quinta-feira, 31 de julho de 2008

"Entrevista com o Vampiro" na RTP1, sexta à noite

Para quem ainda não viu ou quer gravar, ou deseja familiarizar-se com a saga de Anne Rice, recomendo que comece por aqui. Ou que reveja.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Memórias

Os últimos três posts são a conclusão da perspectiva que tinha iniciado no ano passado e que, durante muito tempo, não tive capacidade de terminar.
Espero que gostem.
Para ler do princípio, clicar na tag "memórias".

Movimento gótico: Uma Perspectiva V

Quando comecei a escrever estas memórias, há uns seis meses atrás, em forma de perspectiva sobre a evolução do movimento gótico, primeiro em Portugal (no seu começozinho tímido nos anos 80 em que não se sabia ainda bem o que era) depois apenas em Lisboa (a partir do momento em que o Porto começou a ter a sua própria história para contar e esta não me compete a mim porque não estive lá), tinha por objectivo parar no ano 2000 e não escrever mais nada até 2010. Acontece que muita coisa aconteceu nestes seis meses de interregno, o suficiente para mais um capítulo. O último capítulo. Cada um dos capítulos é forçosamente menos distanciado e nostálgico do que o anterior, o que é perfeitamente normal. Os últimos anos têm sempre uma cor e um cheiro mais real do que as memórias de infância da qual só lembramos fantasmas, sonhos, ideais. Pergunto-me qual dos tipos é mais verídico: o distante, de quando não temos a certeza se aconteceu ou apenas lembramos que foi assim, ou o presente, que ainda nos queima emocionalmente e nos censura os pormenores suculentos que apenas o tempo permite contar?

Estamos em 2008. Por email, falo com uma rapariga que conheço da internet. "Não sei se sou gótica", diz ela. Pergunto-lhe que música ouve. Ela faz uma lista. E tal como o meu mentor, em 1988, me respondeu a mim, eu respondo-lhe também: "És gótica".
Actualmente, a mamã internet (como alguém lhe chamou, e muito bem) é o espaço virtual onde se conhece tudo e todos que se queiram dar a conhecer. Impensável, nos anos 80, em que tínhamos de depender dos classificados do Blitz para nos publicar um interesse particular nesta ou naquela banda, ou uma poesia, ou a troca de K7s. A troca de K7s! Hoje sorrio ao escrever isto como aquelas pessoas que toda a vida viveram à luz da vela sorriem quando se lembram de que entretanto alguém inventou a electricidade. Ser gótico tem destas felizes gratificações.
Mas voltemos à internet mais tarde. Onde íamos mesmo? Ah, sim, naquela passagem de ano de 1999 para 2000 em que a comunidade gótica, apesar de já bastante amadurecida e segura de si, se viu de repente sem casa onde celebrar.
Parecia um aviso, e a partir do que vou relatar tiram-se muitas lições de moral. Não vou entrar nos pormenores, que ainda estão demasiado frescos e, ao contrário da maioria das memórias até agora publicadas, estas não são só minhas mas da vasta maioria das pessoas que continuam na cena até ao dia de hoje e por isso mesmo para bom entendedor meia palavra basta.

Bars come and go. That's it, bars come and go.

Não ficámos sem casa por muito tempo. Depressa a mesma gerência da Juke Box abriu no Bairro Alto um bar chamado Limbo. Foi uma festa. E durante um par de anos a comunidade gótica floresceu como eu, habituada nos anos 80 a bares com meia dúzia de gatos, jamais tinha imaginado.
Nunca fui daquelas pessoas que desdenham os mais novos. Sim, é possível que nunca tenham vibrado com "Damage Done" dos Sisters of Mercy. É possível que tenham conhecido a cena através de Marilyn Manson (que ele próprio já não é recente) ou dos emos My Chemical Romance. Como diz o ditado sábio "não me interessa de onde vens, interessa-me para onde vais". Para mim, não deixa de ser uma surpresa agradável que depois de todos estes anos a cena gótica ainda exista, cada vez mais definida, cada vez menos complexada. Certo que não é o que existia no princípio, quando éramos aventureiros num terreno desconhecido e selvagem e não havia rótulos. É um facto que agora basta fazer uma pesquisa na internet e dá notavelmente menos trabalho ser gótico. Ou assim parece. O que dá trabalho em ser gótico, como os mais velhos sabem, é continuar a sê-lo dez anos depois.
Da passagem da Rua da Fé para o Limbo, notaram-se logo as baixas. Muita gente, e todos muito góticos do cabelo pintado às botas bicudas, desapareceram sem deixar rasto e mudaram-se para outros ambientes. Isto acontece e é mesmo assim. Ao frequentar um bar gótico podemos até divertir-nos e fazer apostas: "este fica, aquela é capaz de ficar, aquele nem pensar". É mesmo assim e é o que é. Um gótico faz-se de um dia para o outro mas é o tempo que o faz permanecer gótico.
Estávamos muito bem no Limbo, fomos novamente desalojados. Na Rua da Fé, os vizinhos queixaram-se do barulho (mas à data actual ainda sobrevivem as maravilhosas matinées de sábado à tarde na Juke Box). No caso do Limbo, um senhorio não quis prolongar o contrato. Mais uns tempos sem casa. Até que abriu o Disorder, ao Cais do Sodré. Ainda me lembro que na festa da inauguração vi pela primeira vez na minha vida os góticos a sorrirem de contentes, o que é um feito e tanto! [*Se alguém se lembra do ano de inauguração é favor deixar nos comentários porque não consigo precisar. Nessa altura ainda não achava importante anotar datas.]
Sim, as pessoas ficaram apreensivas. Ao contrário da passagem dos anos 80 para os anos 90, havia uma comunidade formada que não estava nada disposta a deixar de ter um espaço próprio.
Pouco depois, o impensável aconteceria. O Disorder foi tomado de assalto, mas um assalto lento e gradual, por nacionalistas skinheads, desde uma altura em que fixei como ponto chave o ano de 2005, e o ambiente sofreu as consequências. A comunidade gótica é pacífica e não racista. Nestes 20 anos devo ter visto duas ou três brigas nos vários espaços góticos (e não estou a exagerar, foram mesmo duas ou três) e apenas devido a disputas pessoais (geralmente casos do coração). De repente ver um fulano pegar num banco e desatar a partir as mesas é coisa de outro filme qualquer, talvez do Tarantino, mas que não tem nada a ver com a cultura gótica onde as únicas veias que se cortam são as próprias.
Muita gente desapareceu, mas desta vez não deixaram o movimento. Uma mão cheia de indefectíveis decidiu mudar de ares e organizar as Graveyard Parties, uma vez por mês, na Caixa Económica Operária. Devemos-lhes muito, muito mais do que pagamos pelas cervejas. Durante dois anos, as Graveyard Parties foram as únicas festas verdadeiramente góticas da cidade de Lisboa. Não deixam de me recordar os tempos do KGB, no Estoril, onde as pessoas iam de propósito pela música e mais nada. Se não fossem as Graveyard Sessions, teríamos tido um verdadeiro vazio (mais um) sem alternativa.
Entretanto, o Disorder mudou de nome em 2007 e agora chama-se Transmission. Só o tempo dirá se apenas mudou o nome. As Graveyards continuam. Em Junho, abriu um novo bar, o Metropolis, nas Picoas, dedicado inteiramente à música alternativa actual e suas variadas vertentes. Tudo isto é muito recente para fazer parte de umas "memórias" mas não deixo de registar que o momento é positivo e auspicioso.
Afinal, apesar dos momentos negros que nestes 20 anos pareciam ter tirado o movimento gótico do mapa, este não desapareceu, apenas se transformou. Desde que a internet se tornou acessível, deixou de ser preciso depender de alguns senhores que tinham o "alternativo" no bolso e só publicavam o que queriam, sejam eles jornais, editoras ou lojas. A internet veio abolir os intermediários. São as próprias bandas que divulgam o seu material no Myspace ou nos seus sites e assim se tornam conhecidas. Adeus negócio das K7s! É verdade que a indústria se queixa mas é verdade que a indústria comercial ignorou as pessoas enquanto pôde. Depois de 20 anos a sofrer os efeitos, não tenho pena nenhuma. Quando penso na quantidade de bandas que nunca tiveram o destaque que mereciam, como uns Red Lorry Yellow Lorry, porque estes não tinham editora e o que importava era agradar às editoras... Mais uma lição de moral.
Direi mesmo mais. Actualmente a única desculpa para não conhecer mais música é exactamente a quantidade abismal que está disponível, pelo que (de novo) não é de desprezar a importância do rótulo. O rótulo é feio no meio artístico? Até pode ser, mas o tempo é escasso e a triagem impõe-se. Se uma banda faz música electrónica ou industrial e não o admite só está a levar as pessoas que a ouvem a perder o seu tempo, e não é por ouvir que vão gostar.
A internet foi uma revolução também para o movimento gótico. Ajuda a conhecer música, arte, eventos, concertos, e até outras pessoas em sítios recônditos a que de outra forma jamais teríamos acesso. Não é de estranhar, pois, que nos últimos anos o movimento gótico tenha também fervilhado na internet e estimulado o seu desenvolvimento e transformação, e a transformação é que o mantém e manterá vivo. Abracemos, pois, os novos, e guardemos a nostalgia onde ela merece estar: na gaveta.

Continua daqui por vinte anos.

We had the power
We had the space
We had a sense of time and place
We knew the words
We knew the score
We knew what we were fighting for
For the freedom
The time to choose
But time to think
Is time to lose
The signals clash
And disappear
The shade too loud
And the sound unclear

The Sisters of Mercy, "Adrenochrome"

we must suffer
to free our pain
can you help us
to find our way
you're here to stay
stay here in paradise
I'd end this moment
to be with you
through morphic oceans
I'd lay here with you
only to stay
stay here in paradise
only to stay son
lonely from this maelstrom
free are you
from this maelstrom
to be with you

Fields of the Nephilim, "At the Gates of Silent Memory"

Movimento gótico: Uma Perspectiva IV

Os anos 90 trouxeram um techno ainda mais agressivo e um novo tipo de música alternativa, o trance da XFM, que já não gostava das modas passadas.
E foi aqui que se separaram as águas. A maioria cresceu e juntou-se à grande mole humana de pseudo-ecléticos, que significa "ouço tudo porque não gosto de nada", uma minoria era de facto melómana e eclética (mas poucos, muito poucos), e tudo se diluiu. Tudo fechou.
Os anos 90 nasceram negros para o gótico. Não havia música nova e quando as bandas antigas que ainda não se tinham separado produziam alguma coisa estava muito abaixo das expectativas. A Juke Box tinha-se mudado para um subúrbio onde ninguém conseguia ir. Era o fim do gótico. Era mesmo o fim. Conformei-me. Como eu, muita gente.
Desde que sair à noite se tinha tornado moda, e por volta de 1995 já não era coisa de putas e intelectuais ricos mas de toda uma fauna humana de jovens acima da puberdade, dos liceus e das faculdades, o panorama de negócio fez florescer toda a avenida 24 de Julho com novos bares e discotecas, todos muito alternativos. O problema está mesmo na palavra "todos". De facto, todas as editoras, todos os artistas, todo o público, começou a intitular-se alternativo. Foi a grande moda do alternativo, como se alguma vez a alternativa pudesse ser maior do que a norma. Obviamente que não podia e era apenas alternativa de nome. As próprias lojas, dantes tão pouco interessadas em importar as novidades indie, agora tinham grandes autocolantes a dizer "alternativo". Alternativo para todos!
Desde o Cais do Sodré até Alcântara, onde se foram abrindo pequenos bares e grandes espaços dançantes como cogumelos, só se ouvia techno e grunge, grunge e techno. Um barzinho ou outro ainda ia fazendo noites temáticas dedicadas aos anos 80 mas ficava-se pelos grandes hits das bandas do costume, e assim que começava a entrar clientela mais comercial mudava logo a agulha para lhes agradar. Acabaram por não agradar a ninguém... e desapareceram. Por alguns anos, acredito mesmo que o movimento gótico deixou de existir.
E quando tudo parecia perdido, até o velho Bairro Alto, aconteceu o milagre! Docas ò Docas, bendito seja o ventre que vos pariu! Foram as Docas que salvaram o Bairro Alto, arrastando para lá a volúvel betalhada e a imitativa bimbaria. As ruas e travessas foram devolvidas à juventude estudantil que as tornou alternativas e isso é que importa. A César o que é de César, às Docas o que é das Docas.
Não acredito que a geração a seguir à minha tenha percebido a armadilha, criados como foram a ouvir Nirvana a Pearl Jam, tudo muito alternativo... para todos! Bandas como os Metallica lideravam os tops de vendas. É claro que a bolha tinha que rebentar por algum lado.
E rebentou.

Her perfume smells like
Burning leaves.
Everyday is Halloween.

Yeah you wanna go out
'cause it's raining and blowing.
You can't go out
'cause your roots are showing.

Dye 'em black.
Dye 'em black.

Black black black black No. 1


Type O Negative, "Black #1"

Se o movimento gótico inicial definhava e desaparecia, por outro lado, qual erva daninha no bom sentido, um metal novo começava a aparecer, de negro vestido, e carregadinho de letras sombrias sobre as noites da alma. Bandas como os Cradle of Filth aproveitaram o romantismo mórbido de um imagético extremo e protagonizaram uma ruptura definitiva com a violência acéfala de uns Iron Maiden ou uns Slayer dos anos 80. Do nevoeiro das bandas góticas parecia apenas ter subsistido uma nova moda, o gothic metal. Desde a paródia dos Type O Negative à projecção internacional dos Moonspell, o gothic metal, honra lhe seja feita, não teve complexos em ir beber directamente à fonte, do vampirismo de Bram Stocker à lúxuria decadente dos poetas malditos do século XIX, passando por um reviver do paganismo também tão ao gosto do ideal romântico. Fizeram-no bem e arrastaram multidões pelo mundo inteiro. Eu própria cheguei a frequentar as feiras alternativas da Margem Sul, salvo erro no bar Convívio (e se me engano é porque nos anos 80 já havia intensa actividade no género no velhinho bar Convívio de Cacilhas).
Os anos 90 viram assim nascer uma nova geração, em que os metaleiros se vestiam de preto, os jovens normais se vestiam à Kurt Cobain, e os betinhos... se vestiam à betinhos (e hão-de continuar a usar os mesmos penteados à tigela até ao fim dos tempos, palavra!). As pessoas da minha idade, na altura com vinte e tal anos, tinham "crescido" e só pensavam em constituir família, construir uma carreira... Muitos nunca mais sairam à noite. Os mais "dependentes", sei-o eu e aqui fica a inconfidência, andaram com as mesmas K7s no auto-rádio, com os mesmos Sisters, os mesmos Bauhaus, os mesmos Cure, durante uns 10 anos ou até a K7 estourar, sem se darem ao trabalho de conhecer música nova, como se a música tivesse acabado nos anos 80. Perderam-se.
[A esses deixo a boa novidade: existe música para além dos anos 80, boa música, aliás, e actualmente até muitos sítios onde a ouvir. Não há desculpa. Velhos são os trapos.]
Eu também me julgava perdida (e longe de casa e cheia de saudades) quando a meados dos anos 90, certa noite igual a qualquer outra, ia começar a subir a rua do Alecrim, direita a uma tasca qualquer do Bairro Alto cheia de baratas e onde por acaso se ouvia metal (não havia outra coisa), e vejo um grupo de jovens vestidos como se tivessem saído do século XIX... não, melhor!: de um filme do Drácula. Parei, estupefacta, e exclamei para quem me acompanhava: "Não sabia que ainda havia disto!"
O meu comentário, pejorativo para o ouvinte mais distraído, só prova como as aparências enganam. Durante aqueles anos eu e muitos outros tínhamos perdido o rasto à tribo, e naquele momento tudo o que eu queria era segui-los, segui-los, segui-los!!! E não descansei até descobrir para onde eles iam. Segunda lição: seguir sempre as pessoas de preto. Terceira lição: nunca dar o privilégio por garantido ("bars come and go; that's it, bars come and go").
Este milagre devo-o ao mal amado gothic metal. Aos meus olhos, a nova geração exagerava. Sim, porque os descobri num instante. Estavam cheios de peneiras e manias, acabados de sair dos cueiros, convencidos que Nine Inch Nails era demasiado "comercial" para se dançar. Se bem que, naquela altura, só se mexiam para dançar metal, porque não conheciam outra coisa. Até achavam que Fields of the Nephilim era aquela banda que imitava os Moonspell. Foi neste estado que fui encontrar a minha tribo, na mais profunda escuridão e ignorância, de cabeça enfiada no umbigo. Foi assim que os deixaram as editoras e as rádios e os jornais supostamente "alternativos" que deixaram de fazer o seu papel. Editoras iriam falir, rádios fechar, jornais excelentes transformar-se em revistas que não vale a pena comprar. Nunca deixei de compreender a alergia dessa geração ao "alternativo comercial", "alternativo" só de nome, mas sem experiência nem cultura musical para distinguir o trigo do joio.
Por essa altura eu já estava velha. Nos dias de hoje, em que vi mais essa geração ficar de cabelos brancos, e uma nova geração chegar, já sou uma avózinha. Mas agora as coisas mudaram. A prova disso é este espaço de espanto e pavor em que escrevo estas linhas de memória para novos e velhos, sem editoras, nem rádios, nem jornais pelo meio. Este sítio virtual onde se espalham ideias e se divulgam eventos, onde se fazem páginas de referência, mapas para que ninguém se perca quando mundo se atravessa à frente, para que ninguém tenha de se conformar e pensar que é o fim.
Foi na Rua da Fé, que nome mais providencial, que se reuniram os resistentes até ao fim do século.
E foi mesmo aí, precisamente aí, que voltei a casa.
Na Juke Box, ao sábado à noite, já não se ouviam apenas os clássicos da década anterior. Havia música nova, música que não se ouvia em rádio nenhuma: Therion, Marilyn Manson, Rammstein.

Asche zu Asche
und Staub zu Staub


Rammstein,  "Asche zu Asche"

Razão pela qual acabei por arrancar e enrolar a antena FM e nunca mais ouvi rádio excepto online. Vídeos de música, agora que a sociedade era muito mais rica, também não passavam (nem passam) nos quatro canais gratuitos. Há muito tempo que o Blitz ignorava as bandas góticas (mesmo as novas). Mais um sinal do fim de uma era. Adeus, passado, adeus!
Estava prestes a começar um mundo novo, à distância de um clique na internet, que no final dos anos 90 ainda era demasiado lenta e cara para que todos tivessem acesso. A verdadeira revolução ainda estava para vir.
Quando parecia que os góticos de Lisboa tinham uma casa, a Juke Box na Rua da Fé acabou a poucos dias do novo século. Houve lágrimas na despedida e não era para menos. Mal sabíamos todos, os mais novos e os mais velhos, que o novo milénio não trazia nada de bom para ninguém. Mas nessa altura, verdade seja dita, ninguém sabia.
Lembro-me de ter passado o ano 2000 a ver fogo de artifício em Belém e depois, como não havia mais nada onde ir, ter abancado num bar da 24 de Julho onde dava a Macarena. Mas a minha alma ouvia música diferente, muito diferente:


Everything dies

Type O Negative 

Movimento gótico: Uma Perspectiva III

Through the cables and the underground now
The faceless breathless calls
This is babel, sensurround now
This place is death with walls

Too much contact, no more feeling
The sound around them all
Acid on the floor so she walk on the ceiling
And the body electric flashes on the bathroom wall
And the body electric flashes on the bathroom wall
Crawling to the corners where the idiot children call
See the body flashing on the bathroom wall


Sisters Of Mercy, "Body Electric"


"Gótico, o que é isso?", perguntei eu, ofendida.
"É um movimento musical britânico, que começou em Leeds. Foi de lá que vieram os Sisters, os Nephilim, e outros. Os góticos vestem-se de preto e cabedal, pintam o cabelo de preto, usam óculos escuros, têm o cabelo à punk... Assim como a Siousxie. Tudo muito exagerado, muito negro", respondeu ele, e deve ter olhado para mim, com a minha saia de ganga dos anos 80 e a minha blusinha branca e pensado duas vezes se a sua intuição não se teria enganado. Assim descrita, a coisa e os seus seguidores pareciam-me uma palhaçada, mais uma maneira de dar nas vistas como tantas outras. Ainda hoje prefiro uma certa sobriedade e evito a extravagância. Uma questão de gosto pessoal, nada mais. Mas logo desde essa altura fiquei muito curiosa em relação aos tais góticos e à coincidência de eu gostar de uma série de bandas de que eles também gostavam. A música era demasiado escassa para nutrir preconceitos. Havia que esburacar onde cheirasse a minhoca. A partir daí, compilações góticas em K7 começaram a chegar à minha caixa de correio com uma frequência mais e mais certeira. E nessa altura aprendi uma grande lição que ainda partilho quando as pessoas me falam da suposta "inutilidade" dos rótulos:
Qual inutilidade? Os rótulos são úteis e poupam imenso tempo... e dinheiro! Dinheiro até pode haver para gastar em bandas que se ouvem uma vez, mas o tempo é escasso e a morte espreita. Há que despachar.
Não sei quando e como me comecei a vestir de preto também. Por um lado, sempre gostei de preto. Por outro, toda a gente se vestia de preto. Digamos que foi um processo em que a roupa velha foi sendo substituída, peça a peça, nos ciganos da Feira da Ladra, por essa massa de negrume que se tornou o meu guarda roupa. Quanto mais negro, mais olhava ao espelho e me descobria. Isto numa altura em que as pessoas nos chamavam bruxas por causa de uma saia comprida e de uma t-shirt! Como era fácil chocar a sociedade portuguesa dos anos 80! Não que eu quisesse chocar. Acho que, ao contrário dos punks, nenhum de nós queria chocar ninguém. Só queríamos que nos deixassem em paz na nossa infelicidade adolescente. Não estávamos ali para mudar o mundo. Já sabíamos que não nos deixariam mexer uma palha no sistema corrompido. Enquanto se esperava pela morte, só desejávamos inebriar-nos "na cor poente de um céu inflamado" (Mão Morta).

Oub'lá que tás a fazer?
Quero é que te vás foder!
Qual é a tua identidade?
Perdi aí pla cidade!


Mão Morta, "Oub'lá"


A 2 de Junho de 1989, poucos minutos depois de Adolfo Luxúria Canibal ter dado uma facada na perna durante o concerto, estava eu a entrar no Rock Rendez Vous e a ver o sangue e a pensar que fazia parte dos adereços e a aplaudir em êxtase. Não, não me lembro da data. Naquela altura estava lá em estado de me lembrar de pormenores! Estou a guiar-me por uma biografia dos Mão Morta que me deram recentemente, em que Adolfo é citado ao Académico, em 1993, sobre essa mesma noite: "O ambiente na sala estava pesadíssimo, havia necessidade de aplacar um bocado as coisas e eu pensei que o sangue poderia acalmá-los... o sangue assusta. Afinal o sangue acabou por ser demais, e aí é que eu vi que tinha feito asneira".
O ambiente era pesado? Pensando bem, sim, pois era. Mas era tão pesado e opaco e a tensão cortava-se tanto às fatias que se nem dava por isso. O que estávamos a fazer era mesmo assim, pioneiro e perigoso, a desbravar na noite caminhos novos. Não havia enlatados de abertura fácil. Tudo era novo. Tudo era emoção. Tudo era loucura e excesso.
Se me perguntarem hoje onde era o Rock Rendez Vous, lamento não vos poder guiar até lá mas juro que não faço a mínima ideia. O palco onde tantas vezes vi Mão Morta e Pop Dell'Arte e Mler If Dada era longe e fora do mundo, como Avalon, tão fantasmagórico que não me admiro de já não existir como se nunca tivesse passado de um sonho. Era um espaço de alma onde se ia para nos perdermos e para nos voltarmos a encontrar (como disse Andrew Eldritch, dos Sisters of Mercy, do espaço de luz, fumo e som entre a banda e o palco onde a plateia desses remotos primeiros anos teve o privilégio de dar mais noite à noite). Era tudo novidade, era tudo a primeira vez, a primeira pedra, o primeiro passo. Sentíamos que estávamos a fazer algo original, que não obedecia à cultura que nos tentavam insistentemente enfiar pela garganta abaixo, que éramos uma imensa minoria que pela primeira vez saía do buraco taciturno e se cruzava, e se reconhecia, e se reflectia.
Mas hoje ainda vos poderia levar à Tertúlia, onde havia a Jukebox do meu tempo na rua do Diário de Notícias, e dizer: "foi aqui"! Espaço onde se fumava haxixe e se observava, com curiosidade tão ingénua quanto científica, como a heroína ceifava os primeiros toxicodependentes de Portugal, os pioneiros, como nós, e uns quantos jovens "vencidos da vida" ouviam Bauhaus e Joy Division e ensaiavam passos de dança pequenos e curtos, para trás e para a frente, movimento de meninas a que um amigo dessa altura chamava "moscas". Que sabia ele? Nada. Faltava muito para se separarem as águas. Andava tudo misturado. Os vangs, os pseudo intelectuais, os drogados, os artistas, os falhados do futuro. Só tínhamos uma coisa em comum: não éramos com os demais; éramos de facto diferentes.
Mas nem tudo foram rosas. Naquela altura o revivalismo era feito do punk. Ai de quem não gostasse de punk! Eu nunca gostei de punk, muito menos de rockabilly, mas levei dele tão maciças injecções que fiquei alérgica para o resto da vida. Pregavam comigo num bar existente num prédio da 24 de Julho que penso já ter sido demolido, junto ao actual IADE a que nós chamávamos apenas "a gaiola", isto muito antes de a 24 de Julho estar na moda, o bar Oceano, cheio de skinheads e rockabillies (que, tal como os actuais metaleiros, também não se vestiam de preto) e ali levava com actuações de bandas punk que até doíam aos ossos.
Por outro lado, amigos normais arrastavam-me para discotecas da moda, onde se abria a pista de dança a uma certa hora como se houvesse hora para tudo, e levava com techno pop e Prince e INXS e os "Contentores" dos Xutos & Pontapés a noite toda. (Mesmo assim, menos doloroso que o punk.)
Estava também na moda abrir bares começados por "K". A certa altura terminava-se a noite no Kremlin, onde ainda se ouvia Cure. A vanguarda estava mesmo na crista da onda. Quase a chegar aos anos 90, ninguém podia prever o perigo que corria a música alternativa em geral quando toda a gente se apercebeu de que o que estava a dar era o Bairro Alto e ser vanguardista. E nesse momento chegou tudo: os bimbos, os normais, os betos.
Juro que até as putas da rua da Atalaia se puseram na alheta quando chegaram os betos! Pudera, com a quantidade de putas que de repente invadiu as ruas à caça de marido rido, a competição era desleal! Os velhinhos da aguardente e do futebol do Estádio acabaram por desaparecer também. Os preços das bebidas subiram exponencialmente. Em princípios dos anos 90, o Incógnito tornava-se um sítio fino com preços a condizer. O Kremlin começou a passar música de martelos, uma infecção chamada techno de que descendeu mais tarde o trance. E também o Sudoeste, antes bar de música de vanguarda e hoje coisa nenhuma. A Jukebox fechou e tornou-se num bar de betalhada e gajos de camisa às riscas e camisola às costas. Chegou também a xungaria, que abandonou as tardes de matinés e apareceu atrás das "gaijas". Agora, graças a nós, já era "bem" sair à noite. Os papás já deixavam. E assim, durou pouco, muito pouco, a descoberta selvagem antes da decadência turística.
Em menos de dois ou três anos, mataram o Bairro Alto vadio. Por essa altura eu já não perdia tempo a desdenhar rótulos e frequentava um bar do Estoril chamado KGB que não existiu durante muito tempo mas enquanto durou só passava música gótica. Cumprindo a profecia, sempre me tornei fan incondicional de Fields of the Nephilim. Foi no KGB que passei algumas das melhores noites a ouvi-los, e aos outros nomes do gótico do anos 80 que actualmente são clássicos mas naquele tempo eram o que acabava de sair da editora.
Conseguem imaginar? Uma máquina de fumo, figuras negras a dançar ou apenas sentadas por ali, sozinhos ou a conversar, nos rostos o mesmo desespero e melancolia adolescente que antes não saía dos quartos escuros mas ali se podia demonstrar sem medo dos olhares porque ninguém olhava, e por trás a voz poderosa de Carl McCoy:

you're tempting me to all of life
and all it's pleasure
take me to the dream
to the highs and the depths of my soul
here we free thoughts inside
giving up for giving time
but a world without end
where no soul can descend
there will be no sumertime
how lost life's been
afraid of waking up
so afraid to take the dream
shapes of angels the night casts
lie dead but dreaming
in my past
and they're here
they want to meet you
they want to play with you
so take the dream
can't break free and I hear them call
they want to plague you
they're here once more
they want to lay with you
they want to take you
to the shame of your past
take the dream
take me lead me far away
take me there I'll fade away
but I can't hide and I cannot die
I take the dream
we're but fools of our fate
on this earth I shall wait
by the roots of my soul
I am loosing control
take the dream
the sleepers in you
shapes of angels so deep within you
feel your soul drowning
unloosen your soul
drowning in waters of reality
tell me what is reality
tell me tell me thought of god
do dreams fall from god
tell me what dreams may come
break free thoughts all gone
we've all come down
take me there you're my ticket out of here
all come down
take me out of here
take me there


Fields Of The Nephilim, "Sumerland (What Dreams May Come)"

Às vezes também penso que foi um sonho.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

A Sara já foi operada!

A Sara já foi operada!

Os velhos pobres

Tenho-me vindo a aperceber que cada vez menos gente escreve sobre a situação do país. A ausência de opinião levaria um observador abstraído, por exemplo, um estrangeiro, a imaginar que nos últimos dois, três anos, os bloggers se têm calado porque as coisas entretanto melhoraram. Não é assim. Pelo contrário, já chegámos ao ponto em que toda a gente com um bocadinho de inteligência já disse tudo o que havia para dizer e até já desistiu de voltar a explicar o óbvio.
Resta-nos, portanto, comentar as notícias que vão surgindo a público. Saliento o "a público" porque muitas destas notícias não são notícias para quem as recebe e algumas vão chegando com 10 anos de atraso, mas dos nossos jornais e televisões não se espera mais do que aquilo que os donos os deixam dizer.

Notícia impressionante foi aquela de que se chegou à brilhante conclusão de que 35% dos pobres têm emprego, isto é, que 35% das pessoas que trabalham são pobres. Chamam-lhes até "os novos pobres".
Se há novidade, é os pobres que trabalham serem tão poucos. Eu ainda sou do tempo em que toda a gente que trabalhava era pobre. Do merceeiro ao polícia, do professor ao empregado dos correios. Os únicos que se safavam bem eram os médicos e mesmo assim eram pagos em galinhas e chouriças. Se houve alguma diferença, entre esses tempos que eram os anos 70 e a euforia dos anos 80, em que as pessoas acharam que se trabalhassem tinham dinheiro para comprar casa e carro e gasolina e roupa e comida e férias, foi a mais pura ilusão. Não são novos pobres. São pobres que tiveram a esperança de o deixar de o ser. E não são 35 por cento com toda a certeza, mas mais provavelmente o dobro. Somando os "pobres de longa duração", isto é, aqueles que viram passar os anos 80 e ficaram na mesma porque a família era demasiado pobre para que a banca lhes concedesse um empréstimo (sem fiador nada feito), vamos em que percentagem exactamente? Tenho a impressão de que só saberemos os números daqui por mais dez anos. Assim um pouco a mesma coisa que acontece quando vemos o documentário do António Barreto sobre Portugal, no século XXI, e sabemos pela primeira vez quanta gente realmente passava fome nos anos 60. Do merceeiro ao polícia, do professor ao empregado dos correios. Os únicos que se safavam bem eram os médicos e mesmo assim eram pagos em galinhas e chouriças.
Vira o disco e toca o mesmo. Nada disto vem nos jornais nem nas televisões.

Eu numa lista

Há algum tempo li num blog uma lista chamada "Os livros que me fizeram a cabeça" e fiquei cheia de inveja. Fiquei cheia de inveja porque o autor conseguiu fazer a lista (e já agora, era uma lista impressionante). Comecei a ensaiar fazer uma lista para mim e esbarrei num obstáculo tão inesperado como frustrante: mesmo que quisesse, não me lembraria (e em alguns casos não admitiria de livre vontade).
Mesmo assim, decidi fazê-la por duas razões. Primeiro, para me não me esquecer do que não me esqueci. Segundo, porque algumas pessoas me têm feito perguntas sobre as minhas referências. Ora aqui estão elas.
Por uma questão de método, decidi fazer a lista não ordem alfabética mas, mais difícil ainda, pela cronologia aproximada em que entrei em contacto com a fonte. No caso dos livros, deixei de fora tudo aquilo que não li pessoalmente. No caso dos filmes, às vezes importa mais um nome ou um estilo do que um título em especial. No caso da música, então, tornou-se tão complicado listar tudo que o título só aparece se for único.
Logo, esta lista é não apenas incompleta mas também injusta. Incompleta porque Platão e George Orwell, só para dar dois exemplos, não estão contemplados, o que não quer dizer que os seus pensamentos não me sejam familiares. E no caso em que um livro se tornou um filme decidi citar o que me fez mais impressão, se não ambos.
Esta lista estará em permanente actualização. Espero que seja útil.


Livros e autores que me marcaram

Hans Christian Andersen
Selecções Reader's Digest "Grande Livro do Maravilhoso e do Fantástico"
A Bíblia
Aventuras de "Astérix", BD
Florbela Espanca, sonetos
Bram Stoker, "Dracula"
Léon Bloy, "A Mulher Pobre"
Mary Shelley "Frankenstein"
Boris Vian
Franz Kafka
Colecção série B, editora Estampa
Edgar Allan Poe, contos
Marion Zimmer Bradley "As Brumas de Avalon"
Allan Kardec, "O Livro dos Espíritos"
Anne Rice, Vampire Chronicles
J. R. R. Tolkien, "O Senhor dos Anéis"
H. P. Lovecraft, contos


O jornal
Blitz (Saía às 3ªs feiras e era o nosso único contacto, em português, com a imprensa alternativa.)


Filmes que foram fazendo mossa

A Noite dos Mortos Vivos
The Haunting
O Exorcista
Aliens
David Lynch (realizador)
todos os filmes de terror dos Hammer Studios e filmes de terror e ficção científica série B dos anos 50, 60 e 70, como "Godzilla" ou "A mosca"
Lost Boys
David Carpenter (realizador)
The Doll Maker
Uma Paixão no Deserto
A Lista de Schindler
A vida é bela
Entrevista com o Vampiro (filme)
Queen of the Damned (filme)
Os Outros


Séries que de facto me fizeram pensar

Twin Peaks
The X-Files
Lost


Música (caso não especificado, entenda-se "tudo ou quase")

anos 60
The Doors (por motivo de ter nascido depois da morte de Jim Morrison, só conheci nos anos 80)

anos 70
Não havia música nos anos 70.

anos 80
All About Eve
Bauhaus
B52's, "Bouncing of the Satelites"
Christian Death
Dead Can Dance
Depeche Mode
Echo & the Bunnymen
Fields of the Nephilim
Golden Palominos
Joy Division
Le Mystère des Voix Bulgaires
Mão Morta
Miranda Sex Garden, "Fairytales of Slavery"
Nick Cave & the Bad Seeds
Paradise Lost, "One Second"
Peter Murphy
PJ Harvey
Red Lorry Yellow Lorry
Rubicon
Sinéad O'Connor, "The Lion and the Cobra"
Siouxsie & The Banshees
The Cult / Death Cult
The Mission
The Sisters of Mercy
The Smiths
Violent Femmes
U2, "The Joshua Tree"

anos 90 
Alice in Chains
Marilyn Manson
Moonspell
Nephilim
Nirvana
Offspring
Rammstein
Soundgarden
The Creatures
Throwing Muses, "Limbo"

2000
Adrian Alexis
?

A conclusão é que não se resume uma vida numa lista mas se um dia me esquecer de quem sou é por aqui que devo procurar. :)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

É urgente ajudar a Sara!

Da página da SOS Animal

"Olá! Eu sou a Sara!

Sei que não sou muito bonita quando olham pela primeira vez para mim. Mas nem sempre fui assim. Antigamente, era muito bonita, via muito bem, e até tinha uma familia que gostava muito de mim, ou pelo menos achava que sim, até ter ficado com este problema... Quando fiz 2 anos, o meu presente de aniversário foi descobrir que esta minha família me queria adormecer. Sabem, é que tive um problema muito grave nos olhos que me deixou cega. Já fui vista por um especialista que confirmou o pior... Nunca mais vou conseguir ver. Agora, preciso de fazer uma operação urgentemente para que possa retirar os olhos, pois no estado que estou tenho muitas dores. Felizmente fui resgatada por um anjo que me salvou e que está a fazer tudo para que consiga ficar boa e sem dores..."


Esta é a história da Sara. Para que possamos ajudar a Sara, precisamos de angariar o valor necessário para fazer esta operação. Como tal, precisamos da sua ajuda!

Custo desta Operação, com medicamentos e recobro: € 550,00

"Estou a contar com a vossa ajuda... Juntos, acredito que vamos conseguir."
Informação na página da SOS Animal.
Pora não chocar pessoas mais sensíveis não coloquei as fotos que são de facto impressionantes. É urgente ajudar este bichinho. Se 100 pessoas derem 5 euros, apenas 5 euros, são 500 euros. Não custa nada dar 5 euros.

NADA COMO VER AS FOTOGRAFIAS PARA PERCEBER DO QUE SE TRATA
Para saber como ajudar, clicar no link acima.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Florbela Espanca

IX

Perdi os meu fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
— Tantos escolhos! Quem podia vê-los?
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...


Florbela Espanca, excerto de "É um não querer mais que bem querer"

Certos autores são recorrentes não importa o tempo que passa. Almas gémeas?

domingo, 6 de julho de 2008

Metropolis Club

Inaugurado a 7 de Junho, O Metropolis Club não é apenas grande novidade da noite alternativa lisboeta mas também o primeiro local de copos e dança realmente novo que aparece na capital desde há mais de 20 anos, o que em si próprio é histórico! Logo, a expectativa é grande e o projecto ambicioso.
Conforme anunciado no flyer da inauguração, o espaço destina-se a passar música tão diferente como "rock, electro, industrial, goth, electrorock, postpunk, minimal, new wave, indie, ebm, batcave, psytrance, noise, synthpop, power elektronics, deathrock, harsh, tek-house, cyberpunk, etc". Resta saber se há viabilidade económica para esta alternativa, e pela minha parte só posso fazer votos para que haja.
Situado nas Picoas, Centro Comercial Imaviz, em frente ao Fórum Picoas, onde era o antigo bar dos anos 80, Whispers, o espaço é na cave mas bastante grande e arejado. E como já era uma discoteca, tem mesmo tudo: dos lugares ao balcão aos lugares sentados, da pista de dança ao bengaleiro. Não falta nada. A iluminação, ao contrário do que se dirá de bares normais, é suficientemente escura e inexistente, logo, cinco estrelas! Apesar do som estar no volume dançável, o espaço também permite conversa entre um grupo de amigos (mas não muito).
Pela experiência anterior da Juke Box na Rua da Fé e das Graveyard Sessions no Santiago Alquimista e na Caixa Económica Operária, fazer um bar gótico fora das rotas normais da vida nocturna tem mais vantagens do que desvantagens. Certo que o Bairro Alto não está ali ao lado, mas também não está a fauna heterogénea que o frequenta. Quem vai sabe para o que vai, e quem não gosta de misturas apreciará grandemente este "pequeno" pormenor e não precisará de mais divagações sobre o tema.
O ponto mais forte deste novo lugar é que está aberto desde as 23h às 6h, e não tem vizinhos chatos a chamar a polícia (esperemos). É, por tudo isto, um lugar a conhecer e a visitar.


Metropolis Club
Centro Comercial Imaviz (lojas 53/54)
Av. Fontes Pereira de Melo, frente ao Fórum Picoas, Lisboa

Eventos serão divulgados, como já é habitual, no Pórtico.

sábado, 5 de julho de 2008

Salazar segundo Kaos


Salazar segundo KAOS

Até dava um gótico jeitoso. Olha se a moda pega...

Um livro: "A Morte de Portugal", por Miguel Real

Este livro foi-me dado a conhecer por Metatheorique, colaborador nas Vicentinas de Braganza (agora The Braganza Mothers) que dele publicou alguns excertos muito interessantes.
Publicado por Campo das Letras (2007), é segundo o autor um "ensaiozinho despretensioso e reflexivo de horas nocturnas" que "intenta demonstrar que a constelação cultural e civilizacional por que emergiu a realidade histórica designada por "Portugal", enquadrada em quatro complexos culturais abaixo enunciados, atingiu o seu limite de esgotamento - menos por efeito de um decadentismo político (temos vivido em permanente decadência desde D. João III) e mais por causa de um fenómeno de aceleradíssima descristianização e desumanização ética da sociedade e de uma rapidíssima submersão social numa tecnocracia científica anónima que nivela as nações, metamaorfoseando-as em regiões singulares de uma futura supranacionalidade europeia, comandada por títeres janotas que transfiguram a nobre arte da política numa cinzenta cadeia técnica de raciocínios causais - e está a chegar ao fim".

Não se trata portanto do fim de Portugal como país independente (anexado ou invadido) mas de algo muito mais grave, a morte da realidade cultural que sustenta essa independência e sem a qual essa mesma independência deixa de fazer sentido.
Os diagnósticos já estão todos feitos mas este não deixa de merecer destaque e leitura global uma vez que, em meia dúzia de linhas, explica toda a estrutura mental colectiva da nação desde a sua fundação. Sintetizando, nas palavras do autor:

«Assim, na linha de Eduardo Lourenço, este ensaiozinho diligencia desenhar os quatro complexos culturais por que Portugal se foi concebendo a si próprio ao longo de 800 anos de História: ora, segundo a tradição literária Renascentista, um país gerado exemplarmente no mais remoto dos tempos e contra as mais difíceis circunstâncias (Viriato); ora um país que, nos e após os Descobrimentos, se vê a si próprio como nação superior às demais, sintetizada na majestática arquitectónica do Quinto Império do padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva e na patética [tocante, mas idolátrica] pretensão de Fátima a "altar do mundo"; ora um país que, fracassado o sonho grandiloquente do Império, se lastima e se penitencia, considerando--se nação inferior, passível de máxima humilhação (Marquês de Pombal); ora, finalmente, país mesquinho, venenoso e bárbaro, permanentemente ansioso de purificação ortodoxa (Tribunal do Santo Ofício; Index inquisitorial; Intendência pombalina; Real Mesa Censória; guerra civil entre liberais e absolutistas; carbonários e republicanos jacobinos perseguindo e chacinando instituições eclesiásticas; polícia política e tribunais plenários do Estado Novo, santificados pela Igreja Católica, perseguindo, prendendo e exilando a totalidade da oposição, levando a cabo uma guerra de 13 anos nas colónias), no qual cada corrente política e intelectual tem sobrevivido da canibalização das correntes adversárias, negando-as e humilhando-as.»

Ou ainda:

«Por efeito do ambiente educacional e social, cada português percorre na sua vida, recorrente e ciclicamente, estas quatro figurações da história e cultura pátrias: ora se sente diminuído face à riqueza económica, ao grau cultural, ao nível científico e ao patamar cívico dos povos europeus do Norte, mas logo transforma a fraqueza em força e se afirma viriatinamente como eivado de uma pureza e humildade vitoriosas relativamente ao luxo decadentista europeu e americano e como penhor de valores tradicionais humanistas e íntegros que os países mais avançados, existencialmente desorientados, já perderam (complexo viriatino); ora sobreleva a insignificância real de ser português (povo que em nada conta no mundo), levantando teorias específicas de grandiosidade montanhosa (o Quinto Império de Vieira e Pessoa, o saudosismo de Teixeira de Pascoais; o "génio da raça" de António Sardinha e Oliveira Salazar; a Idade do Espírito Santo de Agostinho da Silva; cultura guardiã do legado celto-mediterânico da Deusa-Mãe, de Natália Correia e Dalila Pereira da Costa; o Evangelho Português de Manuel J. Gandra), postulando-se como nação superior às demais, facto desmentido no presente, mas provado no passado e anunciado providencialmente pela narrativa do seu futuro (complexo vieiríno); ora, caindo em si, ressaltando comparações com outros povos europeus, humilha-se, penitencia-se, desagradado de Deus ou de injustas leis históricas, consciencializando-se como nação inferior, bárbara, rústica, arcaica, como desde o século XVIII nos temos representado a nós próprios (complexo pombalino); ora, finalmente, se sente afã de uma pulsão desmedida, um vigor absolutista de reconversão do outro, apostrofando as ideias deste, condenando-as como heréticas, heterodoxas, abjectas, sugando--o canibalisticamente para as ideias próprias, em última análise eliminando-o, como o fizeram o Tribunal do Santo Ofício, o frenesi devorador pombalino, a Intendência-Geral de Pina Manique, os jacobinos da I República, o Estado Novo de Oliveira Salazar e a Igreja Católica de Gonçalves Cerejeira a republicanos, socialistas, anarquistas, esperantistas, evangelistas, homossexuais e comunistas na II República (complexo canibalista).

O Portugal desenhado pelos quatro complexos acima enunciados encontra-se moribundo, submerso pela avalanche de costumes liberais europeus e americanos, totalmente descristianizados e desumanizados.»

E cá está o que andamos a falar, aqui e ali, há muito tempo:

«Desde a década de 1990, o aparelho de Estado, privilegiando exclusivamente um sector da sociedade - a economia -, desprezando fundo os valores morais e espirituais próprios da cultura portuguesa, tem gerado na mente dos portugueses uma representação parcial de si próprios, que, incapaz de se elevar à unidade de uma ideologia estruturada e consolidada, se caracteriza pela passividade cívica, compensada por uma hipervalorização do individualismo, assente na fórmula amoral do "salve-se quem puder".»

«Portugal precisa menos de um choque tecnológico (experimentado pelo pombalismo, pelo fontismo e pelo cavaquismo, cujas consequências em nada mudaram o nosso ser, limitando-se a uma mera actualização de instrumentos técnicos ao serviço da sociedade civil e do aparelho de Estado) e mais de um choque cultural, elevando cada cidadão a um exigente patamar de conhecimento humanista e cívico que, por arrasto, geraria inevitavelmente o desejado choque tecnológico. Primeiro, a cultura, o espírito, o sentido da transcendência; depois, por inevitável arrasto de exigência cívica, o progresso tecnológico. A brutal inversão destes valores pelos actuais governantes evidencia tanto a sua pobreza de espírito quanto o projecto pombalino desumanamente tecnocrático em que se encontra empenhado.»

Muito interessante também, e digna de reflexão, é a análise que o autor faz da relação de conflito entre o intelectual português e o Estado, que o rejeita, não permitindo à intelectualidade do seu tempo fornecer o contributo devido para o seu progresso, demonstrando uma secular alergia às ideias:

«A relação intemporal entre o intelectual português e as instituições socialmente dominantes podem resumir-se em três momentos paradigmáticos: 1) uma fase de aproximação, de empenhamento e de voluntária adequação ou de tentativa de transformação do destino geral de Portugal; 2) por motivos circunstanciais, que muito diferem de autor para autor, vinculando-o ao seu tempo, o intelectual português sofre, em certo momento, um profundo desencantamento com o estado conjuntural do país, cuja consciencialização o força ou a desistir de transformar Portugal, interiorizando-se ou exilando--se no estrangeiro, abandonando o seu antigo empenhamento, concentrando-se na sua obra estética ou filosófica individual; ou a reiterar o seu compromisso de transformar Portugal, criando uma obra alternativa à visão social e política dominante; 3) no final da vida ou após a morte, a obra do intelectual português é recuperada pelas instituições dominantes do Estado, da Universidade ou da Igreja, que a estatui como um dos mais salientes vectores da cultura portuguesa, passando então a ser tão santificada pelas novas gerações escolares quanto antes fora abominada e desprezada pelas anteriores.»

«De qualquer que seja a forma, quaisquer que sejam as circunstâncias individuais, o exílio torna-se o seu destino pessoal, sofrendo duplamente a amargura de uma pátria a seus olhos torta e incorrigível (como os intelectuais da primeira vertente) e a amargura da ausência desta, duplo húmus donde frutificará a sua obra posterior, cruzando e unindo o lirismo melancólico motivado pela ausência da pátria ao revolucionarismo cultural das suas ideias de endireitamento da história de Portugal. Ao exílio (externo) acresce, não raro, um exílio interior, psicológico, elevando as múltiplas carências económicas sofridas e a consciência da insatisfação pessoal à figura de um calvário resignado como resgate do estado decadentista de Portugal.
O exílio externo (na Europa ou peregrinando nos longes do Império) tem sido, desde o século XVI, a marca mais pertinente do intelectual português. Uns, não deixando de se preocupar com Portugal, desinteressam-se do destino político deste, buscando no estrangeiro ou na solidão do Império a realização da sua obra numa atmosfera social mais propiciatória: Garcia da Horta, Francisco Sanches, Camões, o padre jesuíta Inácio Monteiro e Manuel Teixeira-Gomes, mas também Damião de Góis, Adolfo Casais Monteiro, Manuel Valadares, Fidelino de Figueiredo, Manuel Rodrigues Lapa, Fernando Gil, bem como inúmeros pintores portugueses do século XX exilados em Paris e Londres (Vieira da Silva, Paula Rego, Lourdes de Castro, Costa Pinheiro, René Bertholo, Jorge Martins...).
Outros, representados pelos casos modelares de Cavaleiro de Oliveira, Bocage, Eça de Queirós, Jorge de Sena, José-Augus-to França e Eduardo Lourenço, intentam, segundo o seu múnus estético, descrever com realismo o "reino cadaveroso" e a "vil e apagada tristeza" dominante em Portugal. Constitui este grupo o exemplo do mais impiedoso intelectual português, cuja obra analisa, ao bisturi do realismo da sua época, o conjunto de malformações políticas e culturais que concorrera para enfermar Portugal de um secular atraso relativamente aos países da Europa Central. Entre todos, a obra de Eça de Queirós, no campo da ficção, e a de Eduardo Lourenço, no campo do ensaio, constituem-se como as duas obras mais relevantes desta vertente do paradigma do intelectual português.»

Para pensar mais um bocadinho:

«Ao longo de 400 anos, de D. João III a Oliveira Salazar, Portugal criou uma forma mental e uma visão do mundo que se alimentam exclusivamente da negativização do pensamento oposto, da doutrina contrária, da teoria diferente, nulificando igualmente os seus autores - conceito combatido, autor preso, exilado ou morto, livro queimado ou proibido. O pensador portador da diferença era encarado como inimigo a abater ou a esmagar e o povo - eterno rústico aldeão, alimentado pelas malhas da crendice e da superstição - como massa amorfa ignorante a iluminar e converter. A história da cultura portuguesa moderna e contemporânea solidificou-se, ao longo de cerca de 400 anos por via de uma série de sucessivas negatividades que não têm par no movimento cultural dos restantes países europeus, porventura com excepção da Espanha. Assim, mais do que filosófica ou reflexiva, a cultura portuguesa tem sido eminentemente ideológica, isto é, enformada ou envolvida por um sentido de Estado que lhe guia a orientação político-social, ora entronizando no poder uma(s) doutrina(s), ora excomungando a(s) doutrina(s) contrárias. De D. João III a Salazar, passando por Marquês de Pombal, Mouzinho da Silveira e Afonso Costa, as teorias têm sido entronizadas "verdadeiras" pelo poder e força do Estado, e as suas contrárias condenadas às grilhetas da repressão.»

«Contaminado de ideologia, o pensamento português deve a sua existência à configuração político-cultural donde emerge, morrendo com ele. É uma autêntica tragédia - o pouco que escrevemos sobre o Ser, sobre o Bem, sobre o Belo, sobre Deus, logo o contagiámos desse máximo defeito de o postularmos como veículo triunfal do Estado, carro auriflamejante por onde todas as gerações portuguesas têm atravessado o Rubicão da nossa redenção; mas a teoria passa, a configuração cultural passa, o Estado, assim iluminado, passa, os actores da história passam e, no fim, outra geração olha para trás e o que os seus pais tinham entrevisto como o Rubicão sabe-lhe apenas a um longínquo Eufrates nunca atravessado em direcção à Terra Prometida. De novo, novas teorias exclusivistas apontam o caminho, penitenciam-se outra vez os 40 anos do Deserto, um Moisés português adeja as suas barbas sorridentes afogando em outro Mar Vermelho os novos egípcios, num outro Monte Sinai são descobertas outras tábuas da verdade e todos de novo sentem que é a hora, é agora, agora sim, agora é mesmo a aurora do futuro, enchem-se prisões de inimigos, apostasiam-se os foragidos, excomungam-se outras doutrinas e, no fim, olhos salgados de lágrimas, instalados no futuro ideal, constata-se que, perdido o presente, outro é o futuro real, feito do sangue dos perseguidos, que ora reclamam vingança. Assim, se quiséssemos definir o tempo moderno e contemporâneo da cultura portuguesa entre 1580 - data da perda da independência - e 1980 - data do acordo de pré-adesão à Comunidade Económica Europeia -, passando simbolicamente pelo ano de 1890 - data do Ultimatum britânico a Portugal -, atravessando 400 anos de história pátria, defini-lo-íamos como o tempo do canibalismo, o tempo da culturofagia, o tempo em que os portugueses se foram pesadamente devorando uns aos outros, cada nova doutrina emergente destruindo e esmagando a(s) anterior(es), estatuídas estas como inimigas de vida e de morte, alvos a abater, e as suas obras como negras peçonhas a fazer desaparecer.»

Por fim, segundo o autor, há razão para optimismo pela Europa:

«Porém, por via da Europa - honra lhe seja feita -, e não por gradual esforço nosso, não são apenas dois ou três pensadores portugueses a exigirem o império da tolerância, mas as próprias instituições sociais, e antes de mais o Estado e a Igreja Católica, os dois aparelhos políticos a quem mais devemos a nossa histórica forma mentis intolerante.
Esgotado de tanto absoluto histórico, a cultura portuguesa, passada a sua fase de canibalismo redentor, reinará no século XXI como goradamente Antero de Quental desejava que reinasse no século XX - sob império da Justiça e da Liberdade tendo como horizonte final o Bem ético, que, entre as suas virtudes, conta a tolerância como uma das principais.
De 1890, data do Ultimatum inglês, a 1980, data da assinatura do pré-acordo de adesão à Comunidade Europeia (então Comunidade Económica Europeia), Portugal habitou o fundo dos fundos da Europa. Face à comunidade internacional, era indisfarçável o retrato de Portugal como país apenas existente no mapa, onde, mau grado todos os triunfalismos internos historicamente dominantes, da Monarquia Constitucional ao fim da I República, passando pelo fascínio imperial do Estado Novo e desembocando no sonho comunista de 1975, conviviam majestaticamente a ignorância cultural, o atraso científico e a miséria económica, dados estatisticamente comprováveis. Em 1974, a taxa de analfabetismo rondava os 45 a 50 %, o que significava que, 48 anos depois de um discurso político glorificante dos passados feitos pátrios, cerca de metade da população portuguesa mal sabia ler, escrever e contar. Hoje, apenas os portugueses com menos de 30 anos conhecem, na ainda breve totalidade da sua vida, uma existência sem repressão política e sem guerra, não sendo assim motivo de espanto que esta nova geração, já plenamente europeia nos costumes, tanto positivos quanto negativos, assuma conscientemente a face de um novo Portugal urbano e cosmopolita, eticamente relativista, em total ruptura com o antigo Portugal, eminentemente rural e religioso, eticamente absolutista. Devido a determinante influência europeia, da publicidade ao design, da literatura à ciência, do cinema às artes do espectáculo, do jornalismo à pintura, os modelos sociais simbólicos prevalecentes nesta nova geração já não se encontram nem nas "imorredouras" figuras históricas portuguesas de "antanho", contaminadas pelo patrioteirismo provinciano da propaganda política, nem nas figuras da "resistência" política e sindical ao Estado Novo, rompendo-se o vínculo social de continuidade cultural entre gerações. Com esta nova geração urbana e europeia, em tudo similar às gerações dos países da Europa Central, prepara-se Portugal para enfrentar o século XXI, libertando-se definitivamente de um passado económico, político e cultural que há meio milénio, com breves excepções, a mais forte das quais entre 1415 e 1539, sempre lhe atrofiou as suas virtualidades.»

Não posso deixar de aconselhar a leitura integral deste ensaio a toda a gente que queira perceber as razões do declínio de Portugal e o seu iminente desaparecimento, bem como reflectir desapaixonadamente se esse fim, e essa diluição na Europa, tendo em conta o absoluto fracasso da experiência nacional desde a perda da independência em 1580, não será afinal mais benéfico do que eternamente continuar a carpir o morto sem o enterrar.
Mais grave ainda, se em virtude desse mesmo tremendo fracasso, não chegará o momento em que o morto tem de ser enterrado, mais ou menos carpido, sem que os seus nacionais, por incapacidade de inverterem a situação, tenham voto útil nessa decisão.
É minha opinião que será a segunda das hipóteses, não por falta de patriotismo da minha parte mas pela simples observação objectiva dos factos e constatação pessoal de que a situação é insustentável e irremediável. O futuro dirá o resto.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Ice Age (2002) e Ice Age II The Meltdown (2006)



Devo confessar que o me mais me atraiu nestes filmezinhos leves e simpáticos foi o mórbido facto de que todos os protagonistas estão mortos há milhares de anos. Extintos. Excepto o esquilo, o psicótico, obcecado, desenho animado imortal, invencível, invulnerável como o famoso Bip-Bip (Road Runner), o Esquilo da Avelã. Aqueles olhinhos tresloucados, que só vêem a avelã (ou bolota, conforme as interpretações). Verdade verdade é que o esquilo, com a sua obsessão em guardar bolota, foi o único animal que sobreviveu até aos dias de hoje.
O existencialista mamute, a oportunista preguiça gigante, o poderosos tigre dente de sabre... Pó de esqueleto.
A extinção é o tema de ambos os filmes. No primeiro, os nossos heróis enfrentam a chegada da Idade do Gelo. No segundo, o degelo. O paralelo com os nossos tempos de "O Dia Depois de Amanhã" e "Uma Verdade Inconveniente" e a profunda preocupação ecológica torna este filme mais interessante para graúdos do que para miúdos. Não estou a ver as crianças perceberem o profundo terror e o perigo iminente sobre as nossas cabeças em que estes personagens extintos também não acreditavam. E olhem no que deu...
O filme é para crianças e não é para fazer chorar, nem quando o mamute percebe que talvez seja o último da sua espécie e nunca mais, nunca mais, pode ter uma família. O que me comoveu até até às lágrimas, coisas do Mistério, foi a morte do Esquilo da Avelã, quando ele se livra deste vale de lágrimas e degelo e corre doido de felicidade por entre fofos campos de nuvens polvilhadas de bolotas onde não conheceria mais frio nem fome.... até que finalmente encontra Deus, a Gloriosa Avelã Dourada, e para ela salta em extâse divino, de lágrimas nos olhos, chegado ao Paraíso. Então, alguém lhe puxa o rabito e volta para Terra, de vida salva e fulo da vida. Gosto deste Esquilo. Gosto das piadas adultas e subtis só para graúdos. Aconselho vivamente aos adultos. Mas não mostrem isto às crianças. Terão mais do que tempo para aprenderem o que é um "filme catástrofe".

17 em 20

terça-feira, 1 de julho de 2008

Não se aceitam licenciados

A XAC - Gestão de Frotas, anda à procura de operadores de call center mas não se aceitam licenciados. Por outro lado deve gostar do contacto telefónico com o exterior. Até porque o contacto telefónico com o interior, de extensão para extensão, acaba por ser uma seca.


É caso para nos questionarmos (sem o afirmarmos porque não desejamos ser processados e sabemos fazer as coisas como deve ser) se esta alergia a licenciados se deve ao dono da empresa ter a 4ª classe, escrever "fodasse" em vez do correcto "foda-se", e cuspir para o chão. Enfim, podemos apenas imaginar que empresa é esta que tem horror ao intelecto. Será inveja? Será complexo de inferioridade? Será o choque tecnológico?...
O choque é como é que existem empresas com esta mentalidade.
Até aposto tudo e mais alguma coisa que para senhoras da limpeza já não se importariam de lá ter licenciadas brasileiras ou ucranianas. Licenciado imigrante é licenciado de segunda.

Fica aqui um grande obrigada e um mal-haja à XAC - Gestão de Frotas, por este exemplo confesso e paradigmático do tecido empresarial português.
Têm razão em não querer lá licenciados que até escrevem na internet e coiso, mas deviam ser mais cuidadosos porque os licenciados andam por aí, lêem, e escrevem à mesma.

Mais uma para a listinha de greatest hits.