sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Stranger Things

 

(crítica à primeira temporada)

!! CONTÉM ALGUNS SPOILERS, NÃO REVELA O FINAL !!

Às vezes temos surpresas. Quando uma série nos chega muito bem recomendada como uma das melhores da década, senão de sempre, criamos expectativas que por vezes nos desiludem. Ou não. Breaking Bad foi-me apresentada como uma série extraordinária e imperdível, e confesso que não fiquei entusiasmada. Drogados a vender speed? Achei que não era para mim. E no entanto adorei. Também Stranger Things me chegou altamente recomendada e despertou-me logo o interesse. Ambiente e música dos anos 80, um monstro, uma miúda com poderes especiais, experiências ultra-secretas em instalações militares. Isto é mesmo para mim. Ou assim pensei. Infelizmente, a série não me encheu as medidas.

Fiquei desiludida, mas a culpa não é da série. Pensei que era uma história sobre um monstro que por acaso envolvia miúdos. Afinal, é uma história sobre miúdos que por acaso envolve um monstro. Fica o alerta. Isto não é puro terror. Podia ter sido, mas tirando algumas cenas perturbadoras (e muito breves) pode perfeitamente passar como série para ver em família. Seriam mais problemáticas, neste aspecto, algumas passagens de “quase-sexo” entre adolescentes do que o aparecimento do próprio monstro.
Percebe-se melhor quando se sabe que Stranger Things é feita de homenagens. Nem falo de influências, são mesmo homenagens descaradas. A mais evidente de todas é o grupo de miúdos com bicicletas que escondem a miúda com poderes especiais. (E.T.) Muitas das referências são a Spielberg, incluindo “Tubarão” por estranho que pareça. Não sou grande apreciadora de Spielberg, o que explica perfeitamente a minha reacção de enfado. Aliás, é bastante interessante que uma série com tantos momentos de enfado consiga mesmo assim ser viciante. Não vou negar, viciou-me. É um produto feito para binge watching e resulta. É preciso muito auto-controlo para não ver os oito episódios de enfiada.
Mas é curioso, porque achei os dois primeiros episódios aborrecidos e o facto de serem longos (50 minutos ou mais) também não ajuda. Mas depois de ver o segundo episódio só consegui parar ao sexto.

É difícil escrever sobre uma série que vive do suspense para agarrar o espectador sem revelar spoilers, e tentarei não o fazer. Logo no primeiro episódio, um monstro escapa do que parece ser um laboratório militar. Nesse mesmo dia, do mesmo laboratório, escapa também a miúda com poderes especiais. Nesse mesmo dia, um dos miúdos do grupo das bicicletas desaparece misteriosamente. A partir daqui tudo é spoiler.

Os colegas que toda a gente teve
Como não quero revelar spoilers, vou falar antes das personagens. O maior problema para mim, nesta série, é mesmo a incapacidade de me interessar por elas. O que torna a maior parte do primeiro episódio numa seca só entrecortada pelas breves cenas do laboratório e de Eleven (a miúda com poderes). Os miúdos são normais. Sim, são um bocadinho geeks, mas são completamente normais. Vidas normais, pais normais, bicicletas normais, jogos de Dungeons&Dragons normais. Ver estes miúdos 15 minutos seguidos é demais para mim.
Depois temos uma sub-história de adolescentes igualmente normais. Nancy (irmã mais velha do protagonista Mike) namora com um miúdo popular, Steve, que quer ir para a cama com ela. Nancy não quer, mas depois já quer, e depois convida uma amiga (Barbara) para fazer de pau-de-cabeleira numa festa na casa de Steve, mas a meio da festa manda Barbara embora para poder ir para a cama com Steve. Oh Céus, poupem-me! Sei que isto que vou dizer não vai ser consensual porque Nancy se tornou numa das personagens preferidas de muitos fãs, mas eu DETESTO esta sonsa! Nem três dias depois de perder a virgindade com o tal Steve já estava mais interessada no Jonathan (irmão mais velho do miúdo que desapareceu). Ninguém diria ao olhar para ela, com aquela roupinha foleira de menina queque, muito certinha, que não parte um prato. Toda a gente teve uma colega assim naquele tempo, e irra, detesto sonsas. Mas há algo também na actriz. Se calhar até a cara dela me irrita.
A personagem Barbara foi muito maltratada pela série. Talvez nem os próprios criadores tivessem noção do impacto que ela ia ter. Barbara era a típica adolescente dos anos 80 que ainda não se sabia valorizar. Óculos grossos, peso a mais, vestida como se tivesse o dobro da idade. Mas a aparência física é irrelevante fora do mundo juvenil do liceu. Barbara é responsável, sensata, e acima de tudo é uma boa amiga. Uma amiga que não merecia ser tratada como Nancy a tratou. Tudo nela a torna uma personagem simpática de quem conseguimos gostar. Sem querer desvendar muito, Barbara mal apareceu na série e deixou uma impressão inesquecível. Se calhar porque toda a gente também teve uma colega assim e o efeito nostálgico é mais forte.
Mas Jonathan é o adolescente mais interessante. Habituado a uma vida complicada, é o único que transcende a vulgaridade da terrinha em que vive. Jonathan é o tal que ouve Joy Division e que traz a música alternativa para a série. Pena que goste da sonsa da Nancy. Mas é preciso dar tempo ao tempo. O puto só deve ter 18 anos e horizontes ainda muito limitados àquilo que conhece. Merece melhor, mas vai ter de procurar fora daquele buraco de banalidade. Também tive colegas assim. A maioria saiu do buraco.
Os adultos, felizmente, não são aborrecidos. Quando já me estava a passar com tanto drama (e marmelada) adolescente, as cenas com os adultos salvaram-me do tédio total. Os dois protagonistas, a mãe do miúdo desaparecido e o xerife da terra, são personagens profundas e cativantes, com muito passado e bagagem emocional. Por mim, podiam desaparecer todos os adolescentes (menos o Jonathan, para ouvirmos Joy Division) e os miúdos, e a série podia ficar só com adultos. E mais dramática e com terror a sério.
Por esta altura devem estar a perguntar: mas e o monstro? Porque é que estamos a falar desta gente quando há um monstro? Era isto exactamente que eu dizia no início. A série é sobre esta gente e por acaso há um monstro. E como também já estou a bocejar outra vez só de falar nesta gente, vamos mas é falar do monstro.


O monstro
O monstro não me convenceu. Não é um grande spoiler revelar que é uma criatura de outra dimensão. Também fica imediatamente estabelecido, logo no primeiro episódio, que existe uma ligação entre o monstro e Eleven. Não pode ser por acaso que escaparam os dois no mesmo dia. (Eu tenho as minhas teorias quanto a isso, mas este é um mistério que continua na segunda temporada e não me cheira que a série siga pelos caminhos que estou a imaginar. Pode ser que me surpreendam.) A cena inicial, no laboratório, é bastante explícita quanto à natureza predatória da criatura. Mas há uma falha de lógica ainda não explicada que rouba credibilidade a este monstro. Aparentemente, na outra dimensão não existe nada para comer. Absolutamente nada. Se este é um monstro animalesco que precisa de comer, como é que sobrevivia no “outro lado”? E estava lá sozinho? Não havia mais monstros? Pensei, a princípio, que seria antes um “monstro de energia” fabricado pelos militares. Descobrir que era só um monstro “animal” desapontou-me. E como é que descobriu, assim que chegou a este lado, que as criancinhas são saborosas? E como é que aprendeu a farejar sangue à distância, como um tubarão (por causa da tal homenagem, só pode)? Há mais inconsistências destas que nunca são explicadas. Para uma espectadora como eu, que não está a ver a série por causa da nostalgia dos anos 80, as inconsistências foram-se avolumando a ponto de me desiludir. A primeira regra do terror é que tem de nos convencer para meter medo. Se algo mina a credibilidade começamos a desligar as emoções e o efeito perde-se. Não é por acaso que a única cena que me arrepiou foi aquela em que a homenagem é a Alien. Fiquei tensa na cadeira, abri mais os olhos, cheguei-me para a frente. Parei de respirar. Porque o extraterrestre de Alien, o filme original de Ridley Scott, é completamente credível e aterrador. À menor alusão gela-se-nos a espinha. Era este terror que eu esperava de Stranger Things e que de certa forma nos foi “prometido” na cena inicial da série. Pelo sexto episódio percebi que a história ia mesmo ser sobre os miúdos que querem matar o monstro com pedras e fisgas. Pior, comecei a temer que os miúdos o conseguissem. Felizmente, a série não enveredou assim tanto pela fantasia infanto-juvenil que me teria retirado imediatamente do público alvo. As promessas dos primeiros episódios são cumpridas.

Mais negro para a próxima?
Stranger Things podia ter ido mais fundo e mergulhado em águas mais negras. Por opção, não o quis fazer. Isto prejudicou sobretudo a melhor personagem da série, sobre quem mal falei por causa dos spoilers. Eleven é a verdadeira estrela da história. Vítima de condicionamento psicológico, Eleven só quer ser normal num mundo que para ela é alienígena. É por ela que sofremos, é por ela que torcemos, é sobre ela que tecemos teorias. O final da primeira temporada deixa-nos com um sabor amargo que só pode ser remediado na segunda.


Porque, é claro, há uma segunda temporada. E é claro que vou ver porque a série é excelente. Não é o que eu esperava mas é completamente irresistível. Li algures que os criadores prometem que a continuação vai ser mais negra. Será mesmo, ou é só publicidade enganosa? As promessas foram cumpridas mas as minhas expectativas não foram satisfeitas. A única maneira de tornar a série mais negra, como prometem, é sair do conforto family friendly da fantasia infanto-juvenil que tornou a série acessível a um público mais alargado. Pode ser que me engane mas duvido que se atrevam.



sexta-feira, 24 de agosto de 2018

The X-Files / Ficheiros Secretos 2018

 

E aqui estamos nós outra vez a falar dos Ficheiros Secretos, versão 2018.  É a temporada 11, para quem já se perdeu.
Apesar de toda a minha indignação na crítica à mini-série / 10ª temporada de 2016, confesso que não a levei muito a sério. Como ali digo, “aconteceu-me um raro fenómeno de dissociação televisiva em que continuei a ver sem ver nada. Fui abduzida. O corpo ficou na cadeira em frente à televisão mas a mente já não estava lá.” Enfim, pensei eu, mini-série a apelar à nostalgia (e ao lucro fácil) que começa e acaba aqui. As reacções dos fãs foram semelhantes à minha e acreditei piamente que era a última vez que via o Mulder e a Scully.
Com este novo regresso, a que já chamaram “temporada” em vez de “mini-série”, levei o caso mais a sério. Então os Ficheiros Secretos iam voltar? Iam mesmo voltar, regularmente? Então é para ser bom. Não se admite outra coisa. E comecei a ver com uma maior expectativa que o primeiro “regresso” não me mereceu.
Logo no primeiro episódio, banhada. Toda aquela pandemia do vírus alienígena, o fim do mundo, tudo isso, bem, foi um sonho. [Como naquele famoso e infame episódio de Dallas, de que os leitores mais novos não se vão lembrar mas que é um clássico, em que uma temporada inteira desaparece com um sonho.] Tudo o que vimos na temporada anterior simplesmente não aconteceu. Era só a Scully a ter uma visão do futuro.
Aqui apeteceu-me logo atirar o comando ao écran. Mas acalmei-me. Racionalizei. Se calhar o Chris Carter não sabia se a série ia ser renovada e quis acabar em grande, com o fim do mundo. Sim, com um cliffhanger, mas em grande. E quando a série foi mesmo renovada, percebeu que não era exequível ou não tinha orçamento para continuar o enredo por ali e teve de retroceder. Racionalizei e aceitei. Se isso significava o regresso dos Ficheiros Secretos como os conhecíamos, um caso por semana, Mulder e Scully mais velhos, vinte anos mais tarde, enfrentando novos problemas pessoais e desafios diferentes, até perdoaria o começo desastrado. Porque, afinal, é disso que os fãs dos X-Files sempre gostaram: Mulder e Scully a investigarem casos estranhos, daqueles que nos fazem hesitar entre acreditar e não acreditar. Daqueles que fazem justiça ao slogan da série, I want to believe.

No baú do esquecimento

Esta temporada recordou-me tudo o que já não ia bem nos X-Files quando a série original chegou ao fim. A mitologia, que já não tinha pés nem cabeça. A conspiração, que já não fazia sentido. Mas pelo menos acabaram com a invasão alienígena: o planeta está tão estragado que os extraterrestres já não estão interessados em vir para cá. E aqui sorri. Nunca vi os Ficheiros Secretos à espera de comédia, mas não rejeito. E depois começaram a acontecer coisas estranhíssimas. Sabiam, ou lembram-se, que o Homem dos Cigarros era o pai do Mulder? Lembram-se de isso ser dito, implícita ou explicitamente, na série original? Porque eu não me lembrava nada. Absolutamente nada. E conforme fui lendo críticas aos episódios comecei a recordar-me das últimas temporadas da série que a minha memória tinha pura e simplesmente bloqueado. E lembrei-me que nos últimos tempos a série já não era nada de especial. Até houve uma temporada em que o Mulder esteve ausente! Substituído por um tal agente Doggett interpretado pelo actor de "Exterminador Implacável 2", Robert Patrick. Como é que me esqueci disto tudo? Bem, porque já era mau. É claro que vi, fielmente, mas a série já tinha passado o prazo de validade. Infelizmente, foi disso que esta temporada 11 me recordou e não é o tipo de memórias que queremos ter de uma das nossas séries favoritas. Nostalgia, sim. Do que foi bom, do que lembramos dos tempos áureos. A série não devia ter sido ressuscitada sem motivos épicos para a tirar do baú do esquecimento.
Mas também conhecemos William! Finalmente! Então o puto sempre existe! E não é filho do Mulder. Ficamos logo a saber, no primeiro episódio “My Struggle III”, que o Homem do Cigarro inseminou a Scully, drogada e inconsciente, com um embrião de ambos. Esperemos que a inseminação tenha sido artificial e já é repulsivo o bastante. Mas isto significa que durante este tempo todo o Mulder julgou que era pai de um filho que afinal é o irmão filho do pai. [Não resisti.] E irritou-me um bocadinho. Nunca fui muito apreciadora de terem transformado a relação entre o Mulder e a Scully num romance, admito. Mas fui-me habituando à dinâmica romântica entre os dois e fui-me afeiçoando à ideia de que algures no mundo tinham um filho. De repente, não têm. Nada nos adiantou tentar importar-nos com um miúdo que só vimos brevemente em bebé. Não é filho do Mulder e a Scully foi inseminada por violação científica. O “choque” não compensa a perda do investimento emocional. E faz-nos questionar o mais básico que um espectador nunca devia questionar: vale a pena investirmos emocionalmente nestes personagens? Porque o fim da temporada faz-nos suspeitar que não. Mas agora já me estou a adiantar.

Os bons motivos para uma continuação
Apesar disto tudo, a temporada 11 também me recordou o que me tornou fã dos Ficheiros Secretos. Alguns episódios foram bons, mesmo bons:
“Kitten” Centrado em Skinner e na sua experiência no Vietname, é um episódio à antiga, em que experiências governamentais com drogas alucinogénicas transformam pessoas pacatas em soldados sanguinários. Nada de sobrenatural ou alienígena, mas sempre interessante.
“Rm9sbG93ZXJz” Um episódio que podia ser um filme de terror salpicado de comédia. Num futuro mais ou menos próximo (?) Mulder e Scully vão comer a um restaurante japonês completamente operado por robôs. Depois de ser servido com um jantar horripilante, Mulder recusa-se a deixar gorjeta. Isto leva a uma conspiração entre todas as máquinas dotadas de inteligência artificial que perseguem Mulder e Scully atrás da gorjeta. Parece cómico mas tem momentos muito tensos. A sorte é que a inteligência das máquinas não é assim tanta. Mas faz-nos pensar até que ponto queremos inteligência artificial nas nossas vidas. Eu pensei em comprar um daqueles aspiradores redondos autónomos que andam de um lado para ao outro. Agora é que não compro mesmo! Um excelente episódio, o melhor da temporada na minha opinião.
“Familiar” Este episódio fazia mais sentido no Sobrenatural. Não sei até que ponto é que alguém decidiu que o regresso dos X-Files devia ser palhaçada. Funcionou muito bem com o Lagartomem da temporada anterior, episódio “Mulder & Scully Meet the Were-Monster”, mas para mim já não funcionou tão bem com “The Lost Art of Forehead Sweat” desta temporada, que supostamente devia ser cómico mas não me fez rir. “Familiar” é um episódio a roçar o mau gosto, em que no meio da palhaçada duas crianças são assassinadas e Mulder vê um Mastim do Inferno. No Sobrenatural fazem isto muito bem. Prova de que Sobrenatural é uma das séries mais subestimadas de sempre. Os X-Files tentaram fazer o mesmo e falhou ali qualquer coisa.
“Nothing Lasts Forever” Deste episódio gostei mesmo muito. Um culto procura a eterna juventude alimentando-se de carne e sangue de adolescentes e alguma ficção-científica. E resulta. O que os torna vampiros, nem mais nem menos. Uma diva dos anos 60 permanece jovem e bela como se tivesse vinte anos graças ao seu batido de sangue humano. Muito Erzsebet Bathory. Aconselhado a quem gosta de vampiros. Não aconselhado a pessoas de estômago sensível.
Com estes episódios, recordei o que gostava nos Ficheiros Secretos e vi uma verdadeira possibilidade de continuação. Mulder e Scully, com ou sem romance, a investigar casos estranhos. Sempre foi isto. Bastava só isto.
Mas entretanto aconteceu "Ghouli".


I want to forget
"Ghouli" foi o episódio que introduziu William e não podia ter sido mais disparatado. Começou com um monstro, mas afinal não era um monstro, era William, o filho perdido de Scully e Mulder, o personagem que todos ansiávamos conhecer, o salvador do mundo com o seu ADN alienígena. E estava morto. Mas afinal não estava morto, estava só a fingir-se de morto enquanto Skully chorava à sua beira. Ainda não estávamos refeitos do choque de descobrir que o episódio era sobre um personagem que devia ser fulcral, quando percebemos que William é um estafermo. Mas a série não percebe que William é um estafermo e segue em frente, episódio e temporada, como se nos devêssemos importar com este parvalhão. Entre as belas coisas que William nos mostra, consegue fazer com que as suas duas namoradas se esfaqueiem uma à outra (sim, duas namoradas, ao mesmo tempo). Quando os pais adoptivos são assassinados, não o afecta nada. E ainda diz a uma das namoradas que partilha visões com “uma mulher qualquer que deve ser a minha mãe biológica”. Não é um amor? Mas a série parece querer apresentá-lo como um rapaz interessante e incompreendido. Infelizmente, é apenas um estafermo. E a maneira como o episódio se desenrola é das coisas mais mal feitas que vi na vida. Como se fosse o script de uma história monster of the week em que o William foi metido à força porque não tiveram ideia melhor. É espantoso como uma série deste nível conseguiu destruir o personagem que devia ser o centro emocional da temporada.
Mas isto não é o mais grave. O mais grave é mesmo o fim.
Depois de algumas peripécias, em que Mulder e Scully nunca se apercebem de que têm por filho um estafermo, algo acontece que os leva a pensar que William morreu (mesmo). E aqui Scully tem uma reacção absurda. Depois de anos a agonizar pelo filho perdido, diz apenas: “Ele era só uma ideia, uma experiência de laboratório.” Como?! E Mulder diz esta pérola: “Que sou eu senão um pai?” Como?! Quando é que o Mulder foi um pai? Conheceu o miúdo durante cinco minutos. Trocou com ele cinco palavras. Mulder nunca foi um pai e Scully nunca diria do filho “deixa lá, a gente faz outro”. Ok, ninguém diria uma coisa destas de um filho, ponto final. Quem é que escreveu este diálogo e com que intenção? Porque eu quero esquecer o que vi e ouvi, de tão mau.
Uma coisa são episódios chochos. Outra coisa muito mais grave, como dizia acima, é transformar os personagens em marionetas de papel em que não se consegue investir emocionalmente. E fazer isto ao Mulder e à Scully, a quem conhecemos há mais de vinte anos, é imperdoável.


A temporada 2018 recordou-me o pior e o melhor dos Ficheiros Secretos. Mas o melhor não superou o pior, e é pena. Se é para trazer a série de volta, com pés e cabeça, porque não? Se é para destruir bons personagens e boas memórias, que esta seja a última vez que tenho de falar dos X-Files. De cada vez que tentam dar à série o fim que merece (e que nunca teve) conseguem fazer pior. Se é assim, como fã, prefiro que desistam. Que deixem a série repousar em paz.

domingo, 19 de agosto de 2018

Blog em obras



Após anos de resistência, finalmente decidi experimentar um template mais interactivo. Aqui está ele. Com mais funcionalidades, maior facilidade em seguir posts mais antigos, procurar por etiquetas, lista de updates dos blogs que sigo, essas modernices todas.
Não estou muito satisfeita com o resultado estético. Os templates disponíveis não deixam mudar tudo o que se deseja. Por exemplo, o título do blog. Nem sequer posso escolher pô-lo à direita, à esquerda ou ao meio. No texto e links abaixo dos posts também não consigo mexer. É frustrante.
Assim, o blog vai andar em obras até eu conseguir olhar para ele sem me chatear.
Como é tradição nacional, não é para fazer; é para ir fazendo.
 

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Final Destination 2 / O Último Destino 2 (2003)


Não é todos os dias que podemos dizer que uma sequela é melhor do que o original. É precisamente o caso com O Último Destino 2. Neste, já não encontramos as falhas de lógica que prejudicaram o primeiro filme. Tudo é surpreendente e faz sentido. Mas conseguirão enganar a morte?
Nesta sequela, uma jovem tem a visão de um sangrento choque em cadeia. Petrificada, já não consegue prosseguir viagem, e assiste ao concretizar da sua visão: acidente na estrada, mortos e feridos. A primeira surpresa acontece logo com os amigos que a acompanham no carro. Julgamos que vão ser eles a ser perseguidos pela Morte quando subitamente um camião os cilindra a todos ainda no local do acidente. (Eu não esperava isto, confesso). Chega-se depois à conclusão de que desta vez a Morte está a corrigir o seu desígnio em ordem contrária: do último que devia morrer ao primeiro. O que torna a jovem da visão a última vítima.
Desta vez aparece também o cangalheiro sinistro, mas pelo menos já nos dizem que ele “sabe muito destas coisas”. Isto torna-o mais do que um cangalheiro e o personagem faz mais sentido do que fazia no primeiro filme.
O Último Destino 2 vê-se muito melhor do que o original. Se calhar ajuda a interpretação de A.J. Cook (que conhecemos de “Mentes Criminosas”, aqui tão nova e rechonchuda, no bom sentido, que me custou reconhecê-la). As mortes continuam a ser rebuscadas, mas não tão delirantes, o que só reforça a credibilidade.


Apesar de achar que este filme é melhor do que o primeiro, acabo por dar-lhe a mesma nota porque o princípio da série sempre tinha o ponto da originalidade.

14 em 20

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Land of the Dead / A Terra dos Mortos, de George A. Romero (2005)


O título deste filme podia ser “A Fúria do Herói Zombie”. Um dos heróis do filme é mesmo um zombie revoltado com a maneira indigna com que os vivos tratam os da sua espécie. O que por si só já nos diz que este não vai ser um filme de zombies igual aos outros.

Os novos zombies
É praticamente um facto sociológico: o imaginário do zombie, como o conhecemos, surgiu numa época de inquietação existencial perante a alienação das massas cada vez mais passivas. Os anos 60 e 70 foram as décadas em que a geração dos Baby Boomers chegou à idade adulta. Os Baby Boomers nasceram nos anos após a segunda guerra mundial (em que houve um verdadeiro baby boom, daí o nome). Em relação à geração anterior, que teve de suportar a Grande Recessão, o rescaldo da Primeira Guerra Mundial e a Segunda, e as várias misérias decorrentes da situação internacional, os Baby Boomers foram uns privilegiados. A vida era simples e o caminho bem definido: escola, emprego, casa e filhos. Os salários eram razoáveis, havia emprego para toda a vida. Toda a gente tinha carro e dinheiro para gastar no passeio semanal ao supermercado. Instalou-se o consumismo. A vida era estável. Melhor do que na geração anterior, melhor do que na geração seguinte (nós, os Generation X, e nem falo dos Millenials, nem sabemos o significado de estabilidade). Era a geração que se podia “dar ao luxo”. A vários luxos, na verdade, como a alienação voluntária do flower power e do make love not war. Mas até os hippies assentavam, mais tarde ou mais cedo, para engrossar as massas consumistas e alienadas de uma rotina sempre igual.
Contudo, o medo existia, latente, cinematograficamente espelhado nos filmes de terror: o Twilight Zone, as invasões alienígenas, os insectos gigantes resultantes de experiências nucleares, e os zombies. As próprias massas mortas vivas a devorarem-se/consumirem-se a elas próprias.
Comparemos estes zombies iniciais com o que temos agora. Em The Walking Dead, feito para gerações em que a palavra “estabilidade” já nem existe, o importante é sobreviver. Subsistir mais um dia, à precariedade, às contas a pagar, a tentar viver debaixo de um tecto sem acabar na rua. Sobreviver aos energúmenos que nos acusam de viver “acima das nossas possibilidades” quando na verdade vivemos abaixo das nossas potencialidades. Talvez sejamos zombies também, meio vivos e meio mortos de cansaço, a geração no future que já sabia que nunca o ia ter, mas somos uns zombies diferentes. Os nossos heróis anti-zombie já não se limitam a fugir e a esconder-se e a esperar pelas autoridades. Os nossos heróis anti-zombie só contam consigo próprios.
Land of the Dead, de 2005, é algo na transição entre os filmes de zombies invasivos e os filmes de sobrevivência feroz em que da sociedade como a conhecemos já só sobram resquícios. No apocalipse zombie as ameaças vêm de todos os lados. Os vivos são muito mais perigosos do que os mortos. Land of the Dead vai nesse caminho, mas ainda não chega lá.


Os zombies também se revoltam
Comecei a ver este filme com zero expectativas. O filme que iniciou o universo zombie de George A. Romero, “Night of the Living Dead”, de 1968, foi um dos mais assustadores que já vi na vida. Apesar de ser a preto e branco, ou mesmo por causa disso (a televisão da altura era a preto e branco, o que quase lhe atribuía uma aura de “documentário”); apesar da pouca caracterização dos mortos-vivos, dando-lhes um aspecto mais realista de “cadáveres frescos”; apesar da explicação de que a “ressurreição dos mortos” era causada por uma contaminação radioactiva no cemitério (lá está, o medo latente da Guerra Fria). Os restantes filmes de Romero, lamento dizê-lo, aqueles a cores e com muito ketch up, começaram a tender para o exagero e a palhaçada. Interessantes para ver sem pensar muito. Maus efeitos especiais, zombies a invadir supermercados e a conduzir carros. Com estas memórias, também não esperava muito de “Land of the Dead”. Tendo em conta estas expectativas fiquei agradavelmente surpreendida.
Em Land of the Dead, já estamos em pleno apocalipse zombie, com todas as regras que conhecemos. Mas ainda não é a sociedade esfarrapada de The Walking Dead. Os vivos vivem em cidades bem vedadas e defendidas. Equipas bem preparadas vasculham os arredores abandonados em busca de provisões. Numa dessas excursões de busca, o nosso herói “vivo” (Simon Baker do “Mentalista”) repara que um dos zombies manifesta inteligência acima da média zombiesca. Este nosso herói zombie, a que o filme chama Big Daddy, está cada vez mais indignado com os massacres que os vivos infligem aos zombies. Esquecendo, é claro, que os vivos matam os zombies porque os zombies comem os vivos. Mas este zombie está muito revoltado, se calhar com as indignidades com que os vivos chacinam zombies sem distinção: velhos, mulheres e crianças. Os outros zombies não são tão espertos, mas Big Daddy consegue liderar uns quantos numa marcha de indignados para se vingarem dos vivos “maus”.
Isto parece palhaçada mas o filme consegue fazer-nos empatizar com estes zombies maltratados. Até temos pena deles.
Do lado dos vivos também há grandes injustiças. Uma elite de poderosos, ricos e privilegiados, vive num arranha-céus com tudo do bom e do melhor enquanto uma maioria de pobres e excluídos subsiste das sobras nos “subúrbios” da torre. Também alguns destes excluídos se encontram indignados e a planear uma revolta. Estas intenções valem-lhes repressão brutal por parte do chefão das elites.
Este é um mundo onde o dinheiro ainda existe e vale bastante. Um dos membros da equipa consegue juntar o suficiente para comprar um lugar no arranha-céus mas é rejeitado com desculpas. Mas ele sabe, e nós sabemos, que está a ser rejeitado porque é hispânico. Não faz parte da elite, não tem qualquer possibilidade de ascender na vida. Revoltado, também este jura vingança. Já o nosso herói do lado dos vivos só deseja comprar um carro que o leve para bem longe, para onde não haja zombies nem pessoas. (Amigo, como te compreendo! Era exactamente o que eu fazia!)


Todo este ambiente de tensão resulta na destruição da cidade. O zombie Big Daddy aprende por acaso a disparar uma metralhadora e consegue ensinar os outros a fazer o mesmo. [Zombie Rambo] Também os ensina a atravessar um rio, simplesmente caminhando debaixo de água já que não precisam de respirar. [Zombie ninja] Não se vê claramente, mas é ele e o seu exército zombie que consegue fazer explodir as defesas da cidade. É a fúria do herói zombie.


O final é estranho. O nosso herói vivo, relutante mas bonzinho, decide poupar estes zombies espertos. Porque o faz é um mistério. Se calhar porque compreende neles uma consciência de si próprios? Se calhar porque os considera também excluídos, como a grande massa de gente viva nas mesmas condições?
Claramente, a preocupação social do filme já não deriva do consumismo e da apatia, como os originais, mas de uma preocupação com a desigualdade que em 2005 já deve ser gritante. A América já não era a terra das oportunidades. Até os zombies se revoltam, e com razão.


É um filme diferente dos zombies de até então, com algumas cenas perturbadoras que me surpreenderam. Já não julgava que depois de tantos filmes do género ainda alguma coisa me impressionasse, mas aquela cena do umbigo faz mesmo impressão.
The Walking Dead criou outro patamar de qualidade que filmes anteriores não conseguem alcançar (tirando o original “Night of the Living Dead”, de 1968, que é realmente arrepiante), mas este Land of the Dead é um filme cheio de acção que merece ser visto. Gostei de encontrar motivações em todos os personagens, até nos zombies. As diferentes perspectivas conseguem criar-nos empatia e dividir-nos entre a ameaça colocada pelos mortos-vivos e as dúvidas que Big Daddy nos suscita.
Não é uma obra prima, mas vê-se bem.


Curiosidade: neste filme os mortos-vivos já são chamados de “walkers” e “stenchers”. Julguei que “walkers” era originalidade de The Walking Dead, mas enganei-me. É do mestre Romero.


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