domingo, 28 de maio de 2023

The Amityville Murders / O Massacre de Amityville (2018)

Quando comecei a ver este filme pensei que há muito tempo não via nada tão assustador, de eriçar os cabelos da nuca. Diferente do “Amityville” original, de 1979, este filme retrata os homicídios cometidos pelo filho mais velho da família que previamente ocupou a casa: na mesma noite, Ronald DeFeo Jr. (nome real), de 23 anos, matou o pai, a mãe, as duas irmãs e os dois irmãos mais novos (de apenas 12 e 9 anos), todos nas suas camas enquanto dormiam. Ronald usou uma espingarda sem silenciador mas as provas forenses indicam que nenhuma das vítimas acordou nem deu luta. Numa das muitas confissões contraditórias de Ronald, este afirma que ouviu vozes que lhe disseram o que fazer.
À primeira vista, parece aterrador. Mas depois o filme entra num ultra-realismo que choca com o aspecto sobrenatural que quiseram dar à coisa, e o que aconteceu foi que se quis ter sol na eira e chuva no nabal: não funcionou, e também deixou de meter medo. Passo a explicar porquê.
Ronald Sr., o pai, é apresentado como um homem ligado à máfia e abusivo para com a esposa e os filhos, um daqueles que bate na mulher na intimidade do lar e sorri à vizinhança na rua para não mostrar o que é. Ronald Sr. é pior para com o filho mais velho, a quem humilha, chama nomes como “falhado” e espanca com um cinto. Todos os elementos da família têm pavor do homem. É de recordar que isto se passou em 1974, quando na prática não havia conceito de “violência doméstica”. Homicídios já foram cometidos por muito menos do que isto.
Mas porquê as crianças? É a mesma situação que leva algumas mães em profunda depressão a matarem os filhos também quando se tentam suicidar. Na lógica do desespero, deixar as crianças sozinhas no mundo é condená-las a “sofrer”. Matá-las é uma “misericórdia”. No filme, os irmãos mais velhos chegam mesmo a conversar sobre isso, que se sentem presos, encurralados, que nunca vão conseguir sair, que estão todos condenados ao inferno daquela existência, e que se por acaso conseguirem escapar quem vai sofrer são as crianças mais novas. Este sentimento de impotência e desespero incapacitante também é frequente em situações de abuso prolongado, especialmente desde a infância. Para piorar tudo, Ronald Jr. é um toxicodependente de heroína que também usa LSD (o que explica todas as vozes, visões e outras imaginações que possa ter tido).
Então, perguntam-me, onde é que está o sobrenatural nesta história? A mim também me parece que não seria preciso sobrenatural nenhum. O que se passava naquela casa a nível quotidiano, a par da vertente da toxicodependência, era mais do que motivo para explicar os homicídios. E já seria uma história real bastante assustadora ‒ que o é!
Mas o filme quis mesmo convencer-nos de que havia espíritos maléficos a vaguear pela casa, a abrir portas e gavetas tipo poltergeist, e que no fim possuíram o filho mais velho. Estas visões de fantasmas estão bem feitas e são suficientemente arrepiantes, mas, pergunto-me, qual era a necessidade delas? Este é um daqueles casos em que a realidade é mais assustadora do que a ficção. Depois do ultra-realismo de vermos o pai a espancar o filho de cinto na mão, a dar um murro na barriga da mulher, a chamar prostituta à filha em frente de estranhos (injustamente), os fantasmas não produzem efeito. Aqui eu já estava a ver um filme da vida real, terminando com fotografias das cenas dos crimes e do verdadeiro Ronald Jr. e tudo. O sobrenatural foi “metido à pressão” sem necessidade, funcionando antes como algo que está a estorvar, a minar o horror da história verdadeira.
O mesmo não acontece no “Amityville” original, em que assistimos a como George Lutz (James Brolin) se vai transformando de homem normal até quase “lobisomem” sob qualquer influência maléfica. Quem não se lembra da cena da lenha? Neste filme, sim, o sobrenatural faz sentido. Em “The Amityville Murders” o sobrenatural estragou um filme que podia ter causado mais efeito sem ele. Os demónios que habitavam aquela casa eram bastante de carne e osso.

14 em 20


domingo, 21 de maio de 2023

Wednesday (2022 - ?)

“Eu ajo como se não me importasse que as pessoas não gostem de mim. Mas lá no fundo… secretamente até gosto.”
É difícil gostar de Wednesday e é difícil não gostar. Wednesday é agora uma adolescente de 16 anos com ideias muito próprias que consegue ser expulsa de várias escolas normais (como seria de esperar). Finalmente, os Addams mandam-na para o internato Academia Nevermore (esse mesmo Nevermore) onde Gomez e Morticia se conheceram e apaixonaram.
A princípio Wednesday planeia fugir, mas é apanhada num mistério com centenas de anos que implica os Addams e intrigam-na os rumores da existência de um monstro homicida a rondar a escola. Como aspirante a escritora (Wednesday quer “bater” Mary Shelley que escreveu “Frankenstein” aos 19 anos), Wednesday decide ficar e resolver o mistério.
Nevermore é uma academia para párias (lobisomens, vampiros, górgones, sereias) mas isso não torna a adaptação de Wednesday mais fácil. Por exemplo, a sua companheira de quarto, Enid, uma aspirante a lobisomem a quem eu só posso descrever como efusiva, positiva e… cor-de-rosa, é um pesadelo para o mundo isolado e a preto e branco de Wednesday. Wednesday é uma solitária que não quer deixar de o ser, e odeia emoções. Emoções levam a sentimentos e sentimentos levam a sofrimento, é a sua filosofia de vida. Isto implica não querer saber de nada nem ninguém senão ela própria.
Mas Wednesday é uma adolescente, e algumas coisas nunca mudam. Como, por exemplo, ela já não suporta que Gomez e Morticia andem sempre agarrados e aos beijos (é verdade, e já não se suporta!). O romance não está nos seus planos, mas os planos não resistem à idade das hormonas. Wednesday tem de compreender que o seu ideal de ser “uma fortaleza rodeada de um fosso fundo cheio de tubarões” não se adapta ao mundo real. Os amigos são necessários, mesmo os mais irritantes, desde que ela saiba em quem confiar. É preciso baixar a ponte levadiça de vez em quando para os deixar entrar.
Aqui é que está o problema. Vinda do mundo resguardado da Mansão Addams em que tudo revolvia à sua volta (pobre Pugsley), Wednesday não aprendeu em quem confiar e é confrontada com isso vez após vez enquanto investiga os homicídios.
Sejamos francos, Wednesday tem capacidades extraordinárias, inclusive visões que começaram a acontecer-lhe há pouco tempo, mas é uma péssima detective que está sempre a perseguir o suspeito errado. Talvez pela falta de inteligência emocional, algo que se desenvolve com a interacção com os outros, o que Wednesday sempre desprezou. A Academia Nevermore vai ensinar-lhe que ninguém é uma ilha e que os amigos dão muito jeito. Tudo isto são dores de crescimento, mas valem a pena.
A série conta com alguns membros da família Addams que visitam Wednesday. Gomez e Morticia, iguais a eles próprios. O tio Fester, idem. E a Coisa, a que eu vou chamar A Mão para não confundir com o tio It. Nunca julguei sentir tanta empatia por um personagem (?) de desenhos-animados como senti pela Mão quando tentaram matá-la (não perguntem). Foi de fazer as lágrimas virem aos olhos.
Noutra nota, não me perdoo por não ter reconhecido a maravilhosa Gwendoline Christie (Brienne of Tarth de “A Guerra dos Tronos”, uma das minhas personagens preferidas) no papel de directora da academia, Larissa Weems. Algo nela me era familiar, mas não descobri de onde sem pesquisar.
“Wednesday” não podia ter aparecido em melhor altura. Com o êxito dos precedentes “Stranger Things”, “Harry Potter”, “Twilight”, “Os Diários do Vampiro” e outros que tais, o público estava mais do que preparado para um Young Adult com a família Addams. E o sucesso tem sido escabroso. Já viram a dança? Se não, vão ver! Toda a gente vai ver a dança mais tarde ou mais cedo.
“Wednesday” distingue-se pelo humor inteligente e pela personagem que afinal até se preocupa com os outros, por muito que diga que não. Aconselho a toda a gente com sentido de humor e gosto pelo sombrio.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA : duas vezes (uma pela história, outra pelos pormenores)

 

domingo, 14 de maio de 2023

Split / Fragmentado (2016)


O transtorno dissociativo de identidade, mais conhecido como transtorno de múltiplas personalidades, tem sido um manancial para o cinema desde os tempos de “Psycho”. Na verdade, é um distúrbio muito raro, raríssimo, mas permite histórias inesquecíveis e geralmente thrillers fantásticos.
É o caso deste “Split”, do realizador M. Night Shyamalan, onde notei influências de “O Silêncio dos Inocentes”, ou, mais precisamente, de “Dragão Vermelho”.
“Dennis” é a última personalidade a emergir num total de 23 que co-existem no corpo de Kevin. Só que “Dennis” é um psicopata que, aliado a uma outra personalidade, Patricia, acredita numa Besta que virá a ser a 24ª personalidade.
Para alimentar esta Besta (que considera sobre-humana) Dennis rapta três adolescentes, consideradas por ele “impuras” porque nunca sofreram, sem outra utilidade senão a de serem sacrificadas ao deus-Besta. Imediatamente as outras “personalidades” começam a enviar emails à psiquiatra de Kevin, pedindo ajuda, mas Dennis aparece sempre em vez delas, para as calar e dissipar qualquer suspeita, fingindo que está tudo bem. No entanto, prestando atenção a pormenores muito subtis, a psiquiatra desconfia de que a “personalidade” que lhe aparece na consulta não é nenhuma que ela conheça, e que é perigosa.
Conseguirá a psiquiatra salvar as raparigas? Conseguirão elas salvar-se sozinhas?
É um filme que dá para roer as unhas. Aconselho vivamente.

16 em 20

domingo, 7 de maio de 2023

The Good Place (2016 – 2020)

Eleanor Shellstrop morre e vai parar ao Sítio Bom. Recebida pelo “Arquitecto” Michael, é-lhe dito que apenas uma pequena percentagem de almas consegue lá entrar, e que Eleanor foi escolhida pelo seu notável trabalho humanitário. As almas que vão para o Sítio Mau são torturadas para toda a eternidade.
No Sítio Bom todos têm uma alma gémea, e Eleanor é apresentada à sua, Chidi Anagonye, professor de Filosofia e Ética. Mas há um problema. Eleanor, nas suas palavras, é “um lixo humano do Arizona” e não merece estar no Sítio Bom. Deve ter havido uma confusão de identidade. Em desespero, para não ser enviada para o Sítio Mau, Eleanor pede ajuda a Chidi para se tornar uma pessoa melhor de modo a poder permanecer no Sítio Bom antes que todos se apercebam de que ela não pertence lá.
No entanto, depressa Eleanor percebe que não é a única alma que está no Sítio Bom por engano. Algo de muito errado se passa no Sítio Bom!
Esta é uma comédia inteligente, filosófica sem ser pesada, romântica que baste, que leva os protagonistas numa aventura existencial enquanto eles tentam sinceramente tornar-se pessoas melhores. Aconselho a toda a gente que tem sentido de humor e sensibilidade ética.
A série tem quatro temporadas. Aviso que não gostei do último episódio de todos. Não acredito naquela solução e achei-a deveras deprimente. Mas a primeira temporada é imperdível.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez