quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"Gatos que recusam viver sem os donos"

Do site da União Zoófila:




De uma vez por todas, é falso e é profundamente injusto o que se diz sobre os gatos, que não reconhecem ou estabelecem ligação com os donos. Os gatos não só estabelecem ligação com os donos como morrem quando ficam sem eles.
O Roger tinha oito anos quando foi descartado, como se de um objecto sem valia se tratasse. Tinha vivido toda a vida numa casa, mimado, confortável, e depois viu-se num gatil, um sítio estranho, sem a presença do que tinha sido seu dono. O Roger deixou de comer e de se mexer e assim ficou sem que qualquer cuidado ou medicação pudesse fazê-lo recuperar a vontade de ficar vivo. O Roger morreu.
Abandonar um gato adulto, habituado a viver numa casa, num gatil significa muitas vezes a depressão e a morte. É bom que quem o faz fique ciente que condena à morte um amigo e que carregue o peso na consciência.



Para pensar.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O sentido

A grande questão que mais tarde ou mais cedo surge nos espíritos superiores é uma só:
Que faço eu aqui? Qual é o meu propósito no Grande Esquema das Coisas? Estou aqui por uma razão?
Ou não passamos de mamíferos inteligentes que necessitam de inventar justificações para a sua existência, incapazes de aceitar a hipótese de que, apesar do nosso intelecto superior, não passamos de animais mais inteligentes do que outros mas igualmente subordinados à indiferença da Natureza? Que se calhar o nosso único propósito no chamado "Grande Esquema das Coisas" (com que gostamos de nos consolar de uma forma ou doutra) é sermos transformados em cadáveres e produzir petróleo (como os dinossauros) para uma qualquer civilização usar daqui por milhões de anos?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O silêncio II

Uma vez contei uma história verdadeira, e muito muito triste, da minha vida, a alguém. A resposta foi "Nem sei o que te hei-de dizer". E nunca mais falou comigo. O mais triste, ainda por cima, é que nem sequer contei tudo, nem o pior.
Tem sido esta a maioritária reacção dos outros. Fogem, desaparecem, não conseguem lidar com uma realidade que é demasiado desesperada. Às vezes penso que é algo de supersticioso, como se a infelicidade, o azar, a pobreza, fossem uma espécie de lepra que se pegasse...
Há meia dúzia de outros que querem salvar-me. Na verdade, não é a mim que querem ajudar, mas antes ajudar si próprios, fazer uma boa acção para se sentirem bem consigo mesmos... Não me adianta dizer que aquilo que eu preciso é apenas que me escutem. Apenas e só que me escutem. Mas escutar não é "salvar", e se não podem salvar, se não me podem arrastar para um qualquer médico ou padre ou curandeiro ou afins e salvar-me, então, todo o interesse na minha pessoa desaparece. Desaparecem também.

Esta é outra parte do silêncio. O meu silêncio. Já não tenho idade para ilusões e o meu desapontamento com as pessoas ultrapassou todos os limites que eu julgava concebíveis. Se não posso falar, não falo. Se não há ninguém, não há ninguém. Não adianta continuar a fingir. Não estava nas estrelas.

domingo, 21 de agosto de 2011

O silêncio

Hoje é um daqueles dias em que não há nada a fazer excepto escrever aqui. Que grande elogio estou a fazer a esta página! É quase como dizer "não há nada a fazer senão rezar". Curioso, não é? Nunca me tinha apercebido disto.
O que é de tudo mais curioso é que quando escrevo aqui, nestes momentos, não estou a escrever para ninguém em especial. Já aqui o disse, é como aquele náufrago que deixa uma mensagem na gruta a testemunhar "eu estive aqui" embora não espere que ninguém por lá passe no futuro ou que tal tenha relevância prática no presente. Deve ser instintivo ao ser humano escrever nas paredes das grutas só porque pode.

Escrevi a minha primeira história quando tinha oito anos. Foi um trabalho da escola. Davam-nos um princípio de enredo e tínhamos que desenvolver uma história a partir daí. O trabalho era para ser apresentado no dia seguinte. Pela primeira vez na minha vida, não consegui apresentar o trabalho no prazo devido. A professora ficou muito intrigada. Eu respondi apenas "ainda não está pronto". Isto durou uma semana. Todos os dias a professora insistia e cada vez eu me irritava mais e lhe dizia "ainda não está pronto". Deve ter sido a primeira vez que senti a frustração de um verdadeiro escritor confrontado com os outros. Como é que ela não percebia que ainda não estava pronto? Era uma história, não uma conta de multiplicar. Uma história requer tempo, concentração, inspiração. Não é coisa que se escreva quando se quer!
Uma semana depois, lá lhe apresentei vinte ou trinta páginas. Acho que a mulher se passou da cabeça. Acho que acreditava mesmo, a bruta, que eu não estava a fazer o trabalho! Como é que é possível?!
Enfim, aquilo foi lido por todos os professores da escola. A história tratava de temas que uma miúda de oito anos não devia saber tratar -- e aqui só entre nós não sabia mesmo.
Do ponto de vista literário não tinha interesse nenhum. Do ponto de vista de uma proeza de infância não sei: deitei aquilo fora quando anos mais tarde encontrei o manuscrito e me apercebi de que não tinha interesse literário. Aliás, a maior parte das coisas que escrevi durante toda a minha vida já foi destruída.
Mas aquele exercício ensinou-me uma coisa extraordinária, inconcebível para mim até àquele momento! Sempre gostei de ler, mas até àquele preciso momento nunca me tinha passado pela cabeça que os livros não estavam já todos escritos. Mais ainda, que eu também podia escrever qualquer coisa de novo! Fantástica descoberta! Nefasto e terrível vício, só comparável, de facto, à descoberta do orgasmo.
Continuei as escrever umas coisinhas, mas agora percebo que eram vôos demasiado elevados para as asas da idade. Nessa altura não sabia o que me levava a escrever coisas de adultos. Agora sei, mas não digo.
Digo apenas isto. Costuma recomendar-se, aos jovens escritores, "escreve sobre coisas que conheces". E caramba, eu estava a escrever sobre coisas que conhecia, eles é que não sabiam o que eu sabia e a minha inexperiência era de forma, não de conteúdo. O conteúdo já estava todo lá.
Mas ninguém percebia o que eu estava a dizer, por isso tentei melhorar. Comecei a fazer versões de versões de versões. Chama-se a isso "prática". Mas continuei. Na verdade, não tive outro remédio. A inspiração é uma forma de possessão.
Por volta dos vinte e poucos anos já conseguia escrever coisas que transmitiam coisas. Escrever coisas que transmitem coisas é difícil. Foi por volta dessa altura que as pessoas que liam começaram a sentir as minhas palavras. Foi por volta dessa altura que comecei a receber como reacção, em vez da crítica, o silêncio. Um silêncio sepulcral. Um silêncio tão sepulcral que pensei exactamente o contrário: que as minhas palavras não tinham impacto nenhum.
Agora posso dizê-lo, que já ninguém se lembra disto nem de mim. Escrevi num jornal, e na entrevista para esse emprego de jornalista incorri na ingenuidade de dizer que era escritora (no simples intuito de explicar que tinha o costume de escrever). A cara da pessoa que me entrevistava foi inesquecível. "Escritora? Tens alguma coisa publicada?" Confesso que foi uma pergunta que me deixou tão embasbacada como as insistências da professora pelo TPC que não aparecia. Perguntei-me, e o que eram os escritores antes de serem publicados? Ou seja, o que era Camões antes de ser publicado? Não era já um poeta? Quando é que Camões, exactamente, se tornou um poeta? Quando foi publicado? No momento em que começou a escrever? Antes? Depois? E se nunca tivesse sido publicado, nunca seria um poeta? A pessoa que fazia a pergunta não se apercebia da barbaridade que dizia, nem nunca eu a contradisse, até porque entretanto consegui o emprego, eheheh.
Mas deixei de dizer que era escritora. Afinal, não tinha nada publicado. Pergunta existencial: e agora, que tenho anos e anos de blog publicado, já sou escritora, ou pelo menos blogueira?
Isto leva-me a extrapolar para a conversa que tive com um amigo que me falou em publicar partes deste blog em livro. As partes sumarentas em que falo da minha vida, claro está, que isto aqui é só coscuvilhice. Confesso que também fiquei perplexa. Não está já publicado? Não está aqui? Palavra de honra, há coisas que não percebo. Um blog é um blog, isto é um blog, as palavras deste blog esgotam-se aqui, rebentam como bolhas de sabão e desaparecem. Exactamente como bolhinhas de sabão à chuva.
Mas onde é que eu ia? Sim, na minha experiência jornalística. Aprendi, com esta, que não sabia nada. Que a minha escrita era feia, monótona, desinteressante. Excepto quando me deixavam escrever crónicas. Cheguei a receber cartas de admiradores. Acho que isto causou uma certa inveja por lá mas não entremos por aí... A inveja é uma coisa tão feia.
Ainda escrevi mais algumas coisas, e mostrei, mas continuava a receber como reacção o tal silêncio, e fiz aquilo que um aspirante a escritor não deve fazer nunca: parei de escrever de todo. Durante uns quinze anos, não escrevi absolutamente nada. Isto equivale a um bailarino que deixa de dançar ou a um ginasta que deixa de praticar. Atrofia muscular. Atrofia de estilo. Anos e anos perdidos a achar que os leitores não sentiam as minhas palavras. Anos e anos a pensar que o silêncio significava a minha inépcia.
Foi um choque começar este blog e perceber que tinha leitores. Sempre pensei que escrevia para o ar. Literalmente. Foi um choque ouvir elogios de que escrevia bem. Estava convencida do contrário. Foi um choque compreender que as minhas palavras tinham tanto impacto que até tinham impacto a mais: causavam demasiada polémica. (Tenho-me controlado bastante desde esses tempos! Há que saber poupar energia.)
Se não fosse por esta página nunca teria sabido nada disto. Se não fosse por esta página, nunca teria aprendido o Mal e o Bem que me foi desfilando perante os olhos assombrados.
O que eu acho mais enigmático, de certa forma até fatídico (no sentido em que é um fado, um destino) é que as descobertas sempre me tenham sido proporcionadas por completos estranhos. Longínquos, distantes estranhos. Se Dante diz que existem nove círculos de inferno eu tendo a constatar que existem vários círculos de solidão, como os anéis de Saturno. O silêncio é um deles. Mas apenas mais um. Nem sequer o pior.
Mas continua a ser curioso que as melhores coisas que já fiz foram feitas quando as fazia para o ar. O meu erro é insistir na companhia. Agora percebo. Se calhar há coisas que estão destinadas a nunca ficar prontas.

Coisas como este post, que está longe de estar pronto e mesmo assim já foi tão longe, longe demais.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Let the right one in" / "Deixa-me entrar"



Logo a seguir a ver "Twilight", como numa necessidade urgente de me desintoxicar, vi "Let The Right One In", este sim, um filme altamente recomendado. Passo desde já a palavra: este filme não é só bom, é obrigatório!
"Let the right one in" / "Deixa-me entrar" é um filme sueco de 2008 (título original "Låt den rätte komma in"), o que faz pensar que ao mesmo tempo que se produzem ensalsichados para o povo existe sempre um outro patamar a desenvolver-se, acima da média e da atenção geral, só para conhecedores. Contudo, é de admirar a velocidade da divulgação com que este filme generalizadamente obscuro chegou aos verdadeiros apreciadores. Sem querer mentir, devo ter tomado conhecimento dele quase ao mesmo tempo em que acontecia a febre "Twilight". Repito: altamente recomendado por outros apaixonados pelo género!

"Let the right one in" (prefiro o título inglês porque é mais fiel ao conteúdo) conta a história de um menino de 12 anos que trava conhecimento com uma menina vampira que aparenta ter a mesma idade. Apresentado sob a perspectiva das "crianças" (há quem lhe chame "conto de fadas" mas eu discordo), é assombroso neste filme como o presenciar do homicídio mais grotesco não nos afecta. É algo que é. São os adultos que falam do horror mas o espectador não o sente. Fascinado pela história de amor entre o menino solitário e a vampira que não queria sentir amizade, não vê outra coisa. Só os vê a eles. Compreende-os. Sente o que sentem. Como ela diz: "sê eu por um bocadinho". Somos eles o filme todo.
Depois de o filme acabar pus-me a pensar. Até que ponto é inocente a amizade da parte dela? Ou estaria apenas a recrutar um novo escravo que matasse por ela quando o antigo ficou demasiado velho para o fazer?... Esta já é a apreciação cínica de quem já não tem idade para acreditar em contos de fadas mas, juro, não se pensa nisto enquanto dura o "encantamento". Tal como o menino solitário, somos sugados para a amizade da vampira (a mim ela lembrou o vampiro Armand) e justificamos todas as suas piores acções. Aqui está a genialidade da coisa.
Duvido que qualquer bom apreciador de vampiros não se sinta completamente saciado depois de beber esta surpresa.
Um conselho: vejam. Mas vejam mesmo!

17 em 20

"Twilight" / "Crepúsculo" (2008)



Então, finalmente não tinha melhor que fazer e vi isto. O que dizer?...
Vou começar pelo óbvio: obviamente, dada a mania, a loucura, a multiplicação de cópias e imitações, a verdadeira "febre vampiresca" que se apoderou de adolescentes "normais" por causa deste filme/livro, estava à espera de qualquer coisa que me impressionasse, certo?... Era uma expectativa compreensível, não era? Eu acho que sim.
O que verdadeiramente me impressionou, durante os longos -- looongos -- minutos do filme, foi a impressiva seca que apanhei.
Não estou a exagerar. Para uma ávida fã de vampiragem como eu sou, um filme de vampiros completamente desinteressante é uma proeza valente! E eu que gozava com os "Diários do Vampiro" ("The Vampire Diries", série televisiva)! Pelo menos nos "Diários do Vampiro" acontece uma matançazinha de vez em quando. Mas vamos ser realistas: os personagens de "Diários do Vampiro" são adolescentes mas portam-se com a maturidade de pessoas bem mais velhas. Há, inclusive, adolescentes mais responsáveis do que os próprios pais.
Mil perdões. Este post era para falar de "Twilight"... se houvesse alguma coisa para dizer.
Ok, talvez haja algo para dizer. Não percebi como é que um vampiro de 80 anos se apaixona por uma rapariguinha de 17. (Posto desta maneira até parece um bocado pervertido.) Talvez o livro explique e o filme não consiga. Quando um escritor decide inventar que um vampiro se apaixona por um mortal tem que explicar muito bem de onde vem essa atracção. É física, é intelectual, são almas gémeas, é o quê?
Na verdade, pensando bem no assunto, o filme também não explica o que é que ela vê nele. Acha-o giro? Interessante? Ou apaixona-se pela sua vampiridade? Não sei. Não percebi. Talvez para um público adolescente não seja preciso explicar. O "amor" acontece. Não é "amor" mas acontece e julga-se que é "amor".
Também não percebi porque é que a família Cullen tenta ser normal. Se calhar por que o filme é para um público "normal"? Talvez.
Mesmo assim, com a explicação do público normal, tenho dificuldade em entender porque é que agradou tanto aos adolescentes desta/dessa geração. Houve muitos filmes semelhantes no passado (no meu tempo foi o filme "Lost Boys": argumento semelhante, jovem rapaz apaixona-se por jovem vampira ao som dos Doors) e nunca produziram semelhante efeito de contágio. Tenho para mim que este fenómeno precisa de uma explicação mais profunda, mais sociológica, que ultrapassa o simples visionamento do filme.

Fazemos assim. Tenho o livro (obrigada, tu sabes quem és!), prometo pelo menos começar a ler e apresentar uma opinião sobre até que ponto é que este filme é ou não uma boa adaptação. Nem que seja por uma questão de justiça. Todos sabemos que muitas vezes as adaptações não correm bem.

Tenciono ver todos os filmes da saga, não por curiosidade (que não despertou nenhuma) mas por uma questão de cultura vampiresca. Hoje em dia um amante de vampiros precisa de estar a par do folclore pop ou perde-se. Falo por exemplo, do "brilhar à luz do sol". Pormenores. Longe vão os tempos em que o folclore era o "Drácula" e pouco mais.

Como classificar este filme? Sem ler o livro, dou-lhe um 12 em 20 para ser generosa. Será interessante descobrir se a classificação sobe ou desce com a leitura do livro.

sábado, 16 de julho de 2011

Gótico na literatura

Aqueles que já me conhecem deste blog já saberão que não vejo o gótico apenas como um movimento musical urbano-depressivo (era assim que se chamava na altura) originado no final da década de 70 (Joy Division -- banda a que, se bem que por linhas muito tortas, se deve o rótulo -- e afins).
Na minha perspectiva, o gótico sempre existiu, no mínimo como representação artística de uma forma de sentir (e, porque não, de espiritualizar?) temas relacionados com a dor, o sofrimento, a beleza, e, claro está, e acima de tudo, a morte. No gótico, a morte é o grande tema verdadeiramente omnipresente. O gótico serve também como forma de sublimação, através da arte. A música nada mais é do que uma das expressões dessa arte.

A leitura da introdução do livro de que falarei hoje levou-me a considerações sobre o que nós consideramos literatura gótica. Ficarão, tenho a certeza, tão surpreendidos quanto eu ao perceber que a princípio os escritores góticos também recusavam o rótulo "gótico".
Onde é que nós já ouvimos isto, direis vós?
É muito mais antigo do que pensamos, respondo eu.



Como o nome indica, "Gothic Short Stories", da editora Wordsworth Classics, é uma compilação de pequenas histórias seleccionadas pelo editor desde os primórdios deste estilo na literatura. Não vou falar delas, mas da fantástica introdução que projecta uma luz excepcional sobre o género gótico, na literatura e não só, de que vou traduzir algumas partes chave:
Começando pelo verso:

"No finais do século XVIII alguns autores começaram a escrever histórias "góticas" como maneira de reaproximar a literatura do irracional, do sobrenatural e do bizarro, o que tinha sido negligenciado na 'Idade da Razão'."
[Tradução minha]


Porque é que a literatura chamada gótica está cheia de fantasmas, terror, temas sinistros? Confrontado com o terror inspirado por algo de misterioso e terrível e fora do seu controlo -- A Morte -- o ser humano sublima esse medo através desta forma de arte. (Saliento _esta_ porque há outras formas de arte e outras formas de sublimação que não são arte.)
Na literatura gótica, tal como nos filmes de terror da actualidade, o leitor/espectador tem a sensação de desafiar o terror/a morte, olhando-os de frente.
(Isto é tão primitivo quanto os ritos de iniciação: por exemplo, caçar um leão. Daí eu ter insistido na existência de outras formas de expressão desta ansiedade comum ao ser humano.)

O medo da morte e o sofrimento causado pela morte sempre se exprimiu ao longo dos séculos, na arte, de forma aterradora. Pensem, por exemplo, nas gárgulas. Ou nos vitrais ou murais representando o inferno. A sociedade de hoje já não acredita no inferno, ou se acredita é num bem mais levezinho, no entanto consome filmes de terror que produzem o mesmo efeito que as gárgulas deveriam produzir no homem medieval.

Mas hoje o tema é literatura e existe bastante que pensar nesta introdução que citei e que aparentemente não tem nada a ver com o movimento musical gótico... Ou será que tem? Eu acho que sim.

A invenção da literatura gótica é geralmente atribuída a Horace Walpole e datada de 1764. Foi na altura um meio de reconquistar territórios imaginativos e emocionais que tinham sido largamente rendidos à cultura racional e iluminista do século XVIII. Neste conto curto, "O Castelo de Otranto", Walpole levou a narrativa de volta ao período "Gótico" da Idade Média -- a Idade das Trevas, como aqueles no tempo do Iluminismo a consideravam -- porque lhe parecia mais apropriado incorporar incidentes sobrenaturais numa ficção passada num período em que a crença no sobrenatural era generalizada. Tal crença era frequentemente associada com a superstição católica, e onde esta existia, na Grã-Bretanha de meados do século XVIII, era frequentemente vista como o produto aberrante de mentes incultas: criados, camponeses ou mulheres. (...) Só na segunda edição de "O Castelo de Otranto" é que Walpole admitiu a sua autoria da história; a primeira edição manteve o seu "goticismo" a uma distância segura ao afirmar que era uma tradução de um manuscrito italiano medieval.


Vemos assim que, desde o seu incipiente princípio, também a literatura gótica tentou fugir ao rótulo, se não mesmo negá-lo, repudiá-lo, como algo indigno de uma mente culta e intelectual. O que é que isto nos lembra? Pois é. Lembra-nos mesmo aquelas bandas que afirmam: não, nós não somos góticos, estamos acima disso.

Em 1773, quando Anna Letitia Aikin escreve o seu fragmento "Sir Bertrand", esta autora pensa que...

(...) o que torna o gótico potente, concluiu ela, é o "prazer constantemente ligado ao estímulo da surpresa de novos e maravilhosos itens" (...)
Aplicada como fórmula para gerar a narrativa gótica, a tendência desta teoria do Gótico é simplesmente gerar uma coisa estranha a seguir à outra, como "Sir Bertrand" demonstra. O herói é conduzido através de uma sequência de efeitos, cada um dos quais precisando de ser mais "estranho e inesperado" do que o anterior. (...)
mas a leitura de Aikin do vocabulário gótico como meramente um tipo de "novo e maravilhoso" ou "estranho e inesperado" soa demasiado literal e limitado a ouvidos modernos.


Será? É que ainda há realizadores de cinema que acreditam que um bom filme de terror se pode limitar a uma mera sucessão de sustos e saltos na cadeira... Vemos que algumas coisas não mudaram muito desde 1773.

A autora mais influente dos que desenvolveram o Gótico nos sessenta anos seguintes ao "Castelo de Otranto" foi Ann Radcliffe (1764-1823) (...)
Radcliffe e os seus inúmeros imitadores fizeram evoluir o vocabulário do que agora pode ser considerado Gótico "clássico".


Parafraseando a introdução:
A acção continuou a ser situada no passado, porventura não tão distante como em "O Castelo de Otranto". Os castelos continuaram a ser um cenário valioso, de preferência total ou parcialmente em ruínas, guarnecidos com masmorras e passagens labirínticas, idealmente com uma das alas permanentemente selada, fonte de maior mistério. Bandidos sinistros povoavam o universo de Radcliffe, sendo outra fonte de perigo para as suas heroínas. Mosteiros e abadias eram também uma rica fonte de inspiração, aproveitando o clima de negação sexual e potenciando dramas de identidades secretas, histórias ocultas e perseguição.

Conforme o Gótico se desenvolvia nestes anos primordiais, o sobrenatural não era um elemento essencial: Radcliffe era famosa por praticar uma forma de Gótico em que as ocorrências misteriosas eram supostamente atribuídas a causas sobrenaturais mas acabavam por provar não o ser.


Isto é, já na altura havia vergonha de admitir o elemento sobrenatural no gótico. Esta vergonha de ser gótico chega aos nossos dias de variadíssimas formas. Curioso, no mínimo.

O que é aparente, olhando agora para as várias versões da evolução do Gótico no fim do século XVIII é que nelas o estímulo do terror é apenas parte da maquinaria dos incidentes sobrenaturais ou semi-sobrenaturais, da superstição medieval, violência ou tortura - de "novos e maravilhosos itens". Frequentemente, substanciando esta maquinaria, existem outras "agendas" de ansiedade. (...) ansiedades acerca do poder masculino e da propriedade, a tirania exercida por lei de pais sobre filhas, maridos sobre mulheres, guardiães sobre pupilas - ansiedades que encontravam ao mesmo tempo uma expressão não gótica na escrita de feministas como Mary Wollstonecraft.


No resto da introdução, o editor explica claramente como, com o passar dos tempos, outras ansiedades surgiram também no domínio da ficção gótica: a loucura, a sexualidade, a decadência (por exemplo, recordemos "The Fall of the House of Usher" de Egdar Allan Poe), a violência, a morte. Em suma, os medos mais profundos do ser humano.



Agora que recomendei vivamente a leitura de pelo menos a introdução desta compilação, restam-me ainda mais perguntas. O que é que podemos considerar literatura gótica nos dias de hoje?
Quem se acusa?

Aposto que se segue um imenso silêncio. ~evil grin~

Sempre que se segue este silêncio eu faço a pergunta ao contrário, como na música. Que música é que os góticos ouvem? Segue-se a lista, etc.
Que livros é que os góticos lêem? Parece-me que a lista está por fazer. Mas sabemos que lêem, ou melhor, devoram, a literatura gótica dita "clássica", isto é, histórias de terror. Antigas ou modernas, do "Drácula" aos vampiros de Anne Rice.
Mas não só. Tenho para mim que também gostam de "As Brumas de Avalon" ou "O Senhor dos Anéis". Sei também que gostam do Romantismo do século XIX. O Romantismo não é necessariamente sobrenatural.
Então, o que falta fazer é a lista de autores modernos que não escrevem sobre o sobrenatural. Porque os deve haver. É melhor começarmos a partilhar.

Voltando ainda ao tema do Romantismo, estou a lembrar-me do autor que melhor o expressou em língua portuguesa. Este foi Alexandre Herculano e a sua maior obra "Eurico, o Presbítero". Tudo o resto, na minha opinião, Camilo Castelo Branco incluído, na literatura portuguesa do século XIX e seguinte foi já imbuído de uma crítica de costumes muito mais digna do rótulo Realismo do que do Romantismo propriamente dito. O amor de Eurico e Hermengarda está destinado a ser impossível, como na tragédia grega. [Se quisermos extrapolar muito, tão impossível como os amores de um vampiro por um ser mortal.] Já os problemas que atribulam os amantes de "Amor de Perdição" são causados pela sociedade e poderiam ser facilmente resolvidos se a sociedade assim o desejasse. Duas perspectivas completamente diferentes.

Por último, sendo o gótico um movimento internacional, nestas alturas tenho pena de não saber mais sobre literatura estrangeira mas é aqui que os meus conhecimentos acabam. Por esta mesma razão achei tão pertinente partilhar estas linhas convosco, na esperança também de que outros mais sapientes as continuem.

Cagaço

Apanhei um grande susto, a semana passada, quando não consegui aceder a este blog. Isto sucedeu, vim a descobrir, porque estava a utilizar o novo interface do Blogger Draft (draft.blogger.com). Só consigo aceder ao blog usando o antigo interface (www.blogger.com). Isto pode significar que o acesso aos blogs de templates mais antigos, como este, podem ter os dias contados.
E pode significar que de um dia para o outro eu perca o acesso a escrever aqui, sem hipótese sequer de deixar um link de reencaminhamento para um novo blog...
Porque mais vale prevenir do que remediar, criei um blog de salvaguarda, o qual linkei ali à direita debaixo do perfil, para continuar a escrever caso perca o acesso a este blog e para os leitores saberem onde estou.

O link é http://gotikkka.blogspot.com.

(Adicionei mais um "k" à palavra "gotikka". Simples.)

Só será usado se de facto perder o acesso a este blog, o que espero que não aconteça.
O que é mais curioso é que o Blogger permite fazer um back up do blog, e eu, que até sou uma moça previdente, FIZ O BACK UP, e tentei importar esse back up para o novo blog...

MAS O BACK UP NÃO FUNCIONA!!!

Logo, não há maneira de importar toda a informação contida ao longo de anos a escrever neste blog para um outro. Não há maneira de salvaguardar esta informação na internet.
No entanto, eu guardo as páginas deste blog, pelo que os artigos, pelo menos, não se perdem.

Achei bem partilhar esta informação com outros bloguistas para que se acautelem. Guardem as páginas, nem que seja uma vez por mês, no vosso computador.

Por enquanto cá estamos. À antiga e sem gadgets modernos (por exemplo, este template não permite a funcionalidade "seguir outros blogs"), mas a gente sabe que o que importa é o conteúdo, não a fachada.

:)


Um pequeno PS: Não perdi o acesso ao Pórtico, talvez por o template deste ser mais recente, mas não consigo que o Pórtico apareça no meu perfil. Não percebo porquê.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Queimar etapas

Eu sei que não tenho estado presente. Eu sei que tenho sido um fantasma.
As coisas do mundo desinteressam-me e desgostam-me. E depois existe a mordaça do que eu não posso falar. É díficil existir entre os vivos assim.
Já vivi duas vidas nesta vida. Talvez esta seja a terceira.
Ser um fantasma não será de todas a mais dolorosa. Longe disso!

sábado, 28 de maio de 2011

Lido ou ouvido há pouco tempo mas não me lembro onde:

A morte é a maior esperança dos infelizes.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Woven Hand



www.myspace.com/wovenhand


Esta é a banda que tem feito as minhas delícias nos últimos meses. Já não era sem tempo que falasse dela.
Conheci os Woven Hand quando cá vieram ao Santiago Alquimista, em Dezembro do ano passado. Nunca tinha ouvido falar deles mas houve um pormenor que me chamou a atenção (e não foi o chapéu, lol!): o facto de o vocalista ter pertencido aos 16 Horsepower, banda que conheci numa rádio online de goth/death rock.
A música é, desta forma, como a conversa e as cerejas, vai-se inspirando em si própria, e é por isso que dizer que tal banda é ou não gótica se tem tornado um caso cada vez mais bicudo à medida que os padrões clássicos são abandonados.
Os Woven Hand fazem música subtilmente épica, folk, rock, de inspiração religiosa e algo (se não muito) melancólica, e basta-me.
Nota importante: extremamente aconselhado a quem gosta de Southern Death Cult!


Wovenhand (also spelled as Woven Hand) is a band from Denver, Colorado led by former 16 Horsepower lead singer David Eugene Edwards. Woven Hand's music combines elements of neofolk, alternative country, post-rock, punk, industrial music, folk rock, old-time music and native American music, among other influences.
Woven Hand

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Preciso de uma opinião sincera

Esta é a primeira frase de uma coisa que ando a escrever. A princípio pareceu-me muito bem mas cada vez que a leio surgem-me dúvidas. Preciso de uma opinião sincera.

Era uma daquelas tardes de verão serenas e mornas em que o próprio sol parece adormecer dentro da água das fontes, e a suave brisa sopra as pétalas de mansinho, como se todos os elementos se tivessem esquecido de que há bem poucos meses, ainda mal começada a primavera, se costumavam digladiar como inimigos.

Está demasiado... nem sei o que lhe chamar... cliché? Bucólica? Romântica?
A ideia era expressar que a natureza, os quatro elementos (fogo, ar, água, terra), se encontravam "reconciliados" após terem sido "inimigos". Mas agora não sei se a ideia passa ou se a frase é demasiado... a tal "coisa" que não consigo definir.
Opiniões são muito bem vindas. Obrigada. :)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Club Noir



Antes de mais, o meu contrito mea culpa por não ter escrito sobre o Club Noir mais cedo quando já o podia ter feito. (A preguiça é um pecado tão feio...)
Depois de tantos anos sem alternativas, em Lisboa, a coisa começa a compor-se. Foi com muito agrado que conheci o Club Noir, inaugurado na rua da Madalena (baixa) em Fevereiro. Aqui está um espaço com tudo para agradar e todas as potencialidades que se possam imaginar.
À entrada, junto ao bar, existe uma sala onde se facto se pode conversar em grupo. A música é audível e a pista de dança é visível mas não atrapalha o convívio.
A mencionada pista de dança, por sua vez, ocupa exactamente o espaço suficiente para ser ao mesmo tempo intimista e convidativa (em suma, uma pista de dança "a sério", ao contrário de pista de dança improvisada como acontece em tantos bares). De facto, se estivéssemos nos anos 80 chamaria ao espaço nada mais nada menos do que bar/discoteca, porque é precisamente o que o espaço oferece. Mais nas "profundezas" há uma terceira sala, a que chamo a sala dos sofás, que oferece oportunidade para conversas mais... "aconchegadas". Aqui a minha opinião não é muito favorável (mas sou suspeita à partida porque detesto sofás): a música na "sala dos sofás" é tão elevada como na pista de dança e os sofás, se houvesse mais luz, dariam ao espaço um aspecto de "sala de espera". Talvez uma sala a melhorar, na minha opinião.
Tirando os sofás (que segundo me disseram já lá estavam quando o bar foi adquirido) nada a apontar à decoração e à iluminação. Podia ter um toque mais "pessoal" mas acredito que com o tempo, e os cartazes, e as recordações, chega-se lá.
Quanto à música, pelos dois eventos a que assisti fiquei com a impressão que depende do DJ ou da temática da noite, o que também é bom sinal. Respeitam-se os gostos das pessoas e não se engana ninguém caindo nos mesmos êxitos do costume, batidos e "rebatidos" por todo o lado. (Uma das coisas de que gostava na antiga Juke Box -- a do Bairro Alto -- era entrar lá e não conhecer nada do que estava a passar. A mim nunca ouvirão criticar música obscura.)
Por último, mas não menos importante, gostava de realçar a localização. O facto de se situar na baixa, numa rua afastada do mainstream dos bares (Cais do Sodré, Bairro Alto, etecetras e tais que não vou referir) é um ponto muito positivo. Quem frequentava a Juke Box, à tarde e a noite, na rua da Fé, sabe bem do que falo. O Club Noir, tal como a Juke da r. da Fé, tem a vantagem de ser apenas frequentado por gente que sabe para onde vai e para o que vai. Gente da cena, gente que não cai lá de pára-quedas. Talvez, com o tempo, surja a mística que o ambiente pede e encoraja. Logo, toca ir ao Club Noir e a espalhar a palavra pelos amigos. Das vezes que fui não me pareceu que estivesse suficientemente "povoado", certamente por ser um sítio ainda novo. Por isso insisto, toca a ir! Toca a recriar a mística! E já agora, toca a recriar a "dança em círculo". Isso, infelizmente, tem-se perdido, e cá por mim tenho saudades da cumplicidade que se criava. (Sabem do que falo, não sabem?...)
Um ponto negativo apenas: Já estou mal habituada desde que os bares começaram a fechar mais tarde em Lisboa. O Club Noir fecha mesmo às 4 da manhã. Enfim, tudo o que é bom parece que acaba sempre cedo demais, não é?

domingo, 20 de março de 2011

"2012" (2009) / "Apocalypto" (2006)


Existe a noção errónea de que um filme de terror tem que incluir necessariamente o sobrenatural. Tal não é verdade, como provam os filmes-catástrofe (como "2012") que se tornaram quase um sub-género (um outro exemplo recente: "O Dia Depois de Amanhã"). Mas existe um outro tipo de filmes, também eles com cenas eventualmente chocantes (e assustadoras), que se situam numa área bem mais cinzenta. "A Escolha de Sofia", é ou não um filme de terror? Mas foi filmado com a intenção de ser um drama. "Titanic", é ou não um filme de terror? E, no entanto, foi feito com a intenção de ser romântico (mas não é verdade que se não fosse o horror do naufrágio era apenas mais uma história de namorados)?
"2012", filme de terror/catástrofe que retrata a extinção da humanidade devido à inversão dos pólos terrestres tal como predita pelo povo Maia na data de 21 de 12 de 2012, podia ter causado mais medo, muito mais medo, mas algo falhou. Tenho para mim que os protagonistas permaneceram sempre demasiado seguros (enquanto o mundo literalmente desabava e a terra era engolida pelo mar) para causar aquela empatia necessária que leva a que se tenha medo "na pele deles". Não há efeito especial capaz de suprir esta falha mas até neste ponto a catástrofe não foi muito "catastrófica". Esperava-se mais do fim do mundo em efeitos visuais, digo eu. Os que vi não me pareceram muito convincentes (por comparação, por exemplo, ao já citado "O Dia Depois de Amanhã", esse sim, pela maestria da realização, verdadeiramente arrepiante).
Às vezes estes filmes têm efeitos surpreendentes. Provocou-me lágrimas de desespero ver aquele metro ser cuspido de uma montanha que acabava de se partir ao meio. Mas, pensando bem, nada mais natural do que estas lágrimas, afinal... egoístas. Foi a única situação em todo o filme em que pensei "podia ser eu", porque ando todos os dias de metro e a zona de Lisboa... "POSSO SER EU!" E chorei, obviamente. Senti-me naquela pele. De resto, não. Passei o filme todo a temer pelo cãozinho, e foi só isso.
De "2012" esperava um filme capaz de provocar pesadelos. De onde não o esperava era de "Apocalypto".


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"Apocalypto", de Mel Gibson, está na minha opinião na área cinzenta e subjectiva. Feito na intenção de retratar ficcionalmente o período histórico do declínio do povo Maia, aterrorizou-me do princípio ao fim. A realidade (mesmo a realidade do passado) mete mais medo do que a ficção. Para mim, sem dúvida, este é um filme de terror. Assusta-me ainda mais pensar que pode haver quem não considere tal. Há mais a temer do homem do que de qualquer sobrenatural.


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Duas notas curiosas
1. Sem ter consciência do facto, juntei dois filmes que falam da cultura Maia. (E foi mesmo inconsciente, visto que ainda há pouco tive de ir verificar se os índios de "Apocalypto" não eram antes Incas ou Aztecas - tendo a confundi-los.)
2. É curioso que gostei muito mais de "O Dia Depois de Amanhã" mas passada meia dúzia de anos acabo a atribuir a mesma nota a "2012", um filme de que sem dúvida gostei menos. O que prova o seguinte: muita quantidade do "mesmo" acaba por tornar o espectador indiferente e com a perda de originalidade desce necessariamente a fasquia.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Estou aqui sentada, quase a ter um ataque de pânico, e na impossibilidade de conseguir fazer outra coisa levanto as mãos para o teclado e lembro-me de vir aqui. É difícil. Mal me consigo mexer.
É isto que acontece às moscas, paralisadas pelo veneno, enquanto são sugadas vivas pela aranha.
Mal me consigo mexer. Debato-me ainda.
Aqui sempre foi o meu sítio de dizer "estou aqui" e estou viva ainda.
Menos e menos energia. As palavras, por não serem ditas, enferrujam também. Mas estou aqui, e estou viva. Ainda.
Deixo mais estas linhas na garrafa do náufrago que prova que um dia estive aqui. Um dia. Estive aqui.
Hoje é dia 13 de Fevereiro de 2011 e estou aqui. Estou viva.
Tremo demais. Não consigo escrever.
Para dizer a verdade não consigo pensar. Ou ser. Estava completamente errado o outro porque, apesar de não ser, e de mal pensar, existo. Os filósofos nunca gostaram muito de pensar no irracional. Preferem fingir que não existe. Muita gente gosta de fingir muitas coisas, e também de fingir que muitas coisas não existem.
Divago. Já me sinto melhor.

Não, nem por isso. Não sei. Mas é esta a natureza do medo. Sim, é o "não saber" a natureza do medo. Alguma dia passou, na minha vida, sem saber o que é acordar com medo? Ah é verdade, pois não. E depois, o medo é como a febre. Só muda de grau.
Será mesmo possível morrer de medo? Começo a acreditar que sim. De dentro para fora. Ou melhor, ainda mais subtil que isso, como o veneno, injectado de fora para dentro e paralisante de dentro para fora. A ponto de uma pessoa acreditar que o que veio de fora sempre esteve dentro! Nunca tinha pensado nisto.
Ou talvez tenha, mas não tão claramente.
Bem, parece que afinal sempre estou viva, e penso, e sou. Ainda vou sendo. Às vezes.