domingo, 9 de dezembro de 2007

Queres ser fussoreira?

Tou fula da vida. Metade dos meus auscultadores acabou de morrer. Ela já andava colada com fita cola daquela grossa, castanha, para não se separar da outra parte, e não posso dizer que tenha sido apanhada de surpresa. Há muito que definhava e ameaçava deixar-me para sempre a ouvir música apenas por uma orelha. Hoje morreu e aqui estou eu a ouvir música em mono no verdadeiro termo do mono. Uma orelha.
Isto deixa-me furiosa, à beira de um ataque de nervos, com vontade de partir a metade restante. Para terem uma ideia do que falo, só conheço duas situações comparáveis. No caso das mulheres é a Tensão Pré Menstrual. No caso dos homens, é a nega das mulheres por causa da Tensão Pré Menstrual. No meu caso, é ouvir música por uma orelha. É que eu gosto mesmo muito, muito de música. Em quantidade e qualidade.

É por isso que venho aqui para o blog com o intuito de me divertir (e porque não a vós?) com uma história trazida à lembrança pelo Arrebenta e que não tem mesmo nada a ver com os auscultadores.

"so you are a panelas' maker", disse ele,


Como eu ando numa fase de escrever as memórias, lembrei-me logo de que durante muito tempo, na infância, de facto acreditei piamente que paneleiro era mesmo a profissão de fazer panelas e que as pessoas é que lhe davam uma conotação pejorativa. Tipo "bicha" e "fila", que em Lisboa quer dizer exactamente a mesma coisa. Só mais tarde vim a saber que a profissão de fazer panelas e outros artigos em lata se chama "funileiro", se é que não estou completamente enganada, e se estou o leitor fique à vontade de me corrigir. Há de facto um funileiro na minha rua que se deixou de fabricar utensílios de cozinha e se dedicou à arte. Agora muito a sério, faz candelabros, espelhos, molduras e outros artigos de decoração que são verdadeiro artesanato e do mais sóbrio que se pode ter em casa.
Mas voltemos à história engraçada.
Tinha eu por volta de 6 ou 7 anos quando a minha mãe me apanhou a assediar uma colega da minha idade. Com essa colega nada se passou (excepto mais tarde porque a miúda era um bocado não-precoce e tive de esperar até à nossa puberdade), por isso a minha mãe não viu nada de nada, porque o que se tinha passado antes com raparigas nem ela sonha, pelo que só posso depreender que era eu que estava a provocar. Tudo isto começou com a mania de brincar às casinhas debaixo da mesa, tapadas por um cobertor, mania que aliás é universal e que parece fazer parte dos genes femininos. Que conversa lúbrica eu mantive com a minha amiga (e até que ponto eu queria fazer de marido) nunca saberei (ou nunca terei a lata de perguntar à minha mãe). Sei que ela ouviu mais do que devia e, nesse mesmo dia, antes ou depois de a minha colega ter ido para casa, me chamou à parte e me perguntou, muito séria e verdadeiramente perturbada como nunca a tinha visto:

"Ouve lá, tu queres ser fussoreira quando fores grande? É isso que queres ser, uma fussoreira? Eu ouvi a conversa com a S(...)! És uma fussoreira, é?!"

Não sei se fiquei vermelha que nem um tomate se pálida como a morte. Provavelmente, a segunda opção. Sei é que tive medo de levar uma tareia! Ora, isto é daquelas coisas que podem castrar uma criança para a vida toda se entretanto não houvessem outros males a virem por bem e a tornarem este episódio numa anedota que se conta num blog com uma gargalhada geral. Naquele momento, porém, só me lembro que tive medo de apanhar e tentei fazer-me o mais inocente possível.

"Eu? Eu não.", jurei. E como não sabia, perguntei: "O que é isso, uma fussoreira?"

Respondeu a minha mãe: "Uma fussoreira é uma mulher que fussa nas outras, como os porcos, e esfregam-se umas nas outras e lambem-se todas umas às outras, as porcas!"

Ok, não se venham já nas calças. Eu sei que não era intenção da minha mãe que hoje me lembrasse disto desta maneira, mas não fica por aqui.

"Esfregam-se como?", insisti.

"Os pipis. Esfregam os pipis umas nas outras e lambem os pipis umas às outras". A minha mãe queria ter a certeza que eu ficava curada com aquela conversa e não se poupou a pormenores.

Ser homofóbico é fodido. A minha brincadeira seguinte com as minhas amiguinhas foi brincar às fussoreiras. Até brinquei às fussoreiras e aos paneleiros com os coleguinhas do sexo masculino. Era à vez. Gostávamos igualmente de brincar às prostitutas e às violações. Brincar aos médicos já não estava a dar. Também brinquei com o meu priminho da minha idade (já não sei se às fussoreiras se aos paneleiros mas ia tudo dar ao mesmo) até me dizerem tantas vezes que "primos com primos dão filhos malucos" que acabei por desenvolver o horror ao incesto que de outra forma nunca conheceria (ser filho único dá nisto).

Gostava de ver a minha mãe a ler este blog e a questionar, como se questionam muitos homossexuais que se dizem esclarecidos mas no fundo têm aos bissexuais uma aversão ainda maior do que aos heterossexuais, "Mas afinal tu gostas de homens ou de mulheres?"

Ò meus amiguinhos, depende do cheiro. Se cheira bem, marcha. É tudo uma questão de feronomas. Juro que o meu priminho nunca me cheirou a incesto e ainda hoje marchava. E o outro, e a outra, e aquele outro e aquela outra... Já era altura de perceberem que alguns de nós não amam corpos mas pessoas. O sexo dos anjos é irrelevante quando todos formos anjos.



Este foi um post trazido até vós pela inoperância de uma orelha e a sobrecarga da outra. Queira Deus e segunda feira quando abrir a loja este pequeno problema técnico estará corrigido. Até lá, espero que se tenham divertido tanto como eu.


Post post

Imagino a minha mãe a comunicar as suas preocupações ao meu pai quando eu estava na escola, toda a aflita, como se o mundo fosse acabar: "Ai, que eu acho que a nossa filha é fussoreira!"
Imagino o meu pai a ouvir a cem e a esquecer a mil e a perguntar de seguida: "O que é o almoço?"

5 comentários:

Ana Oliveira disse...

Adorei este post. De partir a rir, então o P.S... looool Demais!
Realmente ser-se homofóbico é fodido e dizem coisas tão patetas...Concordo com o que tu disseste: «alguns de nós não amam corpos, mas sim pessoas». Quando é que as pessoas irão entender isto? E digo mais uma vez: adorei o teu post!

Arrebenta disse...

Acho este texto lindíssimo, e acho mesmo que tem de vir colaborar nas "Vicentinas de Braganza". Kisses

Penemue disse...

Os pais e as mães...O que eles nos fazem.
Tenho uma amiga que está a acabar psicologia e decidiu laquear as trompas.
Sem mais comentários.
Quanto aos phones, olha, se te serve de consolo, estou com uma otite que não me larga, por isso, mesmo com as colunas, coitaditas, em condições, oiço tudo em mono.
O que até tem sido um benção dado o mau humor gritante (literalmente) que tenho aturado á minha progenitora...Há males que vêm por bem, lá diz o outro, o conformado.
Abraço

Lord of Erewhon disse...

Já comi, com feijão. Também almoço.

Anónimo disse...

o teu post ta espetakular mesmo :P