexuais uma aversão ainda maior do que aos heterossexuais, "Mas afinal tu gostas de homens ou de mulheres?"

Ò meus amiguinhos, depende do cheiro. Se cheira bem, marcha. É tudo uma questão de feronomas. Juro que o meu priminho nunca me cheirou a incesto e ainda hoje marchava. E o outro, e a outra, e aquele outro e aquela outra... Já era altura de perceberem que alguns de nós não amam corpos mas pessoas. O sexo dos anjos é irrelevante quando todos formos anjos.



Este foi um post trazido até vós pela inoperância de uma orelha e a sobrecarga da outra. Queira Deus e segunda feira quando abrir a loja este pequeno problema técnico estará corrigido. Até lá, espero que se tenham divertido tanto como eu.


Post post

Imagino a minha mãe a comunicar as suas preocupações ao meu pai quando eu estava na escola, toda a aflita, como se o mundo fosse acabar: "Ai, que eu acho que a nossa filha é fussoreira!"
Imagino o meu pai a ouvir a cem e a esquecer a mil e a perguntar de seguida: "O que é o almoço?"

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O fogo das cinzas

Christian Death 1334, Caixa Económica Operária, 1.12.07

Confesso que fui para este concerto sem grandes expectativas e apenas para satisfazer uma certa curiosidade. Sempre apreciei mais a fase de Christian Death com Valor Kand, enquanto os primeiros álbuns, com o fundador Rozz Williams, ao fim de um certo número de anos e audições intermináveis, se tornaram demasiado depressivos (até para mim) a ponto de actualmente já não os ouvir de todo. Isto não quer dizer que não os tenha todos "gravados" na cabeça, do princípio ao fim, como acontece com toda a música que ouvimos muito e gostámos muito.
Mas verdade seja dita, Rozz morreu e não me dei ao trabalho de sequer ir à internet ouvir a banda que se batizou Christian Death 1334, com três dos muitos membros que passaram pela banda: Eva O (vocalista), Rikk Agnew e James McGearty. (Para pormenores sobre a história atribulada da banda Christian Death, que ironicamente insiste em manter-se muito viva contra ventos e marés, favor consultar a Wikipedia que eu não tenho paciência.)
Foi de facto um mergulho no escuro, daqueles a que gosto de me dar ao luxo de vez em quando. Sem rede. Como se fosse uma banda totalmente nova. Como começar do início. Às vezes corre mal, principalmente com reuniões de bandas antigas. Por muito que se tente, não se consegue sair de lá sem uma enorme desilusão.
O que tenho para dizer sobre este concerto, no entanto, é apenas isto: quem não esteve lá devia ter estado e não sabe o que perdeu! A única coisa lamentável foi a falta de público, uma audiência que nem encheu a pequena sala da Caixa. Temo que tenha sido por falta de fé nesta encarnação da banda que muitos preferiram não pagar os 15 euros.
Assim que abriu o concerto, já lá para a meia noite, também fiquei de pé atrás. A vocalista, toda vestida de negro com um véu de tule negro e uma tiara de brilhantes, a lembrar uma noiva já viúva, recordou-me a voz de Gitane Demone e Diamanda Galas: grave, envolvente, possante. Mas que raio era aquela roupa?, pensava eu, quando já ninguém se veste assim nem para concertos? Confesso que me causou um certo choque. Mas à medida que as músicas decorriam, não iguais mas fiéis aos originais, exemplarmente interpretadas, o público começou a dançar, a aplaudir, e a certa altura todo o velho chão tremia de forma não muito tranquilizante... Não foi a nostalgia, foi mesmo a energia do "aqui e agora" e o carisma de quem acredita no que está a fazer que elevou este concerto da previsível apresentação de covers e remakes ao nível de banda que vale por si própria e nos proporcionou uma noite inesquecível.
Por mim, voltem sempre e voltem assim e que haja mais público para a próxima porque bem merecem.
Foi simplesmente o melhor concerto a que assisti em muitos anos: as profundas minhas vénias.

Favor visitar a banda aqui para fotos e vídeos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Movimento gótico: Uma Perspectiva II

1987 não foi o ano em que cheguei à noite mas foi o ano em que a noite chegou até mim. Tudo o resto foi tempo perdido a aprender a invocar o demónio até que um dia me deram a chave do inferno, quando alguém sugeriu: "Uma pessoa que gosta de música como tu... devia comprar o Blitz". O Blitz, velhinho jornal que saía às terças feiras, era a nossa internet e a nossa bíblia. O Blitz mudou a minha vida. Mas a homenagem não se fica pelo Blitz. Naquele tempo, em que não havia internet, todas as novidades chegavam pela rádio. Havia alguns programas à meia-noite, na Rádio Comercial o António Sérgio com o lendário Som da Frente, e uma estação já desaparecida de que me lembro muito bem, o Correio da Manhã Rádio, que iniciava a programação nocturna com música de vanguarda e chegava a passar, pela noite fora, álbuns integrais de bandas diversas que encheram as minhas K7s. Lembro-me que a primeira vez que ouvi "This Corrosion" deve ter sido nesse programa do Correio da Manhã Rádio, 104.3, certamente entre a meia noite e as duas da manhã. A princípio aquilo pareceu-me excessivo, histérico, megalómano, e se pensarmos bem ainda o é, mas como em qualquer relação de amor já estava de joelhos a adorar num altar muito diferente dos Smiths, dos Cure, dos Jesus and Mary Chain, e dos outros vanguardistas da altura.
Chamava-se "vanguarda" à música de todas as bandas independentes dos anos 80. Não é à toa que se acusam os anos 90 de transformar o independente a um nível de comercial que tirou à vanguarda toda a sua originalidade. É a pura verdade. Sem esta comercialização fenómenos como os Nirvana nunca tinham tido a mesma divulgação. Mas tudo isto foi preparado nos anos 80, em que uma classe de jovens cada vez mais instruídos, apocalípticos e depressivos começaram em massa a rejeitar a música comercial, romântica, alegre, cliché, Abba em versão reciclada, que durante toda a década de 70 tinha vendido discos e discos. Já ninguém podia ouvir os Beatles. Ainda hoje lhes tenho uma alergia particular. Rolling Stones, então, têm o nível lírico de um atrasado mental. A mentalidade pós-punk e pós-glam exigia algo de novo, inteligente e estético, fruto directo de um "no future" com a beleza reconfortante dos anjos que decoram as campas do cemitério. Os "pós punks" estavam prontos para o gótico. E o gótico nasceu.
Nasceu em Leeds sem saber o que era. Bandas como os Sisters of Mercy, os Cult, os Fields of The Nephilim, seguiam uma linha estética de várias influências (em que os Led Zepellin são frequentemente acusados) que faziam um todo com os Bauhaus, os Joy Division (muito pioneiros mesmo), os Banshees da Siouxsie, os Dead Can Dance e os Cocteau Twins e toda a produção da editora independente 4AD sem me querer lembrar de todos, compondo um panorama já totalmente distinto de todas as outras experiências dos anos 80.
A nós chegou mais tarde, muito mais tarde, o que era completamente natural naquele tempo em que era preciso viajar para conhecer o que se passava no mundo. Viajar ou ter possibilidade de comprar revistas estrangeiras, ia tudo dar ao mesmo. A internet tornou democrático o que nos anos 80 era o privilégio da elite, incluindo a música.
Voltamos ao Bltiz. O Blitz não era apenas um jornal, era também a nossa única maneira de conhecer (e adquirir) música independente. Eu ainda sou do tempo em que quem quisesse comprar o álbum "First And Last And Always" dos Sisters of Mercy tinha de ir a Inglaterra. Não adiantava querer. As lojas não tinham e não mandavam vir. O que fazíamos então? Havia venda de fanzines, folhas A4 fotocopiadas e dobradas em dois de 6 ou 8 páginas, onde se divulgavam originais ou traduções de artigos do New Musical Express ou do Melody Maker, e mesmo do Blitz, sobre bandas que nos interessavam, que pela sua circulação underground permitiam um sistema de pirataria de K7s que foi a nossa única salvação. Encomendava-se tudo com ou sem a K7 virgem incluída, 500 ou 600 escudos, e ficava-se a conhecer a banda pretendida. Isto da gratuitidade da internet veio destruir muitos negócios. No nosso tempo a única coisa que era de graça era a amizade. O primeiro a comprar a K7 gravava para os amigos. Isto se tivesse hi-fi ou gravador com dois decks, que naquele tempo também não era para todos. (A melhor prenda que me deram na vida, tinha eu 17 anos, foi um sistema hi-fi com gira discos, uma excentricidade, uma maluquice, o equivalente a comprarem-me um Porshe e pô-lo à minha porta, foi a completa euforia. Desse sistema ainda tenho o armário e o gira discos, que não se estragou devido ao pouco uso, porque os discos compravam-se, gravavam-se e ouviam-se em K7 para não se riscarem.)
Voltemos ao Blitz. A secção de classificados estava cheia de anúncios para pen pals, pessoas a quem se escrevia (cartas, obviamente) com os mesmos interesses, e com quem se trocava música com fins não comerciais. Sempre houve as putas e os outros, e sempre haverá. Com as putas que vendiam as K7s não se queria nada. Com os outros, queria-se tudo. E sempre se há-de querer.
Foi assim que conheci pessoas semelhantes do Porto ao Algarve, passando por Coimbra e o provinciano Portalegre, pessoas isoladas aqui e ali que sentiam de modo diferente, que não cabiam na caixa, que não alinhavam no rebanho, que ouviam Diamanda Galas e assinavam as cartas com sangue (sim, com sangue). O Porto, especialmente, foi pioneiro da cena gótica quando em Lisboa nem se ouvia falar do assunto.
No país inteiro, por imitação à cena vanguardista inglesa, toda uma geração se começou a vestir de preto. Penso que começou com os tais artistas e intelectuais do Bairro Alto e passou das elites para a ralé. Às pessoas que me perguntam frequentemente o que eram os vanguardistas (porque não estavam cá), bem, meus amigos, era a malta que ouvia as bandas de vanguarda dos anos 80. Como se vestiam, basta olhar para uma foto dos Madredeus dos "Dias da Madredeus". Naquele tempo, para chocar, bastava a uma criatura vestir-se toda de preto e já os vizinhos se benziam. A roupa era bastante simples. Eles e elas vestiam casacos pretos, calças ou saias pretas, t-shirts ou camisolas pretas, e sapatos pretos, de preferência grandes. Havia também a moda das poupas à Morrisey. Eles e elas de franja erecta a terminar em ondinha para dentro, mas com gel, não porcaria, a uma altura dos 6 aos 10 centímetros. Moda era moda. Às meninas exigia-se também lábios pintados de vermelho vivo e anéis de pedras grandes e opacas. Sobriedade, meus amigos. Afinal, era a ressaca dos pós românticos. Nenhuma outra cor, excepto o preto, era tolerada. (Ainda hoje não devia ser... excepto o cor de rosa shocking... porque sim.)
Se os meus caros amigos mais velhos e os meus amiguinhos mais novos acham que isto não era nada, enganam-se, foi uma revolução. De repente, era ver aquelas hordas de negro a caminhar para o Bairro Alto, a encherem as tasquinhas, a consumirem Alien Sex Fiend e Einsturzënde Neubauten como se fossem tremoços. Tudo o que simplesmente soasse a minimamente comercial estava banido. Bandas que hoje se ouvem horas a fio nas noites revivalistas, Duran Duran, Heróis do Mar, Classic Nouveaux, António Variações... BANIDOS! Eu, pela minha parte, bani os Cure até hoje.
Ainda bem que falei em Cure por agora tenho a deixa para falar dos meus ódios de estimação. A moda dos Cure, e dos vanguardistas que gostavam de Cure (para quem se inventou o termo "curistas") nunca me convenceu. Aquilo foi sempre muito comercial. E noventa por cento da malta "vanguardista" era gente que se vestia de preto para dizer que era rebelde, e ser rebelde naquele tempo era fumar um charro no intervalo das aulas (o que é ser rebelde hoje em dia não sei mas desconfio que não anda longe), e tal como o fenómeno freak dos anos 90 também desapareceu sem deixar rasto, depressa tomaram juízo e começaram a vestir-se como pessoas normais que sempre foram. Poseurs! Ainda hoje se devem achar o máximo porque nos anos 80 fumaram um charro a ouvir Sonic Youth, tal como os pais psicadélicos da classe média-alta por consumir LSD ao som de "Sargent Pepper's Lonely Hearts" ou quejandos. Isto há modas. E dos vanguardistas, mortos e enterrados, não há mais a dizer excepto que os encontram no Jumbo mais próximo ao fim de semana a fazer o passeio do shopping com a famelga, de onde nunca deviam ter saído.
A eles a reverência que é merecida, contudo, porque serviram bem o movimento gótico. Sem eles, ainda ninguém se vestia de preto. Tiveram o seu papel. Siga.

A primeira vez que saí de facto à noite foi em 1988 e foi uma aventura a todos os níveis. Com um desconhecido, qual virgem gananciosa, fui para um Bairro Alto cheio de encantos proibidos com o intuito de atalhar o caminho do tempo perdido. Senti-me um daqueles exploradores do século XIX de que lia em livros do mesmo século, que tinham devorado tudo sobre um país exótico antes de o visitar. Já lá estava antes de lá chegar. O meu amigo do Porto, sempre um desconhecido de um lugar distante, mais velho e mais lido do que eu, deslocado aqui por malefícios do Serviço Militar Obrigatório, precisava de companhia e levou-me ao Estádio. O Estádio ainda lá está. O Estádio e as Primas, que devem ser a única coisa que resta daqueles tempos. Excepto os velhinhos. Os velhinhos do Bairro Alto, naquele tempo, ainda saíam à noite para ir ao Estádio beber a aguardente e ver a bola e olhar para nós, invasores, de queixo caído, especialmente as raparigas, com o ar intrigado de quem percebe que não éramos putas (como as outras, as da esquina da rua da Atalaia), mas também não percebia o que raio é que éramos. Velhinhos, vanguardistas e drogados, era assim o Estádio. E assim é que devia ser e assim é que sempre o recordarei.
Não sei como corremos tantos sítios numa só noite. Devia ser sede. Estava na moda "correr as capelinhas". Passar a noite toda num sítio, pior, permanecer mais do que meia hora num sítio só, era contra a etiqueta da noite. Fomos às Primas, fomos sei lá mais onde, fomos ao Incógnito estava ainda vazio, e fomos acabar com os ossos caídos na Juke Box da rua do Diário de Notícias a ouvir música que eu só tinha ouvido nas minhas K7s. Ele há coisas do destino. Árvore que nasce direita tarde ou nunca se entorta.
A certa altura na noite, considerando que já tínhamos trocado correspondência e preferências musicais e tudo o resto, diz-me ele que se eu gostava de Sisters of Mercy e Mão Morta e "vozes cavernosas" devia gostar de Fields of the Nephilim. E de seguida acabou logo ali comigo: "Com essas tendências depressivas, a pensar no suicídio, a ouvir essas músicas, deves ser gótica".
Foi a primeira vez que ouvi a palavra. Gótica. Achei uma grande parvoíce. Devo ter feito uma careta de todo o tamanho. O que me estava a chamar? Seria um bicho? Gótica, disse ele. E eu encolhi os ombros e perguntei "o que é isso?"...


Continua.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A juventude é desperdiçada nos jovens

"Youth is wasted on the young"

Provérbio não sei de onde que cada vez faz mais sentido à medida que os anos passam. Soubesse eu o que sei agora e tivesse eu menos vinte anos... Não estou a dizer que desaproveitei a juventude. Pelo contrário, fui uma privilegiada. Só fazia o que me dava na real gana, e isto de fazer apenas o que nos dá na real gana é um luxo que de poucos se podem gabar. Não há dinheiro no mundo que o pague.
Mas olhando para trás, agora percebo que ainda podia ter feito tão mais se soubesse mais. Ah!!! Ingénua juventude! Dai-me hoje um corpo e a vitalidade dos 15 anos e criai um monstro! Deve ser pela Providência Divina que ninguém deve saber tanto com tão pouca idade!

Vêm estas reflexões não só mas também a propósito de um mail recebido das Graveyard Sessions, já publicado no Pórtico, que reza assim:


Estamos à procura de novos membros a integrar na nossa equipa

Gostas de cultura, música e organização de eventos?
Gostarias de fazer parte da nossa equipa?
Envia-nos o teu CV com fotografia e fala-nos um pouco sobre ti.


graveyardsessions@yahoo.com



Actualmente não me posso voluntariar. É a falta de tempo, o trabalho, o pão de cada dia.
Mas digo-vos aqui de cátedra o seguinte, e a razão pela qual penso que a juventude é desperdiçada nos jovens: se fosse mais nova e tivesse mais tempo, também não me atreveria.
E porquê, perguntam? Porque os jovens não sabem nada da vida. Os jovens perdem a juventude a sentir-se inseguros, desenquadrados, tímidos, indecisos, a tentar descobrir onde pertencem e o que querem ser. Já não crianças mas ainda não adultos, perdem tempo, e o tempo não volta atrás, e quando se percebe finalmente o que se quer e o que se anda cá a fazer chegamos à conclusão de que estamos prontos para a morte.

Bem dizia o outro. A vida devia começar nas fraldas da velhice, desabrochar na descoberta da adolescência, definhar nos seios ternos da mãe, e terminar triunfantemente num orgasmo. Deus fez tudo ao contrário. Certamente de propósito.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A fera amansada

Marilyn Manson ao vivo
Pavilhão Atântico, 19 de Novembro

Passava das nove e meia quando cheguei ao Pavilhão Atlântico. Se calhar porque não estou habituada a concertos de estádio (fico-me por salinhas mais modestas) estranhei o aparato policial nas portas de entrada. A última vez que vi tantas fardas juntas foi no Disorder. Depois da revista policial digna de aeroporto em alerta laranja, perguntei-me se também tinham apalpado assim o maluco do americano que ia subir ao palco.
Perdi completamente os Turbonegro mas o trabalho não perdoa e a certa altura temi nem chegar a tempo de apanhar o princípio de Manson. Tive sorte. Cheguei no intervalo e ainda pedi uma cerveja "grande" pelo módico preço de 2 euros e 90 (não roubam pouco, não!).
O público era bastante heterogéneo, dos pitos aos cotas, dos metaleiros aos góticos, até à malta que que não tem nada a ver com nada e nunca se adivinharia que gostasse de Marilyn Manson.
Às 21h55 ouviu-se o intro e pouco depois caiu literalmente o pano. Marilyn Manson, pintado com uma banda vermelha horizontal sobre os olhos, muito ao seu estilo, atacou em força com "If I Was Your Vampire" do novo álbum.
Sucedeu-se um sortido de êxitos do passado mas o público estava frio, apático, nem batia palmas. Grandes espaços na plateia, longe de preenchida, e os balcões quase desertos. Eu própria me arrependia de ter pedido a cerveja "grande", ali especada com o "balde" nas mãos sem poder aplaudir. Não era que Manson desapontasse. A voz está boa, os novos músicos fazem o que devem... Mas faltava química.
A coisa só começou a animar quando Manson passou ao teatro. No alto de uma cadeira gigante, pôs-se a fazer malabarismos enquanto cantava "Are You The Rabbit?", mais uma do novo álbum, e o público empolgou-se.
Talvez Marilyn Manson tenha perdido aquela capacidade de chocar a que as pessoas se habituaram e ande simplesmente à procura de uma maneira nova de estar em palco. Uma coisa é certa, as pausas no intervalo das músicas para mudar o cenário são um "corte" no ambiente musical que arrefece completamente a plateia.
Munido de projecções relacionadas com os conceitos dos álbuns anteriores, Manson mostrou-se pouco "obscene" e muito bem comportado. Fizeram-lhe chegar uma bandeira de Portugal (cheguei a pensar que era lingerie mas não tivemos tanta sorte...) que pôs aos ombros em sinal de respeito. O público gostou. Eu não sei se Manson gosta de bandeiras (parece-me que não) mas foi bonito. Só faltava uma condecoração do presidente da República e um beijinho da primeira dama. Quem ainda espera o Anticristo que cospe e dá pontapés pode tirar o cavalinho da chuva. Pelo contrário, durante "Heart-Shaped Glasses" tivemos direito a uma chuva de confettis (pretos). Parecia o Dia dos Namorados.
Mas não vou ser mázinha. Quando já começava a pensar se tinha deixado "Os Sopranos" a gravar e se ainda chegaria a casa a tempo de ver "A Letra L" e se lá fora ainda chovia muito, fui arrancada do tédio por dois grandes momentos. O primeiro quando Manson se fez erguer num aparato metálico para cantar "The Reflecting God". Mais à vontade com o novo Manson, o público que quis entregou-se completamente: "shoot, shoot, shoot motherfucker, shoot!"
O outro grande momento foi quando o cenário voltou ao primeiro álbum, grandes faixas negras ao fundo com o símbolo do raio, e Manson, de fato, gravata e cartola, não só canta como interpreta um "Antichrist Superstar" em que faz de político, marioneta decadente, pregador, tudo ao mesmo tempo, para no fim lançar fogo ao livro que segura na mão. Política e religião a arder e eu a aplaudir freneticamente, às gargalhadas. Deve ser a primeira vez que um concerto apela ao meu sentido de humor mas confesso que me diverti imenso. "They say the drugs are made in Portugal" cai sempre bem. Não sei se Manson gostou. Com o homem tudo é ironia. Parece-me que não, como já me tinha parecido da última vez que o vi no Super Bock Super Rock. Gostava mesmo era de o ver no Coliseu, mais perto do público, mais intimista.
O próprio Manson parece também querer vencer a distância. Ainda andou a cantar para as primeiras filas antes do fim, e depois de "Beautiful People" lançou-nos uma nuvem de confettis brancos. Tudo muito profissional, tudo medido e ensaiado como numa peça de teatro. Pouco, se alguma coisa, é deixado à espontaneidade do momento. Para concerto de rock, sabe a pouco. Para peça de teatro, Manson terá de abandonar a tentativa de ser apenas um cantor de rock e abraçar o seu lado vaudeville. E talvez não fosse má ideia. O formato "concerto" parece atrapalhar mais do que ajudar. Rock is dead?

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Movimento gótico: Uma Perspectiva I

No princípio era o nada. Quando eu cheguei à noite, o Bairro Alto era ainda uma sucessão de tascas, casas de fados e elitistas bares da moda. Um pormenor que recordo com alguma perplexidade, ainda havia prostitutas na rua, sempre duas ou três, já quase reformadas e outras a entrar na pré-reforma, na esquina da Rua da Atalaia junto às Primas. Eram reminiscências de um tempo antigo, de engate à meia porta e cinta na liga, resquício ainda mais rebuscado da Lisboa do fado vadio, da Severa e de outras menos más, da soldadagem de província em busca de copos e mulheres, a fazer-se homem, dos boémios... e, claro, dos artistas. Parece há muito tempo mas ainda em 1987, quando eu cheguei, as pessoas sérias não saíam à noite. Sair à noite era coisa de puta, de putanheiro, de maricas e de artista de revista. Foi nesse Bairro Alto que eu herdei as tascas, as putas e os intelectuais. Estes últimos tinham os seus selectos santuários, o Frágil e os Três Pastorinhos, onde ninguém entrava se não vestisse Ana Salazar.
Não é possível descrever o meu caminho sem começar aqui, no Bairro Alto, onde (quase) nada do que há hoje existia mas algo de novo já começava a fervilhar, como um vírus contagioso todo contente no esgoto infecto, ainda invisível e incubado, mas pronto a espalhar a sua doença.
Mais em baixo, na rua do Diário de Notícias, havia sempre punks à porta de uma determinada discoteca. Discoteca era o nome que dávamos a um sítio onde se ia ouvir música tão alta que não se podia conversar. O termo "bar" raramente se ouvia. Havia o piroso bar dançante, isso havia, e a mais piolhosa "boite", geralmente também "casa de meninas" mas não necessariamente. Vai por isso o termo discoteca aplicado à Juke Box como a conheci, onde pela primeira vez ouvi Sisters of Mercy, Cure, Siouxie, Bauhaus ou Joy Division fora de casa.
Mas não avancemos mais que ainda há muito para contar. Lembro-me especialmente da sujidade, da porcaria. Ainda hoje os bares, tascas e mesmo discotecas da capital (nem escapam os mais finos) primam pela falta de limpeza. Falta de higiene da gerência, falta de asseio dos clientes. Porcos na pocilga em todo o estilo. (Será que conto aquela da menina que mijou nas escadas da casa de banho do Kremlin porque a pia estava ocupada? Não, não conto. E isso é muito para a frente na história.) Eis algo que não mudou. O que me leva a perceber que estas memórias começam muito antes disto tudo. O vírus desenvolve-se na merda.
A primeira vez que eu vi um punk tinha uns 7 ou 8 anos. Estávamos para aí entre 1979 e os primeiros anos 80. Eram duas gajas que vinham dos lados da Feira da Ladra. Os meus olhos de criança fixaram-se nas meias rotas até à brutal revelação que elas se vestiam assim de propósito. Collants esburacadas, roupas rasgadas, possivelmente de quem dormia na rua ou algo parecido (já havia droga mas não se sabia). Mas o que mais me chamou à atenção foi de facto a sujidade daquela gente. O cabelo, todo no ar, mas era mais da porcaria do que do gel. Se isto foi assim na anarchy do UK ou apenas aqui na piolheira (como um amigo insiste em chamar a isto, para meu desgosto) nunca saberei. Lembrei-me delas quando vi punks mais tardios deitados no chão a beber garrafas de litro de cerveja Sagres, também na Feira da Ladra, já iam altos os anos 80 e eram diacrónicas aquelas personagens de crista e pins dos Sex Pistols. Imaginem lá o que sustinha as cristas? Porcaria. Sabão azul e branco e porcaria. Muita porcaria. Não havia lêndea ou piolho que sobrevivesse muito tempo naquela cabeça cheia de heroína (ou será que os piolhos também gostavam?) mas na altura não se falava do assunto. Até se falava da piolhagem, mas não se suspeitava da heroína.
A porcaria nunca me atraiu, pessoalmente. O que leva a história aos meus 10, 11 anos, quando pela primeira vez comecei a ouvir música escolhida por mim. Antes de continuar, saliento mais uma vez que tinha 10, 11, 12 anos, nem mais um dia. Mesmo assim e tudo isso à parte, aqui vou ser peremptória: a música dos anos 70, década em que nasci, era uma grande merda e uma grande seca. Sejamos francos. Disco sound, Abba, Festival da Eurovisão por um lado, cantigas de intervenção pós-25 de Abril por outro, e no meio disto tudo lá se ouviam umas guitarradas de hard rock ou rock sinfónico que não excitavam o menino Jesus. Até os Doors, que são os Doors, no final se tornaram arrastados, psicadélicos, droga a mais.
As hipóteses de contacto com música de vanguarda, para um miúdo de 10, 12 anos, sem irmãos mais velhos, eram mais ínfimas do que ver um OVNI no céu alentejano.
Depois o Júlio Isidro começou a promover umas bandas, no seu execrável programa de domingo à tarde "O Passeio dos Alegres" (ou seria sábado? who cares? mas não queria dizer mal do "Passeio dos Alegres" porque pelo menos tentaram dar a conhecer algo novo...). Por lá passaram, se a memória de infância me não atraiçoa, os Trabalhadores do Comércio, os Táxi, os Salada de Frutas (de Lena d'Água), a Adelaide Ferreira (de "Baby Suicida"), e uma banda estranha, os Tantra, cujo vocalista se chamava Frodo (mal eu sabia o que eu ia gostar de Frodo...) e usava um cone de plástico na cabeça tão arrepiante que à pala disso não dormi algumas noites. (Foda-se, aquilo era lá coisa para passar num domingo à tarde, ou sou eu que me assusto demais?)
Isto era já o despertar do rock português, o Chico Fininho e outros que tais, mas nada disto me dizia a ponta de um corno.
Depois apareceu um programa inédito, salvo erro chamado Top Disco, já em plenos anos 80, portanto, onde se começaram a ver uns telediscos (a palavra era "telediscos") de uns rapazinhos giros chamados Duran Duran, e Limahl, e um outro de que eu gostava particularmente porque já sabia inglês e dizia-me algo, o Nik Kershaw, com o seu lamento de sucesso "Wouldn't it be good?", e até uns Culture Club que no mínimo me deixaram de boca aberta.
Havia neles uma diferença de tudo o que tinha visto até ali. Eram limpinhos. Eram bonitos. Usavam roupa escolhida a dedo. Penteavam o cabelo que só aparentemente parecia punk. Ali não havia porcaria, havia gel. Até a vil Madonna de Like a Virgin, com as suas rendas negras e meia dúzia de crucifixos ao pescoço, não cheirava mal à distância. Porque não vamos ter ilusões, os Táxi ainda me cheiravam a gasosa e peixe frito. Mas os Duran Duran? Cheiravam a vinyl, um aroma muito virtual de que eram feitos os artistas naquele tempo. E, contudo, com cheiro a disco rígido e a internet (que não cheira a nada), hoje os artistas da moda não têm metade da sinceridade que eles tinham.
Era também o tempo do hip hop. Na América estava na moda andar de lata da mão a pintar paredes. A Balada de Hill Street não demorou muito a chegar cá, mas quando atravessou o oceano não cheirava a hot dog mas a cachupa. Tinha doze anos quando fui a uma festinha de 2º ano do Ciclo (hoje 6º ano) e me disseram "hi, não sabes dançar reggae!" Eu saber até sabia, porque aquilo estava na moda à brava e se dançava assim: um passinho à frente, joelhinho abaixo, controlado, passinho para trás, joelhinho abaixo, controlado... Quase uns familiares passo à frente e dois atrás. Estava a guardar-me para música que valesse a pena.
Não podem dizer que não me tentei integrar na merda que havia. Eu tentei. Já com os meus 13, 14 anos, pus-me a ouvir heavy metal. Nessa altura já não se chamava heavy metal mas sim speed, trash, death metal. As minhas K7s estavam gravadas com temas pop da altura, "The Reflex" dos Duran Duran no lado A, e o lado B cheio de Anthrax (quando lhe dou, dou-lhe forte, não fico por paninhos quentes), não tanto porque gostava (depressa caía na mais profunda depressão) mas porque não conhecia outra coisa. Para explicar depressa e bem, nenhuma dessas K7s arqueológicas sobreviveram até aos nossos dias. Graças a Deus! E graças a mim que não tive o mau gosto de as preservar.
O que me leva à questão das tribos que existiam em Portugal na altura. Não, ainda não é hoje que vou falar nos vanguardistas. Esses merecem um cantinho bastante especial e dedicado nas páginas do meu ódio.
Vou começar pelos metaleiros porque me dá especial prazer, especialmente quando nas minhas tentativas de socializar aproveitei a minha audição (não apreço) pelas bandas de metal mais vanguardistas da altura para meter conversa com eles. Ser metaleiro, no início dos anos 80 e até princípios dos anos 90, não era andar vestido de preto com um pentagrama ao pescoço. Tudo isso foi roubado aos góticos. Vou então passar a explicar, e os metaleiros de hoje, quais alemães do pós-guerra, que me perdoem por não deixar morrer o horror mas vai ter de ser. Ser metaleiro, nesses tempos, era usar calças de ganga elásticas, azuis, usadas até ficarem azul bebé, todas chegadinhas ao rabo e pernas magras de anoréxicos/as, e camisolas dos "i-rom mái-dem", sim ouviram bem, "i-rom mái-dem" porque a maior parte deles nem sabia ler inglês quanto mais falar (o ensino obrigatório era o Ciclo Preparatório), e umas cabeleiras compridas, compridas, desgrenhadas, oleosas e... adivinhem?... sujas de meter nojo. Mas é como eu digo, a sujidade era tanta e geral que não se notava. Tudo era sujo, tudo era porco.
[Haviam de ver os pais e mães desses meninos, que só tomavam banho de quinze em quinze dias porque não havia dinheiro para mais.
Não sei se viram "O Perfume", já para não perguntar se leram. Há uma parte em que se diz que Paris na época devia ser um antro fétido a que os narizes já estavam acostumados. Portugal era um antro semelhante no que toca ao chulé, à caspa, à roupa suja. Ao perfume barato a disfarçar. Devemos ter aprendido esse truque do perfume com os franceses mas como não sou especialista vou-me reservar a falar do que sei.]
Os metaleiros, tal como os punks, parece que faziam um especial orgulho da sua falta de limpeza. E depois havia a droga. Já se cheirava droga por todo o lado e ainda ninguém lhe reconhecia o cheiro.
Isto da sujidade lembra-me outra tribo, aquela em que Portugal é mais pródiga, que são os bimbos em geral. Desses nem quero falar porque me deprime, mas diverte-me trazer aqui as memórias de uma sub-tribo de bimbos, os azeiteiros, que eram à sua medida uma espécie de "bimbo radical" mas mais porco. O próprio termo "azeiteiro" deriva da oleosidade capilar. A malta até lhes fez um eufemismo transformando o óleo em azeite pelo que não têm que se queixar. Um verdadeiro azeiteiro já é raro de se ver. Estão praticamente extintos (mas ainda existe um ou outro, escondido debaixo de uma pedra insuspeita.) Se querem imaginar um azeiteiro adaptado aos tempos modernos (versão azeiteiro rico) pensem num Cristiano Ronaldo, sem maquilhagem nem banho, com aqueles brincos espampanantes e o cabelo cheio de óleo, cortadinho à frente e comprido atrás, à Miami Vice, e aí têm a vossa fonte de inspiração.
Esta sub-espécie raramente saía dos buracos onde morava mas quando tomava banho frequentava discotecas à tarde (sim, à tarde, porque naquele tempo não se saía à noite) a fazer-se ao engate. Nem sei se hei-de falar aqui do famoso Crazy Nights ou mais à frente. Ou talvez nunca. Se hoje se tiver transformado em loja de chineses é muito bem feita.
Era vê-los, todos limpinhos com o banho da semana, de calcinha bege, camisinha às riscas, cinto fininho e preto, mocassin castanho e meia branca. Dois ou três botões desabotoados no peito, a mostrar a pintelheira e um fio de ouro com crucifixo, à chulo, como os pais que os pariram. Nem quero imaginar as mães.
À frente. Havia os betinhos, claro, mas nesses nem punha a vista em cima porque andavam em colégios particulares a engravidar e fazer abortos antes dos acampamentos dos escuteiros organizados pela igreja. Desses não é preciso falar. Continuam iguais e penso que, tal como as baratas, serão os últimos a perecer em caso de desastre nuclear ou afins.
Estou mais interessa nos putos filhos da classe média-alta emergente nos princípios e meados dos anos 80, época dourada de entrada na CEE e início do cavaquistão. Isso é que era dinheiro. Aos treze anos já achavam "o máximo!" ir com os pais aos bares da moda, o Bora-Bora e o outro ao lado, beber cocktails verdes de Pisang Ambon com um chapelinho-de-sol. Muitos desses vieram a tornar-se vanguardistas só para se livrarem dos pais e do Bora-Bora. (Não os condeno. Afinal, quem é que suporta o Bora-Bora? E os pais até ficaram aliviados porque naquela altura desatou tudo a divorciar-se e a dormir com este e com aquele e os fedelhos atrás só atrapalhavam o engate.)
Foi assim que os jovens começaram a sair à noite em Lisboa, extravagância proibida que até aí era um tabu tão grande quanto acender um cigarro numa unidade de oncologia do cancro do pulmão para doentes terminais.
E, de repente, num ápice, bons rapazes e boas raparigas começaram a invadir as tascas do Bairro Alto para beber barato (que a mesada não dava para mais) ao lado das putas e dos putanheiros e dos intelectuais e dos artistas.
Foi por esta altura que Jorge Palma escreveu um dos mais belos tratados sobre a noite chamado "Canção de Lisboa":

Os serões habituais
As conversas sempre iguais
Os horóscopos, os signos e ascendentes
Mais a vida da outra sussurrada entre os dentes
Os convites nos olhos embriagados
Os encontros de novo adiados
Nos ouvidos cansados ecoa
A canção de lisboa

Não está só a solidão
Há tristeza e compaixão
Quando sono acalma os corpos agitados
Pela noite atirados contra colções errados
Há o silêncio de quem não ri nem chora
Há divórcio entre o dentro e o fora
E há quem diga que nunca foi boa
A canção de lisboa

Mamã, mamã
Onde estás tu mamã
Nós sem ti não sabemos mamã
Libertar-nos do mal

A urgência de agarrar
Qualquer coisa para mostrar
Que afinal nos também temos mão na vida
Mesmo que seja a custa de a vivermos fingida
O estatuto para impressionar o mundo
Não precisa de ser mais profundo
Que o marasmo que nos atordoa
Ó canção de lisboa

As vielas de néon
As guitarras já sem som
Vão mantendo viva a tradição da fome
Que a memória deturpa e o orgulho consome
Entre o orgasmo e a gruta ainda fria
O abandonado da carne vazia
Cada um no seu canto entoa
A canção de lisboa




Continua.

sábado, 10 de novembro de 2007

The Prophecy (saga)

"The Prophecy" é uma série de filmes daquilo a que gosto jocosamente de chamar "ficção religiosa". Ou, em termos certamente familiares aos leitores mais novos, uma espécie de "fan fic" em torno dos personagens angélicos da tradição judaico-cristã. É isso mesmo, os protagonistas da saga são anjos. Não são os querubins de S. Valentim, muito menos os anjos da guarda das criancinhas, nem sequer os anjos new age que respondem a preces e participam em curas astrais. Não. Estes são os anjos que vieram à Terra gerar em pecado os nefilins, os anjos que destruiram Sodoma e Gomorra, os mesmos que mataram os primogénitos do Egipto, e até os anjos que deixaram de o ser. "Todos os anjos são assustadores", diz-se no quarto filme, e a saga explica porquê.
Há uma guerra nos Céus, problemas no Paraíso. Algumas facções angélicas estão insatisfeitas com o favoritismo de Deus para com a sua criação terrestre e desejam voltar a ocupar o lugar que tinham "no princípio", antes de os seres humanos (mortais e imperfeitos) se terem tornado mais importantes no Plano Divino. Para atingir o seu fim, sem contrariar o Todo-Poderoso, tentam por isso conhecer e manipular as profecias apenas reveladas ao homem.


The Prophecy (1995)



Este é um filme que actualmente ainda se vê com interesse mas cujo arcanjo Gabriel de Christopher Walken não se consegue descolar da imagem do Exterminador Implacável, o que vem a ser corrigido nos filmes posteriores. Poderá ter sido um choque para os mais fundamentalistas quando o seu São Gabriel trata os humanos por "macacos" e desce à Terra para levar a alma de um general sem escrúpulos com o intuito de o fazer liderar os exércitos revoltosos que se preparam para travar a segunda guerra nos Céus. Para isso, não hesitará em matar quem se lhe atravessa pelo caminho, até a criança índia em quem a alma do tirano está aprisionada.
Um Lúcifer muito convincente interpretado por Viggo Mortensen (o "Aragorn" de "Senhor dos Anéis") reconhece a rebeldia e arrogância de Gabriel. É assim que o arcanjo, totalmente afastado da Graça Divina, é arrastado para o Inferno, e Lúcifer se torna um inesperado aliado dos humanos perplexos e desesperados. Sem dúvida a melhor parte do filme, esta reviravolta que lhe traz uma profundidade que se arriscava a não ter, e uma inversão de papéis que será de novo explorada à luz de um século XXI cada vez mais pessimista.


The Prophecy II, God's Army (1998)



Os arcanjos Miguel e Rafael enviam à Terra o anjo Daniel para conceber um nefilim que, segundo a profecia, está destinado a trazer a união entre anjos e homens e pôr fim à guerra que se prepara nos Céus. Conhecendo os seus planos, Lúcifer solta do Inferno o anjo Gabriel (dividir para reinar?), que imediatamente começa a perseguir a mulher grávida (Jennifer Beals). Ao tomar consciência do seu papel nas guerras celestiais, esta deixa-se conduzir até ao arcanjo Miguel que lhe confessa não a poder proteger do outro arcanjo.
É interessante como neste segundo filme não é o Diabo que intervém mas o Todo-Poderoso que, através da fé, faz saber o seu propósito. O anjo Gabriel é derrotado pela futura mãe do nefilim, sinal claro que Deus está do seu lado. Afastado do Céu e expulso do Inferno, Gabriel é condenado a viver na Terra, como humano, o pior castigo que poderia receber. E assim se salva mais um filme de cair na vulgaridade do Bem e do Mal.


The Prophecy III, The Ascent (2000)



O terceiro filme é, na minha opinião, o mais fraco da primeira trilogia. Retoma a história de Daniel, o nefilim, filho do anjo Daniel e de uma mulher, agora adulto e líder de uma seita que anuncia ao mundo que Deus abandonou a humanidade. Com a ausência de Gabriel, uma nova facção de anjos rebeldes surgiu nos Céus e pretende instaurar um novo Deus, Pyriel, "veterano" da guerra contra Lúcifer, mas a profecia diz que o nefilim Daniel o destruirá, pelo que o jovem se torna uma ameaça a ser eliminada. Depois de uma tentativa de assassinato mal sucedida, desce à Terra para tratar do assunto o anjo Zophael, criatura dúbia de lealdade incerta, que no fim se revela fiel a Pyriel, o novo Deus. A perseguição e constantes duelos entre Daniel e Zophael, com efeitos especiais tirados do "Matrix", podia estar muito na moda mas hoje já não se suporta os saltinhos e as correrias nas paredes. O filme ficou "passado".
Aproveita-se a grande interpretação de Christopher Walken, já não o exterminador implacável e angélico mas um velho decadente, cabeludo, barrigudo, viciado em todos os prazeres terrestres (até prostitutas), que já sabe conduzir e guia como um louco tocando a sua trombeta. É só por isso que vale a pena ver este episódio.
Quanto a Pyriel, que para personagem que aspirava a ser um novo Deus se finou num instante (o que é pena porque tinha uns lindos olhos azuis), penso que os argumentistas deram um passo maior que a perna.
Mais uma vez é a metáfora de Gabriel que salva o filme e lhe dá profundidade, pois só depois de largos anos a viver na Terra como os "macacos" que tanto despreza é que finalmente compreende o Plano Divino e é chamado de volta ao Céu.


The Prophecy IV, Uprising (2005)



Este filme regista nitidamente uma ruptura com os anteriores. O local é Bucareste, Roménia. A atmosfera é densa, europeia, cinzenta, soturna, por vezes apocalíptica, muito longe do espectáculo visual de Hollywood. É neste ambiente que um Satanás tão belo como frio (John Light) se faz passar por agente da Interpol na pista de um serial killer para se aproximar de um polícia corrupto com muitas culpas no cartório. Todavia, o que Satanás pretende desta vez não são (apenas) almas mortais, mas sim levar de volta para o Inferno o rebelde Belial (conhecido como o demónio da carne). Estes anjos são outros e também há guerra no Inferno. Belial pretende apoderar-se do Lexicon, um livro até então guardado por um velho padre local, onde está a ser escrito pela mão de Deus um novo capítulo do Apocalipse. Para os leigos na matéria, um novo capítulo da Revelação seria o acontecimento mais importante no cristianismo em 2000 anos! Com esta informação, Belial pretende criar um novo inferno, restaurar o equilíbrio, o preto no branco, em vez do cinzento tema que percorre todo o filme, a "ambivalência moral" nas palavras de Satanás, onde santos e diabos já não se distinguem.
Satanás, que desde a Queda não tem lugar no Plano Divino, ou assim parece, não mostra o mínimo interesse no livro e na sua profecia. Prefere estar na "cave" de castigo e divertir-se a ouvir as discussões dos irmãos preferidos do Pai como uma vingança servida fria. Para que nenhum anjo tenha acesso às profecias, protege a frágil Allison, guardiã do Lexicon, até obter o seu fim. E, parecendo sempre inofensivo, triunfa em todas as frentes.
Um pormenor politicamente curioso: a casa onde decorre parte da acção, que tinha servido de local de tortura à polícia secreta comunista, por ser palco de tantos horrores foi entregue pelo Divino como "pedaço de inferno na terra" ao domínio de Satanás. Dá que pensar. Dá muito que pensar.


The Prophecy V, Forsaken (2005)



Desta vez, é um serafim cujo nome verdadeiro nunca sabemos que vem à Terra à procura do Lexicon, onde se irá escrever muito em breve o nome do Anticristo que despoletará o Armagedão. Argumenta que quer intervir para evitar o genocídio, o Dia do Juízo Final ("a pior ideia de Deus"), e pretende eliminar a criança antes que esta se torne adulta. Mas para isso tem que encontrar Allison e convencê-la a entregar o livro. Movida pela fé no Plano Divino, Allison arrisca a vida para que o poderoso serafim não tome conhecimento da profecia, e para isso até recorre ao inimigo mais temível, Satanás, que já a tinha ajudado uma vez e que finalmente revela aos seus motivos. Ao contrário dos anjos celestiais rebeldes, que querem manter os humanos puros e justos fora do Paraíso, o que lhe interessa é encher o Inferno de escravos seus, e por isso tudo fará para que o Armagedão aconteça. Por algum tempo, Satanás é aliado do Plano Divino. O que também dá que pensar.
Toda a série de filmes "The Prophecy" foi classificada como cinema de terror mas, na minha opinião de habituée, exageradamente. Neste quinto episódio, contudo, garanto que há cenas arrepiantes até para o espectador mais vacinado. Direi mesmo que só não é mais assustador porque se sabe desde o princípio que a menina morta é uma mensageira de Satanás, o aliado da nossa heroína. Se isso é ainda mais arrepiante, à "Exorcista" mas post mortem, quem vir que decida.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Inland Empire (2006)



Uma actriz consegue um papel importante que há muito desejava quando descobre que o filme que protagoniza tem fama de estar amaldiçoado. Esta é a história. A partir daqui, "Inland Empire" deixa de a ter. Qualquer tentativa de transformar o filme de três horas numa narrativa lógica é perda de tempo.
Costumo dizer que em "Mulholland Dr." o realizador David Lynch deixou o cinema para se dedicar à poesia. Aqui, parece pintar nas sucessivas telas, principalmente nos grandes planos da musa Laura Dern, quadros mais ou menos abstractos intercalados às vezes pela mais literal escuridão. Qualquer palpite em decifrar o significado desta "pintura" de David Lynch será como atribuir significados a um teste de Rorschach.
Este não é um filme para a mente mas para a alma. Como perante qualquer obra de arte, a alma sente ou não sente. A minha alma vibra e é por isso que David Lynch continua a ser o meu realizador preferido. Sou por isso suspeita quando digo que há muito ultrapassou a nota 20 na minha classificação e que este filme tende para o mais infinito... sem deixar de ter em conta que quando o nível artístico é assim tão elevado (como o de um genial Picasso), apesar da perfeição técnica muitos outros não lhe dariam mais que zero. Afinal, David Lynch despreza a definição básica de cinema que é contar uma história em imagens animadas.
Mas devo confessar, apesar do meu apreço pelo realizador e pelo filme em análise, que algo não me agradou. Admito que já estou farta até aos cabelos desta obsessão americana pelo que é real e o que não é e a consequente exploração ad nauseum dos temas de Alice no País das Maravilhas, O Feiticeiro de Oz e quejandos, que parecem ser para os os filmes de Hollywood (especialmente os independentes) um fetiche tão grande quanto o sexo para os filmes franceses.
Faço figas para que o mestre Lynch decida "pintar", "poetisar", "musicar" talvez, sobre outro assunto qualquer num próximo filme.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Ocos e vazios

Depois de muito observar a corja que nos governa actualmente e não ter conseguido perceber porque parecem seres tão estranhos e inacreditáveis (é o das finanças, a da educação, o da economia, e o outro, o Lino das obras), talvez devido às leituras de H. P. Lovecraft se tenha feito luz.
Não são pessoas a sério. São balões. Se se lhes espetar um alfinete, saem disparados pelo espaço até esvaziarem o invólucro.
Tenho mesmo a desconfiança de alguns deles, como Sócrates, o Seguro, e aquele que ganhou a presidência da Câmara de Lisboa cujo nome não me lembro assim de repente (tal a sua não-importância) começaram a carreira como pessoas a sério. Com o tempo na política, uma invisível conspiração extra-terrestre chupou-lhes o cérebro e encheu-os de ar quente de baixo para cima. O mesmo fenómeno aconteceu a Cavaco Silva que actualmente só apresenta uma expressão facial. É dar-lhe tempo e votos e até os pitorescos Santana e Menezes passarão a balões.

sábado, 27 de outubro de 2007

Lilith em Escorpião

Esta Lua revela uma predisposição para as crises existenciais, para a depressão e angústia, ou mesmo tendências autodestrutivas. (...) Predispõe ainda o indivíduo à obsessão pela morte, mas, curiosamente, sem medos nem rejeições: sente um estranho fascínio por essa "viagem", que considera como uma espécie de caminho de iniciação espiritual.

In "Boa Estrela", Setembro

Se isto não é a definição da alma gótica, daquele "sentir" que inspirou artistas e assombrou infelizes desde que o mundo é mundo, muito antes da música, muito antes das roupas e do que somos hoje, então não sei o que é. Para mim, ser uma alma gótica é ser isto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Halloween

Se não sabem o que fazer na Noite das Bruxas, vão ao Pórtico.
Há para todos os gostos.
A massificação do Halloween é benéfica. Quanto mais opções houver menos as pessoas normais terão tendência a poluir os buracos góticos com a sua presença anual de visita ao jardim zoológico.
Tenho dito.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A morte moderna

E voltamos a falar na morte.
Há pouco tempo soube da morte de um amigo, mas soube tarde e a más horas. Temos a tendência para pensar que algumas pessoas que desaparecem das nossas vidas estão em todo o lado menos mortas porque são muito novas para morrer. Essa é uma das perplexidades da morte. Nunca se é muito novo para morrer. O dia em que se nasce é um dia mais próximo Dela.
Mas hoje não quero falar da eterna perplexidade da morte mas sim da morte moderna.
Da última vez que fui a um funeral foi por um vizinho idoso a quem tinha apreço. Lembro-me que tive de pedir autorização no trabalho e de me olharem de lado como se fosse uma extravagância, um mimo, uma ida ao cabeleireiro. Pedir dispensa do trabalho para ir a um funeral? Não podia ir ao funeral no fim de semana? E mesmo assim tive sorte. Na condição precária em que me encontro, actualmente só poderia ir à noite ao velório. Acompanhar o defunto à última morada à hora de expediente é que não. O morto que morresse ao sábado.
Isto faz-me impressão, confesso que faz. Seriam vinte pessoas naquele funeral, no funeral de um homem idoso que deve ter conhecido tanta gente ao longo da vida. Até se pensaria que era uma peste. Só uma peste merece ter um funeral de vinte pessoas. Achava eu.
Comecei a pensar no assunto, porque a morte é daquelas coisas que não me saem da cabeça, quando percebi que se um amigo chegado morresse ia ter muitos problemas para ir ao funeral. A lei laboral só contempla essa "benesse" para a família. Ao funeral dos amigos não se pode ir.
E depois pensei como as coisas mudaram com o progresso. Antes, quando Lisboa era ainda uma aldeia de pequenos bairros, e morria alguém lá da rua, nem se pensava pedir ao patrão para ter dispensa para ir ao funeral. Que raio! Fechava a mercearia, fechava a farmácia, fechava o sapateiro, punham a gravata preta e iam todos ao funeral. E depois voltavam, todos, mesmo todos, para os seus afazeres. Não falo do século passado. Falo de coisas tão presentes como os anos oitenta. A partir daí, o progresso ditou que os moribundos fossem para o hospital e os mortos se enterrassem sozinhos. É isto progresso?, pergunto ingenuamente. É isto que se faz nos países desenvolvidos?
Se a minha indignação pega, ainda vamos ter funerais depois das seis. Ou de noite. Faltar ao trabalho para ir ao funeral de um amigo é que não. Com os mortos que vão os velhos, que é o sítio deles. As crianças estão na escola e os novos estão a trabalhar. Não há tempo para enterrar os mortos. Toca a andar, sempre a correr. Isto é que é o progresso? Que honra está na vida quando se rouba a dignidade à morte?
Estranhos tempos, estes. Tempos de guerra, tempos de peste, tempos das mais terríveis trevas. Os vivos estão mortos e não sabem.

Cenas aterradoras

Hoje vou improvisar. Movida pela comentadora Penemue, que neste post falou "das mais aterradoras cenas alguma vez apresentadas em celulóide", aqui vão algumas das minhas "preferidas", aquelas que se "vêem" no escuro...

1. O Exorcista (1973) A miúda a rodar a cabeça 360 graus.

2. Night of the Living Dead (1968) Filme a preto e branco. Um casal que viaja de carro, ao fim da tarde, faz uma paragem à beira da estrada e vê um homem aproximar-se deles, a cambalear. A mulher comenta que deve estar doente e precisa de ajuda. Quando lhe tenta dar a mão, a criatura agarra-a e rosna. É um zombie.

3. The Howling (1981) Filme de lobisomens que podem transformar-se em lobos quando querem, não apenas na Lua Cheia e também durante o dia. A certa altura, uma das vítimas ouve um barulho fora de casa, em plena tarde solarenga. Quando a personagem se afasta, vê-se projectada na parede, através da janela aberta, a sombra de um lobisomem gigante.

4. The Haunting (1963) Filme a preto e branco.
Primeira cena: Duas mulheres estão deitadas no mesmo quarto, em camas separadas. Antes de adormecer, conversam sobre as suas vidas. Uma delas continua a desabafar sem se aperceber que a companheira já tinha adormecido. Pede-lhe que lhe aperte a mão porque tem medo. Pouco depois, queixa-se que a outra lhe está a agarrar a mão com demasiada força. A mulher adormecida acorda com os gritos, acende a luz, e ambas percebem que outra coisa estivera com elas no quarto.
Segunda cena: Fortes pancadas no tecto. Pancadas tão fortes que deixam marcas por onde passam. Aterrorizados, os presentes na sala nem abrem a boca. As pancadas dirigem-se para a porta. Batem na porta, ameaçam deitar a porta a abaixo. A porta de madeira maciça estica, como se fosse feita de borracha e estivesse prestes a romper-se. As pancadas cessam com o aproximar de mais pessoas. Quando abrem a porta, nada de sobrenatural. Nada de nada.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Uma semana sem internet

Por motivos de avaria no computador, vivi uma semana sem internet. Para quem tem banda larga há quatro anos, foi uma provação que ultrapassei mais facilmente do que pensava. Mesmo assim, foi doloroso. Devo mesmo admitir que as noites de quatro canais sem televisão de jeito foram anestesiadas pelas horas passadas de volta da máquina, a tentar restaurar a minha ligação ao mundo, qual alma penada que se esforça por abrir um canal de comunicação com os vivos.
À falta de séries e filmes de qualidade (quatro canais... nada de jeito) sobrepôs-se uma secura de notícias e opinião imparcial que até doía. Imaginei-me a viver assim, toda a vida, como a maioria dos portugueses que nem sonham do que fervilha na internet, sedada em estado comatoso por novelas da TVI, reality shows, reality telejornais e reality concursos da treta onde se escreve jasmim com "n" (jasmin, à inglesa) e girassol com apenas um "s" (girazol?). E futebol, muito futebol, e muito governo a dizer todos os dias a toda a hora que o país está a progredir, enquanto à socapa se vão passando notícias de que o desemprego aumenta, o endividamento não é preocupante, é chocante!!!, e o país se afunda. Apercebi-me, eu, que tenho acesso a um quociente de inteligência acima da média (mas bem tento acabar com ele, juro, mea culpa, mea culpa!) e à autoestrada da informação, do pouco que um português típico fica a saber do que se passa. Os coitados só percebem quando lhes bate à porta. E como ainda por cima o português tem a mania de fingir que está sempre bem na vida e cheio de dinheiro, nem entre "amigos" se confessa o real estado do sítio, a não ser quando a miséria é tão grande que nem os amigos acreditam.
E depois há outros problemas. Há empregos a manter. Há que calar a boca.
É por isso que artigos de opinião como estes, no jornal gratuito que é o Metro, são um bálsamo para a alma. Infelizmente, a maioria das pessoas prefere fazer o sudoku ao lado da crónica, o que é lamentável. Vale a pena ler José Júdice às quartas feiras, embora o apelido do senhor me faça imediatamente torcer o nariz (reflexos condicionados de repulsa perante a consanguinidade das "elites" do país). Ora vejam.




Sim, sei que é mais um a dizer o mesmo, e num estilo tão irónico e sinuoso que apenas os abençoados com dois neurónios (porque a maioria só tem um) apanham o significado. Mas atentem nestas palavras:

"Se em Portugal não há uma 'riqueza intangível', é porque alguém a meteu no bolso, como já se mete a outra riqueza, a tangível. É por isso que a corrupção nos rouba duplamente".

Não sei quando começou mas suspeito que foi por altura do declínio e queda da nação pós-Descobrimentos, das quais ando aqui a tentar descobrir as causas já que desisti de lhe procurar cura para os efeitos. A certa altura esta elite de gente que casa entre famílias a um ponto de consanguinidade, ou a classe dos tios, como lhe chama o Hora Absurda, percebeu que a única maneira de pôr os idiotas congénitos que geravam à frente dos negócios de família era ter uma horda de gente semi-inteligente a trabalhar às suas ordens. Mas, atenção, gente não muito inteligente que ofuscasse completamente o idiota com o seu brilho. Gente apenas menos idiota que o idiota primogénito, que não tropeçasse na sua própria pastilha elástica. Os cérebros, os verdadeiros talentos, eram para abater logo, de preferência na escola primária. Aliás, todo o processo educativo em Portugal se destina a identificar estas potenciais ameaças ao domínio dos idiotas. Para isso promovem-se semi-idiotas que vão dando conta do recado, marionetas babadas porque afinal, e pela primeira vez na vida, se sentem inteligentes e recompensados. Como o Sócrates.
Pensemos no que liam os idiotas e os semi-idiotas no tempo de vida de Fernando Pessoa. Não sei o que liam, mas certamente não era Fernando Pessoa mas um semi-idiota promovido a bobo da corte do momento. Inteligências geniais como Fernando Pessoa, apesar de empregado de escritório e tudo, eram uma ameaça demasiado grande. Haviam de ser lidos, sim, mas depois de morrerem.
Até aqui, parece que o sistema funciona. Os príncipes idiotas governam nesta monarquia de ser filho-de-tal, fidalgo, portanto, e os semi-idiotas os servem. Até ao momento em que é preciso alguém inteligente para resolver problemas. E olhem, pasmem!, não há! O que temos em vez disso? Sócrates e Menezes. Com um pouco de sorte, ainda Pinto da Costa há-de ir a Presidente da República.
Quando disse aqui, muitas vezes, que se premeia a mediocridade, confesso que era um recurso estilístico, a hiperbole, que estava a utilizar. Claro que não se premeia a mediocridade. Premeia-se a semi-mediocridade, conhecida no nosso país pelo termo "chico-esperto". Nunca um chico-esperto inventou uma lâmpada. No máximo, roubou a ideia e vendeu-a. No momento em que não há ninguém a inventar nada, devido ao esmagamento de cérebros, os chico-espertos não têm nada para vender. Claro que os chico-espertos não conseguem ver tão longe. E os príncipes herdeiros idiotas também não gostam de ouvir estas coisas, que é preciso alguém com ideias, porque ficam nervosos e agitados e atiram cocó aos servos mais chegados, por isso é melhor nem tocar no assunto, que, é como quem diz, tocar na merda.
Quando José Júdice diz que meteram a riqueza intangível no bolso, está a usar outro recurso estilístico que é o eufemismo. Se a tivessem metido no bolso, tinham-na preservado. Quem a mete no bolso são os países que dão bolsas de estudo aos cérebros mundiais porque reconhecem que génios há poucos. Aqui o que se faz é mesmo deitar cérebros pela pia abaixo. Um dia até os idiotas vão ficar às escuras, e vão querer lâmpadas, e não as vão ter. É tão simples como isso.

The Ring I (2002), II (2005) e "Ringu" (original japonês, 1998)



Ao ver na televisão a versão japonesa original de 1998, "Ringu" do recente mas clássico "The Ring", tive curiosidade em espreitar o remake de Hollywood. Pode-se com toda a justiça dar o crédito a quem de direito, mas até agora ainda não vi um filme japonês dominar a técnica do cinema de terror. Técnica que não é, ressalvo, exclusiva da meca do cinema. O Reino Unido e outros países europeus já apresentaram séries e filmes que funcionam, ao seu estilo, tão eficientemente como os dos americanos. (Só a título de exemplo, recordo-me assim de repente da excelente série "Riget"/"O Reino", do dinamarquês Lars von Trier, em 1994.) Também não estou a dizer que não existam bons exemplos nipónicos; eu é que ainda não os vi e por isso ainda não me convenceram.
Por falar em filmes de terror japoneses, aguardo ansiosamente a versão americana de "Death Note", 1 e 2, porque por muito interessante e original que a ideia possa ser, os japoneses parecem ter gosto em desperdiçá-la numa série de graçolas infantis e frustrantes como sexo sem orgasmo.
"Ringu", o japonês, tem de facto um elemento arrepiante, admito, quando o fantasma sai da televisão e ataca os espectadores em casa. Não, dessa não estava verdadeiramente à espera. Se ao menos todo o filme se mantivesse a esse nível... O surpreendente nem sequer é o facto de o fantasma sair da televisão, mas a imprevisibilidade da coisa. Já o velinho "Poltergeist" do avô Spielberg brincava com o poder da caixa mágica, explorando a magia de transportar uma menina para o outro lado do écran e trazê-la de volta, mas no filme de Spielberg a coisa tornava-se tão ridícula que nem metia medo a ninguém.
Pecado mortal de um filme de terror: cair no ridículo. Causar gargalhadas, então, devia fazer um realizador perceber que tem dons de comediante e dedicar-se àquilo para que nasceu.
"The Ring II", apesar da (justificada) má fama das sequelas, é um filme que se descola do enredo original e cria um novo universo de incerteza a que se assiste com prazer. Infelizmente, o final cai no ridículo e nem sequer faz rir. Quem disse aos novos realizadores de Hollywood que as regras (ou ausência delas) do surrealista David Lynch se aplicam aos filmes de terror está muito enganado. Parece que é uma tendência recente (e, para mal dos nossos pecados, crescente), isto de acabar os filmes sem um nexo lógico como no tão falado "The Fountain", a atirar-se todo para um "2001 Odisseia no Espaço".
Nisto falha também, e de que maneira, o final de "The Ring II", como se alguém depois daquele fiasco ainda se pudesse lembrar da miúda do filme quando passar para dentro da televisão e dela para fora é tão fácil como acordar de um pesadelo. Se é fácil, se não dói, não mete medo.
O problema de "The Ring", os três, é que não é dignificante entregar um fantasma tão bom a realizadores tão maus. Por isso alguém devia simplesmente acabar com o martírio e dar um pente à miúda porque andar tantos anos com o cabelo a tapar a cara faz mal aos olhos.

Na Suécia, dependência de heavy metal é uma doença

In Blitz:

Homem consegue pensão de €400 por ser dependente de estilo musical.

Segundo uma notícia avançada pelo jornal espanhol El Mundo, o estado sueco catalogou a dependência de heavy metal de um indivíduo de 42 anos como invalidez e atribuiu-lhe uma pensão mensal de €400. Roger Tullgren foi considerado por um juíz de Hasslehölm como incapaz de desempenhar o seu trabalho sem intensivas sessões de metal, o que o impede de realizar as tarefas que lhe são encomendadas.

Em 2006, o cidadão sueco assistiu a mais de 300 concertos heavy e foi despedido pelo patrão por faltar demasiado ao emprego. Há 10 anos que Tullgren tentava arranjar um estatudo de invalidez psicológica e agora finalmente três psicólogos ajudaram a confirmar a doença. A solução encontrada pelo juíz foi atribuir uma pensão para compensar o tempo que Tullgren não poderá trabalhar (um part-time é obrigatório).

Segundo um documento que lhe foi entregue, «Roger sente o impulso de mostrar o seu estilo heavy metal. Isto dificulta a sua situação no mercado laboral. Por isso, precisa de ajuda financeira adicional». Assim, diz Tullgre, «quando for a uma entrevista de trabalho posso ir vestido normalmente e apresentar este documento ao entrevistador».

MRV, Segunda 8, às 13:04


Não me admira. Eu sempre disse que o metal não faz bem à cabeça.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

É contagioso. Aqueles derrotados por um amante com quem não podem competir arranjam por sua vez um amante idêntico. Um amante fiel. O melhor amante do mundo. Eis a maior ironia de todas.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Até à próxima

Hoje encontrei a mãe desgostosa de um amigo... mais que amigo... de outros tempos. Soube hoje que ele morreu, aos 27 anos, de overdose, em 1999. Era da minha idade. Dois meses mais novo. Gostava de viver. Gostava das artes, pintura em especial. Era um optimista. Parecia satisfeito. Parecia alegre. Parecia. Simplesmente parecia. Nunca quebrou a máscara. A máscara acabou por se tornar mais forte e estrangulou para sempre a mentira.
Podia ter sido o pai dos meus filhos. Podia ter sido... o meu amor. Se não fosse ela, a rival que mulher nenhuma pode derrotar. Golden Brown. "Sabe a caramelo", disse ele. Também o cheiro da morte é adocicado.

Eras um sonhador. Sonha agora no Elisium até ao dia do reencontro. Nunca te esqueci. Não te esquecerei.
Frustração, raiva, injustiça, abandono, desgosto, impotência, desespero, incompreensão, solidão, exaustão, luto, perda.
Enterrada viva.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Virtualidades: A justiça portuguesa

Virtualidades: A justiça portuguesa

Ainda bem que no estrangeiro já sabem, porque aqui ainda há quem não saiba. Ceguinhos.

domingo, 9 de setembro de 2007

Ainda sobre as dúvidas de Madre Teresa

Quanto a isto tenho ainda uma opinião pessoal que deixei passar no primeiro post. É lógico que seja para aqueles que têm Fé, aqueles que já ouviram a "a voz" de Deus, que o silêncio seja mais ensurdecedor.
Isto faz-me lembrar, de certa forma e tomadas as devidas distâncias, o sentimento da paixão. Só quem a sentiu é que sente a sua ausência. Já o Amor, como a Fé, uma vez descoberto dificilmente se perde.
Outra conclusão. Uma vez comentei num fórum algures, a quem perguntava se achávamos Madre Teresa uma santa e porquê, que faltavam mais santos porque faltava Fé igual à dela. Agora que sei das dúvidas de Madre Teresa, sei que não foi a Fé que a moveu mas o Amor.
Concluir que o Amor é maior do que a Fé não se digere de um dia para o outro. Tem muito que se lhe diga.

Mr. McCoy has returned


Fields of The Nephilim "Mourning Sun" (SPV, 2005, limited edition)

Shroud (Exordium)
Straight To The Light
New Gold Dawn
Requiem XIII 33 (Le Veilleur Silencieux)
Xiberia (Seasons In The Ice Cage)
She
Mourning Sun
In the Year 2525


Adeus imitações. This is the real McCoy. Caindo de propósito no lugar comum de muitas críticas que tenho lido, "classical Nephilim" é o que os fãs podem esperar do quarto álbum de estúdio de uma das bandas que mais influenciou a música gótica (e que esteve, na minha humilde opinião, na origem do estilo gothic metal) desde os áureos anos 80. Qualquer destas canções podia aparecer em "Elizium", digo eu, mas digo mal porque os meus ouvidos já estão habituados a um industrial muito mais pesado do que "Zoon", do projecto de Carl McCoy "The nephilim", esquecendo que entretanto muita música passou debaixo da ponte. Mesmo assim, esperava mais, se calhar porque os fãs são de facto vampiros insaciáveis, principalmente ao nível das letras que, vindas de um McCoy mais velho ou, se preferirem, mais "antigo", tinham obrigação de ser mais densas. Mas vejamos:

Shroud (Exordium)
A abrir o álbum, não me sai da cabeça que o coro de inspiração religiosa na introdução ameaça recomeçar o álbum "Elizium" onde ele acabou, mas depressa se torna não só uma viagem ao passado como ao passado mais que perfeito com riffs a recordarem a aridez de "Dawnrazor".

Straight To The Light
Um épico quase à altura de "Moonchild" e "Psychonaut". Letras a puxar para um misticismo que há muito rodeia o projecto, ou não se chamassem "os campos dos nefilins": We served this world like angels / Been burned both night and day / Now we turn with eyes blazing / Well its time for us to go

New Gold Dawn
Alguns acordes a recordar "Last Exit for the Lost" transformam-se numa canção cheia de ritmo como "Laura" e "For Her Light". A letra, contudo, é fraquinha.

Requiem XIII 33 (Le Veilleur Silencieux)
Uma história de saudade ao ritmo de "At the Gates of Silent Memory".

Xiberia (Seasons In The Ice Cage)
Possivelmente o meu tema preferido, "Xiberia", cuja letra nem começo a entender, simplesmente *sinto* aquela sensação de frio que dela exala, podia ser a evil twin brother de "Summerland". Talvez seja. Parece propositado mas só podemos especular. Assim nascem os mitos.

She
E esta é possivelmente a música que menos gosto, muito pastelosa e romântica, mas que possivelmente agradará a quem prefere o clássico "Celebrate". Passemos rapidamente à frente.

Mourning Sun
Dez minutos e trinta e cinco segundos, prova de que os Fields of the Nephilim continuam a reger-se por algumas regras do metal e pelo desprezo da canção pop de três minutos e meio. O sintetizador faz uma melodia a lembrar o tema do "Exorcista", "Tubular Bells", do senhor Mike Oldfield (esse mesmo), até porque os FOTN sempre alimentaram uma uma raiz cinematográfica de peso. O trocadilho que dá nome ao álbum, entre "sol da manhã" ("morning sun") e "sol de luto" ("mourning sun"), pegando numa conhecida expressão de esperança para lha retirar completamente, gira em torno do tema "the fallen", outro termo usado para designar os anjos rebeldes que desceram à Terra para amar as filhas dos homens e dar origem aos nefilins e se juntaram a Lúcifer durante a rebelião nos Céus de onde foram expulsos.

In the Year 2525
Faixa bónus que só aparece na edição limitada (atenção ao que compram), este tema um pouco a"pop"alhado em termos musicais devido a demasiados yéyés e melodia repetitiva (mais uma vez, a minha humilde opinião), é de algum modo uma surpreendente descida à realidade -- surpreendente para a banda de que se trata -- onde se clarificam preocupações ecológicas e críticas à desumanização tecnológica. Graças a Deus pelo apocalipse: in the year 8510 / God is gonna shake his mighty head / he'll either say "I'm pleased where man has been" / or tear it down and start again

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O silêncio de Deus

Madre Teresa de Calcutá sofria profunda crise espiritual
Madre Teresa de Calcutá terá pedido que as cartas em que revela uma profunda crise espiritual e que foram reunidas num novo livro sobre a sua vida de freira fossem destruídas, revelou o próprio autor da biografia, o reverendo Brian Kolodiejchuk.

Numa entrevista publicada na edição de hoje do jornal italiano La Stampa, o sacerdote disse que Madre Teresa de Calcutá queria destruir a correspondência, mas que, no fim, decidiu publicá-la, já que «constitui um documento único e importante».

Kolodiejchuk é membro da congregação Missionárias da Caridade, ordem à qual Madre Teresa pertencia e que promove o processo de canonização da freira, iniciado em 2005.

O novo livro «Mother Teresa: Come Be My Light» agrupa as cartas enviadas aos seus confessores e superiores.

A correspondência mostra que passou a maior parte dos seus últimos 50 anos de vida em profunda crise espiritual, a qual a levou, inclusive, a duvidar da existência de Deus.

«Após um longo debate entre os membros da ordem, decidimos publicar as cartas porque mostram a sua profundidade, o seu aspecto humano, a sua capacidade de enfrentar as situações mais difíceis», declarou Kolodiejchuk.

«A publicação destas cartas também serve para que mostremos aos outros membros da ordem como devemos agir nestes momentos de escuridão ou de crise espiritual numa vida difícil, dedicada a ajudar os mais pobres», acrescentou o sacerdote.

Kolodiejchuk declarou que madre Teresa viveu um longo período de escuridão interna, o qual se estendeu até ao fim da sua vida. Durante esse período, chegava a dizer que não conseguia sentir a presença de Deus.

«Ela aprendeu a viver com isso e a aceitar isso como um desafio imposto pela fé», disse o autor do livro.

O sacerdote afirma que o lançamento da biografia, no mesmo dia em que a madre morreu, há dez anos (5 de Setembro), «não é um jogo de marketing» e que as cartas só apareceram recentemente.

25-08-2007 13:09:01


Não sei se são dúvidas se às vezes é Deus que se esconde, como um pai que se esconde do filho pequenino, observando à distância, para ver o que ele faz sozinho. Se desata aos berros de medo, se consegue desenrascar-se.
Acredito que vendo todos os dias o que Madre Teresa via, estranho seria se não duvidasse da existência de Deus. Penso que Madre Teresa é o maior exemplo de santidade que o mundo viu em tempos modernos, se não mesmo de todos os tempos, e não pela sua fé mas pela sua obra. Já diz a Bíblia, o que é a Fé sem obras? Nada. Antes ter obras do que ter Fé. Antes dizer ao pai que não, e fazer a sua vontade, do que dizer ao pai que sim e desobedecer. Também está na Bíblia.
Mas nada disto precisava de estar na Bíblia. É senso comum. Quem não duvida nunca acreditou em coisa nenhuma e isso é o mais triste de tudo.

A Maldade

Hoje pus-me a pensar, por alguma razão, que toda a maldade me foi ensinada. Nasci para o mundo desprovida de desonestidade, de mentira, de mal-querer. Até aos seis anos de idade pensava que todos os meninos eram meus amigos. E porque não haviam de ser, se nunca lhes tinha feito mal? Foi um choque existencial perceber que havia alguns que não gostavam de mim só "porque não". À partida, eu gostava de todos. Desde esse momento revelador nunca mais gostei de ninguém como dos meus bichos.
Toda a vida teve de ser a minha mãe, e as outras pessoas, tal como hoje são os meus chefes, a terem de soletrar todas as frases das mentiras que sou obrigada a dizer. "O que é que eu digo então?" tornou-se na minha frase recorrente. Dou por mim a ensinar a outros que não sabem mentir aquilo que por sua vez devem dizer. Mas os verdadeiros mestres, porque os há, que eu vi, já nasceram assim e não partilham os segredos.
Houve apenas uma manifestação de maldade que já nasceu comigo, por não ser santa como ninguém é. A vingança. Isso ninguém me ensinou, admito.
Parece que cada um é para o que nasce.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Rendas altas ou leis absurdas?

Alguém me disse que os senhorios não podem, por motivos fiscais, arrendar uma casa por um preço inferior ao que fizeram no passado. Isto pareceu-me tão aberrante, tão anormal, tão absurdo, que estou a ter dificuldade em acreditar. É verdade que se um senhorio arrendou uma casa por 500 euros não a pode arrendar por 250 se o poder de compra descer?
Assim, não admira que haja casas devolutas. O mais aberrante é que a Câmara de Lisboa, por exemplo, vá cobrar mais por casas devolutas. Ora, se as pessoas não podem pagar as rendas tão altas como há anos atrás, se os senhorios não as podem arrendar por menos, que sentido faz cobrar mais imposto?!...
Agradecia muito, muitíssimo, que os leitores mais entendidos em leis clarificassem esta questão.

Biografia

Hoje percebi que só vou escrever a história da minha vida se tiver um fim minimamente feliz.
Ou se, pelo contrário, acabar em tragédia.
Não há meio termo.

Comentário ao país, por UNG

Em resposta aos meus posts anteriores, o UNG pediu-me para publicar isto. Cá vai.

Tens razão.

Só posso acrescentar coisas.

Porque é que este pais não muda?

1- Porque não se dá valor ao mérito.

Enquanto os melhores tiverem que ir para o estrangeiro para
explorar todo o seu potencial.

Enquanto um vulgar trabalhador português apenas puder ter sucesso
se for trabalhar para o estrangeiro.

Enquanto se for obrigado a manter no trabalho os inúteis e os
incompetentes, por sai demasiado caro despedi-los ou é
proibido pela constituição.

Enquanto a única forma de arranjar trabalhadores portugueses com um
mínimo de qualidade seja através de conhecidos. "É preferível um
diabo conhecido do que um desconhecido". Porque não existe o
hábito nem a experiência em conduzir concursos para a admissão dos
melhores profissionais.

Este pais andará a passo de caracol na melhor das hipóteses.

2- Porque é mais importantes as aparências do que o conteúdo ou a
qualidade.

Isto dito pelos estrangeiros que nos visitam. Eles já repararam
que o típico português gosta de contrair dívidas para:

- Comprar carros de topo de gama, bem acima das necessidades da
família.

- Comprar roupas de marca.

- Ir de férias para o estrangeiro nos locais da moda.

- Comprar ecrãs de plasma de mais 1000 euros, mas com qualidade
duvidosa.

Em vez de:

- Manter o carro actual com mais de 2 anos.

- Comprar carros económicos e de qualidade, adequados às
necessidades da família.

- Investir na cultura e enriquecimento pessoal. Através da
compra de cultura de qualidade em vez da cultura de pastilha
elástica.

- Investir na formação profissional, como forma de subir na
carreira ou para trabalhar mais eficientemente, sobrando mais
tempo para a familia.

- Investir o pouco dinheiro que sobra do ordenado, como forma de
precaver contra problemas no futuro ou aumentar a garantia de uma
reforma justa.

3- Trabalhar de forma eficiente e adequada às necessidades do
cliente.

Também os estrangeiros já reparam que em Portugal nada se faz de
manhã e pouco à tarde. Pouca gente chega antes das 10 horas e estão
sempre a fazer pausas para o café. A única altura produtiva do dia
é durante o intervalo do almoço. Em que as pessoas se reúnem e por
vezes discutem assuntos de trabalho e tomam decisões.

4- Porque toda a gente acha a responsabilidade de mudar é do outro.

Por cá, por todos os motivos e mais alguns. Pouca gente toma a
iniciativa para fazer algo de novo ou diferente. Mas mesmo esses
são logo abatidos pelos que não querem que nada mude e pelos que
têm inveja de não terem pensado no mesmo.

Se alguém tem uma boa ideia e monta um negócio. O português em vez
de aplaudir e sentir-se motivado para ter ideias próprias, o que
faz é montar um negócio ferozmente concorrente impedindo os dois de
terem sucesso.

Isto é os meus .02 de euro para juntar ao teu artigo.

UNG