sábado, 14 de novembro de 2009

nv4_disp infinite loop error BSOD



Aqui há uns dias o título deste post seria para mim também chinês. Durante os primeiros tempos, o BSOD (Blue Screen Of Death) que me aparecia não incluía o "file nv4_disp". Quando este começou a aparecer, o motivo dos meus problemas tornou-se mais claro.
Tirei uma fotografia e deixo aqui a informação que pode ser útil (ou melhor, não pode ser útil) a toda a gente que usa placas gráficas com software NVIDIA.
Fiz uma busca exaustiva na net, inclusive nos foruns da NVIDIA, e acontece que este software causa este erro por variados motivos. Uma vez instalado, não há "fix". Nada, mesmo nada, o resolve. Nem a reinstalação do Windows. As únicas pessoas que o resolveram fizeram-no da seguinte forma: compraram uma nova placa gráfica, uma nova motherboard, ou ambas.

Passei da fase do lamento "Oh meu Deus, Oh meu Deus, o meu computador está estragado, o que é que eu vou fazer?!", para a fase da alegria: "Yupi, vou ter um computador novo!"

Portanto, pessoal, se alguma vez tiverem de escolher placas gráficas, façam questão de realçar que não querem software NVIDIA (especialmente gente viciada em jogos), ou serão mais tarde ou mais cedo confrontados com o sinistro "nv4_disp infinite loop error BSOD". Não foi este o meu caso, mas o resultado é o mesmo. Não há solução, não há "fix". O que há é arranjar uma placa nova.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Pedimos desculpa por esta breve interrupção...

Devido a problemas sérios com o computador que me têm impedido de aceder à internet como seria desejável, e que estão a pôr em causa a habitual actualização da agenda do Pórtico (e, logo, a minha sanidade mental que me diz que as coisas se fazem bem ou não se fazem de todo), decidi interromper a minha actividade online até ter paciência e disponibilidade para resolver o assunto.
... o programa continua dentro de momentos.
Até breve!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O inominável continua...

O meu acesso à net continua intermitente, de acordo com os humores do meu PC. (Ver post anterior com etiqueta "computadores"). Depois de dois antívirus e meia dúzia de spywares, continua na mesma, entra em loop, faz dump de memória, e só reinicia em safe mode, sem me dar acesso à net ou periféricos (leitor de DVD externo, impressora, modem, placa de som, etc). Os vários programas anti spyware encontram trojans e rogues diferentes (cada qual encontra seu, até parece que estão a gozar com uma pessoa), mas tudo continua na mesma. Já desisti de fazer System Restore, não adianta absolutamente nada.
Aliás, instalei também algumas ferramentas anti spyware da Microsoft, que se provaram, apesar de actualizadas, perfeitamente inúteis. Pelo contrário, só causam incompatibilidades, entre si e com os outros programas. É para esquecer.
Resumindo, o computador está de facto infestado com spyware e malware, que vai sendo caçado por este ou aquele programa (excepto o que escapa, obviamente). Na altura em que isto começou eu até tinha um antivírus e anti spyware actualizado (e pago), mas deixou passar alguma coisa. Continuo a não fazer ideia de qual seja o problema porque de vez em quando reinicia-se normalmente. O único sintoma sistemático que eu verifico é que, depois de algumas horas desligado, só se consegue reiniciar em modo normal depois de estar ligado umas quantas horas seguidas(!!!). Parece um carro velho que precisa que "aquecer". Fora isto, não encontro qualquer racionalidade no fenómeno. Pelo menos, tenho a congratular-me que a situação não está a melhorar mas também não está a piorar! Está na mesma.
Alguém tem ideia do que isto possa ser?

Despistes já feitos:
Chekdisc: discos estão bons, sem bad sectors
System Restore: não adianta
Panda e AVG antívirus: não resolvem
Antispyware utilizado: Windows security esencials (não caçou nada), Windows Defender (idem idem), Spy Doctor (identificou um trojan mas não o limpou), SuperAntispyware (caçou muitos trackings), Terminator (caçou um troijan, vários trackings), Malwarebytes' (caçou mais trojans), SpyBot, Spyware Blaster, Windows Defender, A-squared.
Se deixado sozinho a reiniciar, computador faz loop até à duração uma hora, pelo menos (altura em que me chateei e reiniciei em safe mode, dando fim ao teste).
Computador reinicia-se normalmente após ligado em safe mode depois de algumas horas seguidas.


HELP!!!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

R.I.P. António Sérgio

António Sérgio morreu aos 59 anos no dia 1 de Novembro.
Apesar de atrasada, fica aqui a homenagem a um dos radialistas mais importantes para a música alternativa em Portugal.
Foi com choque (e mágoa) que recebi pessoalmente a notícia deste súbito desaparecimento. António Sérgio era uma autoridade em música alternativa com quem as pessoas da minha geração aprenderam a ouvir... o desconhecido. António Sérgio não se ficou pelo "som da frente" dos anos 80. Continuou sempre a procurar música nova e alternativa.
A sua falta será sentida.

Para uma noção mais completa do seu percurso, remeto os leitores para o obituário publicado no Blitz.

O misterioso caso do computador que só funciona quando lhe apetece

Devido a problemas que tenho tido com o meu computador, e que me privam do acesso à internet, a actualização semanal da agenda do Pórtico tem sofrido alguns percalços. Ficam desde já as minhas desculpas.
Mas por falar nisso, e visto que não tenho ideia do problema que me está a afectar, aqui fica uma descrição para o caso de alguém me poder dar uma pista de qual possa ser a razão.
Uso Windows XP com as últimas actualizações. Já experimentei dois antivírus (Panda e AVG), também ambos actualizados. O computador começou a dar este grave problema há cerca de um mês atrás. Ao arrancar, entra em loop e dá-me um erro de algo como "memory dump" (?), num écran azul (não percebo bem porque aparece demasiado depressa para tomar nota, inclusivamente do número do erro, que também aparece). Quando isto acontece, o computador só arranca em safe mode, não me dando acesso à internet nem periféricos. Já fiz várias vezes System Restore, mas tem voltado ao mesmo. Depois, quando lhe apetece, e eu me lembro de experimentar, volta a arrancar em condições. Razão pela qual me encontro agora a postar isto.
Já desconfiei de vírus mas depois de correr dois antivírus começo a ter dúvidas.
Alguém me poderá dar uma luz do que poderá ser? Vírus, sistema, peças? Muito obrigada. É só deixar nos comentários que eu virei ler... quando o computador me permitir aceder à net. *suspiro*

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"O Historiador" ("The Historian") por Elizabeth Kostova


Vlad Drakul, o Empalador, príncipe da Valáquia (retrato)

Não, eu não acredito que se nos dias de hoje Vlad Drakul fosse vivo, ou morto-vivo, que é a mesma coisa, se tornasse num estudioso rato de biblioteca. Custa-me até conceber como pode alguém ter tal ideia, excepto se a autora andou a ler Anne Rice e confundiu Drácula com o vampiro Marius, esse sim, um coleccionador, um historiador, um erudito. Mas o vampiro Marius era um civilizado e educado cidadão do Império Romano, não um sociopata que ficou infame para a História sob o nome de o Empalador. Tamanha mudança de personalidade, não obstante os 500 anos do vampiro, ou nunca aconteceria ou teria de ser muito bem explicadinha - e nisto a autora não convence o leitor familiarizado com a carreira do sociopático príncipe da Valáquia, ao lado do qual, devido à sua desumana crueldade, o próprio Hitler nem parece um mau rapaz.
Posto isto, que de alguma forma destruiu a verosimilhança da personagem e estragou o usufruto da história, este livro tem momentos muito interessantes, nomeadamente a forma como a personagem principal se vai apercebendo do percurso pessoal do seu pai, bem como de outros historiadores envolvidos na perseguição a Drácula... e o fim que estes tiveram. Quem se interessar por História encontra aqui uma grande oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos sobre o Império Otomano, os inimigos de Drácula e invasores de Constantinopla (de que não se fala no Ocidente de acordo com a sua importância, e que se revela no momento político mundial uma boa fonte de compreensão para entender os conflitos que ainda hoje existem com o Islão).
Outra das características deste livro são as muitas viagens dos personagens (e as inescapáveis descrições que estes fazem delas), que nos leva a desejar que o livro seja brevemente posto em filme... para ver as paisagens!, o que da minha parte é possivelmente a pior crítica que posso dirigir a um livro. Um bom livro, com ou sem descrições, não precisa de um filme que o ilustre. Este, infelizmente, precisa, apesar das descrições palavrosas que me deixaram exactamente na mesma: passa lá para a acção e larga a foto para os directores artísticos.
Por falar em acção, quando a história se afasta da comovente relação entre o pai e a sua filha, e se aventura por arrebates de adaga e pistola, o resultado é fraco, no pior sentido do hollywoodesco, e nota-se ali que houve uma piscadela de olho ao ensaio de um argumento... e não de um livro, o que mais uma vez não é abonatório para o livro.
Não quero aqui revelar o fim, porque é sempre indecente fazê-lo, mas não posso deixar de acrescentar que também este me pareceu hollywoodesco, um fim feliz e "inócuo" . -- Lá está, não posso justificar para além disto de modo a não prejudicar futuros leitores! -- Posso no entanto garantir o seguinte: o livro promete muito mais do que oferece, e teria ganho bastante em abandonar os clichés e enterrar-se, tão subtilmente como começou, num final sombrio, soturno, um final como o som oco do fechar de uma tampa de caixão.
Apesar das críticas que tenho a apontar, a nota é positiva, e este é sem sombra de dúvidas um bom livro (não tão bom como as críticas o anunciam, mas um bom livro) que interessará a todos os amantes de vampiros e de Drácula em particular. Pena que a autora não tivesse conseguido transformá-lo, apesar da tentativa de sair do estereotipo, numa personagem "real", de "carne e osso", ficando-se pelo limitado "monstro" a duas dimensões que nunca chega a convencer o leitor treinado.

domingo, 4 de outubro de 2009

Odeio a realidade!

Estava muito bem a ler "O Historiador", de Elizabeth Kostova, completamente embrenhada e aninhada no manto de ficção draculiana que me afasta a mente da realidade, quando leio estas palavras, pronunciadas por uma personagem húngara:

«-A minha tia trabalha no Ministério do Interior da Hungria desde 1948, e é uma figura muito importante. Consegui as minhas bolsas de estudo graças a ela. No meu país, não se faz nada sem um tio ou uma tia. (...)»

Foi assim, tcha-pum, back to reality!

E continua! Diz um personagem americano:

«-Tenho a impressão de que ela vai ter de fazer milagres para me fazer entrar na Hungria e evitar-nos problemas. (...)»
«- Ela é especialista em milagres. É por isso que não estou na minha terra a trabalhar no centro cultural da aldeia da minha mãe.»

Oh, como eu abomino a realidade!
Este foi, efectivamente, um momento de terror.
Achei engraçado partilhar, para vos estragar o dia também. :)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O momento político

Sempre me pareceu que 2009 ia ser um ano divertido e isto até está a aquecer para o final. Prevê-se um 2010 ainda mais hilariante.
Confesso que não achei piada nenhuma à reeleição do Pinóquio -- peço desculpa, senhor engenheiro Sócrates, porque agora há que ter cuidado e piar baixinho -- mas foi esta a decisão dos 36% dos eleitores que foram votar, tirando os 40% que nem lá puseram os pés, sinal que estão muito satisfeitos com a situação e que aprovam pois "quem cala consente" e por mais argumentos que esgrimam nada me arranca daqui, e em democracia é assim que se passa e há que acatar.
Pus-me a pensar quem são estes 36%. Eu e mais gente, porque algo aconteceu. Logo no dia seguinte, no meu local de trabalho, onde se fala mais de carros e coisas das revistas cor de rosa e outras que interessam ainda menos, estava toda a gente a falar de política. Cada um tinha votado num partido diferente, e pôs-se a questão: "Mas afinal quem é que votou PS?!"
"Eu votei PS!", disse uma colega corajosa que estava claramente em minoria e fiquei bastante surpreendida. É que além de corajosa ela não é parva nenhuma, tem uma inteligência acima da média, e ao contrário do português comum está bem informada sobre questões políticas, a ponto de ter organizado um abaixo assinado contra o Código do Trabalho, razão precisamente pela qual votei Bloco! Podem imaginar, pois, a minha perplexidade por ela ter votado exactamente no partido que o lançou e aprovou! Perguntei-lhe, seriamente, pensando que ela brincava:
"Estás com vontade de ficar aqui a trabalhar horas extraordinárias sem serem pagas como tal, para um banco de horas que a empresa te devolve quando bem lhe apetecer (género "hoje não há trabalho vai-te embora, volta amanhã, se tens compromissos azar")?!"
Resposta:
"Na!"
Queria ela transmitir, naquele eloquente "Na!", que as coisas não se iam passar assim. Se calhar porque não acredita realmente que os direitos dos trabalhadores, tão dificilmente adquiridos, possam ser tão facilmente violados neste autêntico retrocesso civilizacional que é o Código do Trabalho.
Pus-me a pensar ainda mais. Até porque não é o género de pessoa que não tenha logo dado pela "coincidência" de o caso dos submarinos ter aparecido novamente, assim do nada, mal o Paulo Portas arranca 10% e faz tremer o Sócrates -- porque é o único que o consegue, e bem podem ir para cima dele com submarinos e documentos secretos subtraídos aos arquivos da Defesa Nacional (na volta o gajo levou-os para casa como recordação, não me admirava nada e se calhar até fazia o mesmo, por muitas e variadíssimas razões e se calhar bem mais tenebrosas do que qualquer motivação que tivesse hipoteticamente tentado o líder do CDS caso tenha verdadeiramente acontecido, no que não acredito sem provas) que para ali vão de carrinho porque é um homem sério e não há ponta por onde lhe pegar. Aliás, só não votei nele exactamente por causa do Código do Trabalho, a que me vi na obrigação de me opor, por muitas lágrimas que tenha chorado a noite toda sem dormir, qual mulher enamorada que desprezada por um irmão vai para a cama com o outro como consolação, "Paulinho! Paulinho! Oh, Paulinho!"
-- Eh, eh! Não. Isto era eu a brincar ao estilo Braganza Mothers. Passo efectivamente as noites sem dormir mas ainda não chegou ao ponto de gritar "Paulinho! Paulinho!". Talvez lá chegue um dia, mesmo sabendo que não faço o tipo de mulher que o cavalheiro aprecia, mas no coração não se manda. --
Dizia eu sobre esta colega, que não é totó nenhuma, e me surpreendeu por votar PS, que me fez dar voltas à cabeça a tentar compreender porquê. Depois compreendi. É o estado de negação. De certa forma, é este o estado em que andamos todos, abstencionistas incluídos, ainda a tentar acreditar em qualquer coisa que adiante, seja o voto seja o protesto.
O estado de negação é poderoso, tão poderoso que, respeitando as respectivas distâncias que não são para brincadeiras, muitos dos judeus que entravam nos campos de extermínio se convenciam até ao final de que iam mesmo para trabalhar.
"Mas papá", diria uma pequenita, "parece-me que não vejo aqui ninguém a trabalhar. Se calhar o que aqueles camponeses que nos faziam sinais para o comboio diziam eram verdade, e viemos aqui para morrer."
"Disparate!", diria o pai, "Os alemães precisam do nosso trabalho. Só nos querem explorar. Não ganham nada em nos matar."
Sempre me fez bastante impressão que esses judeus, em estado de completa negação, tenham acreditado na máquina de propaganda alemã, ignorado todas as evidências, e caminhado alegremente para "os banhos", mesmo depois de assistirem à selecção, à chegada, dos mais "capazes".
O estado de negação é realmente um poderoso mecanismo de defesa psicológico, imediatamente accionado quando o horror é insuportável. Nem todos, no entanto, permaneceram nele até ao fim. Muitos se aperceberam, e deduziram que nada havia a fazer, e que o melhor era deixar os outros nessa doce ilusão até ao derradeiro final.
Trago para aqui este caso limite, salvo, mais uma vez, as devidas distâncias, apenas para ilustrar o meu ponto. Pelo contrário, eu sempre fui daquelas que preferem acreditar no pior. Não só nos vão explorar, como matar, como ainda esfolar! Já é uma sorte que não nos esfolem vivos porque dói menos.
Neste caso, temos sorte, só nos querem de facto explorar. Livra! E assim encontro alguma razão para contentamento. (Será negação também?)
Uma coisa é certa, e surpreendente. Desde as eleições que tenho ouvido na rua os Manéis, à esquina, em grandes debates políticos como já não ouvia desde os tempos da infância!!! "E os submarinos? E o dinheiro?!", ouvi hoje, de um amigo para o outro, em acalorada cavaqueira, quando ainda na semana passada aqueles dois deveriam falar só do Benfica e do Mourinho e doutros que nem conheço.
Será bom sinal? Será sinal de que os tugas começam finalmente a acordar?! Novamente, livra!, que já era tarde!
Por falar em cavaqueira, não há dúvida que nesse caso o presidente fez um grande favor à nação, talvez o único em toda a sua vida, lançando a mais devastadora confusão num comunicado que eu não conseguiria escrever na minha pior bebedeira, do qual não se percebeu nada, mas nada de nada, ah valente também dás no tintol!!! *hic*
O momento político não podia ser mais engraçado, e o folhetim televisivo mais curto, tipo telenovela, para acompanhar todos os dias sempre em grande suspense até ao grande final. Quem fica com quem? Qual dos vilões se safa melhor? Quem é o melhor intrujão? E a resposta à grande dúvida existencial: quem votou no Pinóquio, e porquê?
Se este post parece estranho e nebuloso, sem ponta por onde se lhe pegue, a culpa não é minha, mas do momento que o inspirou. Isto já não é o pântano, é o rodopio do remoinho em direcção ao fundo abismal. A pique.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Curso de Introdução à Alimentação Vegan-Raw a reverter para esterilização de animais de rua



Recebido por email:

Nos dias 10 e 11 de Outubro irá decorrer na Quinta das Águias, em Paredes de Coura, um curso de Introdução à Alimentação Vegan-Raw (vegana-crudívera), ministrado por Filipa Cardoso, em que parte das receitas obtidas com as inscrições reverterá para a esterilização de animais de rua.

Serão ensinadas várias técnicas culinárias desconhecidas para a maioria de nós e receitas deliciosas e cruelty-free. Os participantes do curso terão oportunidade de assistir e participar na confecção de muitos dos pratos.

É também uma boa oportunidade para ficarem a conhecer a Quinta das Águias, que acolhe, para além de vários cães e gatos, inúmeros animais salvos de serem abatidos para consumo humano: ovelhas, coelhos, galinhas e patos, que vivem na quinta uma existência feliz e tranquila.

Valor da inscrição (inclui estadia e alimentação): 120€
Vagas limitadas

Mais informação: www.animaisderua.org/eventos/organic-vegan-raw

domingo, 27 de setembro de 2009

Como engatar góticas boas



Um recente convite para falar da cultura gótica numa revista masculina (?!) online transportou-me por curiosos pensamentos. Curiosos pensamentos que me levaram a encontrar esta imagem do que chamaria "gótica à beira de um ataque de nervos", assim mesmo, à Almodovar. Porque gótica sofre! E sofre principalmente com a falta de jeito com que alguns similares do género oposto (e igual) tentam engatar.
Meninos (e meninas), que a minha experiência de velha gótica sirva para alguma coisa -- actualmente já não serve para mais nada senão para dar conselhos -- e tomem lá algumas dicas de como engatar "aquela" que vos prende o olhar... Aqui está, para principiantes, como engatar gajas góticas:

Primeiro que tudo, meus amigos, o visual. A beleza interior é muito linda, mas numa cena como a gótica o vosso visual diz tudo. Meus amigos, metam isto na cabeça, podem até ser feios que nem uns sapos, não fiquem naquela "não vale a pena vestir-me bem porque sou tão feio que nenhuma gaja boa vai olhar para mim". Errado! Há milhentos casos de feios, muito feios, até ao longo da História (olhem o Napoleão), que se tornam grandes conquistadores graças ao visual e à personalidade. Que isso não sirva (mais) de desculpa.
Tendo isto em mente, vamos lá a caprichar no visual e na auto-confiança.
Infelizmente para uns, e felizmente para outros, visual e auto-confiança não bastam. A personalidade conta, e ter alguma coisa na cabeça conta ainda mais, mas este artigo não trata de relações a longo prazo.
Quer-se aqui falar da aproximação, passo sem o qual, fatalmente, não se chega a lugar nenhum.
Perguntar-me-ão, logicamente, então como chegar até àquela inacessível desconhecida a quem tanto se deseja conhecer, sem o risco de levar uma tampa?
Muito simples. Antes de se porem a fazer conversa, olhem-na nos olhos. Bem nos olhos. Assim mesmo, sem hesitar. De longe, ninguém se aleija. O que esses olhos vos disserem será o caminho a seguir. Se a reacção dela for desviá-los com desinteresse, não vale a pena sequer aproximarem-se. É óbvio que não houve química. Quem mesmo assim decidir arriscar avançar, fá-lo-à por sua conta e risco.
Mas se houver um olhar de interesse, desviem então o vosso. Nenhuma mulher gosta de ser olhada com insistência, isso vos garanto.
Se o primeiro contacto visual for positivo, é altura de avançar para a fase seguinte. Pois é, como é que eu a conheço?
É esse o benefício de pertencer a uma sub-cultura tão hermética a todos os demais. Enquanto no mundo lá fora (excomungado seja) é preciso andar às voltas e voltinhas a tentar descobrir amigos comuns que os apresentem, ou usar aquelas frases fatelas do "posso conhecer-te?" (aliás, frase proibida!!!), porque não ir directamente à fonte?
-- Alto! Muita atenção aqui nisto! Ir à fonte, sim, mas sem demonstrar muita sede!!! Agora podemos continuar. --
Há sempre uma altura em que a menina/senhora fica sozinha. Uma altura especialmente propícia é quando ela vai ao bar. O que dizer? Algo de absolutamente único e original. Algo que tenha a ver com interesses partilhados. (Porque vamos lá admitir, se não há interesses em comum, de que importa?) Podem, por exemplo, perguntar-lhe que música era aquela que ela estava a dançar, porque gostaram e não sabem ao certo o nome da banda. (Mesmo que saibam, se a coisa correr bem ela até perdoa mais tarde.) Ou falem do símbolo que ela ostenta no anel. Mas por amor de Deus, falem do que sabem! Só uma perguntinha "esse não é o símbolo de...?" não ofende ninguém.
Em derradeiro caso, quando não sabem mesmo nada, por patetice que eu pessoalmente possa achar, podem sempre recorrer a outro célebre recurso que é apelar ao oposto: "Desculpa, estive a observar-te e não reconheço o teu estilo. O estilo é giro. Muito original." E depois dos elogios, que caem sempre bem, atirem a bomba: "Onde se compram calças dessas?". Qualquer mulher vos dirá onde comprou, quanto custou, e onde se arranja mais barato.
Se fordes inteligentes, já percebestes onde acabastes de chegar, ò cavaleiros. Estais neste momento em plena conversa com a eleita! É agora! É o tudo ou nada! Ela responde, e tira-vos a radiografia, e é aqui que nada pode falhar. Este é o momento dela, em que vos escolhe ou rejeita, por muito tímida ou faladora que se venha a revelar. Ela é que guia. Ela é que manda. Atenção a todos os movimentos, a todos os olhares. Estais sob julgamento. Estais, possivelmente, também a ser cheirados. Lembrai-vos bem disto.
Se a partir daí se inicia uma breve conversa e ela sorri e se despede, não é de perder a esperança. Se estiver interessada, ela volta mais tarde. Quão mais tarde não se sabe. Quem manda é ela. Se não voltar, não insistam também.
Se pelo contrário, ela é do tipo falador, e se detém, enquanto as cervejas que devia levar para os amigos arrefecem... jackpot! Contacto!
Agora não estraguem.
Lembrem-se de que há uma romântica dentro dela. Não pode ser de outra maneira. E uma romântica gosta de romantismo. De um cavalheiro à moda antiga. Se a ocasião se proporcionar, paguem uma bebida. Acendam-lhe o cigarro antes que ela puxe do isqueiro. Ofereçam-se para tomar conta do casaco. Uma dama merece um cavaleiro à altura. Qualquer romântica sonha com um príncipe encantado. Afinal, só um príncipe encantado desperta a bela adormecida.
A partir daqui, meus bravos, estais por vossa conta. O gelo quebrou-se, olhais para o outro lado do espelho. O que lá virdes, já não me diz respeito.

E que haja amor! :)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Outono?

Parece que o outono tarda em chegar, e ainda bem. Ao contrário do verão passado, este foi um bom verão. Quente e produtivo. Como eu gosto. Não que tenha aproveitado o verão em si. De facto nem dei por ele. De facto, não estou a dar pelo tempo que faz, nem que fez, nem que fará, nem o que passa e muito menos o que fica. Who cares? Às vezes é realmente demasiado tarde, e quanto mais tarde é mais tarde se faz. Mas foi um bom verão, quente e produtivo, exactamente por não o ter aproveitado no exterior mas no interior.
É curiosamente nos meses quentes que tenho tendência a pôr-me a escrever, como se o calor me inspirasse. Não vejo explicação para isto.
Excepto uma. A infância de verões e verões fechada em casa, sem nenhum sítio para onde ir, a obrigar-me a procurar no interior da imaginação a distracção para os dias que teimavam em não passar? Talvez. Talvez tudo se resuma enfim à análise psicanalítica do somatório das experiências de infância. Talvez a alma se possa dissecar, afinal, como se disseca um corpo e se lhe descobre a doença que o matou. Talvez não haja alma nenhuma, só o somatório de experiências, e no fim da vida se possa dizer: a alma deste fulano foi corroída pela cirrose do tédio, a deste sicrano morreu de ataque de coração partido, e etc, etc. E a alma não passe de mais uma espécie de corpo igualmente biodegradável.
Talvez a alma também morra de velha.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Adeus ò Portas!

Todos os leitores sabem que nas últimas eleições tenho apoiado o CDS-PP mas é tal a gravidade do momento que me vi a ponderar seriamente que estas legislativas precisam de um voto estratégico que defenda os meus interesses. Há muito tempo que não me questionava tanto em quem votar.
PSD nunca. PS nunca mais.
Desta vez, cheguei mesmo a considerar votar nos comunistas.
Gosto muito do Paulo Portas, e concordo com muitas das suas ideias, mas vejo o CDS-PP muito preocupado com os velhinhos, os agricultores, as forças de segurança, e foi dali que saiu o traiçoeiro código do trabalho que condena a sociedade a um atraso de 100 anos. Este Código de Trabalho tem de ir à vida.
O único partido que de facto se mexe pela situação da geração azarada que por ter nascido dez anos mais tarde ganha um terço do que os seus colegas mais velhos, quer sub-alugados como escravos de trabalhos temporários, quer a recibos verdes, quer até no escândalo dos estágios não remunerados financiados pelos papás (os que podem), principalmente nas empresas de comunicação social que teriam o dever deontológico de não o fazer, o único partido, dizia, que defende os meus interesses é o Bloco de Esquerda.
Embora não concorde com muitas das suas ideias, chegámos a um ponto em que a pouca vergonha é tal que o rumo tem de ser radical e revolucionário. Votarei, portanto, no Bloco de Esquerda.
O Paulinho que me perdoe. Não fosses tão amigo dos patrões!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Hoje, finalmente, como se já tardasse, sonhei que tinha sido presa e estava numa prisão a sério. Não era bem uma prisão a sério, até porque tinha homens e mulheres. Não surpreendentemente, a maior parte eram pessoas do meu emprego. O curioso disto tudo é que sentia que a minha situação era humilhante, sem dúvida, e injusta, porque não merecia a prisão, mas perfeitamente natural como a minha vida. Parece que o grande problema de disciplina é que me queriam obrigar a pentear e a vestir de determinada maneira, igual aos outros. Nada de novo, portanto.

29.Agosto.2009

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Há coisas que não se aguentam sem um copo... ou dez. Três frentes de batalha. Qualquer pessoa de bom senso sabe que precisa de fugir, se tiver para onde. Isto é lá coisa que se aguente!
E depois vem o outro dizer que não sou "resiliente"! Por um dia que fosse, gostava de ver o mundo ao contrário, e toda a gente na minha situação. O que eu não me ia rir. Ou talvez não me risse. Nunca gostei de ver a desgraça dos outros. Talvez por essa mesma razão as pessoas (as que se interessam, é claro) não consigam ver a minha real situação porque lhes dói demasiado.
Mas exijo que me acreditem pelo menos nisto: se houvesse para onde fugir, se houvesse a mais ínfima luz ao fundo do túnel, não seria eu que a desperdiçaria. Tudo o resto é insultarem a minha inteligência e isso não admito a ninguém.

Foda-se!

Bazar "Animais de Rua"


Mais informações: www.animaisderua.org

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Novo blog no horizonte negro

E merece post de introdução porque é do nosso caro ebola. A princípio ele queria que fosse secreto, mas como já não é, façam a maldade(zinha) de o visitar. ~grin~
Happy Clow With Bad Ideas

Quanto a mim, continuo bem aconchegada no meu mundo interior com projectos pessoais e intransmissíveis.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O que se está a passar é que sinto que partes de mim morreram para sempre. Direi mesmo a maior parte delas. Pouco resta. E também pouco resta mais a dizer.
É natural que as pessoas que me conhecem pessoalmente não se apercebam disto. Quando estou com elas, é a única altura em que ainda me sinto "desperta".
Assim que desaparecem, como na canção "I don't exist when you don't see me", o que não deixa de ser irónico porque a canção refere-se a coisas muito diferentes, regredi a um ponto em que só encontro refúgio na fuga e no isolamento.
É por isso também que cada vez falo menos aqui.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O sentido

Estive a pensar porque é que as pessoas bebem. Não me refiro à bebida social mas à outra, a insidiosa e perigosa que toma conta de um vida. Falo dos bebedores. Não gosto da palavra alcoólicos. Parece que todos nós temos um alcoólico dentro de nós mas só alguns despertam, ou melhor, adormecem, e se deixam levar.
Não acredito que as pessoas bebam (assim) só por uma razão. Por causa disto ou por causa daquilo. Acho que é por causa de tudo. Acho que é por falta de verem um sentido.
É por isso que não compreendo os Alcoólicos Anónimos e o seu lema "um dia de cada vez". Um dia de cada vez para fazer o quê? Para dar um sentido à vida da pessoa, cuja vida tinha perdido o sentido, que é "hoje não vou beber". Portanto a pessoa não tinha sentido na vida e hoje tem, que é o de não beber, o que funciona como a chibata do monge.
Não devia ser ao contrário? Primeiro encontrar o sentido e só depois parar de beber? Para quê parar de beber sem um sentido que valha o sacrifício? E se há um sentido, para quê beber de todo? E porque é que se precisa do lema? Não é o sentido lema suficiente?
Isto lembra-me aquela célebre introdução o filme "Trainspotting": "choose life". Mas porque raio se há-de escolher a vida se esta não tem sentido? Se tivesse sentido, as pessoas não se tornavam dependentes do álcool nem da droga. Pensavam melhor. Pensavam duas vezes. Pensavam em tudo o que se deixa para trás.
O problema é quando não há nada que deixar para trás. E se não há nada para deixar para trás, para que serve um dia de cada vez? Um dia para chegar ao fim e pensar "foi mais um dia"? Um dia de quê? Se for um dia feliz, ainda se compreende. Se não for, não vejo o sentido.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Às vezes dou comigo a pensar como a Psiquê. Nos dias que correm uma pessoa deve sentir-se agradecida por ter um emprego, qualquer emprego, por frustrante que seja. É preciso muita coragem para se continuar a sujeitar, dia após dia, a um trabalho que se despreza, e ainda ter a obrigação moral de estar contente. De alguma forma, esta é uma violência psicológica.

domingo, 28 de junho de 2009

Hoje tive de passar numa estrada... Não gosto nada daquela estrada. Já não é a primeira vez que encontro um gato atropelado. Mas sou obrigada a passar pela estrada. O de hoje ainda estava quente. Devia ter sido há pouco tempo, há muito pouco tempo mesmo. Estava deitado no asfalto, mesmo no meio da via, mas parecia vivo, adormecido e em dores... em dores nas quais morreu. O sangue estava derramado numa poça líquida de cerca de 30cm de largura, e ainda nem tinha coagulado. Os olhos estavam vidrados. Apalpei-lhe a barriga, não mexia. Peguei-lhe pelas patas da frente e coloquei o corpo, respeitosamente, na berma. Fiquei com a mão cheia de sangue. Tirei um lenço da mala e limpei-a. Não custa nada.
Não sei como é que há quem atropele um animal e continue a conduzir. Não sei como há quem volte a passar-lhe por cima até ficar tipo "tapete". São daquelas coisas que me repugnam.
E pronto, era só isto.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Rock Like An Animal


No próximo dia 3 de Julho a ABRA (Associação bracarense amiga dos animais) em colaboração com a Rosavelho Associação (Associação de eventos e espectáculos musicais) iram realizar um concerto com 5 bandas do panorama metal português. São elas Holocausto Canibal, Daemogorgon, Coldfear, Equaleft e Insanus. O objectivo deste concerto tem uma causa nobre, a angariação de fundos para a ABRA. O concerto terá inicio às 20h30 e a entrada será de 4€. Este é o primeiro acto, os próximos actos deste Festival têm ainda data por anunciar.


Mais info em www.myspace.com/rosavelho

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Só existe uma coisa pior do que a ressaca. A sobriedade.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Exorcist: The Beginning (2004)


Depois de perder a fé, devido ao que assistiu na Alemanha nazi, em 1949 o padre Merrin tinha renunciado ao hábito e feito da arqueologia a sua profissão. É nesta qualidade que aceita a missão de partir para o Quénia, onde os colonizadores britânicos descobrem uma improvável igreja do século quinto, datada de mil anos antes de os missionários terem chegado a África, com o objectivo de recuperar um ídolo pagão supostamente encontrado no local. É de origem Suméria e representa o demónio Pazuzu. Este enredo podia parecer digno de Indiana Jones mas depressa se compreende que se assemelha mais ao universo lovecraftiano, o que não deixa de ser uma agradável surpresa. Esta igreja teria sido, afinal, construída sobre o local mitológico em que Lúcifer caíra na Terra após a guerra nos Céus de onde foi expulso.
Gostei particularmente da cena inicial. Não é todos os dias que se vê Cruzados crucificados de cabeça para baixo, e muito menos uns pelos outros. Este é um local de extrema malignidade, razão pela qual a igreja foi soterrada assim que construída. Os trabalhos de escavação trazem à superfície o Mal escondido debaixo da areia, e o Diabo anda à solta. Este não é o Diabo subtil do primeiro e terceiro Exorcista, porque neste sítio em especial, que é Dele, causa doença, loucura, morte e violência a seu bel prazer, o que não é muito inteligente de um Diabo porque em breve o local tem de ser soterrado outra vez.
É, pois, um filme que questiona a essência do Mal dentro do próprio ser humano, acredite-se ou não no Diabo, e um daqueles que dá prazer ver de novo. Uma boa sequela, portanto.
Tendo em conta o enredo (o local onde Lucífer caiu) este é também um óptimo filão a explorar, em filmes de época remontando a tempos imemoriais (porque não medievais ou mesmo Sumérios?), e só posso esperar que alguém tenha semelhante ideia, com ou sem Padre Merrin. Valia bem a pena!
O único ponto fraco deste filme, sob todos os outros aspectos irrepreensível, são ironicamente as cenas do exorcismo, com efeitos especiais exagerados, e tão copiadinhos do Exorcista I!, que é de fazer fugir o próprio Diabo (se calhar por isso é que fugiu). Eu, pelo menos, ao ver uma coisa tão mal feita num filme por todos os motivos tão espectacular, só me apetecia fugir. É por isso que não leva o 20. Mas 19 dá uma uma boa ideia do que penso no geral: é para ver, para guardar, e para pensar.

19 em 20

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Lady in The Water (2006)



"Lady in The Water" é um filme de M. Night Shyamalan que, segundo tenho lido aqui e ali, sofreu duras críticas. Não é certamente um filme à altura de "Sexto Sentido", nem sequer do mais recente "The Happening", mas é sem dúvida superior a "Unbreakable" (desconheço o título em português). Não concordo com o resumo que apresenta o filme como "um conto de fadas", embora relate a história de uma ninfa do mar que vem ao mundo dos homens para os inspirar a ultrapassar a violência e o desespero. Acho que nunca a inspiração foi tão necessária à Humanidade, seja em forma de ninfa ou de presidente dos Estados Unidos, e suspeito que as críticas a este filme não sejam puramente cinematográficas, mas que aquilo que realmente se critica é a vontade de acreditar, seja no que for. Há cada vez menos crentes.
Mas quem ainda deseja acreditar, ou quem ainda, contra tudo e contra todos, acredita no poder da inspiração, poderá ver o filme com algum agrado.

13 em 20

domingo, 7 de junho de 2009

Votem!

Votem!

Diário do terror quotidiano

Há uma coisa que preciso de contar. Algo que preciso de contar para todo o mundo ouvir. Não vai ser fácil mas resta-me a esperança de encontrar algum alívio se a verdade sair de dentro de mim. Não espero piedade e não acredito em ajuda. Sei que há quem compreenda porque vive no mesmo inferno, e para esses envio a minha solidariedade, tal como sei que tenho a deles. Há certas coisas que só se compreendem passando por elas, e esta é talvez de todas o melhor exemplo.
Há 37 anos que vivo com um vampiro, e finalmente a energia esgotou-se-me. Não tenho mais. Resta-me render-me, esconder-me, fugir sempre que possível. Não sou apenas uma prisioneira, sou uma vítima dentro da minha própria casa, desde que me conheço. Desde que nasci? Não me lembro. Talvez até desde essa altura porque o meu pai não queria que nascesse e não gostou muito da surpresa... que pôs de parte.
O abuso não era apenas físico como psicológico. Não posso dizer que houvesse razões para a minha mãe me espancar até perder o fôlego. Se calhar porque chovia ou porque fazia sol. Era pior quando alguma coisa a irritava e descarregava na vítima conveniente... que era eu. Sempre pensei em morrer. Não duvido que tenha sido esta a principal razão, porque não é normal desejar a morte aos 3 anos, idade em que primeiro me apercebi claramente da atracção dessa fuga.
As tareias nunca pararam. Ainda hoje me pergunto o que poderia ter feito de errado. É típico das vítimas atribuírem-se culpa pelo sofrimento que lhes causaram. Muito, muito típico. Pergunta-se, qualquer vítima, "se em vez de ter escolhido aquele caminho...", "se em vez de sair sozinha...". Porque o fazem? Numa tentativa de voltarem a ganhar controlo sobre as suas vidas. "A culpa foi minha" permite esse irracional sentimento de segurança, permite o conforto de acreditar ser possível evitar a próxima vez.
Mas depressa percebi que não havia nada que satisfizesse aquela mulher. O objectivo do abuso físico e psicológico era o de esmagar completamente a minha personalidade até a tornar em papa. Uma vez bateu-me porque era domingo, e porque não íamos sair, e eu não via razão para tirar o pijama. Ainda hoje não o faço, ao andar por casa. E como eu muita gente, e isso não é razão para bater a uma criança. Mas ali tudo o era. Geralmente ela começava por implicar com uma coisinha (bastava-me deixar cair um livro, um copo, uma peça de roupa, para os berros começarem), e à terceira ou quarta coisa que eu fazia "mal" atirava-se a mim como um bisonte. Havia dias em que eu sabia de antemão que ia levar tareia. Esses dias eram a véspera de Natal e a véspera de Ano Novo. Uma vez até teve o desplante de me dizer, na véspera do fim de ano, "No Natal não levaste, já não levas há muito tempo, estás para levar agora". E, sim, mais tarde arranjou pretexto.
Eu sei que naquela altura os olhos me tremiam, à aproximação dela, como os de um cão habituado a pontapés. Sempre que tinha de pegar num prato fazia-o com muito cuidado e a tremer, porque se o partisse estava a dar-lhe um pretexto, e eu tinha bem consciência disso. Ainda hoje, que é hoje, ao lavar a loiça, estremeço sempre que um prato me escapa das mãos e o consigo apanhar a tempo de não se partir. Ainda hoje, que é hoje, não posso estar sentada com alguém em pé atrás de mim, porque conservo o medo irracional que a pessoa me bata na cabeça. Era o que ela fazia. Por isso, quando estou sentada e alguém se aproxima por trás, levanto-me imediatamente, para mostrar que já sou grande. Isto é tão triste! Ficaram mais fobias, mas não vou entrar agora por elas adentro.
Vivia no terror. Um terror indescritível, tanto quanto é indescritível uma criança temer a própria mãe que a devia proteger. Naquela altura eu não sabia proteger-me. Era demasiado pequena. Logo, ninguém me protegia. Era-me permitido um único consolo. Como aqueles meninos perdidos da civilização, como uma feral child, encontrava nos animais os únicos amigos, a única família, e agarrava-me a eles, a chorar, sem saber expressar de outra maneira o horror que era a minha vida. Ainda hoje tenho vergonha de contar estas coisas, aqui, pelo que peço que não façam comentários.
À medida que ia crescendo, e me foi permitido brincar na rua com os outros meninos, comecei a ausentar-me de casa por períodos cada vez mais prolongados, por vezes para lá das 22h. Isso também me valia tareias, mas compreendam: se ficasse em casa levava enquanto lá estivesse; chegando tarde, o mais tarde possível, só levava uma vez. Estratégias que o terror ensina.
Este inferno de espancamentos físicos foi continuando, embora atenuado, porque eu cresci. É mais fácil espancar um corpinho pequeno. Os abusos psicológicos, contudo, mantiveram-se, continuaram, e agravaram-se. O intuito era chamar-me inútil, acusando-me de não fazer nada em casa e de não saber fazer nada. Aliás, isto continua até ao dia de hoje. Acreditando nas palavras da minha mãe, eu não sei limpar o rabo sozinha. Por esta altura eu já era a melhor aluna da turma, mas isso não era motivo de orgulho, isso "é a tua obrigação".
Aos 14 anos, com 1,65m e 60kgs, finalmente virei-me a ela quando me vinha bater. Porque não o fiz antes? Não sei. Se calhar nunca tinha percebido que já era crescida e estava demasiado habituada à porrada. Ela era uma mulher forte (e ainda é), gorda, nos seus quarenta e tal anos, não era nenhum peso pluma. E havia consequências, que não tardei a sentir. Chamou a polícia, fez-se de vítima, os polícias levaram-me num carro de polícia ao Hospital Miguel Bombarda para a urgência psiquiátrica onde o médico de serviço me mandou imediatamente para casa. Muito ela estrebuchou. Queria internar-me. Fora dali, tirando a máscara de boa mãe, chamou nomes ao médico e acusou-me de o enganar. Tal como vos engano aqui, neste blog, certamente, porque se lhe perguntarem nunca me bateu, e se o fez era porque eu era má. Devia ser mesmo muito má para levar tanta porrada...
A partir daí, habituei-a a levar de volta, até que, também pelo avanço dos anos, desistiu do abuso físico e se concentrou no psicológico. Ainda hoje, todavia, não estou livre de dizer algo que não devo e me arriscar a uma bofetada que me obrigue a defender-me fisicamente. Tento ouvir em silêncio e não dizer nada. Estou envenenada até à ponta dos cabelos. Envenenada, em silêncio. Às vezes, como um ser atormentado pelo demónio, rezo a Deus, quando ela começa, para que a cale. Às vezes sou ouvida.
Ultimamente tem andado pior. Deve ser porque vai fazer anos em breve. É Gémeos, e é a razão de eu não suportar ninguém desse signo por injusto que isso pareça. Como Gémeos, tem duas caras. Quando eu levava amigos a casa, na adolescência, das poucas vezes que o fiz, mostrava-se querida e simpática, mas assim que saíam porta fora começavam os insultos. Estes foram alguns dos que ouvi, caros amigos, e alguns referem-se a vós: "Come que nem uma besta", "tem cara de drogado", "é mais velho do que diz ser, é mentiroso", "é atrasada mental", "só tens amigos de merda". Tudo isto ouvi e não contei, porque me magoava e não vos queria magoar. Ouvi, em silêncio, durante anos e anos. Agora já não levo ninguém a casa, nem quero que ninguém me telefone, e agora ouço: "Não tens amigos", "ninguém te atura". Em suma, sou uma merda. Sou uma inútil, uma merda, uma falhada. Mas isso sempre fui desde que nasci, tás a ver?
Já aqui disse muitas vezes que não conseguiria continuar muito mais tempo a lutar em duas frentes. O mundo é agressivo. É difícil triunfar fora se quando se chega a casa para outra guerra. Tem sido muito duro. Muitos anos, muito duro. Anos a mais.
Durante muito tempo, tive uma esperança, um sonho. Encontrar alguém, um amor, com quem começar uma família a sério, longe disto tudo. Com os anos, esqueci a ideia. Também depressa percebi que não podia, precipitadamente, lançar-me da frigideira para o fogo. Monstro por monstro, já tenho um em casa. E no entanto... Talvez tivesse mais direitos como esposa maltratada. Olha, uma coisa a pensar. Afinal, porrada por porrada, ao menos que esta garanta um subsídio.
(Estava a brincar.)
Os anos passaram e também o tempo das ilusões. Concentrei todos os meus esforços numa carreira, num emprego bem pago que me permitisse sair de casa. Compreendem agora porque era fulcral?... Não devido a culpa minha, porque há milhentos na minha situação, não o consegui, e é por isso que continuo no inferno.
Muita gente já me disse, e com razão, para sair de casa, nem que seja para um quarto alugado. O que não sabem é o terror que a ideia de viver com estranhos me inspira. Que ideia pode fazer de estranhos quem é maltratado pelo seu próprio sangue? Temo, muito, encontrar outros monstros, igualmente sádicos, ou piores até. Devo dizer que já encontrei vários em casas alheias. É também por isso, caros amigos, que me furto a visitar os vossos lares, onde pode também haver um monstro "debaixo da cama". Ainda se perguntam porque gosto tanto de filmes de terror? Está explicado, não está? Sim, eu vivo num filme de terror, com monstros e tudo. (Houve mais monstros, mas desses não sei se alguma vez falarei.)
Nos últimos tempos, porém, comecei a sentir-me cada vez mais cansada. São 37 anos. Os joelhos doem-me. O meu síndrome de atraso de fase agravou-se muito nos anos recentes (dormir de dia é uma maneira de evitá-la, e os seus escárnios, e as suas provocações cujo intuito é levar-me a fazer algo de violento que a vitimize: em vão). Estratégias que o terror ensina. Perdi a esperança de um trabalho melhor. Perdi a esperança de salvação. Na última quinta feira, então, atingi um novo patamar. Não estava a dormir mas meti-me na cama desde as 20h até depois da meia noite, e fiquei deitada na escuridão, escondida, para a evitar durante as horas em que, como um cão raivoso, tem mais tendência a atacar. Dantes, quando era mais nova, era capaz de ir dar uma volta, mas, como eu disse, agora estou cansada e doem-me os joelhos e só quero descansar e ficar em paz.
Como também disse, tem andado pior nas últimas semanas. Acho que quer mais dinheiro. Continuou sempre, sempre, a tentar esmagar a minha personalidade. Um exemplo de um dos seus últimos discursos: "Estou aqui a passar a ferro a tua roupa, a tua roupa feia, que tu não passas. Não passas porque não sabes passar a ferro. Diz lá 'eu não sei passar a ferro'. O que vai ser de ti quando eu morrer, que não sabes fazer nada?". Não respondi. Aprendi a ouvir os insultos em silêncio. Aprendi a ser uma vítima. Sim, sei passar a ferro, mas, acreditem, o simples facto de tirar do sítio a tábua de engomar (e voltar a pô-la lá, evidentemete), é razão para me atingir: "Desarrumaste tudo o que tinha aqui, não sabes fazer nada, só fazes merda". Obviamente, é mentira. Ela não quer que eu faça nada para me poder chamar inútil, que foi sempre o que me chamou desde que eu me lembro. Faz parte do esmagamento da personalidade. Como alguém se pode entregar a este passatempo, contra a própria filha, durante 37 anos, é coisa que não me entra na cabeça. Sei que a mãe dela também a tratou mal, mas isso não é desculpa para fazer o mesmo. Pelo contrário. Muito antes pelo contrário.
Mas isso já não importa, sabem? Habituei-me a ouvir em silêncio. Não digo que entre por um ouvido e saia pelo outro. Estas coisas não entram e saem. Estas coisas envenenam. 37 anos envenenam muito.
Compreendi que ela era um vampiro das primeiras vezes que me ausentei, por mais de uma semana, e me senti imediatamente cheia de uma energia que nunca experimentei em casa. Fora deste ambiente, cheguei a ter momentos de alegria, quase de felicidade. Momentos de optimismo. Tudo isso é sugado, destruído, esmagado, sempre que entro em casa. Estou a escrever estas linhas no emprego. Sei que quando chegar a casa vou ouvir mais. Não sei sobre o que vou ouvir. Uma porcaria qualquer. E se o dia lhe correu mal, ainda vou ouvir pior. Como também disse, parece-me que ela quer mais dinheiro. Desde que lhe dou uma mesada do meu trabalho, já há muitos anos, o dinheiro tem acalmado a fera. Mas julgo que quer mais. Não o vai ter. Não vou trabalhar mais horas como uma escrava para pôr mais 50 euros na mão deste monstro.
Acontece que eu sei que já não há solução. O tempo passou, eu fiz tudo o que podia, mas o tempo passou e eu não tenho mais energia. Esgotou-se-me. Tinha de acontecer mais tarde ou mais cedo, certo? Aprendi estratégias. Evito, fujo, escondo-me.
Esta semana, no entanto, comecei a virar-me para Deus em busca de uma resposta. "Senhor, salva o teu servo", não é? Continuo a acreditar que fiz coisas terríveis numa vida passada, a única explicação para que seja justo que eu tenha de passar por este inferno desde nascença. Mas estou esgotada, e neste estado já não consigo fazer mais nada por mim, muito menos pelos outros. Preciso de ajuda, de grande ajuda, duvido mesmo que possa vir ajuda que não seja de Mão Divina, ou não me resta senão deixar-me definhar. Será esse o meu karma? Definhar como uma mosca numa teia de aranha, até ao fim, demasiado esgotada para tentar romper os fios, sugada de toda a energia, desprovida de toda a esperança? Pergunto-me de que vale um destino assim. Para mim, nada. Para os outros? Não sei. Talvez estas linhas sirvam para os outros. Não sei como. Nem a mim me adianta. Há coisas assim, no entanto. Já não me ponho a adivinhar. Resignei-me. Sei que não vai durar para sempre. Porque uma de nós não vai durar para sempre e a velhice também a há-de vencer. [O que é curioso é que ela é muito mais enérgica do que eu e me pergunto de onde lhe vem tanta energia à medida que eu definho...]
Isto é triste. É muito triste que assim seja.
Agora que estou esgotada, e que a a guerra acabou por capitulação da minha parte, já foi possível contar a história. Talvez agora muitas coisas que aqui disse antes façam mais sentido.

Post Scriptum: Acho que amanhã, depois de ir votar, volto para casa e adopto a mesma estratégia. Ir para a cama e fingir que durmo. É que, sabem, ela não pode saber que estou acordada.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Só mais uma pequena nota. Durante três meses consegui enfiar a cabeça na areia e não ler as realidades que só se lêem na blogosfera. Agora que o fiz, só me apetece voltar a enfiar a cabeça noutra areia. Tornou-se insuportável.
Quando começou a tristeza? Vi um filme, recentemente, em que era perguntado a uma das personagens quando tinha acontecido, esse momento, em que a tristeza começou. Mais uma vez (porque não me é desconhecida a resposta) pus a pergunta a mim própria. De novo me questionei se houve alguma vez, na infância... Mas não houve. Por dramática que soe a resposta, a verdade é que sempre me conheci triste, desde que tomei consciência de ser pessoa. Certamente que as próprias condições familiares em que nasci e cresci, na infância, tiveram a ver com essa tristeza. Não é alheia também a pobreza. Durante a infância interessava-me pelas actividades de que todas as crianças gostavam, mas nunca havia dinheiro para nada. Acabei por perder o interesse em quase tudo. Isso podia-se ter alterado a algum ponto da minha vida mas nunca se alterou. Não acredito que a pobreza pura e simples (embora nunca tenha conhecido outra coisa e acreditando apenas em relatos de quem se encontrou em situação semelhante) signifique necessariamente infelicidade. Mas no meu caso, a quem faltavam também os bens não materiais, foi crucial. E como eu sempre fui diferente, mais sensível, muito mais sensível do que os demais, porque sentia mais também sofria mais.
Agarrei-me à televisão e aos livros como a única fuga possível. A televisão. Os livros. Não digo libertação, mas fuga. Ainda hoje o são, e foram o meu único escape até descobrir a música. Só na música, e na escrita, encontro momentos de libertação, momentos em que a tristeza não desaparece mas em que a consigo esquecer. É por isso que apenas no meio de vós, góticos, me sinto em casa, e são esses os únicos momentos em que sinto que pertenço a alguma coisa. Não há mais nada além disso.
Nos últimos três anos, altura em que os bens materiais já nada me diziam, fui progressivamente destituída também de ser aquilo que EU considero ser uma pessoa. Não tenho esperanças de voltar a sê-lo. Não tenho esperanças de voltar a Ser.
Acho que há coisas que, por serem tão graves, não ser resolvem com "pequenos momentos de alegria" (o que raio será isso?) mas apenas com mudanças radicais. Não adianta tentar plantar um jardinzinho onde caiu uma bomba nuclear, para embonecar a coisa. Às vezes ainda me admiro onde vou buscar as forças para continuar, contrariada, continuar.
Não tenho planos nem quero fazê-los.

terça-feira, 19 de maio de 2009

"O Conde de Monte Cristo", por Alexandre Dumas

"O Conde de Monte Cristo" é daquelas histórias que conheci de filmes e séries com o grande desejo de um dia ler o livro, mas por alguma razão o projecto foi adiado até há poucos meses. Encontrei uma cópia em inglês, no Projecto Gutenberg, pelo que é a língua em que sou obrigada a ler, e em que transcrevo os excertos.
Algo me dizia que não estava a perder só mais uma história, e vejo agora que não me enganava.
Para começar, eis um pormenor que não puseram nos filmes, o Conde é um grande agarrado:

«"Oh, yes," returned Monte Cristo; "I make no secret of it. It is a mixture of excellent opium, which I fetched myself from Canton in order to have it pure, and the best hashish which grows in the East--that is, between the Tigris and the Euphrates. These two ingredients are mixed in equal proportions, and formed into pills. Ten minutes after one is taken, the effect is produced. Ask Baron Franz d'Epinay; I think he tasted them one day."»

Ainda falam da benza! Aqueles sim, eram os dias, em que se podia dar nela à força toda e ainda vir relatar a experiência na literatura. Politicamente correctos, os realizadores que transpuseram o livro para filme deixaram estes vícios de fora.

Do tabaco, diz-se:

«that mute revery, into which we always sink when smoking excellent tobacco, which seems to remove with its fume all the troubles of the mind, and to give the smoker in exchange all the visions of the soul»

Mas O Conde de Monte Cristo, aliás, Edmond Dantes, tem muitas razões para se perder na embriaguez.
Eis os seus pensamentos durante o cativeiro:

«The idea of suicide, which his friend had driven away and kept away by his cheerful presence, now hovered like a phantom over the abbe's dead body.
(...)
"Die? oh, no," he exclaimed--"not die now, after having lived and suffered so long and so much! Die? yes, had I died years ago; but now to die would be, indeed, to give way to the sarcasm of destiny.»

Mais alguns trechos de interesse:

«"What are you thinking of?" asked the abbe smilingly, imputing the deep abstraction in which his visitor was plunged to the excess of his awe and wonder.
"I was reflecting, in the first place," replied Dantes, "upon the enormous degree of intelligence and ability you must have employed to reach the high perfection to which you have attained. What would you not have accomplished if you had been free?"
"Possibly nothing at all; the overflow of my brain would probably, in a state of freedom, have evaporated in a thousand follies; misfortune is needed to bring to light the treasures of the human intellect. Compression is needed to explode gunpowder. Captivity has brought my mental faculties to a focus; and you are well aware that from the collision of clouds electricity is produced--from electricity, lightning, from lightning, illumination."»

«"You must teach me a small part of what you know," said Dantes, "if only to prevent your growing weary of me. I can well believe that so learned a person as yourself would prefer absolute solitude to being tormented with the company of one as ignorant and uninformed as myself. If you will only agree to my request, I promise you never to mention another word about escaping." The abbe smiled. "Alas, my boy," said he, "human knowledge is confined within very narrow limits; and when I have taught you mathematics, physics, history, and the three or four modern languages with which I am acquainted, you will know as much as I do myself. Now, it will scarcely require two years for me to communicate to you the stock of learning I possess."
"Two years!" exclaimed Dantes; "do you really believe I can acquire all these things in so short a time?"
"Not their application, certainly, but their principles you may; to learn is not to know; there are the learners and the learned. Memory makes the one, philosophy the other."
"But cannot one learn philosophy?"
"Philosophy cannot be taught; it is the application of the sciences to truth; it is like the golden cloud in which the Messiah went up into heaven."»

sábado, 16 de maio de 2009

Aos meus amigos

Amigos, andei ausente. Ausente mas não desocupada. Tive de responder às exigências de algumas personagens que não se resignavam a desaparecer no pó da minha imaginação. Duvido que interessem a mais alguém do que a mim, que me apaixonei por elas há mais de 20 anos e durante todo este tempo as neguei, mas nada disso interessa. Agora vivem. Talvez interessem a quem aprecia Charles Dickens.

Meus amigos (se é que ainda tenho amigos...), vocês sabem quem são, a reclusão acabou. Já podem voltar a lembrar-se de mim.

Nada como a música expressa o estado de espírito, por isso compilei os temas mais tristes que já ouvi, para partilhar com vocês, e chamei-lhe

Sad as fuck

[Third World War OST; Arvo Pärt - Spiegel Im Spiegel; Syriana OST; Adagio - Samuel Barber]

Listen and weep.

terça-feira, 14 de abril de 2009

"Prison Break"


Michael Scofield é o novo herói. Nunca mais haverá agente 007, MacGyver ou Jack Bauer que suplante este jovem engenheiro determinado, genial e maquiavélico cuja única arma é o cérebro. "Prison Break" é Michael Scofield, o improvável recluso de uma prisão de máxima segurança que se faz prender para organizar a fuga do irmão inocente, condenado à cadeira eléctrica. Contra tudo e contra todos, consegue. A partir daí, não há nada que o espectador não espere.
A primeira temporada foi um estoiro, a segunda a continuação lógica, a terceira a minha preferida. Na quarta temporada, porém, já se nota o cansaço e a falta de ideias de um argumento que se afunila em torno de uma organização todo-poderosa, monstro único e invencível, e completamente inverosímil por ser único. À semelhança dos grandes heróis da Antiguidade, basta a este Hércules cerebral decepar a hidra para que esta desapareça. Não é assim na vida real, e é uma pena que uma série que desde os primeiros episódios era tão realista e prosaica como um buraco numa cela atrás da pia tenha transformado Michael Scofield em mais um agente secreto cheio de truques de MacGyver a combater um qualquer "Goldfinger". Muitos fans ficaram desiludidos e acho que têm razão para tal. Esticar um tema à exaustão por motivos comerciais, no cinema e na televisão, tal como na música, enjoa... e estraga.
Salvam-se as excelentes interpretações de Wentworth Miller em Sona (aquela mão direita sempre a tremer nos momentos de nervosismo foi genial), e o brilhante Robert Knepper como T-Bag no papelão da sua vida (na quarta série, consegue redimir o psicopata mais repugnante, vil e manhoso da história numa personagem de carne e osso, que as outras não são, e vê-lo trabalhar, independentemente dos soluços da história, é por si só um prazer, e oxalá o vejamos muito mais vezes no cinema ou na televisão).
Apesar de tudo, os últimos episódios da segunda temporada são dos melhores momentos de televisão que já vi: Michael Scofield e o seu irmão conseguem finalmente fugir para o Panamá e chegam a uma praia paradisíaca onde os espera um iate e uma vida sem problemas, mas uma mensagem de um amigo leva o herói a voltar para trás, quando podia não o fazer, e acaba a ser encarcerado numa prisão de terceiro mundo, numa espécie de descida ao Inferno debaixo de chuva que o eleva a tal estatuto mitológico dos grandes épicos. Do ponto de vista psicológico, é igualmente brilhante constatar que Scofield, apesar de toda a sua inteligência, é possuído por um fanatismo que nas circunstâncias parece mais um desejo de morte. Ironicamente, na quarta temporada, revela-se que a sua maior arma, o cérebro, é também a única ameaça que o consegue travar, não apenas a nível psicológico como físico, quando a personagem é derrotada por um tumor que o impede de concretizar (ou apenas adia?...) todos os seus planos. O herói tem, portanto, um lado negro, uma fraqueza que acaba por ser a sua maior força: como se adivinhava há muito, também a Companhia desiste de lutar contra ele e tenta comprá-lo. Totalmente previsível. Toda a gente sabe, menos a Companhia, que está a engolir uma piranha. Isso deve ser divertido de ver.
Esperemos, no entanto, ser poupados a mais cenas caricatas, mas sem graça nenhuma porque destroem a credibilidade da ficção, como aquela em que Michael Scofield é operado ao cérebro sem lhe terem rapado o cabelo. Mas esta gente não vê o Dr. House?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

H. P. Lovecraft - Mestre do Horror VI

The Quest of Iranon
Não encontro nada de assustador neste conto, apenas uma tristeza tão grande que foge à própria assinatura do autor. Se em Lovecraft as tragédias se prendem ao sobrenatural ou ao bizarro, como em "The Outsider", aqui trata-se apenas de uma viagem psicológica pelas veredas da loucura. Não sei se os mais sensíveis não verterão uma lágrima.
Iranon é um jovem poeta que anda a correr mundo à procura da sua cidade de Aira, terra de luz suave e cheia de canções, de que está exilado mas onde um dia será rei como o seu pai. Pelo caminho sofre a troça e a incompreensão dos que escutam as suas canções, tendo por único amigo um rapaz que partilha dos seus sonhos e o acompanha durante largos anos. A parte misteriosa é pois esta: enquanto o amigo naturalmente envelhecia, Iranon permanecia sempre jovem. Nem quando este morreu, de velhice, Iranon desistiu da demanda de Aira. Nunca acreditou quando lhe diziam, ao perguntar direcções a quem encontrava na sua longa jornada, que ninguém tinha ouvido falar de Aira nem das suas gentes. Uma noite, porém, cruza-se com um velho pastor que guardava gado perto de um pântano de areias movediças, e este parece de facto recordar-se de algo. Lembrava-se de um rapaz, um pedinte, que conhecia desde criança, e que cantava estranhos poemas sobre uma cidade de Aira que não existia senão na sua cabeça. Sim, Lembrava-se, e o seu nome era Iranon. Nessa noite, Iranon envelheceu de repente e afogou-se no pântano.

That night something of youth and beauty died in the elder world.


The Rats In The Walls
O último descendente dos de la Poer, família emigrada na América onde adoptou o nome Delapore, ascendeu a uma considerável fortuna que dedicou, já depois de viúvo e tendo perdido o seu único filho na guerra, a reconstruir o castelo dos antigos barões na velha Inglaterra. O castelo, situado num precipício, era considerado um monumento onde se cruzavam vários estilos arquitectónicos desde o pré-romano ao medieval e tinha até sido importante objecto de estudo por eminentes autoridades na matéria, razão porque o proprietário decidiu restaurá-lo em todo o seu esplendor excepto no interior, onde não poupou nenhum dos luxos mais modernos. Nesse empreendimento foi muito auxiliado por um amigo do seu filho, Capt. Norrys, também veterano de guerra, que, sendo nativo do local, parecia conhecer mais sobre a antiga família de la Poer e a sua propriedade do que o próprio descendente na América. Delapore apenas sabia que o seu primeiro avô radicado no novo continente tinha abandonado o castelo em circunstâncias estranhas depois de assassinar toda a família. Um único envelope que continha o segredo, e provavelmente a resposta ao mistério por detrás do massacre, tinha sido passado de geração em geração ao longo dos anos, mas foi destruído por um incêndio antes que o seu pai o pudesse abrir. E assim se perdeu o legado. Mas Delapore depressa se apercebeu de que não apenas o castelo como ele próprio eram ostracizados pelos camponeses e de que tinha vindo viver para uma casa amaldiçoada cuja fama persistia, apesar dos séculos, de ter sido um ninho de "bandidos e lobisomens". No mínimo, o local onde agora se erguia o castelo tinha servido de palco desde tempos pré-históricos a rituais sangrentos, associados depois aos druidas, e a seguir, durante o Império Romano, relacionados com a deusa Cybele, mas o certo é que sempre ali teria existido uma seita praticante de sacrifícios humanos. Vexado, o sóbrio homem de negócios quase que fez por último objectivo de vida não apenas reconstruir a moradia como limpar o bom nome da família. Assim que as obras ficam prontas, instalou-se definitivamente no castelo, acompanhado de "nove criados e sete gatos". Destes sete felinos, o mais velho, Nigger Man, era um gato preto que tinha trazido de Boston e nunca deixava o dono. Foi também este que pela primeira vez detectou ruídos nas paredes do quarto, barulhos que Delapore imediatamente identificou como ratos.
Um pouco perplexo por ter uma infestação em tão pouco tempo, o prático americano fartou-se de colocar ratoeiras que apareciam desarmadilhadas mas vazias, como se os ratos fizessem pouco dele. Foi esse o seu embaraço inicial. Não sendo dado a superstições, começou a ficar deveras preocupado quando percebeu que só ele e os gatos da casa conseguiam ouvir os roedores. Ninguém mais os ouvia, nem os criados nem o seu amigo Capt. Norrys, que foi chamado a passar uma noite no castelo, e a partir do momento em que se apercebeu disso até Delapore os deixou de ouvir, passando antes a ter pesadelos com fantasmagorias de que não se recordava ao acordar. Na opinião de um dos empregados, dado aos fenómenos psíquicos, já não os ouvia porque "certos poderes" já lhe tinham feito chegar a "mensagem".

[Este pormenor recorda-me de certa passagem de "Shinning, do outro mestre Stephen King.]

Mas a noite que Capt. Norrys passou no castelo não foi perdida. Juntos, encontraram na parte mais recôndita da cave um alçapão, porventura um túnel, que tinha passado despercebido aos estudiosos que visitaram o castelo. São chamadas autoridades arqueológicas ao local e os vastos subterrâneos são abertos pela primeira vez. É caso para dizer que Delapore descobriu literalmente os esqueletos da família. E é também caso para dizer que afinal a família de la Poer era de facto um ninho de "bandidos e lobisomens" porque a última coisa que o venerável ancião faz, antes de ser internado num hospício, é devorar o seu amigo Capt. Norrys, aparentemente com a cumplicidade do seu gato Nigger Man, mas dizendo sempre que foram os ratos.

 Cartoon do site Unspeakable Vault (Of Doom)


The Shunned House
Devo confessar que nas minhas leituras de Lovecraft já me preocupava não encontrar uma história de vampiros, se bem que esta não é nem a melhor que já li nem o melhor de Lovecraft, mas vampiros são sempre vampiros e vampiros são sempre deliciosos, seja lá em que forma se manifestem.
"The Shunned House" relata, como o nome indica, os acontecimentos que levaram a que determinada casa de Providence -- à frente da qual a fantasia de Lovecraft coloca o seu mestre Edgar Allan Poe a passear sem nunca se ter apercebido de nada -- fosse lendariamente evitada por toda a gente.
A casa não era exactamente "assombrada". Dizia-se que era uma casa de "má sorte" por tanta gente lá ter morrido, por ser propícia à loucura, por nenhuma criança viva lá ter nascido. Atribuía-se o facto à humidade, aos estranhos fungos que cresciam na cave (e provocavam um persistente cheiro pestilento), e possivelmente à má qualidade da água bombeada do poço. Nenhuma das mortes parecia violenta. Pelo contrário, os habitantes pareciam apenas "definhar" de causas naturais, depois de tomados pelo delírio ou loucura senil que os levava, nas últimas fases da doença, a gritar coisas estranhas sobre algo que os observava na escuridão ou a tentar sugar o sangue dos próprios familiares. Não era uma maldição dos Harris, família que ergueu a casa, porque depois de uma série de mortes estes acabaram por mudar-se e alugá-la a inquilinos, o que se tornou cada vez mais raro porque estes eram também afligidos pela "insalubridade" do local e as mortes não paravam de se suceder, a ponto de o município mandar fumigar a casa, até que esta acabou por ser completamente evitada. O que quer que fosse, estava lá e continuava lá. O último herdeiro dos Harris pensava em deitá-la abaixo e construir ali um bloco de modernos apartamentos quando interveio um vizinho interessado nas lendas associadas ao local que se propôs a investigar mais. Não lhe era estranha a teoria de vampirismo, mas até ao momento não tinha bases para demonstrá-la. Sabia-se que o terreno tinha servido de sepultura aos os primeiros proprietários, séculos atrás, mas todas as campas tinham sido transladadas para o novo cemitério da cidade muito antes de a casa ter sido construída pelos infelizes Harris. O que a história local tinha abafado foi a existência dos Roulets, os primeiros donos do lote, franceses fugidos da repressão religiosa e com fama de feiticeiros, que também ali tinham sepultado os seus mortos. Da mesma forma inesperada que apareceram, os Roulets, extremamente odiados por todo o lado onde passavam, tinham sido obliterados por um motim que pôs fim à família. Saberiam os seus beligerantes vizinhos que um dos Roulet tinha sido acusado de ser lobisomem, ainda em França? O certo é que a cidade os tinha apagado dos registos durante séculos e agora o investigador estava convencido que tinha descoberto a causa. O restante é por demais à Van Helsing para repetir, mas diremos apenas que Lovecraft resolveu "a coisa" com ácido sulfúrico em vez de estacas de madeira. E a casa não voltou a ser de "má sorte".

Such a thing was surely not a physical or biochemical impossibility in the light of a newer science which includes the theories of relativity and intra-atomic action. One might easily imagine an alien nucleus of substance or energy, formless or otherwise, kept alive by imperceptible or immaterial subtractions from the life-force or bodily tissue and fluids of other and more palpably living things into which it penetrates and with whose fabric it sometimes completely merges itself. It might be actively hostile, or it might be dictated merely by blind motives of self-preservation. In any case such a monster must of necessity be in our scheme of things an anomaly and an intruder, whose extirpation forms a primary duty with every man not an enemy to the world's life, health, and sanity.
What baffled us was our utter ignorance of the aspect in which we might encounter the thing. No sane person had even seen it, and few had ever felt it definitely. It might be pure energy--a form ethereal and outside the realm of substance-or it might be partly material; some unknown and equivocal mass of plasticity, capable of changing at will to nebulous approximations of the solid, liquid, gaseous, or tenuously unparticled states. The anthropomorphic patch of mould on the floor, the form of the yellowish vapour, and the curvature of the tree-roots in some of the old tales, all argued at least a remote and reminiscent connection with the human shape; but how representative or permanent that similarity might be, none could say with any kind of certainty.


The Thing on the Doorstep
Embora o tema do roubo de identidade seja recorrente em toda a sua obra, a história que Anne Rice refere em "The Tale of the Body Thief" é uma das preferidas dos leitores de Lovecraft. Talvez porque seja o conto mais conseguido ou consistente, ou, atrevo-me a palpitar, porque a personagem principal é uma "mulher", coisa rara em Lovecraft. E a história é semelhante a outras do género: uma tal de Asenath seduz um jovem académico com pouca experiência de vida mas um grande fascínio pelo oculto, e acaba por lhe roubar o corpo. Afinal, descobre-se, o ser que estava dentro de Asenath nem sequer era uma mulher, mas o seu pai, poderoso feiticeiro, que vivia há sabe-se lá quantos séculos, de corpo em corpo, expulsando dele o seu hospedeiro, numa espécie de vampirismo de almas que ia abandonando em corpos alheios. A própria Asenath, sua filha e descendente da gente-peixe de Innsmouth, estava há muito aprisionada e deixada para morrer no corpo velho do pai.
Sórdido, insidiosamente incestuoso e homossexual, este conto ergue-se a patamares que o próprio Lovecraft talvez não tenha congeminado mas que qualquer mente tortuosa reduz a isto: possui a filha e casa-se com um homem para lhe roubar o corpo. Lovecraft no seu melhor e a precisar urgentemente de ser descoberto como merece.



 
H. P. Lovecraft
(1890-1937)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

H. P. Lovecraft - Mestre do Horror V

The Horror at Martins's Beach
Se alguma vez Lovecraft pretendeu escrever sobre um horror tão terrível que ficaria para sempre na mente dos leitores, este é um dos contos em que conseguiu.
Um barco de pesca mata um monstro marítimo que se torna atracção para os turistas de Martin's Beach, uma aprazível costa de veraneio com um hotel junto ao mar.
Depois de examinarem a nova espécie, os cientistas concluem que apesar do seu tamanho gigantesco este exemplar não passa de uma cria recém-nascida, razão pela qual o seu progenitor volta para se vingar.

[História "curiosamente" semelhante à que deu origem ao telefilme "The Beast", em que o monstro é uma lula gigante, mas não convence pela inverosimilhança que uma criatura acéfala possa congeminar planos de vingança como, não vamos mais longe, as sequelas do famoso "Tubarão" ("Jaws"), escritas pelo mesmo autor: Peter Benchley... Nada disto se passa na história de Lovecraft uma vez que o monstro possui um cérebro e o resultado deixa concluir que maneja poderes sobrenaturais.]

Esta vingança é levada a cabo numa noite em que os salva-vidas da praia são atraídos ao mar pelo que pensam ser o grito de um náufrago ou de uma baleia, ao que respondem prontamente lançando uma corda e uma bóia de salvamento. Mas algo começa a puxar do outro lado, com tamanha força que muitos homens se lhes juntam e nem mesmo assim a corda parece ceder. Convencidos de que uma baleia teria engolido a bóia, os homens decidem desancorar um barco para a capturar quando percebem que estão "colados" à corda. É aqui que começa o verdadeiro horror. Ao perceber que os homens estão de alguma forma paralisados e que a maré está a subir, os turistas e outros observadores não têm coragem de se mexer e assistem, mais ou menos impávidos e incrédulos, enquanto todos aqueles seres humanos morrem afogados. Ninguém tentou ajudar. Os relatos dados posteriormente à polícia foram confusos e evasivos. Toda a agente tentou esquecer.
Então, onde estão os monstros, de facto?
Esta história foi publicada em 1923.


The Horror at Red Hook
O detective Thomas Malone [quantos polícias e detectives e agentes da lei herdaram este nome é inumerável...] começa por investigar um bairro degradado de Nova Iorque, Red Hook, devido a uma vaga de raptos de crianças que aterrorizava os seus habitantes mais honestos. Num ambiente de crime generalizado e imigrantes ilegais, acaba por descobrir uma seita satânica com origem na população curda [quão politicamente incorrecto isto nos soa agora] trazida para lá com promessas de grandes poderes sobrenaturais conferidos por um deus ou um sacerdote.
No centro desta seita está um velho eremita, aparentemente apenas um estudioso de lendas, cujo percurso lembra o antepassado de outra personagem de Lovecraft: Charles Dexter Ward. Como este, também o velho bruxo Robert Suydam pareceu rejuvenescer de um dia para o outro (as alusões do seu vampirismo amplamente demonstradas pelos raptos das crianças) e até contrair matrimónio com uma jovem noiva da alta sociedade que é brutalmente assassinada na noite de núpcias e todo o seu sangue levado como oferta a Lilith. Nesta história, o que é tão mais curioso quanto raro em Lovecraft, os demónios são do tipo tradicional: Lilith, Asmodai, Samael...
O detective Malone consegue pôr fim à terrível seita mas não sem prejuízo próprio pois acaba por ser afastado da cidade devido a um esgotamento nervoso.


The Hound
Como o título deixa sem dúvida escapar, este cão é a origem do terror que assola dois amigos, mas não dois inocentes. Tratam-se de membros da alta sociedade inglesa que, simplesmente por tédio, decidem procurar emoções violando túmulos e montando um verdadeiro museu de horrores na sua mansão isolada do mundo, onde se divertem, na maior das decadências, a recriar adorações e rituais da natureza mais mórbida rodeados dos despojos das suas explorações nos cemitérios. Um dia vão longe demais. Quando descobrem a história de um outro ladrão de túmulos, tal como eles, que teria morrido há séculos, desmembrado, vítima de um ser sobrenatural que as lendas atribuem à vingança dos mortos perturbados no seu descanso, decidem com ainda maior entusiasmo exumar o velho "colega". Ao seu pescoço encontram um medalhão onde figura um ser entre o cão e a esfinge, e os mais aterradores dizeres. A partir desse momento, parece-lhe ouvir em todo o lado o latir de um cão que os persegue e ameaça. Quem conta a história é o amigo sobrevivente, depois de encontrar o companheiro desfeito e moribundo. Ainda se tenta livrar do medalhão e devolvê-lo ao proprietário no seu caixão mas descobre que uma vez desenterrado é impossível voltar a devolvê-lo ao mundo dos mortos... com vida.
Não consigo deixar de pensar que belo argumento daria este simples enredo se posto num filme de época com dois amigos a viverem juntos no luxo e deboche de que só a alta sociedade de uma certa Inglaterra vitoriana é capaz, tresandando a ópio, violando caixões e oferecendo rituais entre copinhos de sherry, num misto entre Egdar Allan Poe e Oscar Wilde...


The Lurking Fear
Um investigador do sobrenatural, cujo nome nunca é referido [mas que à semelhança de Randolph Carter faz lembrar o moderno Fox Mulder dos Ficheiros Secretos], é atraído a Tempest Mountain depois de um massacre sangrento que vitimou muitos dos seus habitantes. O que o leva ao local não é o crime em si mas as lendas dos camponeses que dizem ter sido perpetrado pelo fantasma, ou fantasmas, da família Martensen, cuja mansão, apesar de abandonada, é absolutamente temida embora nem os próprios vizinhos se lembrem porquê. No decurso da investigação, em que são também mortos dois dos seus companheiros de longa data e um jornalista que "recrutara" já no local, o investigador é confrontado com um monstro e apercebe-se de que o horror em Tempest Mountain é algo que na sua busca pelo sobrenatural nunca tinha encontrado antes. Aterrorizado, começa a investigar a história da família Martensen, cujas lendas não tinha levado muito sério. Os registos indicavam que eram colonos holandeses, fugidos do domínio inglês, que continuaram a odiar, durante séculos e até no Novo Continente, tudo o que lhes lembrasse o inimigo da pátria, e se mantiveram, por isso, completamente afastados do resto da recém-nascida sociedade americana. Parece também que o local escolhido para se estabelecerem era, como o nome indica, muito sujeito a tempestades e trovoada, e que ao longo de gerações os relâmpagos e trovões começaram a influenciar os nervos da família. Contava-se que um certo Jan Martensen se tinha afastado do lar para se juntar ao exército e ao regressar teria sido rejeitado pela família, que o acusava de ser um "estrangeiro". Conta um amigo da época, com quem este se correspondia, que Jan Martensen teria sido por isso assassinado pela própria família, e seria o seu fantasma que os habitantes da região tanto temiam apesar de a família Martensen ter eventualmente abandonado a mansão depois de uma degradação aberrante só explicada pela consanguinidade das suas muitas gerações de isolamento. Levado pela superstição, depois de ver os seus colegas de aventura barbaramente assassinados, o nosso investigador acaba por acreditar na história e por isso decide escavar o túmulo da trágica vítima. É então que descobre que toda a montanha era minada por túneis subterrâneos. O som do trovão, ao ecoar, traz para a superfície não demónios nem fantasmas, mas todos os sobreviventes da desaparecida família Martensen: deformados, embrutecidos... e canibais!
Esta é daquelas histórias de que a América gosta particularmente.


The Outsider

Unhappy is he to whom the memories of childhood bring only fear and sadness.

Assim começa uma das histórias mais tristes de Lovecraft, em que o protagonista crê ter crescido e vivido a vida toda num castelo onde nunca entrava a luz, cheio dos restos mortais dos antepassados e rodeado de uma densa floresta onde parecia ser sempre noite. À procura da luz que nunca tinha visto, este ser decide então subir à torre mais alta do castelo para vislumbrar a paisagem por cima das copas das árvores que conhecia do seu mundo subterrâneo. Qual não é a sua surpresa quando depois da longa e perigosa escalada se encontra, não no alto de uma torre, mas ao nível do chão. Guiado por memórias inexplicáveis, consegue vaguear até uma casa que lhe parece familiar e onde decorria uma festa com muitos convidados. Era como se sentisse de novo em casa mas, assim que se lhes junta, todos gritam em horror e fogem espavoridos de um monstro que o próprio confronta olhos nos olhos. Alguns segundos depois, de novo sozinho, percebe que se está a ver ao espelho e recorda-se da sua grande tragédia: esteve morto este tempo todo e o que chamava "castelo" era nada mais nada menos do que a sua cripta. Percorrido por uma dor insuportável aceita por momentos que já não pertence àquela família, nem a nenhuma, e volta a encontrar a paz numa segunda amnésia.


The Picture in the House
Das velhas casas isoladas dos primeiros colonos que chegaram à América, puritanos e religiosos ao ponto do fanatismo, Lovecraft fala sempre com horror (como em "The Lurking Fear"). A uma destas cabanas aparentemente abandonadas chega um viajante de bicicleta perdido numa estrada de província que apenas pretendia fugir à tempestade que se avizinhava. Depois de bater à porta e ninguém responder, pensando que a casa estava desabitada e perante a fúria dos elementos, acaba mesmo por entrar. Já no interior apercebe-se de que afinal moraria lá gente. Apercebe-se de um mobiliário de estilo antiquíssimo, que se não fosse pela sua simplicidade seria a delícia de muitos coleccionadores, e surpreende-se pela quantidade de livros igualmente antigos. Em cima da mesa chama-lhe à atenção um em particular, que descrevia viagens pelo Congo no século XVIII e apresentava a ilustração fantasiosa de um talho de negros canibais. De facto, o livro parecia ter sido aberto tantas vezes nessa página que foi das primeiras que viu. À parte disso, ouve barulho nas escadas e percebe que tinha sido surpreendido pelo dono da casa, um velho grande, sujo e mal vestido que, notava-se bem, não estava habituado a ter visitas. A seguir desenrola-se uma conversa perfeitamente civilizada, em que o intruso pede desculpa pela invasão e explica a sua situação, perdido na estrada e na tempestade, e o velho anfitrião o acolhe com a maior das simpatias. Postos ambos à vontade, o tema virou-se para o livro, que estava escrito em latim, e que o velho não sabia ler pelo que pediu ao visitante que lhe traduzisse algumas passagens enquanto lhe contava que tinha adquirido o volume há muitos anos porque achava as ilustrações interessantes. Isto deixou o incauto visitante mais à vontade: afinal, o dono do livro era só um pobre iletrado com um fascínio pelas paragens distantes de África. Até aqui, nada de anormal. Anormal começa a ser quando o anfitrião aponta a figura do talho, salientando os seus pormenores mais sangrentos, e solta algo como "depois de ver isto, matar ovelhas tornou-se mais divertido". E logo depois, como se de nada se tratasse, acrescenta: "Uma pessoa põe-se a pensar como será que sabe. Se comer carne faz bem, comer mais semelhante à nossa carne deve fazer melhor..."
Não, este não é nada um sofisticado Hannibal Lecter, bem pelo contrário, mas apreciam os mesmos ingredientes.


Continua.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

H. P. Lovecraft - Mestre do Horror IV

Herbert West: Reanimator
Este é um dos contos mais populares e popularizados de Lovecraft, mais ainda do que "The Mountains of Madness". Toda a gente já viu a história no cinema, repetida vezes sem conta em filmes igualmente inumeráveis: um cientista descobre um soro que devolve a vida aos mortos. A vida, mas não a personalidade. Estes voltam, mas "alterados" como só o mestre Stephen King descreveu mais tarde. Então o que temos? Zombies. Carradas de zombies. Mortos-vivos. Braços e pernas saltitantes. Cabeças rolantes. Toda essa palhaçada. Agora parece-nos engraçado mas não o seria certamente na época em que Lovecraft o escreveu.

["Reanimator" é também o nome de uma famosa música dos Fields of the Nephilim que, como vimos antes, muito foram buscar ao universo do autor. Um conhecedor de ambas as obras vai encontrar um manancial de referências, em que McCoy mistura o universo onírico e assombrado de Lovecraft com a análise psicológica dos nossos dias.]

O tema já não era novo quando o autor lhe pegou. Aliás, o próprio Lovecraft cita os mestres antigos quando começa esta história -- publicada originalmente em fascículos, razão pela qual é feito um sumário do enredo anterior a cada novo capítulo -- com uma citação do Conde Drácula: "To be dead, to be truly dead, must be glorious. There are far worse things awaiting man than death."
O primeiro "reanimador" famoso foi o cientista "Frankenstein", de Mary Shelley, mas o resultado acaba por ser bem diferente e é isso que interessa salientar. Enquanto o monstro de Frankenstein (que não tem nome) é uma criatura feita de partes de vários mortos mas que almeja uma existência humana e é por isso rejeitado pela sociedade, -- uma perspectiva muito "feminina" capaz de levar o mais sensível às lágrimas -- os zombies de H. P. Lovecraft, numa versão a que nos dias de hoje chamamos "gore", pensam mais em comer a carne dos vivos e voltar a esgravatar na terra do cemitério. Não há aqui nada de "choramingas". São zombies, são maus, e comem criancinhas.
Pior que eles só o seu criador, Herbert West, um verdadeiro monstro digno das experiências nazis mais atrozes (mas antes dos nazis), diametralmente o oposto do torturado cientista Frankenstein, cheio de remorsos pela sua obra blasfema.
Herbert West, que nos é descrito pelo seu assistente, só tem uma preocupação na vida: arranjar cadáveres frescos, muito frescos, para que o soro actue antes que o cérebro perca demasiadas células e comprometa a existência inteligente. Quando lhe faltam os defuntos a tempo e horas, qualquer visitante que bata à porta se torna candidato à experiência. Este médico mata primeiro para ressuscitar depois.
Mas, porque os seus mortos-vivos não são totalmente desprovidos de inteligência, um dia há-de beber o seu próprio veneno.
Delicioso. Imperdível. Satisfação garantida!


Imprisioned with the Pharaohs
Um ilusionista cuja especialidade é o escapismo, como Houdini, vai visitar o Cairo onde a sua "magia" de espectáculo é particularmente testada. Traído por uma armadilha montada pelos beduínos do deserto, é lançado para dentro de um enorme poço que estaria debaixo da Esfinge, amarrado, de mãos e pés atados e olhos vendados. Cabe-lhe primeiro escapar das amarras. Depois... tem de fugir das múmias.
É uma história interessante e exótica mas particularmente indicada para quem gosta do antigo Egipto, pirâmides e mitologia. A ideia é inteligente (a esfinge afinal existe e é real) mas não me convenceu. Certamente haverá quem goste mais do género.


In the Vault
Já esta, é uma história muito mais cómica do que tétrica -- ou ambas as coisas. Parece daqueles contos da avózinha para assustar criancinhas e fazer-lhes perceber os males da preguiça. Senão vejamos. Coveiro de profissão, era um homem habituado a tratar os mortos como se fossem um lixo aborrecido que o seu trabalho tratava de empacotar e enterrar. Não era um coveiro muito competente. Os caixões que fazia eram frágeis. Alguns eram demasiado pequenos para o seu destinatário mas o coveiro lá se encarregava de fazer "caber tudo", nem que para isso tivesse de serrar os pés... Certa vez até enterrou os restos de alguém na sepultura de outrém. Não que o homem fosse má pessoa, mas para ele a missão de enterrar os mortos não passava de um ofício como outro qualquer em que não punha muito brio.
Devido ao seu desleixo, e porventura um copo a mais ao almoço, certa tarde de Sexta Feira Santa ficou preso do lado de dentro de um sepulcro onde estavam alguns dos seus caixões e respectivos "clientes". Negligente, o coveiro tinha deixado que o tempo enferrujasse a fechadura e agora via-se grego para abrir a porta a partir de dentro. Mas não tinha medo da sua situação. De tal modo não tinha medo que se pôs logo a pensar na solução para o contratempo, e esta passava por pegar num martelo que por ali tinha e abrir mais a estreita janela sobre o portão do jazigo. Para lá chegar, empilhou os caixões todos uns sobre os outros (com os respectivos ocupantes lá dentro) e fez deles uma escada. Quando estava quase a conseguir esgueirar-se pela abertura, perto da meia noite, o seu negligente trabalho traiu-o mais uma vez: os caixões eram tão fracos que cederam sobre o seu peso e o pobre diabo ficou pendurado da janela. Mesmo assim, e com muito esforço para levantar todo o peso da sua pança, ia quase a sair do túmulo quando lhe agarraram pelos tornozelos. Alguém que não gostou que lhe serrassem os pés...


Nyarlathotep

I do not recall distinctly when it began, but it was months ago. The general tension was horrible. To a season of political and social upheaval was added a strange and brooding apprehension of hideous physical danger; a danger widespread and all-embracing, such a danger as may be imagined only in the most terrible phantasms of the night. I recall that the people went about with pale and worried faces, and whispered warnings and prophecies which no one dared consciously repeat or acknowledge to himself that he had heard. A sense of monstrous guilt was upon the land, and out of the abysses between the stars swept chill currents that made men shiver in dark and lonely places. There was a daemoniac alteration in the sequence of the seasons--the autumn heat lingered fearsomely, and everyone felt that the world and perhaps the universe had passed from the control of known gods or forces to that of gods or forces which were unknown.

Não deixa de ser curioso como tantos escritores e tão distintos apanham no "ar" o vento das trevas e o traduzem em ficção mal sabendo que escrevem profecias. Agitação social e alterações climáticas... e depois vem o fim.
Nyarlathotep ("the crawling chaos"), ou o mensageiro do caos, é uma personagem sinistra e sobrenatural que povoa toda a obra de Lovecraft. Grande e perigoso hipnotizador, leva qualquer pessoa que o ouve a ingressar a grande massa humana que deambula pelo mundo sem norte, uma imensa vaga de "mortos-vivos" ou autómatos, enquanto a civilização se desmorona em ruínas abrindo caminho para o domínio dos Outros Deuses.
Pela sua visionária actualidade, arrepia pensar que este conto foi escrito em 1920.


The Cats of Ulthar
Quando comecei a ler Lovecraft perguntou-me um conhecedor: "E qual é a tua história preferida?". "Tenho de ler mais", respondi. Mas, afinal, já sabia a resposta. Lovecraft tinha um grande amor por gatos. Eu também. E a história é esta e reza assim:
Havia um execrável casal de velhos, que odiava gatos, e que os apanhava e torturava até à morte de formas cruéis. Ouviam-se de noite os gritos arrepiantes dos bichinhos.
Um dia passaram saltimbancos por Ulthar, muito versados em artes mágicas. Um deles era ainda quase uma criança, um pobre rapaz órfão cujo melhor amigo e companhia era um gatinho também de pouca idade. De noite, em Ulthar, o gatinho foi apanhado e torturado e morto pelo casal de velhos malvados.
Na noite seguinte, depois da partida dos saltimbancos, algo aconteceu. Todos os gatos de Ulthar desapareceram. Os habitantes da cidade, que temiam a maldade dos velhos, julgaram o pior e choraram pelos seus amigos de estimação. Mas no outro dia, de manhã, todos os gatos voltaram para casa, gordos, satisfeitos, lambendo os bigodes como se depois de uma boa refeição. Dos velhos, só restavam os ossos. Os gatos de Ulthar comeram-nos.
É por isso que até hoje, em Ulthar, existe uma lei em que é expressamente proibido matar um gato.


The Dream Quest of Unknown Kadath
Esta é uma das histórias em que figura o personagem recorrente Randolph Carter, o grande herói de H. P. Lovecraft, que na sua demanda do sobrenatural terá sido uma espécie de Fox Mulder com os seus Ficheiros Secretos.

 
 Cartoon do site Unspeakable Vault (Of Doom)

Randolph Carter é referido em algumas aventuras mas é neste conto que se aproxima mais dos terríveis deuses (aqui chamados "the Great Ones") que povoam o universo do sonho. Kadath seria a cidade onde os deuses habitam, apenas vislumbrada no sono profundo, e para a alcançar Randolph Carter vai ter de se debater com inúmeros adversários fantásticos, e contar com a ajuda de alguns amigos poderosos no mundo do sonho que também são personagens de outros contos de Lovecraft, como o rei Kuranes de Celepahis, o "ghoul" Richard Pickman ou... o exército dos gatos de Ulthar! Devo confessar que toda esta bizarria me passaria ao lado até ao momento em que Lovecraft invoca, precisamente, o exército dos gatos de Ulthar, que combatem ferozmente para salvar Randolph Carter dos terríveis seres "assapados" do lado oculto da Lua. Mas isto é o quê? Um conto para crianças? Devo dizer que fiquei imensamente decepcionada e não aconselho a ninguém que comece a leitura do autor por esta história excepto se gostar muito, muito, mesmo muito!, de fantasia. Para os iniciados, é uma pequena maravilha conhecer o destino do artista Richard Pickman e do vagabundo Kuranes fora dos limites do mundo físico. Mas, na minha honesta opinião, a única parte realmente à altura de Lovecraft é o encontro final de Carter com Nyarlathotep, "the Crawling Chaos", o mensageiro do caos, que lhe explica que essa cidade porque tanto anseia não é mais do que um reflexo dourado das suas próprias memórias da infância passada em Boston. E dizendo isto, que pode ser verdade ou mais uma artimanha para o desviar do seu objectivo, Nyarlathotep estende-lhe outra armadilha de que o herói tem de se livrar. Nyarlathotep é a personagem que em Lovecraft mais se assemelha ao Diabo: tentador, elegante, eloquente... mas mentiroso e cruel. E esta é a única razão porque a história acaba com algum interesse.


Continua.