domingo, 30 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Fevereiro 2004

fevereiro 11, 2004

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Hoje vou falar sobre mim, para variar. *ironia*
Antes de ter o blog escrevia no diário do computador. Claro que não falava de filmes nem de livros. Essas impressões guardava-as para mim e para as conversas de café. Porque não havia ninguém a ler o meu diário. E escrevia muito menos mas de assuntos muito mais íntimos.
Sabendo que estava a escrever um diário aberto, sabia também que as pessoas se iam interrogar sobre a minha personalidade. É absolutamente natural. E não me incomoda nada.
Escolhi o título Gotika (gótica) porque explica logo um terço da minha personalidade e maneira de ver o mundo. Sabendo isto de mim é muito mais fácil perceber o resto. Tudo se torna imediatamente mais claro - neste caso, mais escuro. *piada*
Eu sou, como toda a gente, o resultado da minha personalidade e do meio em que cresci e fui educada, e das experiências porque que passei. Com o tempo, estes factores moldaram também a minha personalidade e a minha forma de agir e reagir perante os outros e o mundo. Tenho passado por experiências mais complexas do que a maioria, o que me transformou numa pessoa mais complexa do que a média mas não por mérito ou demérito pessoal; apenas porque de facto passei por mais experiências complexas que a maioria dos outros, experiências que tive de integrar e incluir na minha forma de ver o mundo.
Sinto uma dificuldade enorme em dar-me a conhecer aos outros de modo a ser compreendida. E sou de facto alvo de uma incompreensão colossal por parte dos outros. Essa incompreensão fez-me sofrer bastante durante a adolescência, altura da vida em que é mais importante sentirmo-nos compreendidos e aceites como parte de um grupo semelhante. Já na infância a incompreensão me provocava crises de verdadeira raiva e agressividade. Na infância não fazia a mínima ideia de porque é que os outros não compreendiam. Na adolescência ainda não percebia muito bem que de facto não se pode exigir aos outros que compreendam experiências porque não passaram mesmo que se lhes explique muito bem e se desenhe um esquema com setas. Actualmente a incompreensão já não me faz sofrer. Tornei-me mais tolerante com a incompreensão dos outros. Mas continuo a não concordar que as pessoas não façam um esforço para compreender o que lhes é estranho. Talvez por ser tão incompreendida, eu faço esse esforço para compreender os outros. Quando não compreendo, porque às vezes também não consigo, tento respeitar, na certeza de que há sempre uma razão para as pessoas serem como são. Disso não tenho dúvidas.
Muitas vezes apresento ideias e atitudes que parecem contraditórias, mas só aos outros. Era preciso ter acompanhado o meu percurso de vida desde que nasci para compreender todas as pequenas nuances que separam a incoerência da complexidade. Não posso, nem quero, contar a minha vida toda a alguém que conheço há pouco tempo.
Na vida é preciso ter disponibilidade para compreender os outros. É preciso ter tempo, paciência, tolerância, muita sensibilidade e até perspicácia. É preciso puxar pela cabeça para conhecer os outros. Exige pensar neles.
É estranho estar a dizer isto tudo como se fosse uma novidade mas vivemos numa sociedade demasiado rápida, que nos tira o tempo, que nos obriga a viver de fast food. As pessoas não trazem uma descrição dos seus compostos nem têm prazo de validade.
Eu sou uma espécie de produto complexo com vários rótulos que desconcerta os repositores do supermercado que nunca sabem em que prateleira me colocar. A secção “gótico” já dá muitas pistas. Coloquemo-nos aí, portanto. Sem perigo de o consumidor acusar o produto de publicidade enganosa.

Publicado por _gotika_ em 12:36 AM | Comentários: (27)


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Comentário:
Este post é muito curioso. Passados oito anos já começo a desconfiar porque é que as pessoas não conseguem compreender-me. (Foi uma descoberta recente.) Continuo a sentir a mesma incompreensão. Exactamente a mesma compreensão. Era de esperar sentir-me mais compreendida à medida que lido com pessoas mais velhas porque também eu, inevitavelmente, estou mais velha, logo, seria de esperar que as minhas experiências se aproximassem da média e que a média já tivesse maturidade para me compreender a mim. Pelo contrário, o fosso é cada vez mais abissal. De modo que concordo com quase tudo o que disse excepto um pequeno pormenor que tenho vindo a adquirir nos últimos tempos: Não aceito que não me compreendam. Não aceito a falta de esforço. Da parte de pessoas mais novas, é completamente natural. Da parte de pessoas da minha idade ou mais velhas... já tinham idade para saber mais do mundo! Mas se não sabem, que se esforcem.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Fevereiro 2004

fevereiro 10, 2004

Body and soul?

Quando se lê uma história de vampiros, geralmente não se está à espera de encontrar teorias filosóficas sobre a essência divina. É por isso que os livros de Anne Rice podem ser tudo menos literatura de terror.

Neste, “The Tale of the Body Thief”, encontrei esta interessante teoria de David (um mortal amigo do vampiro Lestat), da qual vou transcrever as frases chave do diálogo com Lestat, deixando parágrafos onde deveria estar (...) por uma questão de facilidade de leitura.

God Himself is Body and Soul!

The truth is in Genesis, it’s there. I’ll tell you what the big bang was, Lestat. It was when the cells of God began to divide.
 
O que é que ele está a dizer, basicamente? Que Deus tem uma parte física, que Deus não é apenas espírito. Que o inexplicável big bang, o momento que deu origem ao início da vida no universo, corresponde ao que o Genesis descreve como “Deus criou o homem à sua imagem”. Deus teria criado toda a Vida através da divisão celular das suas próprias células. Do corpo físico de Deus.
Mas esta “experiência” teve oposição:

God has made many mistakes. Many, many mistakes. As surely God himself knows! And I suspect the angels tried to warn Him. The Devil became the Devil because he tried to warn god. God is love. But I’m not sure God is absolutely brilliant.

Lestat intervém:
David, if you keep this up, you’ll be struck by lightning!

Ao que David responde:
Nonsense. God wants us to figure it out.

Aqui implica que Deus quer que o homem descubra o que está por trás da sua criação. E que Deus não é perfeito como pensa a civilização ocidental. Que Deus poderá ter cometido um erro ao proceder a esta experiência que acabou na nossa criação.

Religion is primitive in its illogical conclusions. Imagine a perfect God allowing for the Devil to come into existence. No, that’s simply never made sense.

Concordo com esta parte. Nunca fez muito sentido para mim que Deus permitisse a o surgimento de um ser como o Diabo, mesmo tendo em conta a questão do livre arbítrio, e principalmente que não lhe seja dada a mesma hipótese de arrependimento e redenção que é dada aos mortais. Mesmo sendo o Diabo um anjo rebelde e dotado de capacidades superiores às dos humanos.
Sempre desconfiei desta história... Sempre me pareceu mal contada. Mas então e se...

He is not purely unredeemable. He’s merely part of God’s plan. He’s a spirit allowed to tempt and try humans. He disapproves of humans, of the entire experiment. See, that was the nature’s of the Devil’s Fall, as I see it. The Devil didn’t think the idea would work. But the key, Lestat, is understanding that God is matter! God is physical, God is the Lord of Cell division, and the devil abhors the excess of letting all this cell division run wild.

Então e se o desentendimento entre Deus e o Diabo se tivesse dado devido à experiência de deus de dividir as suas células, e dar origem a uma nova espécie com poder criador, que somos nós, da qual o diabo teria veementemente discordado?

Até ao momento o livro não respondeu a uma pergunta: e porque raio é que o anjo a que chamamos Diabo teria alguma coisa a opor à experiência? É o Diabo uma espécie de "velho do Restelo", conservador e avesso à experimentação? E porque raio é que Deus deixaria que alguém interferisse na sua experiência e tentasse pôr à prova a cobaia para ver se resultava? Vocês deixariam? Eu deixaria? Claro que não! Quanto mais Deus, o Todo-Poderoso! A não ser que o meu objectivo fosse testar a essência moral da cobaia, e nada mais.
Mas para testar a essência moral desta cobaia não estou a ver qual seja o papel do diabo. Acho que o ser humano já demonstrou a sua (ausência de) moral mesmo sem a incitação demoníaca. Deixe-se o homem entregue aos seus instintos primitivos que ele próprio se condena.
Penso até que o Diabo já devia ter sido despedido do cargo por falta de encomendas. Os seres humanos são um verdadeiro self service de imoralidade.

De resto, a teoria do começo da divisão das células do corpo de Deus, a que nós chamaríamos big bang, é interessantíssima.

Publicado por _gotika_ em 03:49 AM | Comentários: (26)

domingo, 23 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Fevereiro 2004

fevereiro 09, 2004

Um filme: "O Estigma" (Stigmata)

Da primeira vez que vi o filme fiquei impressionada. Na boa tradição do terror, a história passa-se com uma pessoa completamente normal que não percebe nada do catolicismo nem sabe distinguir um colar de um rosário. É o tal fenómeno "e se me acontece a mim?..."
A ideia até não é má de todo. Inspirado na descoberta real de um manuscrito atribuído a São Tomé, cuja inspiração divina nunca foi reconhecida pela Igreja, o filme explora uma conspiração do Vaticano para encobrir o evangelho escrito pelo próprio Jesus Cristo. "O reino de Deus está dentro de ti, e à tua volta, não em edifícios de pedra e madeira. Mexe uma tábua e Eu estarei lá, levanta uma pedra e lá Me encontrarás" teriam sido as verdadeiras palavras de Jesus aos apóstolos na Última Ceia. Palavras que seriam consideradas pelo Vaticano uma ameaça à Igreja enquanto instituição, afirmada que estava a sua inutilidade como mediadora entre Deus e o homem.
Estes filmes não são feitos para pensar muito mas podiam não ter deixado passar uma falha tão grande: se estas são as palavras de Jesus na Última Ceia, e se o evangelho foi escrito por ele próprio, Jesus tinha que se pôr a escrever bem depressa entre a celebração da Páscoa e o momento em que é traído por Judas, um pouco mais tarde, nessa mesma noite. Se pensarmos que nessa altura não havia computadores nem esferográficas, só recorrendo mesmo aos poderes divinos. Psicoquinese ou ubiquidade, talvez?
Além disso, a teoria da conspiração à volta do Vaticano já vem tarde. Há muito tempo que a Igreja prega a existência do reino de Deus dentro de cada homem.
Perdida a verosimilhança do conteúdo, resta a análise da forma. E é aqui que o filme se estampa a toda a velocidade. Se era para copiar os momentos de tensão do “Exorcista”, se era para explorar as dúvidas existenciais de um jovem padre como no “Exorcista”, se era para documentar a possessão demoníaca de uma inocente rapariga como no “Exorcista”, fazia-se um remake do “Exorcista”!
Mas como na altura o “Exorcista” já ia numa óptima terceira sequela, e o filme original é tão bom que qualquer realizador arrisca a reputação se lhe tocar, e as boas ideias não nascem nas árvores, ficou-se por uma cópia de “Os Dias do Fim” (o tal em que o Schwarzenegger derrota o próprio Satã).
Sinceramente, não sei qual dos filmes saiu antes, “O Estigma” ou “Os Dias do Fim”, mas não interessa grandemente. Se os efeitos especiais não foram feitos pela mesma equipa, estudaram todos na mesma escola ou, pior, é o que parece. Espionagem industrial?...
Conclusão, ao contrário do “Exorcista”, a que a cada visionamento se percebe mais um detalhe da história, “O Estigma” desfaz-se quando o espectador já sabe quantos vasos se vão partir a seguir. É a diferença entre um filme com conteúdo e um filme para ver e esquecer.

Publicado por _gotika_ em 02:29 AM | Comentários: (26)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Fevereiro 2004

fevereiro 06, 2004

Porra!

Nick Cave no CCB a 50 euros!!! Tentei ser corajosa e encomendar o bilhete no IOL. Além dos 50 euros ainda me pediam 5 euros para o correio e mais 3 euros e tal de comissão. No total, eram 58 euros e qualquer coisa!
Foda-se!
Cancelei.
Não vou ver o Nick Cave.

F-O-D-A-S-E-!

Ai que raiva! Ai que raiva! Ai que raiva!

Nota informativa
Nick Cave no CCB a 24 e 25 de Fevereiro
Preço: 50 euráceos (toma e embrulha!!!)

Publicado por _gotika_ em 08:28 PM | Comentários: (8)


Sex Pistols

Estive a ver o filme sobre os Sex Pistols (uma espécie de documentário realizado por Julien Temple em 1999) como quem vê uma série de História. A minha História.
O movimento gótico musical nasceu no fim do punk, aí em 1980. É, por isso, um movimento pós-punk.
Interessante, se me perguntarem se sou de esquerda ou direita direi que nenhuma das hipóteses, que em vez disso tenho uma costela punk. Ser punk significa ser anarquista. Eu não sou anarquista - acho que a anarquia é uma utopia tão grande como o comunismo - mas tenho uma “costeleta”.
O punk proclamava NO FUTURE (que por acaso é o que se passa em Portugal 20 anos depois, mas avante...) e preconizava a anarquia e a revolta contra o sistema.
O gótico, uma das correntes descendentes do punk, já não preconiza nada. Digamos que é a cristalização da desilusão e do desinteresse levados ao apogeu da obsessão pela morte. Não está contra o sistema mas sim à margem do sistema. E não se quer integrar. Pelo contrário, odeia o sistema. Sabe que não o consegue destruir mas também não deixa que o sistema o force a ser “igual”. O sistema bem tenta mas o gótico foge-lhe.
Os punks acreditam. Os góticos não. Por isso, a música e as letras são ainda violentas como expressão de raiva mas com a certeza desencantada que a única coisa que resta é a expressão do sentimento e nada mais. Se o punk é a revolta, o gótico é o apocalipse. Depois do gótico não há nada. Só seres infernais e celestiais. Toda a raça humana se extinguiu.
O punk não, é humano. Traduz as aspirações humanas: não há emprego, não há dinheiro, não há amor. O gótico ultrapassa-as: nunca foi suposto haver felicidade mas apenas sofrimento, so, what’s the point?
O punk revolta-se. O gótico já viu que a revolta não resulta e prefere olhar de longe os actos insanos dos que fingem revoltar-se.
O punk incita à acção. O gótico incita à introversão e à fuga.
O punk consome drogas “porque sim”. O gótico consome-as para se anestesiar ou “sentir melhor”.

Mas o que tem isto a ver como os Sex Pistols? Bem, muito pouco. Tirando o Sid Vicious. Sid Vicious é o anti herói. E não é por acaso que um membro (não apanhei qual) dos Sex Pistols diz: “Ele é que trouxe o casaco de cabedal preto e toda aquela merda vampiresca e gótica que passou a perseguir-nos”. O gótico vai onde está o abismo, o apocalipse.
Sid Vicious (baixista da banda) morreu de overdose. Estava a ver o documentário e a figura dele lembrava-me “The Crow”. Quantas pessoas não terá o seu estilo influenciado?
Não estou a dizer que ser gótico é morrer de overdose, porque não é. O gótico sabe mais que isso. Prova é que todos os inventores do gótico estão vivos e de (relativa) boa saúde: Peter Murphy, Andrew Eldritch, Siouxie, Robert Smith... Nenhum se afundou na droga. Bem, alguns afundaram-se (Ian Astbury) mas emergiram de novo.
O gótico sabe mais do que o punk. Não quer viver depressa e morrer jovem. Sabe que vai morrer e tem-no presente todos os dias. E já chega. A pior provação vai ser a velhice.
Mas o velho gótico que sabe ser gótico sabe que a velhice é ser o sacerdote, o feiticeiro da tribo.
Porque o gótico não é nada de novo, não pensem. O gótico nasceu com a humanidade.
Mas sobre isso falo depois.

Adenda: Bem, houve um que se afundou na droga. Foi o Rozz Williams, vocalista dos Christian Death. Atascou-se completamente. E enforcou-se há uns poucos anos. Paz à sua alma.

Publicado por _gotika_ em 07:11 AM | Comentários: (23)


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Comentário:
Lembro-me perfeitamente do dia em que percebi que ia ter de abdicar de Nick Cave porque não tinha dinheiro para ir ver. Compreendi, ou intui, tudo aquilo de que ia ter de abdicar. Para sempre.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Do prazer na Idade Média e do desprazer de agora

“No século XII, Guillaume de Conches observou que a mulher para engravidar tem de sentir prazer, pois este permite a emissão do sémen e, consequentemente, da fecundação. As prostitutas que vendem o corpo a troco de dinheiro não sentiam qualquer prazer durante o acto e, por essa razão, não concebiam.
Podemos objectar que as mulheres violadas não deveriam então conceber, mas, pessimista quanto à natureza humana e até um pouco cínico, Guillaume retorquia: «apesar da violação ser desagradável ao princípio, depois, e com a ajuda da fraqueza da carne, o acto não se realiza sem consentimento». Ora, os ensinamentos de Guillaume de Conches, influenciados pelas ideias do médico grego Galiano (cerca de 131-201) sobre o esperma feminino, tiveram grande difusão no fim da Idade Média.”
 “O Prazer na Idade Média”, Jean Verdon, 1996

Tirando o conhecimento actualmente generalizado de que as mulheres não produzem esperma, tenho para mim que na cabeça de muitos homens, hoje, no século XXI, e por outras palavras, mais sofisticadas, que significam o mesmo, é obrigação da mulher gostar de ter relações sexuais com eles, por muito incompetentes que sejam, porque a carne delas deve ser tão fraca como a carne deles.
Certas coisas, pelos vistos, não mudam nunca.

“No parecer de André Le Chapelain, os camponeses não se interessam particularmente pela procura do prazer: eles são, diz o autor, levados de forma natural a efectuar a obra de Vénus como o cavalo e a mula, seguindo o instinto natural. O trabalho da terra e os prazeres da lavoura e da enxada bastam-lhes.
Já o aristocrata tem direito a gozar e, se uma camponesa o atrai, não hesita em possuí-la à força, pois ela é bem capaz de lhe recusar o prazer que espera dela.”
“O Prazer na Idade Média”, Jean Verdon, 1996

O aristocrata, evidentemente, tem o direito de tomar tudo à força. O povo não passa de um bando de animais, cavalos e mulas, contentes em chafurdar na terra. As mulheres, principalmente, de carne fraca, como já vimos, são ainda por cima animais ariscos que obrigam o gentil homem a cansar-se, perseguindo-as como se fossem ovelhas. No entanto, na certeza de que “desagradável ao princípio” “o acto não se realiza sem consentimento” deverá considerar-se um gozo ser-se procurada por um cavalheiro.
O povo, e as mulheres sobretudo, servem mesmo para esmagar debaixo da pata dos aristocratas.
Hoje e sempre.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Fevereiro 2004

fevereiro 04, 2004

Fangs

I drew back my lips and showed him my fangs for a second. They are very small, actually, nothing compared to the leopard and the tiger, with which he kept company so obviously by choice. But this grimace always frighthens mortals. It does more than frighthen them. It actually shocks them. I think it sends some primal message of alarm through the organism which has little to do with its conscious courage or sophistication.

Lestat, in "The Tale of the Body Thief", Anne Rice

Bem observado.



Publicado por _gotika_ em 06:16 PM | Comentários: (3)



Apanhada nas malhas do vampiro...

E completamente hipnotizada por "The Tale of the Body Thief"*, volto assim que beber a última gota.

Como os livros estão caros, vou tentar reproduzir algumas frases interessantes. Later...

* Anne Rice, as aventuras de Lestat a seguir a "Queen of the Damned"

Publicado por _gotika_ em 01:50 AM | Comentários: (5)

domingo, 9 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004

janeiro 31, 2004

O terror não desconhecido

Espero que não tenham detestado a estorinha que escrevi aqui durante esta semana. Começou por ser uma história de terror mas eu não consigo escrever histórias de terror por isso acabou por se tornar uma história "boris vianesca", quase kafkiana (passe a presunção). Nunca tive a pretensão de assustar ninguém. A razão porque eu gosto tanto de filmes de terror é porque essa capacidade criativa me transcende. Tal como a música. Nunca vou conseguir compor uma canção. Nunca vou conseguir escrever uma história de terror.

Não me aborrece, mas já tentei e acabo sempre por cair no simbolismo. Terei medo de me assustar a mim própria e por isso me vejo obrigada a mudar o rumo à história antes que vá longe de mais? Terei medo de atrair os demónios sobre os quais escrevo? Talvez. É muito provável.

E depois, as histórias de terror já estão todas inventadas. O que existe são variantes. Basicamente, o terror pode provir de duas fontes:
- a ameaça localizada (a casa assombrada, o planeta hostil, o lugar amaldiçoado, o terramoto, a catástrofe natural, o cemitério onde dorme o vampiro...)
- a ameaça interna (o possesso, o louco, o amaldiçoado...)
E a combinação das duas anteriores. Um bom exemplo, "Amityville", onde o protagonista se muda para uma casa assombrada (ameaça localizada) e fica possuído por ela (ameaça interna). Ou o "Shinning", que conta quase a mesma história.
E tem mesmo que ser assim. Porquê? Porque a história de terror, para ser verosímil e assustar alguém, não pode ser generalizada a toda a gente em todo o mundo. Ninguém acredita na invasão dos tomates assassinos. O verdadeiro terror não pode estar disseminado (excepto o terrorismo, que é outra história). O verdadeiro terror não se encontra todos os dias na rua.
Mas há quem o encontre, mesmo assim, todos os dias na rua. É por isso que tenho tendência para ser "boris vianesca". E para ser gótica, acho eu.

Actualmente, os filmes de terror resumem-se a ser "filmes de sustos": os grandes planos inesperados, o som demasiado alto que nos fura os tímpanos... Aquele susto que se esquece assim que o filme acaba.
O verdadeiro terror é aquele que persiste quando se vai para cama e se apaga a luz. É aquele que se recorda mesmo quando não se quer pensar nele. E poucos autores conseguem essa proeza.

Edgar Allan Poe conseguiu-o com o conto em que explora o terror de ser enterrado vivo por engano.
Sim, porque as histórias de terror vivem muito da ameaça da morte. Quem não tem medo da morte não se assusta com um "Psycho" ou mesmo com um "Pesadelo em Elm Street". Um assassino é um acidente de percurso. Pode acontecer a todos. Que o diga quem já foi assaltado. Coisa pouca, portanto.
Mas ser enterrado vivo...

Para o resto da teoria sobre os filmes de terror, vejam o "Screams". Fartei-me de rir quando vi no cinema. Para saberem o que vos assusta pessoalmente, vejam nos vossos pensamentos. Vocês sabem. Toda a gente sabe.

A última tirada de génio que me impressionou realmente foi um episódio dos "Ficheiros Secretos" em que uma criatura acordava de x em x anos para comer uns quantos fígados e voltava a hibernar. Não por ser uma criatura medonha e comer fígados, mas porque tinha a capacidade de se estreitar e fazer caber por buracos pequenos como os do ar condicionado. Nunca tinha pensado nisso.
OK, também não é uma ideia nova. O vampiro tradicional também se transforma em pequeno morcego, em nevoeiro, e consegue entrar em quartos fechados.
O que é novo nesta versão dos "Ficheiros Secretos" é a forma como se explica "cientificamente" que é possível, se determinados factores e condicionantes estiverem presentes, se o ADN da criatura for xyz, e sob a coberta da ciência lá vamos assimilando a ideia.
O que também não é novo. Frankenstein também criou o monstro com o recurso à ciência mais avançada da época, a electricidade...

Um dia, quando até o fenómeno do chupa-cabras estiver explicado, vamos deixar de ter medo dos monstros científicos. Mas vamos continuar a ter medo de sermos enterrados vivos.
Ou de que a morte não seja o fim nem o começo de nada mais que pairar na escuridão, no silêncio, no vazio.

E acho que já chega. Sweet dreams.

Publicado por _gotika_ em 05:28 AM | Comentários: (3)


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Comentário:
A "estorinha" a que me refiro foi efectivamente publicada em "episódios" mas decidi não re-publicar.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004


janeiro 23, 2004

Vampiras sexuais?
Confesso que me divirto muito a pesquisar as buscas que trazem as pessoas aqui, ao blog. Há inúmeras buscas por "Gotika". Penso que procuram o filme com o mesmo nome. Confesso que ainda não vi mais do que o trailer.
A procura por "pentagrama" ainda percebo.

Mas hoje descobri uma procura por "vampiras sexuais" no Yahoo Brasil.

Ou seja, se eu escrever aqui SEXO, SEXO, SEXO, SEXO, SEXO, SEXO vem cá tudo parar?

:>

Publicado por _gotika_ em 10:59 AM | Comentários: (7)


Eis as fontes (inquinadas)...

... onde os góticos vão beber inspiração

Uma entrada do Inteiramente Eu suscitou-me comentar e pedir pormenores. Entretanto, a conversa interbloguística e privada alertou-me para explicar um pouco das fontes de inspiração góticas. Às vezes esqueço-me que estou a falar com não-góticos. Desculpem lá. Façam o mesmo esforço que me obrigam a fazer a mim. É justo.
Mas como geralmente não têm informação disponível que vos permita trabalhar para a “tradução”, porque não conhecem a linguagem, e como hoje “estou que nem posso” para trabalhar, cá vai mais uma incursão pelas tortuosas motivações da malta gótica e escritores que para ela produzem música, literatura e atrelados afins.

Dizia o Inteiramente Eu a propósito da sua visita a Hamburgo: “Hamburgo tem grande fama pela sua noite... no entanto fiquei desiludido... é uma rua cheia de discotecas, com um mini bairro da luz vermelha, mas tudo tão degradante que até me meteu impressão... nunca tinha visto nada assim, nunca tinha visto tanta degradação humana junta... Vi uma vez miséria humana, pobreza em África, mas isso são outros contos...”
E acrescentou depois: “A degradação de que eu falo é a do ser humano... Imaginemos a noite Lisboeta, com betos, góticos, tios, tias, radicais e toda a variedade que há... Tirando alguns "balázios" aqui e ali, algumas cenas de pancadaria, etc. até é uma noite bastante calma... a noite em Hamburgo, ou pelo menos no bairro de St. Pauli é de certo modo mais violenta... não em termos de violência física, mas sim em violência psicológica... Vou tentar descrever, vai ser difícil, mas vou tentar... O bairro de St. Pauli é um bairro como qualquer outro, residencial, com as suas zonas de comércio... à noite, há uma rua que está cheia de bares e discotecas de uma ponta à outra... Quando passei nessa rua a unica coisa que me veio à mente foi uma cena tirada daqueles filmes onde mostram o pior lado da noite, onde há putas em cada esquina, creeedooo esta palavra não me soa nada bem, mas por outro lado prostituta apesar de ser o termo portugues correcto também não soa bem... adiante... toxicodependentes agachados em cantos escuros... porteiros com promessas de mulheres à porta de cada discoteca... no fundo aquilo que vi não foi uma noite normal, foi sim uma noite do sub-mundo... cada discoteca era também um bar de alterne, mas nada de coisas tipo "passarele" ou "elefante branco" era tudo do mais "rasco" possível... Este era o tipo de degradação que eu via... foi uma visão que de certa forma me tocou, me impressionou...”

O que o Inteiramente Eu descreve é o ambiente perfeito para um gótico se inspirar. É daquelas coisas que nos fazem salivar, abanar o rabinho, arregalar os olhos, correr para lá. Com as descrições que tenho de Hamburgo e de St. Pauli em particular, eu é que ficaria “desiludida” se lá fosse e não visse degradação nenhuma. Por falar em St. Pauli, São Paulo, Cais do Sodré... Aqui em Lisboa o Cais do Sodré já não é a mesma coisa. Posso andar por lá à vontade que ninguém se mete comigo. A degradação mudou-se toda para o Intendente. Onde só passo de autocarro. E já chega.

O gótico não é mau. Não gosta da degradação humana. Aliás, o gótico é um moralista de primeira. Tanto é moralista que virou as costas ao mundo degradado, com quem se desiludiu de forma irremediável, e procura inspiração no lado negro da vida exactamente para o denunciar.
Aquilo que faz a maioria das pessoas olhar para o lado, é isso que o gótico quer ver, é isso que o inspira a criar. O que não é novo. Descende dos românticos e realistas do século XIX, por exemplo, Victor Hugo. Todos esses romances cheios de miséria, doença, prostituição, traição, exploração, perversidade, ganância, corrupção, têm uma continuação à altura nas nossas músiquinhas preferidas. Tenho até dificuldade em escolher um exemplo para vos mostrar. Ele há tantos e sobre temas tão vastos! Seria talvez mais fácil escolher um exemplo de excepção à regra, uma daquelas músicas góticas mais levezinhas de que toda a gente facilmente gosta!...
Aqui fica um exemplo entre tantos, o gótico puro e duro dos Sisters of Mercy do princípio (mas não lhes digam que lhes chamei góticos):

Love for the party love for the nation
Love for the fix for the fabrication
Love for the corpse for the corporation
Love for the death and for the defecation
Romance and assassination
Give me the love for the genocide
Give me love

Fix (The Sisters of Mercy)

O compositor gótico é uma espécie de jornalista da música. Gosta de relatar, de expor (mas com poesia, obviamente) sem ser interventivo. Não é panfletário como os U2 (“Sunday Bloody Sunday”, por exemplo). É mais geral e mais subtil. É literariamente cínico. Não acredita na mudança mas não concorda com o estado de coisas. Descreve-o, em palavras nada meiguinhas, e expressa com ironia mais ou menos camuflada a sua opinião sobre o facto descrito. Geralmente o facto é mau (daí a comparação ao jornalismo) e a opinião é arrasadora. As intenções são mais éticas do que políticas. Sem dúvida, moralizantes.
Mas não é música para as pessoas que gostam de enfiar a cabeça na areia e fingir que isto “it’s a wonderful world”, porque não é. A não ser que enfiem a cabeça na areia e finjam que enquanto tudo estiver bem no vosso cantinho tudo está bem em todo o lado. Como gótica empedernida, não posso sentir outra coisa do que o mais profundo desprezo por essa perspectiva de vida. Também não acredito na mudança, mas exijo pelo menos a indignação. No mínimo.

Procurando inspiração no lado negro da vida, chega-se portanto ao lado mais negro da existência que é o próprio fim, a morte. O gótico não desvia o olhar, também, da morte. Ela existe. É uma questão de ser lúcido.
E a morte, como sabem, é o tema inspirador do gótico por excelência. Perante a inevitabilidade da morte, contra quem é que o gótico se revolta? Bem, pode sempre dizer mal de Deus. Ou pode entregar-se ao inevitável e criar metáforas sobre seres imortais que vivem nas trevas e se alimentam da humanidade. Metáforas há muitas.
Lembro-me do conto de Dickens, o célebre “Christmas Carrol”, em que o velho avarento Scrooge é visitado pelos fantasmas que o alertam para a mudança que tem de se efectuar na sua vida. Lembro-me até dos autos de Gil Vicente em que intervêm anjos e demónios em luta pelas almas perdidas da humanidade. Como vêem, nada disto é invenção gótica. Trata-se de uma forma de existencialismo poético. Perante a inevitabilidade da morte, cria-se por aí fora, aproveita-se ou recria-se a mitologia, sem necessariamente acreditar em mitos. Nem é o facto de acreditar que está em questão. A fé é uma questão religiosa, não gótica. O que é gótico é criar arte a partir do horrível. A beleza da paz dos ciprestes no cemitério... A dignidade de um condenado a caminho do cadafalso... A espectacularidade empolgante do cogumelo da bomba atómica... As esculturas humanas das vítimas de Pompeia... (estes últimos exemplos são meus) A beleza do horrível ou, se preferirem, a beleza que existe no horrível.
Para quem estudou o Romantismo, nada disto é novo. Lembro-me de um poema de Bocage em que este “alegremente” invoca a noite, mochos e fantasmas...

Ó retrato da morte! Ó Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor que a ti somente os diga
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel que a delirar me obriga.

E vós, ó cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

Isto é do mesmo Bocage que todos conhecem por outras razões menos nobres. Mas quando o virginiano dá para o obscuro chega a ser teatral e excessivo...

A partir da morte vem toda a obsessão com fantasmagorias várias e sobrenaturais. À procura de uma alternativa, talvez?... À procura de uma prova de imortalidade?... Onde tudo vale, desde Deus e deuses a vampiros?

O que me leva à inevitável associação gótico/cristianismo. É difícil encontrar uma religião em que o gótico pudesse encontrar maior fonte de inspiração. Não é por acaso que a maioria das bandas góticas da velha guarda foram buscar nomes de simbologia judaico-cristã: Sisters of Mercy, Fields of the Nephilim, Christian Death...
A história do cristianismo: um homem bom, que prega coisas boas e não faz mal a ninguém, é traído, maltratado e crucificado qual criminoso (Jesus). Esta é a primeira barbaridade. Como se não bastasse, mais tarde os seus carrascos (o Império Romano) pegam nos seus ensinamentos para fins políticos e convertem toda a gente à força. Segunda barbaridade e afronta aos ensinamentos que pregam. A Igreja Católica, devidamente institucionalizada, e a Igreja Protestante que lhe seguiu os vícios, tornaram-se os maiores símbolos do anti-Cristo que puderam jamais existir. Todas as igrejas (não apenas a Católica, ao contrário que é propagandeado por uma certa desinformação anglo-saxónica) fomentaram e consentiram processos fraudulentos e desumanos que levaram supostos hereges à fogueira pelo simples facto de serem acusados de falta de fé. Suprema barbaridade. Suprema ironia de “diz o roto ao nu”. Como se tudo isto não bastasse, e apesar de tudo isto estar longe na História, os supostos cristãos continuam a defender uma moral anacrónica, a inibir a liberdade de expressão e a ditar as regras das vidas dos outros em vez de respeitarem o livre arbítrio defendido por Cristo que nunca impôs a sua doutrina a ninguém.*
Os góticos, que se pelam por denunciar a hipocrisia e a corrupção, e especialmente porque devia ser a religião a dar o exemplo, dificilmente inventariam um alvo melhor onde cascar do que a religião organizada. Por essa razão, também Marilyn Manson foi adoptado pelo movimento. Não por ser o anti-Cristo mas por denunciar o anti-Cristo.


E pronto, mais uns apontamentos prontos para o livrinho...

* Sobre a religião organizada, em particular as igrejas de inspiração cristã, sinto-me na obrigação de esclarecer a minha opinião pessoal. Que ao longo da História fizeram tudo para merecer o maior desprezo possível, disso não há dúvida nenhuma. É surpreendente que ainda tenham fiéis. Mas há que fazer justiça. A partir dos meados do século XX, a(s) Igreja(s), particularmente a católica, fizeram um tremendo esforço para voltar às origens do cristianismo. Fora algumas posições anacrónicas (como a questão do preservativo, por exemplo), começaram a tomar em conta o livre arbítrio e a honestidade (coisa que não devia acontecer desde o tempo de São Tomé, o apóstolo céptico, há quase 2000 anos). As altas autoridades da Igreja Católica (Papa João Paulo II excluído mas perdoado devido à idade avançadíssima e ao estado de saúde) são actualmente mais liberais do que os fiéis que vão à missa, e só não avançam para reformas mais estruturais para não chocarem as sensibilidades retrógradas das próprias personalidades que forjaram no princípio do século. Conclusão: é preciso morrer muita gente antes que isto ande para a frente. Começando pelo Papa. Tenho dito.

Publicado por _gotika_ em 06:50 AM | Comentários: (2)


"Somebody's cat"

Somebody's cat went missing last night,
Somebody's cat had a terrible fright,
Somebody's cat was very brave,
So many kind people his life tried to save.

No-one's name hung from his collar last night,
Just a strip of tape for reflecting the light,
But a small strip of tape can in no way compete,
With so many cars and a busy town street.

It's such a dangerous world outside for cats,
With fast cars and dogs and with poisoned rats,
Someone, somewhere by a window will wait,
Thinks: "He'll be home soon, though it's now late.

"Just a number to call could have meant instead
Of kind strangers she could have held his head,
I wonder if she's sorry she let her cat roam,
When he could have been so safe in her home?

The morning sun would have warmed his soft fur,
As he sat on her lap to wash and to purr.
Somebody's cat gave death quite a fight,
When somebody's cat died late last night.

C. H. Campagna


Publicado por _gotika_ em 02:48 AM | Comentários: (0)


~~§~~


Comentário:
Link para o blog Inteiramente Eu já não existe.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004

janeiro 21, 2004

O fio da meada II

Certas pessoas sentem uma necessidade imensa de manter um diário pessoal. Lembram-se de Anne Frank? A adolescente vivia clandestinamente numa divisão secreta junto da família e outras pessoas a que se resumia o seu pequeno mundo limitado pela perseguição nazi. Anne Frank não podia sair de casa. Não era livre. Nestas condições, perguntamo-nos se teríamos paciência para escrever um diário de trivialidades. Mas era isso mesmo que a jovem fazia. Possivelmente, aquele diário era a sua única ligação a uma realidade normal. A sua única vida de adolescente normal. Tudo o resto estava adulterado pelos tempos de insanidade em que teve o azar de viver. Acabou por morrer num campo de concentração. Desses últimos tempos não temos uma única linha de Anne Frank. Todos os que lêem o diário se questionam, o que teria ela escrito se pudesse escrever? Quais seriam as suas últimas palavras registadas no diário ao saber que ia morrer?
Falaria disso, da sua morte iminente, ou perder-se-ia a descrever a última refeição, a última discussão, a cor da sua roupa de prisioneira, o mau humor do chefe do campo de concentração?
Ambas as hipóteses são possíveis. É a vida de Anne Frank, e o seu trágico destino final, que nos impressiona no seu diário, pela ausência.
Nos nossos desabafos bloguísticos raramente descrevemos o óbvio. Tal como Anne Frank não falava do nazismo. Para ela, viver sob a perseguição nazi era secundário. Não constituía material de escrita. Para nós é o óbvio, o pungente da história. Mas no seu diário, Anne Frank fala de sentimentos, não de História. Não que não lhe interessasse mas porque naquele tempo era um dado adquirido que a vida de um judeu clandestino era assim, não havia outra maneira, por isso não tinha a relevância que nós lhe atribuímos.
Cercada pela armadilha do destino do seu nascimento na hora errada e no local errado, Anne Frank fazia o que podia para tentar levar uma existência normal. O mais normal possível.
Escrevia o seu "blog". Não o fez online porque não havia internet. Mas um dia todos teriam oportunidade de lê-lo. E comentá-lo.
Sentimo-nos próximos dela como se a tivéssemos conhecido pessoalmente.
Portanto, ter um blog não é nada de novo. O que é novo é poder dá-lo a ler aos outros, como dantes se emprestava o diário em papel aos amigos. É como escrever um diário e deixá-lo numa paragem de autocarro. Quem chega pode lê-lo e escrever os seus comentários. O dono do diário regressa, lê os comentários e escreve as entradas do dia.
O diário não perdeu o seu secretismo. Lembram-se daqueles diários antigos, que tinham uma chavezinha e tudo? Não vejo diferença entre escrever e fechar o diário à chave e escrever para um público desconhecido. O espaço confessional mantêm-se e o anonimato é preservado.
Custa-me a entender, contudo, alguns de nós que publicam sob o nome verdadeiro, deixando que todos saibam quem são. Dão um novo sentido à frase "a minha vida é um livro aberto". Não têm nada a esconder. Sentem-se socialmente tão aceites que não precisam de temer as represálias sociais.
Neste sentido, eu não sou um livro aberto. Não pelo que faço porque não tenho comportamentos socialmente ilegais ou condenáveis. Mas os meus pensamentos são politicamente incorrectos, são subversivos, são incomodativos, e há que ter cuidado com quem se partilham.
É por isso que muitas vezes nos blogs se lê "aqui posso ser eu", "aqui posso dizer o que penso", "aqui não preciso de representar". Tal como Anne Frank no seu diário, ao escrever o blog deixamos em segundo plano a perseguição da maioria que nos obriga a representar um papel que muitas vezes odiamos. O blog é o espaço da liberdade última, aquela que não nos podem roubar: a liberdade de pensar.

Publicado por _gotika_ em 07:04 AM | Comentários: (7)

sábado, 1 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004

janeiro 16, 2004

E Marilyn Manson, é gótico?...

Coitado! Certamente ele não desejaria tal sorte. Estar musicalmente associado ao movimento gótico é um estigma muito mal cotado entre as grandes editoras internacionais.
O que está em causa é que, mais do que o artista decidir que quer fazer música para góticos, é o movimento que escolhe os artistas de que gosta. A opinião do artista não é de todo levada em conta (veja-se o caso Sisters of Mercy). Como Joy Division ou Depeche Mode (cujos estilos musicais sempre estiveram muito longe do rock gótico “padrão”), Marilyn Manson faz agora parte da lista obrigatória de qualquer local gótico. Foi adoptado, quer ele o desejasse quer não. Agora é tarde. Mas qualquer artista que “brinque” com símbolos religiosos e esotéricos, morte, sexo e violência arrisca-se a ser seleccionado.
Marilyn Manson deve ser odiado por metade dos góticos (principalmente os da minha idade) e adorado pela outra metade. Eu gosto.
Quando ouvi falar dele pela primeira vez julguei tratar-se de mais um espectáculo teatral do género Cradle of Filth. Quando li as letras percebi que a genialidade do homem é principalmente a forma como faz passar a sua mensagem, utilizando todo o marketing da sociedade para criticar a própria sociedade. Se ele se tornou grande, foi o extremismo americano que o pôs nos píncaros, exactamente o mesmo fundamentalismo que lhe proíbe os espectáculos sem perceber que o fruto proibido é o mais apetecido. Diga-se de passagem, há muita coisa que os americanos não percebem. O próprio Manson afirmou que a Europa é muito mais culta e que por isso não estranha que os seus concertos não sejam proibidos no velho continente.
Muitas partes da mensagem de Manson dirigem-se à sociedade americana. As constantes referências ao presidente morto, o slogan “do you love your guns, God, the government?”, as travessias no vácuo do espaço, não tenham dúvidas, não são para nós. Quando Manson se torna mais universal, “this is evolution: the monkey, the man, then the gun”, aí sim, é para todos.

Se há alguma contradição à volta de Marilyn Manson, não é a banda que a promove. A banda limita-se a fazer música e expressar a sua opinião. A reacção da sociedade é que é notavelmente exagerada. Marilyn Manson, o génio, apenas aproveita para a manipular a seu favor. Genialmente.
A grande contradição está no facto de que Brian Warner passa muito mais tempo a pensar em Deus do que os supostos cristãos que passam o dia a pensar como destruir Marilyn Manson, a ameaça. Brian Warner conhece as fragilidades destes cristãos “convictos”.
Não me admirava nada, daqui por uns anos, de ver Marilyn Manson convertido. Precedente já tem. Nick Cave também começou perdido entre o bem e o mal e hoje é um crente.

Publicado por _gotika_ em 04:55 AM | Comentários: (7)


Os góticos e o misticismo

Vamos lá ver uma coisa!... E podem citar-me onde quiserem, até agradeço.
Não há símbolos góticos. Todos os símbolos que os góticos usam não são de invenção gótica. As cruzes, os pentagramas, os símbolos celtas e egípcios, como o próprio nome indica, pertencem ao seu local de origem.
É um facto que os góticos como sub-cultura urbana são uma montra de símbolos. Muitos deles nem sabem o significado daquilo que usam, mas usam à mesma.
Podemos afirmar sem nos enganar muito que os góticos têm tendência para o misticismo. Porque se interessam pelas ciências ocultas, pela religião, pelo sobrenatural, pelo esoterismo, pela magia, tudo conceitos que já definiam o gótico desde o século XIX, será mesmo uma questão de personalidade. Todos estes conceitos são abordados na música chamada gótica. A postura que individualmente adoptam perante cada um deles é que pode ir da pura descrença à prática de qualquer religião ou filosofia. Já encontrei góticos pagãos, cristãos, e góticos que não acreditam em nada. É normal que as pessoas usem adornos na forma de símbolos que lhes dizem alguma coisa. Perguntar a um gótico porque usa uma cruz é o mesmo que perguntar a uma velhinha acabada de sair da missa porque usa uma cruz, se bem que aposto que a resposta do gótico é bem mais interessante e subversiva... No entanto, não deixa de ser uma opinião muito pessoal.
Vem isto a propósito da confusão que vai na cabeça de muita gente de que os góticos são todos satânicos, adoradores do diabo e coisas quejandas. Por um lado isso é bom porque mantém os bimbos à distância, não sejam eles sacrificados em qualquer ritual esquisito ou embruxados pelo “mal de olho” das bruxas que por lá andam. Não se esqueçam que no século XIX ainda se queimou uma bruxa em Portugal! A superstição existe mesmo! Nas zonas do interior acredita-se mesmo nisso!
Tirando o facto de assustar os bimbos, não é mesmo nada bom estar associado a uma filosofia de vida que é partilhada por alguns góticos, não duvido, mas que de forma alguma se pode generalizar a todos. Meter isto na cabeça das pessoas mais velhas é que não vejo como!
Começou tudo com Marilyn Manson, que deu em vestir-se como os góticos e foi desde sempre associado ao satanismo (ainda estou para saber até que ponto é que ele partilha da filosofia satânica moderna, mas acho que também não é da minha conta). Não vejo que este estigma abandone o movimento gótico enquanto não aparecer um artista que os góticos ouçam e que tenha uma filosofia de vida pior do que Brian Warner. Porque não haja dúvida, a sociedade só abandona um preconceito mau em troca de outro ainda mais sumarento.
Preparem-se, portanto.

Publicado por _gotika_ em 03:28 AM | Comentários: (1)

domingo, 25 de novembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004

janeiro 12, 2004

Ainda a definição de “gótico”

Disse Alma: “Até hoje ainda não tinha lido uma definição tão clara :) acerca dos góticos. É incrivel como poderemos ser incompreendidos ...” e disse Anubis: “Acho que a tua definição de gótico é excelente e muito esclarecedora.O facto das pessoas "normais" não nos compreenderem e aceitarem na nossa diferença é de facto horrível”.

Obrigada pelas palavras simpáticas mas as minhas tentativas de descrever, não definir, o gótico, ainda se ficam pelos apontamentos soltos aqui e ali, conforme me for lembrando.
É difícil definir um movimento ao qual próprios elementos negam pertencer. Daí que, quando falamos no conjunto, seja possível apenas expor os traços gerais. Os góticos já são bastante individualistas por natureza e gostam muito de pensar que são únicos e indefiníveis. A arrogância também é um traço geral. ;)

Quanto a serem incompreendidos, não sei se concorde. Não sei se os góticos são mais ou menos incompreendidos do que os outros grupos sociais. A verdade é que pouca gente se esforça por compreender seja o que for que fique fora do seu pequeno mundo. Se há preconceitos sobre os góticos, também os há sobre outros grupos sociais. Porque havemos de dizer que os góticos são incompreendidos? Não o somos todos?...

Publicado por _gotika_ em 07:11 AM | Comentários: (2)


Aula de comunicação

Agora que fiz a boa acção do mês já posso ser mázinha à vontade.

Vem isto a propósito do comentário deixado por scumofthehearth ao post “Outra consideração sobre o movimento gótico - to be or not to be?”, que reza assim:

“ai ai... olha lá.... e se andassemos todos nus? hein?”

Olha a porta a que vieste bater! Eu até faço topless na praia. Naturismo não, porque ainda não calhou. Talvez um dia.

Mas isto levanta considerações de ordem mais abrangente e cultural, por isso listen to me carefully, I shall say this only once. Depois da dissertação socio-historico-antropológica que vou dar a seguir, se alguém voltar a deixar comentários imbecis sobre a roupa que as pessoas vestem, será imediatamente chamado de inculto, ignorante e estúpido. Estou a avisar.
É que nem é preciso um curso superior para aprender isto. Eu estudei esta matéria no liceu, antes do 12º ano. O que andaram lá a fazer? A tirar macacos do nariz e a colar nas carteiras? Tanta ignorância é culpa vossa, por isso é imperdoável. Não terei misericórdia.

A roupa que as pessoas vestem é uma convenção social. No princípio, o homem andava nu. Não me refiro ao princípio bíblico, à história do Adão, da parra e da serpente. Não. O homem (homo sapiens) andava nu porque teve origem nas savanas de África. Sabiam, não sabiam, que todos nós somos africanos e que por isso o racismo é disparate?... Claro que sabiam. São muito cultos. Nas savanas de África, dizia eu, o homo sapiens preocupava-se em procurar alimento e água, não em cobrir o corpo. Tal como os animais, andava em liberdade, aproveitando o clima quente do continente. Devido à desertificação, o nosso antepassado viu-se forçado a migrar para Norte, onde o clima era mais frio, e começou a cobrir-se com as peles dos animais caçados. Não por vergonha, mas mesmo por ter frio. Criatura inteligente e espiritualmente desenvolvida, inventou uma coisa chamada “adorno” e uma coisa chamada “pintura corporal” para usar e mostrar o seu estatuto dentro da comunidade. Com o desenvolvimento destas estruturas rudimentares de civilização, passou a ser proibido aos caçadores usarem os adornos e pinturas dos feiticeiros da tribo, e vice versa. Feitos de ossos de animais e pedras esmagadas, estes adornos e pinturas tornaram-se numa forma de linguagem não verbal que ainda hoje existe. A certa altura, deixou de ser importante usar roupa por estar frio mas sim porque a roupa usada descrevia de forma inequívoca o estatuto social de quem a usava. Por exemplo, o rei usava coroa, e não era para proteger a cabeça. Ninguém mais a podia usar, só o rei.
A roupa que se veste faz parte da comunicação não verbal entre seres humanos. A comunicação não verbal é mais vasta e mais importante do que a própria comunicação verbal, e engloba a roupa, o penteado, o cheiro, os gestos, as expressões faciais e corporais, o tom de voz, etc. Todos nós lhe damos mais importância do que àquilo que as pessoas dizem. Um exemplo rápido e tosco: uma pessoa pode falar muito bem mas se chegamos ao pé dela e cheirar a suor, provoca em nós um impacto mais negativo do que uma pessoa que não sabe falar mas não cheira mal. A comunicação não verbal tem as mesmas regras da comunicação verbal. É a sociedade que as define. Na Escócia, os homens usam kilt. No Oriente, a cor do luto é o branco. Regras sociais, nada mais. A nossa aparência diz mais de nós do que as próprias palavras, quer queiramos quer não. Pela aparência conseguimos determinar quase imediatamente a classe social, o estatuto, a profissão, a idade, a personalidade e até a nacionalidade do indivíduo. As tribos urbanas como o gótico e o freak, por exemplo, permitem até determinar que tipo de música a pessoa ouve. Se formos ao pormenor dos adornos, se usa uma cruz ou uma cruz invertida, ou determinado símbolo, até conseguimos perceber aquilo em que a pessoa acredita.
Os grupos e os sub-grupos vão determinando as regras desta comunicação até que por vezes as palavras são desnecessárias. Não porque sejam telepatas (como dizia outro comentário “inteligente”) mas porque a profusão de símbolos utilizados já formam um discurso bastante elaborado sobre a personalidade de cada um. Discurso esse que só é compreensível pelos membros do mesmo grupo, que conhecem as regras da sua linguagem interna.

Isto passa-se nas empresas, nas famílias, nas nações, nos grupos de amigos, nos grupos religiosos, enfim, em todo o lado.

Agora não me deixem mais comentários idiotas sobre a roupa, ou conhecei a minha ira.

Vamos é aos temas verdadeiramente interessantes.

Publicado por _gotika_ em 06:55 AM | Comentários: (7)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A música que descobri depois de 1990

Já me pediram, as vezes bastantes, para fazer uma listagem das bandas que um gótico não pode deixar de ouvir. Penso que entretanto já bastante gente o fez, pelo que não é isso que vou fazer.
O concerto dos Rosa Crux lembrou-me que a música não acabou nos anos 80 e que nunca aqui falei da música de que passei a gostar desde aí. Tenho reparado que pouca gente o faz. É difícil, confesso, mas graças ao leitor de música digital, onde consegui colocar toda a música que possuo, toda mesmo!, tornou-se mais fácil não esquecer ninguém.
[Nos meus tempos, para fazer uma listagem destas, era preciso andar a revirar CDs, discos e K7s! Como é fácil a música hoje em dia!]
Não vou falar dos Sisters of Mercy, nem dos Fields of the Nephilim, nem dos Dead Can Dance, nem dos Christian Death, nem dos Bauhaus, nem de Peter Murphy, nem dos Mission, nem dos Cult, nem dos All About Eve, nem de Joy Division, nem de Siouxie & the Banshees, nem de Nick Cave (com ou sem Bad Seeds), nem de Red Lorry Yellow Lorry, nem de Mão Morta, que foram as bandas que formaram o meu gosto musical para todo o sempre e eternamente terão um lugar no meu coração e todos os álbuns gravados no meu cérebro, onde de vez em quando começa a tocar este ou aquele tema destes senhores e senhoras.
Muito menos vou falar dos que nunca gostei, como os Cure, embora toda a gente ouvisse, nem dos Smiths, por quem não morria de amores embora toda a gente me matraqueasse com eles. Do punk, infelizmente, nunca me vou esquecer de tanto que tive de o suportar, mas tento!
E não vou mencionar os nomes clássicos de que só gosto de algumas músicas, como os Alien Sex Fiend, os Chameleons, os Cocteau Twins, os Echo & The Bunnymen, os Jesus & Mary Chain, os Love & Rockets, os Virgin Purnes, os Depeche Mode, os Rose of Avalanche e muitos outros.
E obviamente não vou falar dos que conheço mas de que nem sequer existe uma única música no meu leitor de música.
Porque a música para mim é um amor. Não se ama um bocadinho. Ou se ama ou se deita fora. Não há meio termo.
Do que vou falar é daquelas bandas e artistas que desde esses tempos iniciais de espanto e pavor me embalaram durante os momentos maus (e os bons) e tornaram a existência menos insuportável. Nem todos são góticos. Na verdade, desenvolvi uma inclinação pelo neo-folk, como poderão constatar, que também não é assim tão estranha considerando que Dead Can Dance estão lá em cima no topo da lista.

Vou falar, enfim, dos que passei a gostar depois de 1990. Heresia. Confissão. Danação.
Aqui vai, em ordem alfabética, porque depois dos que estão no topo da lista ninguém os conseguiu ultrapassar nem adianta tentar distinguir favoritos.


Adrian Alexis


Não sei o que aconteceu a este senhor. Grande música gótica, rock e electrónico, conheci-o através da Radio Ghoul School com o clássico "I want to be a vampire", segui os links. Não há nada que este senhor tenha feito de que eu não goste. Na altura o próprio Adrian Alexis disponibilizava música online pelo que tenho uma vasta colecção. Depois, desapareceu. Retirou o site, retirou as músicas. Pelo que percebi dos posts dele, tinha uma personalidade aberta e simpática, muito humilde para tamanho génio. O senhor é esquizofrénico e partilhava muita informação sobre a sua... condição. Não gosto de lhe chamar doença. É do conhecimento geral que muitas vezes o génio anda de mãos dadas com a loucura. Este é um dos casos.
Se quiserem procurar, ainda conseguem ouvir.
Por exemplo, aqui.
Vale a pena procurar.


Arcana
Conheci-os muito recentemente, devido ao Entremuralhas, e percebi o que andava a perder. Neoclassic darkwave. Não consigo parar de ouvir o álbum "Le Serpent Rouge". Uma paixão assim deixa sequelas.


Frank the Baptist
Catalogados como rock gótico/alternativo. Gosto do álbum "The New Colossus". Parece-me, todo ele, música de bêbedos para bêbedos. Aquelas coisas verdadeiras que só os embriagados conseguem dizer e só os embriagados sentem intensamente. Muito amor, muito ressentimento.


The Golden Palominos


The Golden Palominos, para mim, foi um projecto e um álbum. Já existiam antes, mas apenas quando o mentor do projecto Anton Fier compôs a música para a poetisa Nicole Blackman surgiu o álbum "Dead Inside". O último, o perfeito. Música, sons e spoken word. Entrou e mim e completou-me e faz parte de mim. Há mais nesta história. Faz parte da minha identidade, literalmente. Há coisas assim, que parecem ser feitas de propósito para alguém.


Grinderman
Eu disse que não falaria de Nick Cave, mas não na verdade não estou a falar do Nick Cave dos anos 80 mas do Nick Cave de agora. Continua, com os Grinderman, e os Bad Seeds, a fazer música e letras como antes, senão melhores porque amadurecidas. E cá está ele, muito vivo. Nos anos 80 ninguém lhe adivinharia semelhante futuro, não por falta de génio mas pelo resultado previsível a que conduzem os abusos. Ainda bem que esta excepção confirma a regra.


Hamza El Din


Hamza El Din, músico núbio já desaparecido, é considerado um dos pioneiros da world music. Conheci-o por acaso do genérico final de um filme, "Uma Paixão no Deserto", e, como tantos outros, fiquei presa à sua música hipnótica. Como disse a princípio, os meus gostos têm-se inclinado na direcção do étnico e do folk. O que não é estranho. Os Sisters of Mercy têm uma das melhores canções de todos os tempos na versão de "Temple of Love" cantada (ou melhor, encantada) por Ofra Haza (também desaparecida, precocemente). Existe em Hamza El Din uma melancolia do deserto, uma espiritualidade que alcança um divino em que a língua não é barreira. Começar a ouvi-lo, nos anos 90, pode ter aberto as minhas portas a um outro tipo de música. Folk, ou neo-folk, mas sempre melancólico.


Irfan
Vieram com os Arcana. Neo folk búlgaro. Na altura mencionei a banda mas desde aí descobri mais. Durante muito tempo, bandas como os Irfan não conseguiam ultrapassar o meu preconceito de "imitação de Dead Can Dance". Tendo "crescido" musicalmente com o original, não era fácil entregar-me aos seguidores. Nada fácil. Havia mesmo uma resistência, uma feroz fidelidade, uma recusa. Foi preciso muito tempo, muito tempo mesmo, para ouvir "Hagia Sofia" e reconhecer a perfeição numa canção que podia ser cantada por Lisa Gerrard, mas não é, e não deixa de ser boa por não ser. Mas, para mim, durante muito tempo, não foi.


Le Mystère Des Voix Bulgares
Nem de propósito, e ainda por cima a seguir alfabeticamente aos Irfan, e para mal dos Irfan, também "cresci" a ouvir Le Mystère Des Voix Bulgares como me foram apresentadas pela editora mítica 4AD, música sombria e bela e alternativa. Tão fantasmagórica que causava arrepios na espinha. E também acho que desde esse mítico primeiro álbum (homónimo) as senhoras de Le Mystère Des Voix Bulgares se venderam. Mas continuei à procura, e continuei a ouvir. Para mal dos Irfan, digo eu, porque catalogava estes últimos como mistura de Dead Can Dance e Voix Bulgares, duas imitações em um. Não é fácil competir com os mitos da infância. Mas voltando às Voix Bulgares, porque acho que se venderam? Porque se viu que o filão rendia e começou a massificar-se. Apanhei-as a cantar um tema em espanhol (vendidas)! Mas também as apanhei a cantar uma cantiga de amigo, sim, leram bem, uma cantiga de amigo que estudei na escola. "Tih vyater vee" não é mais do que uma versão das "ondas do mar de Vigo". Em galaico-português, com sotaque búlgaro. Aquilo é tão triste, tão arrastado, que se percebe melhor de onde veio o fado. "Ai Deus, se vistes meu amigo"... Bebi muito, e ouvi muitas vezes.


Lisa Gerrard
Para mim, é a voz da Deusa. Quem leu "As Brumas de Avalon", ou mesmo quem não leu mas quem sabe à mesma quem é a Deusa, percebe-me. Não é um anjo, não é humano, é Ela quem fala pela voz de Lisa Gerrard, e porventura, por isso, Lisa Gerrard não canta palavras de língua humana... Depois dos Dead Can Dance Lisa Gerrard continuou a solo, num registo mais semelhante aos Dead Can Dance do que aquele por que decidiu enveredar Bryan Perry, não tão completo porque falta a magia do duo, e muito mais comercial do que era, na minha opinião, mas num registo igualmente obscuro que deve calar de perplexidade os "normais" que a ouvem por acaso na banda sonora de um filme e têm duas reacções: ou gostam muito mas nem sabem o que procurar ou fogem de medo. Acontece muito, quando se ouve a voz da Deusa.
A solo, alguns dos meu temas preferidos de Lisa Gerrard são "Sailing To Byzantium" e "The Rite", mas soa tão fútil dizer uma coisa destas quando todos os versículos são sagrados...
Como poderiam uns Arcana, uns Irfan, competir com uma devoção assim?


Marilyn Manson
No deserto dos anos 90, porque aquilo foi um verdadeiro e interminável deserto em que só se ouvia grunge e as velhas glórias dos anos 80, cada vez mais decadentes e decepcionantes, Marilyn Manson foi uma lufada de ar fresco. Ou melhor, uma lufada de verdadeiro ar envenenado, que era o que se precisava. Eu não assisti a Marilyn Manson como os adolescentes dos anos 90 assistiram, nem podia. Eu tinha uma memória musical que evocava a teatralidade de David Bowie e Peter Murphy, a blasfema heresia dos Chistian Death, o halloweenismo de Alice Cooper. Como poderia eu olhar para Marilyn Manson e não apreciar o espectáculo com um sorriso? Não é assim para os adolescentes em relação aos seus primeiros amores. Para eles, é muito sério. Ou amam ou odeiam. É preciso criar distanciamento para gozar o espectáculo. Se Marilyn Manson é genuíno? É genuíno como um filme é genuíno. O filme é verdadeiro; o que se passa dentro do filme é ficcional. De modo que sorria com condescendência quando os nascidos para a música nos anos 90 lhe chamavam "poseur". Os amores e os ódios que Marilyn Manson despertava originavam-se nesse equívoco. Nos anos 90 assistiu-se a um fenómeno estranho em que se disse que "o alternativo se tornou comercial", e isto de alguma forma foi verdade e criou preconceitos que eu não partilhava. Para alguns, Marilyn Manson era muito "comercial". Mas esses, dentro da cena, esqueciam-se de que para a grande maioria das pessoas (os normais) Marilyn Manson era, e é, insuportável.
Tentemos colocar-nos nos anos 90. Antes da massificação da internet. Havia grunge, muito grunge, havia uns malucos como os Cradle of Filth, e havia o gothic metal a inundar a cena a um ponto que era eu quem considerava insuportável, e de repente surge um homem, maquilhado, teatral, a fazer música com melodia e refrões que realmente pegavam! Claro que gostei. Adorei. Tirando os Rammstein, Marilyn Manson foi o único projecto de que me tornei fan nos anos 90. [Quando digo fan não me refiro a gostar de um tema ou dois; falo da globalidade da obra.]
O que me leva a mencionar rapidamente os Nine Inch Nails, banda próxima, de que não gosto particularmente, e que ninguém queria dançar numa pista de dança gótica nos anos 90. Era tudo gothic metal. Neste deserto, eu abracei Marilyn Manson. Quando já não acreditava que houvesse vida depois do gótico. O gótico, para a imprensa, já não era alternativo, já não era a vanguarda, aliás, a própria palavra "vanguarda" tinha saído do dicionário musical como obsoleta (e saiu mesmo e nunca mais voltou) e nunca mais se ouviu falar de qualquer banda gótica depois dos anos 90. Existiam mas não se falava dos que as pessoas andavam a fazer. O gótico tinha sido abafado pela imprensa, e pelas rádios, mesmo as alternativas. (Eventualmente, também a imprensa e as rádios alternativas desapareceram. Lembram-se da XFM, lembram-se do Blitz jornal?) Pergunto-me mesmo se a cena não teria desaparecido se não fosse o estrondo da internet em todos os lares, de repente, a provar que afinal havia gente. Que há gente. Que está aqui. E ali, e ali.
Marilyn Manson foi, para mim, a única banda a fazer música que se ouvia nos anos 90 (antes dos Rammstein), e abracei-o(s) com ambos os braços.
Os últimos álbuns não têm sido tão bons como os primeiros mas continuo a ouvir.


Miranda Sex Garden


Esta foi uma banda que começou a cantar a capella e descarrilou, para nossa delícia, no álbum "Fairytales of Slavery", entre o ethereal, o darkwave e as guitarras cortantes. Não sei se elas imaginaram que estavam a fazer música para góticos, mas eu leio as letras sombrias e sei que não pertencem noutro lado nenhum. Tudo indicam que acabaram.


Moonspell
Gostei muito dos primeiros álbuns. Gothic metal português como nunca tínhamos ouvido na vida. Obviamente, gostei muito. Doía-me, contudo, ouvir um jovenzinho falar dos Fields of the Nephilim e dizer que lembravam os Moonspell. Doía, porque mostrava a que ponto tinha chegado o desprezo da imprensa pela cena gótica. Já não havia ninguém a elucidar os mais novos de que se havia semelhanças tinham sido os Moonspell a crescer com os Nephilim e não o contrário. Com a internet, este lapso foi corrigido. Mas não graças à imprensa. [A internet, os fóruns, os sites pessoais, os blogs, os webzines, têm sido os únicos divulgadores da cena e da música que agrada à cena. Tudo se tornou, após o ano 2000, o "do it yourself" de que falava o punk.]
Pessoalmente, acho que o gothic metal teve o seu tempo, abusou do seu tempo, e ultrapassou o seu tempo. O metal tem tendência a fazer isso, motivo pelo qual os Iron Maiden ainda mexem. Por mim, estou farta de gothic metal. Foi como o punk. Demais.


Nephilim
Eu disse que não ia falar dos Fields of the Nephilim, porque são os Nephilim. Um único álbum, "Zoon", 1996. Estilo: industrial. Demorei uns dez anos a encaixar aquilo. Tive a sorte de os ver ao vivo e de sentir o chão estremecer. E continuar a não conseguir encaixar aquilo. Depois, foi interessante. Quando finalmente encaixei compreendi que tinha sido avançado demais para o seu tempo. E eu a pensar, erroneamente, que era a pior coisa de sempre saída dos lados de Carl McCoy. Hoje em dia, até considero "Zoon" levezinho. Já consigo ouvir as melodias. Ah! Estão lá, debaixo do barulho! Era muito barulho para aquele tempo.
Lembra-me uma cena de "Regresso ao Futuro", em que o protagonista, vindo dos anos 80, sobe ao palco nos anos 60 e se põe a tocar rock'n'roll com uma guitarra. Toda a gente gosta muito até ele começar com os solos à heavy metal. Não era falta de gosto. Simplesmente não estavam preparados.


Nirvana
Ouvi Nirvana. Ouvi tudo de Nirvana. Nunca gostei de Nirvana como os adolescentes dos anos 90 gostaram de Nirvana, mas gostei muito de Nirvana. Para eles, foi o primeiro amor. Para mim foi um amor interessante. Mas faltava ali qualquer coisa. Faltava o sublime maior do que a vida. No grunge, a morte é a morte. No gótico, a morte é sempre algo mais. Falta ao grunge a beleza de querer ir ter com ela.
Pensei que era só eu mas muita gente me diz que ainda não consegue ouvir Nirvana. Eu também não consigo. É amargo.
Para ser completamente honesta, também gostei/gosto muito de Alice In Chains, mas não lhes vou reservar uma categoria própria. É a mesma coisa. Amargo. Preso à realidade de que o grunge queria escapar através das drogas. Mas, sem o sublime, a tristeza é apenas depressiva. O grunge era sobre a realidade. O gótico não é.


O Quam Tristis
Os meus gostos têm andado por caminhos por que jamais suspeitaria enveredar nos tempos do rock gótico dos anos 80. Banda electrónica com voz de igreja a cantar em latim? Sem sequer perceber o que eles dizem? Mas não é assim tão estranho. Por opção, eu estudei música na escola. Cantei aquelas litanias dos monges da Idade Média. Só podia dar nisto, na verdade.


Paradise Lost
Aqui está o exemplo de uma banda que melhorou com os anos. Na minha opinião, isto é. Cada vez menos metal, cada vez mais gothic. "One Second" foi um bálsamo nos deserto dos anos 90. Ficarei eternamente grata. Já não ouço muitas vezes.


PJ Harvey
Sempre pensei que ia gostar mais dela mas o nosso romance ficou-se por "To Bring You My Love".


Prodigy
Gostei de algumas músicas dos Prodigy. Achava-os capazes do mais perfeito e do mais parvo. Guardei o perfeito mas tenho vindo a reparar que envelhece depressa.


Rammstein
Das primeiras vezes que os ouvi quase sofri do mesmo efeito que me provocou "Zoon" dos Nephilim. Muito barulho. Eu estava habituada a procurar primeiro a melodia e só então prestar atenção à caixa de ritmos. (Vícios de fan dos Sisters.) A passagem do rock dos anos 80 para o industrial/electrónico dos anos 90 foi, na minha opinião, um problema de barulho. Não falo de decibéis, que disso a gente já gostava. Falo de percussão tão pesada que ofuscava a melodia. Era difícil encontrá-la e apreciá-la debaixo do barulho.
Há dúvidas sobre se os Rammstein são góticos, mas não há dúvida de que os góticos gostam dos Rammstein. Quanto às dúvidas, vou expô-las. A música, tecnicamente, e não penso que haja grande controvérsia sobre isto, define-se mais como industrial do que electrónico. Mas as letras contam uma história completamente diferente. Lembro-me, por exemplo, de "Klavier", que é toda fantasmagórica. E de "Sonnen", apocalíptica. Neste tempo de fusões, não arrisco a inclinar-me para uma opinião. Que os Rammstein se expõem a ser amados pelos góticos, com aquelas letras, com aquela música, expõe-se. Nos últimos anos da década de 90 e primeiros da década seguinte, os Rammstein assumiram o papel de ídolos, e continuaram por ali fora até às brincadeiras que a gente sabe ("Te Quiero Puta!"). Ouço regularmente. Mas não como ídolos, pois os meus ídolos são outros, e caíram, e não podem ser substituídos.


Rosa Crux
Descobri-os tão recentemente (embora tardiamente) que ainda não tive tempo de os processar melhor do que fiz aqui. Posso dizer, no entanto, que me motivaram a fazer esta lista. E que me levam a pensar em quantos mais tesouros ficaram enterrados na voragem de tudo o que os anos 90 abafaram.


Rubicon


Não posso fazer esta resenha e não mencionar os Rubicon, apesar da sua efemeridade. Os Rubicon foram a banda formada pelos outros Fields of the Nephilim quando se separaram de McCoy. Durou pouco, teve um grande álbum, "What Starts, Ends", e de facto não demorou muito a acabar. As guitarras dos Fields estavam lá mas faltavam as letras místicas de McCoy. Ainda assim, um grande álbum. E continuo a ouvir, e continuo a gostar, o que deve querer dizer alguma coisa. Afinal, era o núcleo musicalmente criativo dos Fields que ali estava.


Soundgarden
Grunge com atitude. Estes não queriam dar um tiro na cabeça. Estes esperneavam e davam luta. Por isso, também, gostei deles.


Suicide Commando
Devo confessar que comecei a ouvir os Sucide Commando por sugestão de um amigo e que os considerava demasiado electrónicos para levar a sério (outro preconceito), por isso usava-os como som para fazer ginástica em casa. Não, não estou a brincar. Ainda uso. E os VNV Nation também. Mas entretanto, "Die Motherfucker Die", descobri nos Sucide Commando uma homicida agressividade que vem mesmo a calhar ao espírito dos tempos. Cada vez gosto mais deles.


The Creatures
Até fica mal falar aqui de The Creatures (porque me faz parecer tremendamente musicalmente ignorante) mas a verdade é que só os descobri já depois de 2000. The Creatures é uma banda paralela aos Siouxsie & The Banshees. Com uma longevidade notável para uma banda paralela! Contudo, apesar de conhecer a sua existência, talvez porque a moda nos anos 80 fosse mesmo a Siouxsie, nunca tive oportunidade de os ouvir a sério. Simplesmente nunca aconteceu. Mas também não era fácil acontecer. O acesso à música era a todos os níveis limitado. Primeiro, era preciso saber que existia. Só se conhecia o que tinha destaque na imprensa ou nos fanzines ou quando os amigos recomendavam e emprestavam. Passando essa primeira fase, a de saber que existia, começava outra mais difícil, que era ter acesso à música em si, o que dependia sobretudo do acaso e da sorte. Falamos de tempos em que a música alternativa se produzia em poucos exemplares e menos ainda chegavam ao nosso mercado (quando chegavam e não era preciso ir comprá-los fora, o que não era para todos). As primeiras edições esgotavam e não voltavam a ser reeditadas. Com alguma sorte, encontrava-se um disco ou até mesmo um CD em segunda mão. O que nos ia safando eram os catálogos de K7s. E ainda assim, ler o nome de uma banda num catálogo, numa qualquer fanzine feita em papel A4 fotocopiado e vendida por encomenda por 100$ mais portes de correio, não era o mesmo que seguir links e clicar. Muita coisa despertava a curiosidade mas não havia por onde ir. The Creatures foram daquelas bandas de que eu sabia a existência, mas por uma razão ou outra a música nunca me chegou. Faltaram, sobretudo, recomendações. Não me lembro de ler na imprensa sobre os The Creatures os artigos elogiosos que acompanhavam os lançamentos de Siouxsie & The Banshees. O círculo de amigos e conhecidos também não lhes prestava atenção.
O que é muito estranho, porque agora posso dizer que se calhar até gosto mais dos The Creatures do que de Siouxsie & The Banshees. Há coisas esquisitas assim. Porque estava a ouvi-los e a pensar: porque raio passavam Siouxsie em todo o lado e não passavam isto? Todos aqueles anos a ser massacrada com punk a torto e a direito quando isto já existia! É o inexplicável. Os gostos, maioritariamente, eram mesmo outros. Arrisco até uma explicação. As canções melódicas dos The Creatures eram muito possivelmente recebidas com rejeição pela base punk de fans da Siouxsie como "som demasiado comercial". Compreendo, por isso, que The Creatures tenham sido a banda fantasma, e não ao contrário.


The March Violets
Estes são outros que me fazem parecer ignorante, mas apenas aparentemente. Na verdade, conheci-os quase ao mesmo tempo que os Sisters of Mercy, porque Andrew Eldritch publicou-lhes uns EPs pela editora Merciful Release (e até consta que eram amigos, até se chatearem, como não podia deixar de ser). Tenho a certeza de que andou por aqui uma K7 de March Violets, mas não sobreviveu muito tempo. Descobri-os, a sério, há poucas semanas. Porque estava de férias e tive tempo de pesquisar. O interessante da coisa é que a música envelheceu bem. Se ouvi, na altura, e não gostei, gostei agora. Não produziram muito mas o que produziram merece ser conhecido. Talvez tenham sido daqueles demasiado avançados para o tempo deles, porque se os tivesse ouvido ia achar, na altura, que eram pop insuportável. O erro foi que tentaram vendê-los como gótico. E na altura, à sombra dos Sisters of Mercy no seu auge, não tinham hipótese nenhuma. E se calhar foi exactamente o que aconteceu à gravação: não teve hipótese.


The Offspring
Isto pode parecer contraditório depois de tudo o que disse do punk, mas amei perdidamente dois álbuns de Offspring: "Smash" e "Ixnay on the Hombre". Chamaram-lhes neo-punk mas eu, que conheço o punk, digo antes que tomara o punk ter sido tão bom! (Neste momento há quem que me queira bater, e eu sei disso, e não me ralo.) Gostei intensamente, e depois eles venderam-se ou amoleceram, qualquer coisa do género. As letras deixaram de me dizer o que diziam. Abandonei.


Throwing Muses


Conheci-os também através da 4AD (não é por nada que se lhe chama "editora mítica") e continuei a seguir-lhes a pista. Rock alternativo americano que mais ninguém faz. Penso que acabaram.


Type O Negative
E no deserto que eram os anos 90, era refrescante ouvir uma banda de gothic metal a gozar com o gothic metal, e com a cena, e com aquilo tudo. Aliás, tem havido muitos clássicos na cena que são a gozar com a cena, o que só prova que a cena vive e não tem medo de se rir de si própria. O humor continuou negro até ao mais negro final.


Violent Femmes
A estes também conheci tarde. "Bateram forte" nos anos 90. Comprei os álbuns todos. Foi uma paixão. E falando dos Violent Feemes, a nenhuma banda se aplica melhor o termo "paixão". Foi amor quase à primeira audição. Porém, não sei se teria gostado deles durante a minha adolescência. Provavelmente não. Andava a ouvir coisas muito diferentes. O nome Violent Femmes não aparecia na coluna certa do catálogo. Literalmente. E também não me surpreende que os temas abordados pelos Violent Femmes, tirando o irritante e repetido "Blister in the sun", não agradem a muitos e por isso permaneçam pouco divulgados. O que inocentemente parece típica insegurança adolescente consegue ser muito mais retorcido do que o vulgar dos mortais tem capacidade para suportar. Definitivamente, não é para toda a gente.


Woven Hand


Esta é uma banda que descobri há coisa de dois anos. Continuo a achar que a definição (?) da Wikipedia ainda é a melhor: "combines elements of neofolk, alternative country, post-rock, punk, industrial music, folk rock, old-time music and native American music, among other influences". Como é que se define uma coisa assim? A nível das letras, ainda não decidi o que pensar. Digamos apenas, por exemplo, que em "Winter Shaker" ele canta "halleluia" de maneira propositada a fazer parecer dialecto de índio norte-americano durante um ritual. Tive dificuldade em acreditar nos meus ouvidos. Adivinharei bem a intenção: o Grande Espírito é um só? No entanto, as letras dos álbuns têm-se tornado cada vez mais religiosas, com expressões retiradas da Bíblia, e dos seus livros menos propensos a citação, como Rute, que implicam que o letrista conhece o Livro de trás para a frente. Se é assim, e a fé é genuína, pergunto-me porque é que aquilo não se tornou uma banda de rock evangélico, dirigida a um público muito mais vasto e certamente muito mais grato. E intrigam-me, intrigam-me muito. Diria mesmo que me assustam pelas ressonâncias que encontro em mim. Considero-os uma das bandas mais interessantes e originais da actualidade, mas não os percebo. Apetecia-me perguntar-lhes se não é convidar o pecado e a tentação frequentar antros alternativos, dar concertos para descrentes, ou se o objectivo é mesmo evangelizar os pecadores... E não, não estou a ironizar. Nem eles estão. É a sério, é tudo a sério. E intriga-me.


Os regressos 

Foi mais difícil não me esquecer dos regressos porque também se encontram em ordem alfabética juntamente com os lançamentos antigos. Espero não esquecer nenhum.
Saliento três, já neste milénio: Nick Cave & the Bad Seeds ("Dig Lazarus Dig" 2008), Bauhaus ("Go Away White" 2008), The Fields of the Nephilm ("Mourning Sun" 2005).


Sobre o primeiro, Nick Cave & the Bad Seeds, não tenho nada a acrescentar que não tenha dito sobre os Grinderman.
Bauhaus. Bem, Bauhaus foi uma surpresa. O novo álbum soa a Bauhaus ressuscitados. Sem tirar nem pôr. É este o grande forte e ao mesmo tempo a grande fraqueza do álbum. O estilo Bauhaus, que era uma explosão de originalidade e criatividade nos anos 80, já não o é agora. O génio não se conseguiu superar a si próprio. Digo-o sem desilusão, mas tinha esperança de ser arrebatada outra vez. Não fui.
Por fim, o que eu considero o melhor álbum destes três regressos, The Fields of the Nephilim. Para falar de "Mourning Sun" prefiro fazer uma analogia com a literatura. Imaginem que "Elizium" era um romance. Imaginem que "Mourning Sun" é a sequela desse romance quando ninguém a esperava. Porque "Mourning Sun" começa exactamente onde "Elizium" acaba. E quem gostou do primeiro muito dificilmente não gostará igualmente do segundo. Ao estilo da saga. Aliás, há muito que os Fields nos prometiam uma "Sequel". É mesmo coisa deles. Por mim, que venha a trilogia.


Este artigo foi maior do que eu previa e menor do que eu temia. Contava falar de meia dúzia de bandas, e afinal falei de mais, mas temi que se fosse por esse caminho, o das bandas que foram importantes, o artigo nunca mais acabasse. Afinal acabou. Não foram muitas as bandas que tiveram impacto em mim depois dos anos 80 a ponto de as mencionar como "importantes". Com certeza muita coisa faz efeito a nível inconsciente, a nível geracional, mas não pessoal. Às vezes não é fácil distinguir uma coisa da outra.
Referi-me muitas vezes aos anos 90 como um deserto musical, e foi. Talvez seja injusto dizer isto depois de uma década musicalmente fora de série como foram os anos 80 (como já tinham sido, por exemplo, os anos 60). Muitos projectos ficaram à sombra, foi inevitável. A nível da cena gótica, então, foi uma década terrível para se fazer chegar ao público aquilo que se fazia.
No entanto, causa-me ainda maior estranheza a falta de criatividade que permeou toda a primeira década de 2000. Houve muito seguidismo, mas pouca originalidade. Como se as pessoas que fazem música sofressem do medo de não ter lugar se arriscassem ser diferentes. Se nos anos 90 o alternativo é que era comercial, por acidente, dá a impressão que na primeira década de 2000 o alternativo se guiou por fins comerciais, de propósito. Como se as próprias bandas/projectos se auto-espartilhassem para agradar ao gosto do público, já compartimentado, que queriam alcançar. A nível musical, isto nunca é bom.
Até prova em contrário, considero que a primeira década do milénio já não foi um deserto em quantidade, mas deixou muito a desejar em criatividade. Talvez nesta segunda década, agora que a internet já não é nova e os mercados musicais se aprendem a organizar, comece algo novo a borbulhar como não temos há muito tempo.

Espero sinceramente que este artigo tenha sido útil a alguém. Deixo já aqui o desafio, a quem me lê, que publique igualmente uma lista de descobertas após 1990. Para que os tesouros não fiquem por desenterrar.
Eu, por exemplo, estou interessadíssima nessas listas e nesses tesouros. Não se esqueçam de partilhar.