domingo, 28 de maio de 2023

The Amityville Murders / O Massacre de Amityville (2018)

Quando comecei a ver este filme pensei que há muito tempo não via nada tão assustador, de eriçar os cabelos da nuca. Diferente do “Amityville” original, de 1979, este filme retrata os homicídios cometidos pelo filho mais velho da família que previamente ocupou a casa: na mesma noite, Ronald DeFeo Jr. (nome real), de 23 anos, matou o pai, a mãe, as duas irmãs e os dois irmãos mais novos (de apenas 12 e 9 anos), todos nas suas camas enquanto dormiam. Ronald usou uma espingarda sem silenciador mas as provas forenses indicam que nenhuma das vítimas acordou nem deu luta. Numa das muitas confissões contraditórias de Ronald, este afirma que ouviu vozes que lhe disseram o que fazer.
À primeira vista, parece aterrador. Mas depois o filme entra num ultra-realismo que choca com o aspecto sobrenatural que quiseram dar à coisa, e o que aconteceu foi que se quis ter sol na eira e chuva no nabal: não funcionou, e também deixou de meter medo. Passo a explicar porquê.
Ronald Sr., o pai, é apresentado como um homem ligado à máfia e abusivo para com a esposa e os filhos, um daqueles que bate na mulher na intimidade do lar e sorri à vizinhança na rua para não mostrar o que é. Ronald Sr. é pior para com o filho mais velho, a quem humilha, chama nomes como “falhado” e espanca com um cinto. Todos os elementos da família têm pavor do homem. É de recordar que isto se passou em 1974, quando na prática não havia conceito de “violência doméstica”. Homicídios já foram cometidos por muito menos do que isto.
Mas porquê as crianças? É a mesma situação que leva algumas mães em profunda depressão a matarem os filhos também quando se tentam suicidar. Na lógica do desespero, deixar as crianças sozinhas no mundo é condená-las a “sofrer”. Matá-las é uma “misericórdia”. No filme, os irmãos mais velhos chegam mesmo a conversar sobre isso, que se sentem presos, encurralados, que nunca vão conseguir sair, que estão todos condenados ao inferno daquela existência, e que se por acaso conseguirem escapar quem vai sofrer são as crianças mais novas. Este sentimento de impotência e desespero incapacitante também é frequente em situações de abuso prolongado, especialmente desde a infância. Para piorar tudo, Ronald Jr. é um toxicodependente de heroína que também usa LSD (o que explica todas as vozes, visões e outras imaginações que possa ter tido).
Então, perguntam-me, onde é que está o sobrenatural nesta história? A mim também me parece que não seria preciso sobrenatural nenhum. O que se passava naquela casa a nível quotidiano, a par da vertente da toxicodependência, era mais do que motivo para explicar os homicídios. E já seria uma história real bastante assustadora ‒ que o é!
Mas o filme quis mesmo convencer-nos de que havia espíritos maléficos a vaguear pela casa, a abrir portas e gavetas tipo poltergeist, e que no fim possuíram o filho mais velho. Estas visões de fantasmas estão bem feitas e são suficientemente arrepiantes, mas, pergunto-me, qual era a necessidade delas? Este é um daqueles casos em que a realidade é mais assustadora do que a ficção. Depois do ultra-realismo de vermos o pai a espancar o filho de cinto na mão, a dar um murro na barriga da mulher, a chamar prostituta à filha em frente de estranhos (injustamente), os fantasmas não produzem efeito. Aqui eu já estava a ver um filme da vida real, terminando com fotografias das cenas dos crimes e do verdadeiro Ronald Jr. e tudo. O sobrenatural foi “metido à pressão” sem necessidade, funcionando antes como algo que está a estorvar, a minar o horror da história verdadeira.
O mesmo não acontece no “Amityville” original, em que assistimos a como George Lutz (James Brolin) se vai transformando de homem normal até quase “lobisomem” sob qualquer influência maléfica. Quem não se lembra da cena da lenha? Neste filme, sim, o sobrenatural faz sentido. Em “The Amityville Murders” o sobrenatural estragou um filme que podia ter causado mais efeito sem ele. Os demónios que habitavam aquela casa eram bastante de carne e osso.

14 em 20


domingo, 21 de maio de 2023

Wednesday (2022 - ?)

“Eu ajo como se não me importasse que as pessoas não gostem de mim. Mas lá no fundo… secretamente até gosto.”
É difícil gostar de Wednesday e é difícil não gostar. Wednesday é agora uma adolescente de 16 anos com ideias muito próprias que consegue ser expulsa de várias escolas normais (como seria de esperar). Finalmente, os Addams mandam-na para o internato Academia Nevermore (esse mesmo Nevermore) onde Gomez e Morticia se conheceram e apaixonaram.
A princípio Wednesday planeia fugir, mas é apanhada num mistério com centenas de anos que implica os Addams e intrigam-na os rumores da existência de um monstro homicida a rondar a escola. Como aspirante a escritora (Wednesday quer “bater” Mary Shelley que escreveu “Frankenstein” aos 19 anos), Wednesday decide ficar e resolver o mistério.
Nevermore é uma academia para párias (lobisomens, vampiros, górgones, sereias) mas isso não torna a adaptação de Wednesday mais fácil. Por exemplo, a sua companheira de quarto, Enid, uma aspirante a lobisomem a quem eu só posso descrever como efusiva, positiva e… cor-de-rosa, é um pesadelo para o mundo isolado e a preto e branco de Wednesday. Wednesday é uma solitária que não quer deixar de o ser, e odeia emoções. Emoções levam a sentimentos e sentimentos levam a sofrimento, é a sua filosofia de vida. Isto implica não querer saber de nada nem ninguém senão ela própria.
Mas Wednesday é uma adolescente, e algumas coisas nunca mudam. Como, por exemplo, ela já não suporta que Gomez e Morticia andem sempre agarrados e aos beijos (é verdade, e já não se suporta!). O romance não está nos seus planos, mas os planos não resistem à idade das hormonas. Wednesday tem de compreender que o seu ideal de ser “uma fortaleza rodeada de um fosso fundo cheio de tubarões” não se adapta ao mundo real. Os amigos são necessários, mesmo os mais irritantes, desde que ela saiba em quem confiar. É preciso baixar a ponte levadiça de vez em quando para os deixar entrar.
Aqui é que está o problema. Vinda do mundo resguardado da Mansão Addams em que tudo revolvia à sua volta (pobre Pugsley), Wednesday não aprendeu em quem confiar e é confrontada com isso vez após vez enquanto investiga os homicídios.
Sejamos francos, Wednesday tem capacidades extraordinárias, inclusive visões que começaram a acontecer-lhe há pouco tempo, mas é uma péssima detective que está sempre a perseguir o suspeito errado. Talvez pela falta de inteligência emocional, algo que se desenvolve com a interacção com os outros, o que Wednesday sempre desprezou. A Academia Nevermore vai ensinar-lhe que ninguém é uma ilha e que os amigos dão muito jeito. Tudo isto são dores de crescimento, mas valem a pena.
A série conta com alguns membros da família Addams que visitam Wednesday. Gomez e Morticia, iguais a eles próprios. O tio Fester, idem. E a Coisa, a que eu vou chamar A Mão para não confundir com o tio It. Nunca julguei sentir tanta empatia por um personagem (?) de desenhos-animados como senti pela Mão quando tentaram matá-la (não perguntem). Foi de fazer as lágrimas virem aos olhos.
Noutra nota, não me perdoo por não ter reconhecido a maravilhosa Gwendoline Christie (Brienne of Tarth de “A Guerra dos Tronos”, uma das minhas personagens preferidas) no papel de directora da academia, Larissa Weems. Algo nela me era familiar, mas não descobri de onde sem pesquisar.
“Wednesday” não podia ter aparecido em melhor altura. Com o êxito dos precedentes “Stranger Things”, “Harry Potter”, “Twilight”, “Os Diários do Vampiro” e outros que tais, o público estava mais do que preparado para um Young Adult com a família Addams. E o sucesso tem sido escabroso. Já viram a dança? Se não, vão ver! Toda a gente vai ver a dança mais tarde ou mais cedo.
“Wednesday” distingue-se pelo humor inteligente e pela personagem que afinal até se preocupa com os outros, por muito que diga que não. Aconselho a toda a gente com sentido de humor e gosto pelo sombrio.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA : duas vezes (uma pela história, outra pelos pormenores)

 

domingo, 14 de maio de 2023

Split / Fragmentado (2016)


O transtorno dissociativo de identidade, mais conhecido como transtorno de múltiplas personalidades, tem sido um manancial para o cinema desde os tempos de “Psycho”. Na verdade, é um distúrbio muito raro, raríssimo, mas permite histórias inesquecíveis e geralmente thrillers fantásticos.
É o caso deste “Split”, do realizador M. Night Shyamalan, onde notei influências de “O Silêncio dos Inocentes”, ou, mais precisamente, de “Dragão Vermelho”.
“Dennis” é a última personalidade a emergir num total de 23 que co-existem no corpo de Kevin. Só que “Dennis” é um psicopata que, aliado a uma outra personalidade, Patricia, acredita numa Besta que virá a ser a 24ª personalidade.
Para alimentar esta Besta (que considera sobre-humana) Dennis rapta três adolescentes, consideradas por ele “impuras” porque nunca sofreram, sem outra utilidade senão a de serem sacrificadas ao deus-Besta. Imediatamente as outras “personalidades” começam a enviar emails à psiquiatra de Kevin, pedindo ajuda, mas Dennis aparece sempre em vez delas, para as calar e dissipar qualquer suspeita, fingindo que está tudo bem. No entanto, prestando atenção a pormenores muito subtis, a psiquiatra desconfia de que a “personalidade” que lhe aparece na consulta não é nenhuma que ela conheça, e que é perigosa.
Conseguirá a psiquiatra salvar as raparigas? Conseguirão elas salvar-se sozinhas?
É um filme que dá para roer as unhas. Aconselho vivamente.

16 em 20

domingo, 7 de maio de 2023

The Good Place (2016 – 2020)

Eleanor Shellstrop morre e vai parar ao Sítio Bom. Recebida pelo “Arquitecto” Michael, é-lhe dito que apenas uma pequena percentagem de almas consegue lá entrar, e que Eleanor foi escolhida pelo seu notável trabalho humanitário. As almas que vão para o Sítio Mau são torturadas para toda a eternidade.
No Sítio Bom todos têm uma alma gémea, e Eleanor é apresentada à sua, Chidi Anagonye, professor de Filosofia e Ética. Mas há um problema. Eleanor, nas suas palavras, é “um lixo humano do Arizona” e não merece estar no Sítio Bom. Deve ter havido uma confusão de identidade. Em desespero, para não ser enviada para o Sítio Mau, Eleanor pede ajuda a Chidi para se tornar uma pessoa melhor de modo a poder permanecer no Sítio Bom antes que todos se apercebam de que ela não pertence lá.
No entanto, depressa Eleanor percebe que não é a única alma que está no Sítio Bom por engano. Algo de muito errado se passa no Sítio Bom!
Esta é uma comédia inteligente, filosófica sem ser pesada, romântica que baste, que leva os protagonistas numa aventura existencial enquanto eles tentam sinceramente tornar-se pessoas melhores. Aconselho a toda a gente que tem sentido de humor e sensibilidade ética.
A série tem quatro temporadas. Aviso que não gostei do último episódio de todos. Não acredito naquela solução e achei-a deveras deprimente. Mas a primeira temporada é imperdível.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

 

domingo, 30 de abril de 2023

Mary Queen of Scots (2018)


Boa dramatização histórica da vida de Mary Stuart, Mary I da Escócia. Mary, católica, foi criada em França para fugir aos conflitos entre católicos e protestantes (veja-se “Os Tudors”). Ao regressar, Mary promulga o direito a praticar ambas as religiões (o que enfurece os protestantes) e arranja um casamento que lhe dê descendentes (com sucesso). O grande problema de Mary é mesmo a sua prima Elizabeth, rainha de Inglaterra (filha de Henrique VIII e Ana Bolena). Mary tenta estabelecer boas relações com Elizabeth, mas sendo esta neta de Henrique VII (pai de Henrique VIII) e sendo Mary bisneta do mesmo (neta de Margaret Tudor, irmã de Henrique VIII), com a agravante de Elizabeth não ser incontestavelmente reconhecida por todos os nobres como herdeira ao trono de Inglaterra uma vez que o casamento com Ana Bolena foi anulado, o grande problema de Mary foi mesmo ser uma herdeira legítima aos tronos da Inglaterra e da Escócia. Ainda por cima católica, numa altura em que cabeças eram cortadas devido à religião que professavam, e para cúmulo mãe de um príncipe herdeiro que ainda tem mais direito à coroa (igualmente por parte do pai) do que Mary e Elizabeth juntas (quando Elizabeth nunca casou nem teve filhos), o seu fim não se augurava famoso. O surpreendente foi Elizabeth não a ter mandado matar mais cedo. É mesmo entendido que Elizabeth não queria mandar matar a prima porque abriria o precedente da execução de uma rainha soberana. E no entanto…
O filme dá-nos a perspectiva de Mary e faz-nos empatizar com ela. Não está provado que Mary conspirasse contra a prima, mas as influências nas duas cortes selaram-lhe o destino. Aliás, dou os parabéns ao filme por não querer explorar os aspectos mais horripilantes da execução de Mary, mas quem quiser saber o que realmente se passou pode consultar AQUI.
Em geral, uma boa reprodução histórica, mas, como já disse aquando de “Os Miseráveis”, tenho bastantes queixas em relação à inclusão de actores negros e asiáticos como membros importantes da corte. Isto não tem nada a ver com racismo, embora para os Americanos tudo tenha a ver com racismo, o que leva à inclusão de “diversidade” onde esta não existe historicamente. O título é “Mary Queen of Scots”, e não Mary Queen of Fairies. Na corte destes tempos o único lugar de um negro era o de escravo (nunca um embaixador ou uma aia da rainha, que eram todas escolhidas das famílias mais nobres e influentes ‒ novamente, veja-se “Os Tudors”) e um/a asiático/a só teria lugar como criatura exótica para entretenimento. Aliás, isto era quando os japoneses coziam vivos quaisquer ocidentais que pusessem os pés no Japão, tomem lá para verdade histórica. Nunca, jamais, outras raças teriam lugar na corte. O que havia muito nas cortes europeias eram anões: como bobos.
Esta é uma adaptação histórica e qualquer desvio racial é faltar à verdade e projectar uma realidade que nunca existiu em prol de ideologias modernas que nada têm a ver com os tempos retratados. Gosto pouco de fanatismos (como os fanatismos religiosos daqueles tempos) e não posso compactuar com estes fanatismos raciais. À época não havia tolerância, nem racial, nem sexual, nem sequer religiosa. Esta é que é a verdade histórica. Isto é a Europa do século XVI, não é a América do século XXI.
Por causa destes elementos mirabolantes, só posso dar

14 em 20

domingo, 23 de abril de 2023

A Court of Thorns and Roses, de Sarah J. Maas

À medida que lia “A Court of Thorns and Roses” (primeiro livro da série homónima) mais me dava aquela sensação de ter chegado atrasada ao filme. Culpa minha, e da minha mania de querer ler os livros às cegas para não ir com ideias feitas. Foi o primeiro livro que li desta autora. Esta é a segunda série de Sarah J. Maas, e posso estar enganada mas acho que há muitas referências à primeira série, “Throne of Glass”. O que não é mau, porque me deu curiosidade suficiente para parar esta série e ir ler a primeira. Ou posso mesmo estar enganada e nesse caso vou ficar desiludida, o que será culpa minha e das minhas expectativas erradas.
Mas vamos lá então à história. Feyre, a protagonista, é uma jovem pobre de uma família que já foi abastada em tempos. Fala-se muito de uma guerra que dividiu o mundo humano do mundo Fae mas não percebi exactamente se o empobrecimento teve a ver com isto. O que se percebe claramente é que estes Fae (fadas) são criaturas que menosprezam os humanos e que lhes fazem coisas bastante sádicas. Uma espécie de Elfos maléficos.
Feyre tem duas irmãs mais velhas que ainda não se adaptaram à nova situação e um pai que vive nas nuvens da negação. Para pôr comida na mesa, Feyre começa a ir para a floresta caçar. Um dia, ao tentar apanhar uma corça, aparece-lhe um lobo enorme, também interessado na presa. Uma vez que os Fae se conseguem transformar em animais, e na dúvida se será mesmo um lobo, Feyre atinge-o com uma flecha com poderes mágicos. O lobo morre, Feyre consegue a corça.
Mas logo depois lhe entra pela casa dentro um ser animalesco, um Fae, que diz que ela não matou um lobo mas sim um outro Fae sob disfarce, e a pena para esse crime é uma vida por uma vida. Feyre pode escolher entre morrer de imediato ou ser levada para o reino dos Fae para uma vida de escravidão. Sempre na esperança de escapar, Feyre resigna-se à segunda opção.
Aqui começa algo estranho. Em vez de escrava, Feyre é tratada como uma princesa em casa do tal ser animalesco, que depois de transformado na sua forma original é um belo High Lord Fae, Tamlin, o senhor do Reino da Primavera, e que é um cavalheiro. Aqui eu comecei a tentar perceber o que estava a ler. Uma espécie de a Bela e o Monstro?
Mas depois há uma reviravolta. Admito que o livro não me conseguiu capturar inteiramente para prestar atenção aos pormenores todos, mas, resumindo, há uma Fae malvada, Amarantha, que venceu todos os outros Fae na tal guerra do passado, que convoca Tamlin para ir viver na corte dela Debaixo da Montanha (literalmente debaixo de uma montanha). Aqui, Tamlin deixa Feyre voltar para casa sem que se perceba porque é que a chegou a levar, excepto que entretanto gerou-se um romance entre eles.
Outra consequência das guerras do passado: todos os Fae do Reino da Primavera estão amaldiçoados com uma máscara na cara que não conseguem tirar, resultado de um encantamento. (Daí a minha curiosidade: como é que se chegou até aqui, como é que Amarantha ganhou?) Finalmente, Feyre descobre a história toda: que para os livrar do encantamento é preciso que uma mulher humana mate um Fae e se apaixone por outro. É tarde demais, Tamlin já partiu para Amarantha, mas Feyre vai atrás dele por amor. Ora, isto é mais a Princesa que tem de beijar o Sapo.
Amarantha, criatura malévola, impõe-lhe três tarefas a realizar para os libertar, todas elas terríveis, ou, em vez disso, um enigma que os libertaria imediatamente. (Eu decifrei o enigma em menos de 6 horas sem pensar muito nele, não é para me gabar.)
Enquanto é prisioneira nas masmorras de Amarantha, curiosamente, Feyre torna-se uma espécie de brinquedo sexual para o High Lord do Reino da Noite, Rhysand, que a expõe na corte drogada e semi-nua e a faz dançar para ele sem nunca chegar a tocar-lhe intimamente.
Por esta altura eu já estava com muitas dúvidas sobre o género literário. A magia nunca é muito importante, pelo que não me incomodaria pôr isto no rótulo da Low Fantasy. São as personagens que decidem o enredo. Por outro lado tudo é contado da perspectiva de uma jovem, o que se coloca no Young Adult. Existe um erótico levezinho, mas aquela coisa da Feyre drogada a dançar semi-nua à vista de todos é mais pesado do que parece. Digamos que a autora passa o livro todo a pisar o risco sem nunca o ultrapassar. Mas as cenas violentas são muito explícitas, contudo; até perturbadoras. Então, que género é este, para além de Fantasia? Grim? Dark? Romântico e semi-erótico?
Talvez seja do meu estado de espírito, ou das minhas leituras habitualmente mais complexas, mas assim que li o livro comecei imediatamente a esquecê-lo. Fiquei muito mais curiosa sobre a tal guerra do passado, e vou ver se a consigo apanhar.
Em suma, achei uma leitura ligeira que nunca nos consegue emocionar muito mas que tem passagens de grande tensão. Os capítulos são curtos e a linguagem é acessível. A protagonista é empática mas não saímos o bastante da cabeça dela para conhecer os outros personagens como deve ser. Recomendo a quem quer Fantasia de pendor romântico sem ter de pensar muito.

 

domingo, 16 de abril de 2023

O Rei das Berlengas ou A Independência das Ditas (1978)

A data diz tudo. Este é um filme satírico pós-25 de Abril, quando já se podia dizer tudo o que não tinha sido dito antes. Artur Semedo (realizador) e Mário Viegas criticam ferozmente um Portugal que muitos leitores mais novos não reconhecerão, e de que apenas me lembro vagamente e mais pelo que leio do que pelo que vivi. Pergunto-me até que ponto este filme terá influenciado o outro, “Recordações da Casa Amarela”, de João César Monteiro.
O enredo é engraçado. Muito antes do condado portucalense, os Alves de Midões já eram reis das Berlengas, Estelas e Farilhões, território que lhes foi conquistado por D. Afonso Henriques. Se eu fosse monárquica reconhecia-lhes a pretensão ao trono das Berlengas. D. Lucas Telmo de Midões foi educado nos resquícios nobres da família deposta para reconquistar o trono perdido, o que o traz à capital e, inevitavelmente, ao manicómio.
Tudo é gozado e desconstruído (ou retratado sem piedade). A História de Portugal, Salazar, a beata/santa Sãozinha, a ocupação espanhola, o Marquês de Pombal: “O povo é sereno! Isto é só o terramoto de 1755!”.
Sinceramente, não sei se uma audiência mais nova poderá redescobrir este filme e reconhecer-lhe a vertente cómica e surreal. É caso para experimentar.

Mário Viegas
Falecido em 1996 aos 47 anos, Mário Viegas nunca foi muito conhecido (ou reconhecido), nunca teve o super-estrelato de um Herman José. (Embora faça uma mulher mais bonita, como se pode ver neste filme, e agora Herman José vai odiar-me.) Do que conheci dele, pareceu-me uma pessoa muito acessível, que gostava de se misturar. Encontrei-o numa madrugada no Bairro Alto na companhia de dois adolescentes metaleiros genuínos (daqueles que gostam de Iron Maiden), numa discussão sobre qualquer coisa como se fosse um deles. Eu própria adolescente, não tive lata de ir lá apertar a mão e cumprimentar. Quem é que gosta de ser abordado na rua por um fã?, pensei. Um actor, talvez? Se calhar devia ter ido, mas preferi respeitar a privacidade. Não sei se os metaleiros o conheciam. Mário Viegas era ilustre nos meios artísticos e intelectuais, mas não era nenhum fenómeno de popularidade entre as massas. Se queria andar anónimo, deixei-o andar anónimo.

De volta às Berlengas
Resta-me convidar os leitores mais novos a experimentarem este filme. Verão que está datado e que o orçamento era mínimo. 1978, não havia dinheiro para nada. Mas “O Rei das Berlengas ou A Independência das Ditas” continua válido pela sátira cortante a um Portugal atrasado, bafiento, beato, queque, desigual (nisso não mudou nada), obcecado por um Império dos livros de História. Acima de tudo, sobressai a forte mensagem política final: ”Fome, fome, fome”, gritam os pobres de todos os séculos. “Come, come, come”, traduzem os ricos nos seus palácios privilegiados de janelas fechadas. Não sei se a fome envergonhada começou antes ou depois, só sei que ela anda aí, muito caladinha, despercebida.

13 em 20 


domingo, 9 de abril de 2023

Damien (2016)

E se o Anticristo não quisesse sê-lo? Longe do original de 1976, com o miúdo sinistro que me lembra uns AC/DC muito maléficos, este é um Damien adulto, dos nossos dias, que recalcou todos esses acontecimentos traumáticos da infância e juventude. Imagens do primeiro “The Omen” são usadas em flashback e a história parte daí, mas este é um Damien muito diferente.
Desde o início da série que tive dificuldade em perceber o caminho que os criadores queriam seguir. Damien Thorn (Bradley James, o Arthur de “Merlin”) é um repórter fotográfico de guerra, simpático e humanitário, e um verdadeiro herói. Seria difícil antipatizar com este “Anticristo”. Por outro lado, não é verdade que o destino do Anticristo é arrastar nações atrás de si e conduzi-las à guerra, causando o Armagedão e a Segunda Vinda? Mas a decência de Damien não é uma simpatia falsa, ardilosa. Este Damien é mesmo do Bem. Como, então, convertê-lo ao Mal?
Em Damasco, em pleno conflito na Síria, no dia em que faz 30 anos, Damien tem um encontro com uma velha suspeita e vestida de negro (penso que sei quem é a Velha, mas não revelo) que lhe diz as palavras que o Espírito Santo diz dos Céus após o baptismo de Cristo. Este choque, aparentemente, faz com que Damien recorde todos os acontecimentos traumatizantes da infância, como o momento em que fez cair a mãe de um balcão abaixo.
Cada vez mais taciturno, confessa à ex-namorada que apesar da amnésia sempre sentiu uma “escuridão” sobre si, razão pela qual pôs termo ao relacionamento e se tornou um solitário. O seu único amigo é mais um colega e sócio que trabalha com Damien.
À medida que Damien investiga a mulher de negro e as suas estranhas palavras, bem como a sua infância, as pessoas que lhe são próximas ou com quem ele contacta começam a morrer em acidentes bizarros. Isto chama a atenção de um detective experiente e determinado que está convencido de que Damien, o único elo de ligação entre as vítimas, é um assassino, e que começa a persegui-lo para o apanhar em falso.
O próprio Damien repara que todos os seus colegas, durante as suas carreiras de repórteres, sofreram ferimentos de guerra, mas não ele. Damien lembra-se também dos Rottweilers que o seguem para todo o lado, e recorda-se do seu sinal de nascença, o 666 no couro cabeludo. Ao mesmo tempo é abordado por uma mulher misteriosa, Ann Rutledge, que se apresenta como executora da fortuna dos Thorn e lhe revela coisas igualmente portentosas sobre o seu destino: a coberto de uma grande corporação multinacional a operar nos mercados financeiros e na indústria militar, Damien tem tudo e todos à sua espera.
Damien rejeita-a terminantemente e ao seu papel de Anticristo. Obcecado, entra em depressão e começa a culpar-se por coisas que nunca poderiam ser culpa dele, como os massacres que testemunhou no terreno e até catástrofes naturais, e tenta suicidar-se. É literalmente salvo pelos Rottweilers.
Mas Damien não pode simplesmente recusar e fugir. Por um lado os satânicos perseguem-no para que os lidere; por outro, o Vaticano manda assassinos para o matarem. O Bem intrínseco à personagem leva-o a tentar pôr fim a si próprio, mas as entidades sobrenaturais não permitem. É um beco sem saída.
Em desespero de causa, deixa-se conduzir ao “inimigo”, uma freira exorcista do Vaticano, num episódio ironicamente chamado “O diabo que conhecemos”. Damien quer pedir ajuda, mas em vez disso, fazendo “o trabalho de Deus”, ela apunhala-o e tortura-o para exorcizar os demónios, o que finalmente faz despoletar os poderes do Anticristo.
Porque é que esta série não foi renovada? Sinceramente, não sei. Os fãs de “The Omen” gostaram mas a crítica acusa a lentidão do enredo e a falta de concretização do que está realmente à disposição de Damien (só começamos a perceber no último episódio). Tenho para mim que os criadores da série queriam ir construindo o contexto devagar, acreditando de certeza que a série seria renovada. Por exemplo, há todo um episódio em que Damien está em coma e acontecem várias coisas contraditórias que me confundiram imenso porque não se percebeu que era um sonho. Qual foi o propósito deste episódio? Penso que foi “reunir” de novo Damien e a sua mãe adoptiva e dizer-nos claramente que nem a nível subconsciente Damien quer ser o Anticristo. Se ao menos se tivesse percebido melhor que era um sonho o episódio teria sido mais eficaz.
Infelizmente, na minha opinião, a série não foi renovada. E digo infelizmente porque havia aqui muita coisa a explorar, como Damien contra o seu destino, a importância do livre-arbítrio contra a inevitabilidade, a luta entre o Bem e o Mal a nível ético, e talvez até a luta entre as forças do Bem e as forças do Mal a nível religioso. Mas a série foi demasiado lenta para agradar à maioria, o que é pena. Recomendo a todos os fãs do tema e admito que é uma delícia ver Bradley James no papel de Anticristo.
Saliento os créditos de abertura, em que vemos imagens clássicas do diabo e demónios espelhadas nos arranha-céus das grandes corporações. Muito bem feito: é mesmo lá que ele está! Outro caminho a seguir seria o Anticristo voltar-se contra a raiz de todo o Mal. Que pena. Eu gostei da cinematografia, do enredo, da imagética demoníaca, das alucinações, dos exorcismos, dos Rottweilers, da música genial de Bear McCreary, da tensão, das personagens… Bem, gostei de tudo, na verdade. Só não gostei que a série não tenha sido renovada.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (especialmente porque o episódio do coma é muito confuso se não se vir outra vez, há que dizê-lo)

Vale a pena ver os créditos de abertura AQUI.

 

domingo, 2 de abril de 2023

I Still See You / Sei Que Estás Aqui (2018)

[contém alguns spoilers]

Para começar, é um filme do canal SyFy, com tudo o que isso implica. Mas a premissa é interessante. Na sequência do colapso de um acelerador de partículas (como o CERN) muitas pessoas morrem porque são directamente atingidas. Mas este “evento” provoca igualmente uma situação inesperada: o aparecimento de fantasmas, por toda a cidade, de pessoas mortas há muito mais tempo. Na verdade, não são bem fantasmas como os conhecemos. São “resquícios” de energia, não comunicativos, inofensivos, presos num loop em que repetem determinada acção vez após vez todos os dias à mesma hora: a senhora que atravessa a rua, o homem que varre o pátio, o pai da protagonista (morto no colapso) que todas as manhãs lê o jornal ao pequeno-almoço. Quando o loop acaba, os fantasmas desvanecem-se.
Mais interessante ainda. À medida que alguém se aproxima do epicentro do colapso, os fantasmas são provenientes de épocas muito distintas, todos eles a cruzarem-se uns com os outros e com os vivos sem interagirem com ninguém. Como diz a protagonista, é como viver numa casa assombrada, só que à escala de uma cidade inteira.
Há teorias científicas por trás disto: os multiversos, as dimensões paralelas que podem ou não existir em simultâneo. Duvido é que estas dimensões sejam povoadas por resquícios energéticos de gente falecida, mas vamos aceitar a fantasia.
Na verdade, a suposta ficção científica começa e termina aqui. Depressa a protagonista parece ser perseguida, ou avisada, por um fantasma que lhe aparece em casa e que não estava lá antes, e que lhe escreve no espelho: FOGE.
A partir deste momento, o filme torna-se bizarro. Um pai, a quem a filha morreu como consequência do colapso, começa a matar raparigas da mesma idade na tentativa de trazer a filha de volta aos vivos (?), sem que nada de científico ou sobrenatural, ou nada de nada, o aponte como possível. Enfim, completamente doido. A protagonista teve o azar de nascer a 29 de Fevereiro, data de nascimento da tal outra rapariga, e o assassino convence-se de que vai conseguir “enfiar” o fantasma da filha no corpo da substituta se esta morrer. Como? Perguntem ao filme, porque o filme não explica. Ou o homem é tão maluco que não merece explicação.
No fim acaba por ser uma vítima a fugir de um serial killer, em que os fantasmas não têm qualquer relevância.
É pena, porque o início prometia algo de original e diferente, uma cidade em que os vivos têm de viver com os fantasmas dos mortos. Terminar assim, com um serial killer prosaico e não muito certo das ideias, foi uma decepção.

12 em 20 (pelo início promissor)


domingo, 26 de março de 2023

13 Reasons Why (2017 - ?)

O suicídio é o último tabu. Já repararam que não se fala em suicídio nas notícias? As estatísticas do suicídio são guardadas a sete chaves. Porquê? Porque fizeram um estudo no século passado que relaciona notícias de suicídio com um aumento de tentativas. Os media adoptaram esta atitude de “mãezinhas” e é proibido falar do assunto. Eu discordo completamente. A política de silêncio faz com que as pessoas em risco se sintam ainda mais isoladas e anormais. Além disso, se se considera que fazer um aborto é ter “controlo sobre o próprio corpo”, o suicídio é um direito ainda maior. Não há maior controlo sobre a própria vida do que lhe pôr termo. Mas achei bem explicar isto dos suicídios e dos media.
É daqui que vem a controvérsia acerca desta série em que uma adolescente se suicida e deixa 13 gravações em cassete a explicar a sequência de eventos que a levou a essa decisão. E ela deixou as explicações em cassete “para não ser fácil” ouvi-las, como ela diz, para implicar esforço da parte de quem as recebe.
Hannah é uma jovem linda que se acha feia e invisível, para começar. As primeiras K7s são sobre coisas quase insignificantes. Sim, Hannah foi alvo de bullying, mas quem não foi alvo de bullying na escola? Só os bullies, e talvez nem isso. Gera-se uma mentalidade de alcateia: se não caças connosco és uma presa também. Toda a gente passou por isso.
De seguida, um amigo tem a estúpida ideia de a incluir numa lista de “melhor” e “pior” como “melhor rabo da escola”. Sei que há muitas raparigas verdadeiramente invisíveis, numa altura da vida em que atrair alguém romanticamente é um caso de vida ou morte, que adorariam ser o “melhor rabo da escola”. Mas Hannah está convencida de que todos pensam nela como “a rapariga fácil” e fica bastante magoada.
A princípio podemos pensar que não são razões para ninguém se matar, mas à medida que a história avança começamos a saber de coisas muito mais graves que se acumulam às coisinhas pequeninas. Ao mesmo tempo, os pais de Hannah têm problemas financeiros. É preciso nunca descurar esta parte. Muitos adultos cometem suicídio por causa de dinheiro (ou da falta dele).
Gostei que a série não tenha evitado a cena do suicídio propriamente dito. Mostra como Hanna morreu sozinha, em dor, no frio, em lágrimas. Não é exactamente algo de muito apetecível e duvido que algum adolescente se sinta tentado a imitá-la.
O que me tocou mais foi a angústia dos pais, que de repente perderam uma filha e não percebem porquê. Mas houve momentos em que Hannah disse coisas que ecoaram perfeitamente, coisas que eu própria pensei. Como quando ela diz “já nada me interessa na vida, e aqueles que amo ficariam muito melhor sem mim”. Estes são pensamentos depressivos que pediam intervenção profissional imediata, mas Hannah não a teve. Na verdade, muita gente pensa que os miúdos dizem isto para chamar a atenção. O pior mesmo é quando os miúdos se isolam e deixam de falar sobre o assunto. Foi o que Hannah acabou por fazer.
Tirando Hannah, o protagonista da história é Clay, seu quase-namorado, a quem as K7s são entregues por último. Clay quer justiça, mas desconhece que os outros implicados (de forma mais ou menos grave) se estão a organizar numa autêntica conspiração para o desacreditar (e a Hannah) de modo a protegerem os seus próprios segredos.
Na adolescência é tudo um caso de vida ou de morte e 5 minutos duram anos. Tudo é para sempre. Gostei desta representação realista de meia dúzia de miúdos a aprender a navegar a vida. Clay, por exemplo, no início parece ter uma mentalidade de 13 anos. Pelo fim da série, não sendo ainda adulto (e não obstante continuar a ver o mundo a preto e branco) parece ter amadurecido 10 anos.
Recomendo “13 Reasons Why” mas achei que muitos episódios se debruçaram demais sobre personagens secundários que não nos interessavam assim tanto. Talvez por isto a série tenha durado mais três temporadas.

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