quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz 1929... oops... 2009!

 
Líbano, 2006

Quando eu era miúda tive, durante anos, um velho professor de História que despertou em mim toda a reverência que por ela tenho, mas discordávamos numa coisa, o velho e eu, porque ele dizia que a História não se repetia e eu a ver que sim, mesmo ali debaixo dos nossos narizes. (Agora que penso nisso, ele era daquelas pessoas que, apesar do inegável valor intelectual, não via muita coisa que devia ver, e se pouco via muito menos previa.)
Como eu gostaria agora de lhe telefonar, caso ainda fosse vivo, o que desconheço, e provar-lhe por fim:
- O que é que eu dizia, s'tor?! Ela repete-se! Ela repete-se!
Já sei que ele ia responder:
- Rapariga, a História não se repete! - e depois repetir, com voz mais alta e gutural: - A História nunca se repete! - (ele também se repetia, viram?) - Os tempos não são iguais aos de 1929!
- Ò s'tor, a merda é igual, o cheiro é que é diferente! Deve ser a isso que chamam zeitgeist. Eu não falo a língua mas cheira cada vez pior, como aqueles cadáveres de animais que ficam ao sol e cada vez que lá se passa mais agoniam e menos estranham. Assim está o cheiro da coisa: cada vez mais nauseabundo e nós cada vez mais habituados. Podem dizer que ninguém sabe o que vai acontecer a seguir mas este caldinho devia ser reconhecido à légua. Não dou 10 anos até que todo o mundo se envolva em deflagrações, aqui, ali e acolá, fingindo que não, que não é a Terceira Guerra Mundial tal como Roma se recusava a admitir que havia brechas nas fronteiras bárbaras.
- Qual Roma qual carapuça! Roma caiu devido à corrupção!
(Silêncio.)
- Ò s'tor, o s'tor está morto, não está?
- Como é que sabes, rapariga?... Eu não te disse. Mas sim, já morri há uns anos. Foi o tabaquito...
- Pois. Isso explica que não veja os telejornais. É fácil perceber que está morto. Porque agora a corrupção é tão grande que não digo que seja preciso ir buscar os cestos da Revolução Francesa nem a cave sórdida da Revolução Russa (porque isso faz muita porcaria, e agora até já inventámos injecções que fazem o mesmo serviço sem sujar o chão) mas não acredito que isto vá lá sem rolarem cabeças. Bem em breve da Europa se erguerá a Besta, se não se ergueu já na América, e lá voltamos atrás outra vez.
- A História não volta atrás!
- E, no entanto, ela repete-se!
- Eu acredito na Humanidade e no seu progresso!
- Eu sei, s'tor, foi consigo que aprendi isso. Mas o mundo tem periodicamente uma necessidade autofágica de se alimentar do seu próprio sangue. O mundo, s'tor, é um vampiro.
- Foi depois das maiorias atrocidades que o mundo deu os mais importantes passos do Humanismo!
- Concordo de novo. Venham pois elas, e o mais cedo possível.
- Rapariga, não pode haver uma Terceira Guerra mundial porque os russos e os americanos têm armas nucleares capazes de destruir o mundo...
- Ó s'tor, páre lá com isso, o muro já caiu. Olhe, você ainda era vivo, não se lembra?
- A memória pós-morte fica afectada. Pois foi, já caiu o muro.
- Caiu o muro e agora andam todos ao mesmo, russos, americanos, chineses e até sul-americanos e iranianos: possuir os recursos naturais para vender quinquilharias. Olhe s'tor, isto desde o Cro-Magnon não mudou nada. Nadinha. E quando as tribos se encontram acaba tudo à mocada. No meio disto tudo, só não será a Europa a levar mais porrada se não se erguer a Besta. E ela erguer-se-à do lodo no momento oportuno. Graças aos cegos, s'tor, graças aos cegos e àqueles que pensam que em terra de cegos quem tem um olho é rei.
Evitei comentar o que se passa nesta terra, porque ele viu com os seus próprios olhos votos serem despejados das urnas para serem queimados no tempo de Salazar, mas não viu Manuel Alegre, companheiro dos 25 de Abris, admitir na televisão que o actual primeiro-ministro fez batota nas eleições internas do partido e achar isso "normal". Com o tempo tudo se torna normal. Queimar judeus, queimar palestinianos... Queimar pretos no Zimbabué, então, não interessa mesmo nada. Mais cólera, menos cólera, de cólera estamos todos a rebentar!

É num ano negro que vamos mergulhar, por isso celebrem bem o que resta deste! Até nos foi dado mais um segundo. Os cientistas, esses novos deuses da Humanidade, acrescentaram mais um segundo ao tempo eterno porque a Terra gira e não usa relógio. E, no entanto, ela gira!
Não vos vou desejar prosperidade porque não vai haver. Nem felicidade porque só pode ser feliz quem não tiver coração. Pensei em desejar paz, muita paz para o mundo, e engoli a hipocrisia.

Para este ano de 2009 desejo-vos, sim, tranquilidade!
Coragem para mudar o que pode ser mudado
Serenidade para aceitar o que não se pode mudar
E sabedoria para distinguir.

Um ano de 2009 com muita tranquilidade, aquela que vem de dentro e é imperturbável.

E deixo-vos também o meu brinde:

SAÚDE, DINHEIRO, E O RESTO VEM POR ACRÉSCIMO!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Cloverfield (2008)



"Cloverfield" é o nome de código da operação militar que bombardeou Nova Iorque para matar o monstro que atacou a cidade. É também o nome do último filme que deixou muitos espectadores do género de terror presos à cadeira como não acontecia há muitos anos. Por isso é, desde já, um filme a ver urgentemente para quem o perdeu nas salas.
Mas, aviso também, só funciona à primeira. É por isso que vou deixar alguns mistério em torno do enredo e prometo que não saberão como acaba.
Porque o importante aqui não é o monstro. O exército americano a atacar Godzilla já se viu. Também já se viu muito mais cómico ("Independence Day", "Mars Attacks!") e muito mais assustador ("Guerra dos Mundos", com Tom Cruise, 2005). Por isso não há muito a dizer do monstro, nem aqui saberão mais nada excepto que "algo nos encontrou". A verdadeira inteligência do filme está em abandonar o déjà vu e acompanhar de perto o grupo de amigos que, subitamente durante uma festa, se apercebe de que a cidade está a ser atacada. Um deles tem uma câmara digital e é através desta que se vê toda a história.
Já sei o que estão a pensar. Não, não outro "Blair Witch"! Descansai, pois aproveitando o conceito o realizador ultrapassou-o e consegue o que "Blair Witch" prometeu sem cumprir.
O interessante aqui, invulgar num filme do género, é a complicada trama psicológica que leva a dinâmica de um grupo de amigos não a fugir, como seria de esperar, mas a correr de encontro ao monstro. "Porquê?" é a questão, e a questão é que podia acontecer a todos nós nas mesmas circunstâncias. E é mesmo por isso que uma vez embrenhado na história, que só arranca depois de 18 minutos de verdadeira seca (propositada seca, como se percebe depois), só se consegue respirar quando já se pensa numa sequela.
Por falar em sequela, é mais que previsível que seja feita e ainda mais certo que não vai prestar. O filme é empolgante mas não é assim tão bom e não tem raízes sólidas para além do impacto inicial, e vou tentar explicar porquê.
Valerá a pena dizer que este filme nunca teria o mesmo efeito se fosse feito antes de 11 de Setembro de 2001? Não, claro que não teria. O escritor é inteligente até nisto, porque assim que começa a borrasca um dos personagens pergunta "é outro ataque terrorista?!", como para sossegar o espectador que não, não estão a aproveitar o horror verdadeiro para vender o filme e que deixar de fazer filmes de monstros a atacar cidades americanas é mais uma forma de permitir que os terroristas vençam. (É esta a lógica, quer se concorde ou não, e não me vou perder da crítica de cinema para tecer considerações político-sociológicas.)
O próprio realizador não nega que se inspirou no clássico "Godzilla". Até aí nada de mais. As homenagens são bonitas e ficam bem, mas o reverso da medalha é que quanto pior for o efeito mais fraquinha se torna a intenção. Falo em especial da decapitação da estátua da Liberdade. Ora, há muito tempo que os filmes de ficção científica fazem maldades à estátua da Liberdade. Desde o velhinho "O Planeta dos Macacos", em que o lendário Charlton Heston só percebe que está na Terra quando encontra a sua metade superior perdida numa praia qualquer, até ao mais recente "O Dia Depois de Amanhã" em que a estátua é submersa até à cintura pela onda do degelo e seguidamente abandonada ao manto de neve sobre uma civilização agonizante. Ambos são grandes momentos de cinema e mensagens altamente simbólicas, senão mesmo alertas políticos e ambientais. Em "Cloverfield" a decapitação é gratuita. Não se pode dizer que a cena não tenha pés nem cabeça (até tem muita cabeça, se lhe faltam os pés), porque faz sentido no contexto do filme, mas mesmo que a técnica seja perfeita o conteúdo é nulo. Lembra assim, sei lá, de repente, um avião a espetar-se contra um arranha céus sem que ninguém esteja à espera. Lembra assim, sei lá, de repente, capitalizar o medo dos nova iorquinos, americanos e civilização ocidental. (Mas prometi não enveredar por aí!) Acima de tudo, principalmente porque pretende ser uma homenagem, é um momento de bons efeitos especiais e mau cinema. Um momento a evitar quando não se tem um conteúdo à altura, e parece-me os escritores não perceberam que não tinham argumento para tanto esticanço e acabaram por cair na facilidade da "pornografia" simbológica. É por isso que uma sequela se adivinha desde já um desastre.
Vamos lá, o filme até é bom e funciona. Tem base psicológica. Nunca mais se esquece. Dá gozo e isso tudo. Nem sequer usa aqueles sustos habituais. Superou as expectativas. Deu para o que deu. Não dá para mais.

15 em 20.


 
 Cartoon do site Unspeakable Vault (Of Doom) Hahaha!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Prémios Precariedade 2008

www.premiosprecariedade.net

São todos tão lindos que seria uma tristeza não os elencar aqui, estas maravilhas de Portugal que em 2008 se distinguiram por votação como os melhores da Precariedade. Uma grande salva de palmas para eles todos!

PRÉMIO ACUMULAÇÃO
Muitos parabéns ao Vampiro Belmiro, em que votei com todo o prazer, como o maior vampiro de todos, ganhando assim a Américo Amorim, José de Mello e Elísio Soares dos Santos.



PRÉMIO SOUNDBYTE
Ganhou Manuela Ferreira Leite (por ter dito que actualmente todos os empregos são precários, uma lenga lenga que eu ando a ouvir dos patrões desde os anos 90 mas quando dizia a alguém chamavam-me DOIDA) ao Pingo Doce ("Sabe bem pagar tão pouco"... aos empregados) mas por mim teria ganho essa execrável figura Francisco VanZeller que disse "ou precários ou nada". O que fazias sem precários, ò Chico? Vai-te coçar.



PRÉMIO SEM VERGONHA
Ganhou com o meu voto o Pinóquio que em 2008 melhor se destacou. Não que os outros, especialmente Pinto Balsemão, não merecessem um ex aequo.



PRÉMIO FICÇÃO CONTEMPORÂNEA
Ganharam as Novas Oportunidades. Acho que votei nessa outra grande mentira, a Autoridade para as Condições do Trabalho (cujos próprios empregados também trabalham a recibo verde), mas penso que a ficção Porta 65 (65?!?!?) merecia um prémio qualquer de consolação.

 


GRANDE PRÉMIO PRECARIEDADE 2008
É com toda a justiça e por votação esmagadora atribuído a José Sócrates, não por ser o único responsável pela pouca vergonha a que se chegou (que não é nem pode ser) mas por não ter feito rigorosamente nada nos últimos anos em que foi primeiro-ministro para alterar a situação excepto promover um escandaloso Código do Trabalho em que legaliza os recibos verdes e torna ainda mais precários os contratos a prazo, sem falar sequer das ideias neo-esclavagistas de pôr os trabalhadores a trabalhar sem horário e sem ganharem horas extraordinárias. Este não merece só um prémio, nem uma sapatada, mas um valente pontapé no focinho com o pé dentro da bota.
Sócrates, és um nojo!

Tortura musical

Ele há coisas bizarras. Está tudo louco?

Está on-line uma petição para acabar com a tortura musical com fins políticos. A Zero dB (zero décibeis), plataforma fundada pela organização britânica Reprieve, denuncia o uso de música de bandas como Metallica, Rage Against The Machine, AC/DC ou cantoras como Britney Spears e Christina Aguilera na base militar de Guantánamo, no Sul de Cuba, pelo governo de George W. Bush.

In Blitz

Segundo a mesma notícia, na lista de música para tortura estão:

AC/DC - Hell's Bells
AC/DC - Shoot To Thrill
Aerosmith
Barney the Purple Dinosaur - Theme Tune
Bee Gees - Stayin' Alive
Britney Spears
Bruce Springsteen - Born In the USA
Christina Aguilera - Dirrty
David Gray - Babylon
Deicide - Fuck Your God
Don McLean - American Pie
Dope - Die MF Die
Dope - Take Your Best Shot
Dr. Dre
Drowning Pools - Bodies
Eminem - Kim
Eminem - Slim Shady
Eminem - White America
Li'l Kim
Limp Bizkit
Matchbox Twenty - Gold
Meat Loaf
Metallica - Enter Sandman
Neil Diamond - America
Nine Inch Nails - March of the Pigs
Nine Inch Nails - Mr. Self-Destruct
Prince - Raspberry Beret
Queen - We are The Champions
Rage Against the Machine - Killing in the Name Of
Red Hot Chilli Peppers
Saliva - Click Click Boom
Sesame Street - Theme Tune
Tupac - All Eyes on Me


Deduz-se que tanto os militares norte-americanos como os prisioneiros têm conhecimentos e gostos musicais muito limitados. Os primeiros desconhecem, por exemplo, Cradle of Filth. Os segundos deviam dar graças a Allah por os primeiros não conhecerem Cradle of Filth. E há muito, muito, muito pior (a avaliar pela quantidade de gente que não suportaria permanecer 10 minutos numa Graveyard Party) mas não vou dar ideias.
Está tudo doido.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Profecia

I do not recall distinctly when it began, but it was months ago. The general tension was horrible. To a season of political and social upheaval was added a strange and brooding apprehension of hideous physical danger; a danger widespread and all-embracing, such a danger as may be imagined only in the most terrible phantasms of the night. I recall that the people went about with pale and worried faces, and whispered warnings and prophecies which no one dared consciously repeat or acknowledge to himself that he had heard. A sense of monstrous guilt was upon the land, and out of the abysses between the stars swept chill currents that made men shiver in dark and lonely places. There was a daemoniac alteration in the sequence of the seasons--the autumn heat lingered fearsomely, and everyone felt that the world and perhaps the universe had passed from the control of known gods or forces to that of gods or forces which were unknown.


in "Nyarlathotep", por H. P. Lovecraft

Não deixa de ser curioso como tantos escritores e tão distintos apanham no "ar" o vento das trevas e o traduzem em ficção mal sabendo que escrevem profecias. Agitação social e alterações climáticas... e depois vem o fim.
Pela sua visionária actualidade, arrepia pensar que este conto foi escrito em 1920.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Grande Prémio Precariedade 2008




Vota aqui:

www.premiosprecariedade.net

Em quem votar? Tantas boas opções! Sócrates, Van Zeller, Belmiro, Pingo Doce, Porta 65, Novas Oportunidades, Manuela Ferreira Leite e outros! Mas só um pode ser o vencedor! Vamos dar-lhe uma prenda!
Votações abertas a todos!
Não percas!



GALA PRÉMIOS PRECARIEDADE, dia 13 de Dezembro 2008 às 22h no ATENEU, em Lisboa.

Lê aqui: precariosinflexiveis.blogspot.com

domingo, 7 de dezembro de 2008

A porta

EX OBLIVIONE

When the last days were upon me, and the ugly trifles of existence began to drive me to madness like the small drops of water that torturers let fall ceaselessly upon one spot of their victims body, I loved the irradiate refuge of sleep. In my dreams I found a little of the beauty I had vainly sought in life, and wandered through old gardens and enchanted woods.
Once when the wind was soft and scented I heard the south calling, and sailed endlessly and languorously under strange stars.
Once when the gentle rain fell I glided in a barge down a sunless stream under the earth till I reached another world of purple twilight, iridescent arbours, and undying roses.
And once I walked through a golden valley that led to shadowy groves and ruins, and ended in a mighty wall green with antique vines, and pierced by a little gate of bronze.
Many times I walked through that valley, and longer and longer would I pause in the spectral half-light where the giant trees squirmed and twisted grotesquely, and the grey ground stretched damply from trunk to trunk, sometimes disclosing the mould-stained stones of buried temples. And always the goal of my fancies was the mighty vine-grown wall with the little gate of bronze therein.
After awhile, as the days of waking became less and less bearable from their greyness and sameness, I would often drift in opiate peace through the valley and the shadowy groves, and wonder how I might seize them for my eternal dwelling-place, so that I need no more crawl back to a dull world stript of interest and new colours. And as I looked upon the little gate in the mighty wall, I felt that beyond it lay a dream-country from which, once it was entered, there would be no return.
So each night in sleep I strove to find the hidden latch of the gate in the ivied antique wall, though it was exceedingly well hidden. And I would tell myself that the realm beyond the wall was not more lasting merely, but more lovely and radiant as well.
Then one night in the dream-city of Zakarion I found a yellowed papyrus filled with the thoughts of dream-sages who dwelt of old in that city, and who were too wise ever to be born in the waking world. Therein were written many things concerning the world of dream, and among them was lore of a golden valley and a sacred grove with temples, and a high wall pierced by a little bronze gate. When I saw this lore, I knew that it touched on the scenes I had haunted, and I therefore read long in the yellowed papyrus.

Some of the dream-sages wrote gorgeously of the wonders beyond the irrepassable gate, but others told of horror and disappointment. I knew not which to believe, yet longed more and more to cross forever into the unknown land; for doubt and secrecy are the lure of lures, and no new horror can be more terrible than the daily torture of the commonplace.

So when I learned of the drug which would unlock the gate and drive me through, I resolved to take it when next I awaked.
Last night I swallowed the drug and floated dreamily into the golden valley and the shadowy groves; and when I came this time to the antique wall, I saw that the small gate of bronze was ajar. From beyond came a glow that weirdly lit the giant twisted trees and the tops of the buried temples, and I drifted on songfully, expectant of the glories of the land from whence I should never return.
But as the gate swung wider and the sorcery of the drug and the dream pushed me through, I knew that all sights and glories were at an end; for in that new realm was neither land nor sea, but only the white void of unpeopled and illimitable space.

So, happier than I had ever dared hope to be, I dissolved again into that native infinity of crystal oblivion from which the daemon Life had called me for one brief and desolate hour.



"Ex Oblivione", por H. P. Lovecraft

Kuranes

In a dream Kuranes saw the city in the valley, and the seacoast beyond, and the snowy peak overlooking the sea, and the gaily painted galleys that sail out of the harbour toward distant regions where the sea meets the sky. In a dream it was also that he came by his name of Kuranes, for when awake he was called by another name.

Perhaps it was natural for him to dream a new name; for he was the last of his family, and alone among the indifferent millions of London, so there were not many to speak to him and to remind him who he had been. His money and lands were gone, and he did not care for the ways of the people about him, but preferred to dream and write of his dreams. What he wrote was laughed at by those to whom he showed it, so that after a time he kept his writings to himself, and finally ceased to write.


in "Celephais", H. P. Lovecraft

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Dazkarieh



Já há algum tempo que ando de olho numa banda chamada Dazkarieh. Apesar de não pertencer de longe ao panorama gótico, enquadra-se perfeitamente no alternativo e pode agradar a quem gosta de música étnica e não recusa coisas novas. Vem este post a propósito do concerto que vão realizar dia 5, na galeria Zé dos Bois, em Lisboa.
Na altura em que os desencantei, por puro acaso, escrevi:
"A sonoridade e os instrumentos utilizados situam-nos na world music, numa fusão entre a música tradicional portuguesa" (o bom folclore), "as reminiscências célticas e árabes, as influências eruditas e o som rock.
Uma banda diferente a descobrir por toda a gente, especialmente quem também aprecia o primeiro trabalho dos Madredeus e outros projectos que por não serem de tão fácil acesso se perderam no esquecimento pop geral."
Para quem gosta de música étnica e de fusão, e de uma excelente vocalista feminina a acompanhar, aconselho vivamente a visita ao site oficial onde estão disponíveis para download algumas amostras de grande criatividade. Para tirar a prova dos nove, nada melhor do que ir ver ao vivo.
Para o contacto inicial, recomendo a audição de "Senhora da Azenha". Primeiro estranha-se, depois entranha-se.

www.dazkarieh.com

What Tarot Card Are You? (e ainda mais outro para a colecção)

You are The Moon

Hope, expectation, Bright promises.

The Moon is a card of magic and mystery - when prominent you know that nothing is as it seems, particularly when it concerns relationships. All logic is thrown out the window.

The Moon is all about visions and illusions, madness, genius and poetry. This is a card that has to do with sleep, and so with both dreams and nightmares. It is a scary card in that it warns that there might be hidden enemies, tricks and falsehoods. But it should also be remembered that this is a card of great creativity, of powerful magic, primal feelings and intuition. You may be going through a time of emotional and mental trial; if you have any past mental problems, you must be vigilant in taking your medication but avoid drugs or alcohol, as abuse of either will cause them irreparable damage. This time however, can also result in great creativity, psychic powers, visions and insight. You can and should trust your intuition.

What Tarot Card are You?
Take the Test to Find Out.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Que tipo de gótico és tu? (mais um para a colecção)






You Scored as Old School Goth

There's not many goths of your kind at this time, what a shame. Old School Goths are the originals, the firsts and in my personal opinion one of the coolests.


Old School Goth
78%
Gothic Rocker
75%
Romantic Goth
75%
Medieval Goth
68%
Victorian Goth
68%
Poser
55%
Deathrocker
53%
Cyber Goth
33%


quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Optimismo

Um casal, vivendo em grande miséria, tinha uma garrafa de champanhe razoável no frigorífico. Às vezes o marido tentava a esposa a abri-la mas esta dizia sempre: "Não! Vamos esperar que uma coisa boa aconteça!" Mas nada bom acontecia. Pelo contrário, tudo piorava cada vez mais.
Até que um dia o marido chega a casa e encontra a mulher sentada à mesa com o espumante à frente, e logo lhe brilharam os olhos, ao perguntar:
- Aconteceu alguma coisa boa?!
- Sim. Abri a garrafa e estou a beber o champanhe.


Mudar de vida

Dois abutres, como boas aves necrófagas, estavam à espera de encontrar uma carcaça para comer mas todos os animais estavam de boa saúde e saltavam e corriam pelos campos. Pousados no ramo de uma árvore seca, os abutres, pacientes, esperaram, esperaram, esperaram. Dias a fio, esperaram. E nada morria. E os abutres cheios de fome.
A certa altura diz um deles:
- Foda-se isto! Vou matar qualquer coisa!

sábado, 22 de novembro de 2008

Venham mais cinco

The cracks appear along the wall wall wall wall wall
See the people stoop back, once stood tall tall tall tall tall
I see the buildings crumble see the empires fall
But I see no more and I don't recall

Because I see
Nothing but the good things
Because I see
Nothing but the good things
Because I see
Nothing but the good things
Nothing but the good good good
Nothing but the good things

Well nothing ventured nothing lost
Count the changes count the cost
A reformation so uncertain
Keep your station draw the curtain

Because out there the snipers work the ridges
Building bombs and blowing bridges
Out there on a darkened road
The lines are dead and the cars explode

But in here
There's nothing but the good things
In here
Nothing but the good things
In here
Nothing but the good things
Nothing but the good good good good good
Nothing but the good things

I see a green sea a pleasant land land land land land
Nothing mean or underhand
On the fence or in the sand
Well I take no chances and I take no stand

Against the wall
Against the wire
Against the fall
Against the fire
Against the sale
Against the hire
They say the profits high
But I know the cost is higher

Still I see
Nothing but the good things
Still I see
Nothing but the good things
Still I see here see do talk see
Nothing but the good things
Nothing but the good good good good good
Nothing but the good things
Nothing but the good things
Nothing but the good good good good things
No!


"Good Things", The Sisters of Mercy




Foi há 5 anos por esta altura que comecei a congeminar este blog. O Sitemeter, registado a 18 de Dezembro de 2003, foi uma das últimas coisas a adicionar à página inicialmente alojada no Sapo.
Nessa altura éramos meia dúzia de gatos a blogar. A maioria dos blogs pertenciam a uma elite que já tinha internet de banda larga desde que ela era demasiado cara para o comum cidadão (40, 50 euros) e dedicavam-se principalmente à política (Abruptos e afins).
Eu, por outro lado, tencionava criar um espaço em que falasse das coisas sob uma perspectiva gótica. Claro que na altura não sabia que era isto que acabaria por fazer. Queria apenas fazer um blog pessoal, um cantinho virtual só para mim, que não esperava que fosse lido de todo.
Acontece que foi lido, cada vez mais lido, e neste diário pessoal fui expondo a minha alma, talvez demais, até um ponto em que as circunstâncias da minha vida se tornaram demasiado... difíceis para serem partilhadas por estranhos, e foi necessário retrair-me, como uma concha que se fecha para proteger as membranas sensíveis onde crescem as pérolas mais preciosas.
Nestes cinco anos a minha vida, a minha mente, a minha alma, foram implacavelmente destruídas por desgostos irreparáveis que me tornaram mais silenciosa e reservada.
Por isso mesmo, nunca imaginei que este blog durasse tanto tempo. E no entanto aqui estamos.
Conheci muita gente interessante, e até alguns heróis. Fiz amigos preciosos.
E com os cabelos brancos virtuais chegaram também dois afilhados, a Ribeira Negra e a Psiquê, que muito fazem babar esta madrinha. (Não podia deixar passar este quinto aniversário sem vos lembrar.)


Um país em ruínas
Nestes cinco anos, observei daqui, também, o último estertor da morte (previsível) de um país arruinado e, com uma perversa satisfação, o despertar dos tansos que foram os últimos a saber que o Titanic se estava a afundar quando já tinham água pelo pescoço. Ainda hoje me fazem rir, porque merecem e não fizeram nada quando podiam fazer... porque estavam demasiado distraídos com o futebol e a telenovela. Chamavam-me maluca quando dizia que estava a passar mal e a passar frio. E só não disse que passava fome porque de verdade não sei. Acontece-me perder o apetite quando tenho a alma agoniada.
Durante estes últimos 5 anos assisti ao maior desastre desde o desvio de fundos cavaquista. Durão Barroso abandonou o mandato de primeiro-ministro, trocando a lealdade à nação pelo vil metal e o estatuto de Bruxelas. Continuo a ter dúvidas de que se possa censurá-lo. Qual o português que não o faria? A circunstância de o exemplo vir de cima é apenas a prova de que ninguém acredita neste ex-país, nem os seus mais altos representantes. E depois veio a desgraça. Santana Lopes primeiro-ministro, um homem que pode ser muito boa pessoa (não sei se é mas pode muito bem ser) mas que não tem capacidade de gerir algo mais que um night club (e com muitos assistentes a ajudar).
Foi assim que uma maioria de eleitores iludidos elegeram democraticamente a maior corja de mentirosos, vigaristas, incompetentes e medíocres, e ainda por cima o governo que mais atenta contra a liberdade de expressão desde o Estado Novo (o que é obra). Logo a seguir, o mesmo povo estúpido e analfabeto elege um presidente da República ché-ché, que fala na terceira pessoa como os jogadores de futebol como se ele próprio não acreditasse que o PR não é outro senão ele, que devia estar já num centro de dia a jogar ao dominó, enquanto Manuel Alegre (que não ganhou por pouco) vai acabando por fazer oficiosamente o papel que o eleito não faz.
Quanto à famosa crise, que deve ser a crise dos ricos, só gostava que me informassem quando acabou a última e começou esta porque, para os pobres, não deixou de haver crise desde o final dos anos 80 (quando secaram os fundos, nos bolsos do PSD).
É o caos. O Titanic já não se afunda. Assentou no fundo do mar entre os limos.


Um mundo à espera de Obama
Nestes cinco anos também assistimos à guerra do petróleo da família Bush, mais conhecida por invasão do Iraque, a qual muitos países europeus apoiaram em troca do envio de um punhado de homens (os yankees que se fodam por lá desde que a gorda e preguiçosa Europa assista ao filme no conforto do sofá), desviando recursos preciosos da verdadeira ameaça no Afeganistão onde até parece que os talibans, possivelmente os mais odiosos fundamentalistas do mundo, não sofreram nenhuma derrota.
Há poucos dias, a propósito da pergunta "o que acham que vai mudar com Obama" no obscuro Dark Forum, comecei a pensar a sério no assunto.
E eis os factos, absolutamente formidáveis: em menos de um ano, Barack Obama passou de obscuro desconhecido a herói mundial com um apoio superior a 80% na maioria dos países do mundo. Repito: do mundo! É por isso que este é de facto, não apenas por ser presidente dos Estados Unidos, o homem mais poderoso do planeta. Tem dito o Arrebenta (não sei as fontes em que se informa) que Obama é mais um peão de Bildeberg. Até pode bem ser, por agora e porque lhe deu jeito (é conhecido como usou o partido Democrata para chegar onde chegou), mas se há homem que consiga abocanhar Bildeberg como um doberman a estralhaçar um caniche, é este o homem. Pela nossa saúdinha, é bom que seja. Se não for, Deus nos acuda.
Obama é a grande incógnita. Sem ele, é o abismo. Com ele, sabe-se lá.


Cinco anos de gótico
Mas basta do mundo que este é um blog pessoal. Quando comecei, éramos, como disse, meia dúzia de gatos pingados. Havia dois blogs assumidamente góticos de grande importância: Vampiria (que ainda existe, olá Vampiria!) e o Merdas Góticas, da 69eyeliner, há muito apagado (o que é uma pena). Nestes cinco anos temos assistido a uma explosão do movimento gótico na internet, não apenas em blogs pessoais como nos sites de amigos (Hi5, My Space), em fóruns, portais, associações... Até começa a ser demais, na minha opinião, mas sei que é uma questão de moda e que o equilíbrio não demorará a ser atingido.
Contudo, considero que o meu username "gotika" deixou de fazer sentido uma vez que tanta gente saiu do armário e se assumiu. O nome do blog não. Este continua a ser o "Gotika: diário pessoal do terror quotidiano" que sempre foi. O mundo pelos meus olhos.
Mas já era altura de arranjar um nome próprio em vez de um adjectivo.
Foi difícil, muito difícil. Toda a vida fui conhecida como "Fulana, a gótica", e se alguma vez tive uma alcunha, era essa. Mas nesta nova realidade sou apenas mais uma e o username tornou-se arrogante, ai de mim!
O meu novo username, como poderão ver no fim do post, fruto de uma daquelas centelhas de inspiração irrepetíveis em que tudo faz sentido, é o meu novo nome.
Não foi por acaso que escolhi um furacão, e em especial o furacão que dizimou New Orleans. Destruição. Ruína. Morte. Fúria. Crueldade. Violência. Desespero. Destino. Derrota. Desastre. Uma alma.
Enquanto eu tiver ligação à internet e enquanto me der na real gana, vou ficar, mais ou menos por aqui. Nothing ventured, nothing lost.

Obrigada a todos os que me lêem... pela vossa santa paciência. De mim já sabem o que esperar. Continuarei sempre a falar de todas as coisas lindas e maravilhosas da vida.
Because I see
Nothing but the good things

Bem hajam e obrigada por estes cinco anos!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ser-(se) gótico, mas acima de tudo ser-"se"

Dedicado a todas as flores do mal ainda em botão

A adolescência é uma das fases mais interessantes da vida. Há quem diga que é a fase da descoberta mas eu discordo. Para alguns de nós (os felizardos) é apenas a primeira. Outras se lhes seguem.
Tem-me surgido muito a questão do que diria a um adolescente que podia ser meu filho sobre o gótico. Diria isto:
Não te deves preocupar com o que és, neste momento, mas apenas em ser. Um dia olhas para trás, dá-se um clique, e percebes o que és, o que foste, e até o que vais ser. Como diria o título daquele livro lamechas, "vai onde te leva o coração". Vai onde a alma te mandar ir. Sem vergonha, sem preocupações. Eu sei que dizer isto a alguém na idade em que se está a definir como pessoa merecia-me já um par de estalos mas alguém tem de o dizer de vez em quando.
Tenho para mim que só existem verdadeiros góticos a partir dos 25 anos, ou mais tarde ainda. Os estados depressivos são típicos da adolescência, o que torna todos os adolescentes numa espécie de góticos passageiros, mesmo os que fingem e não admitem. O gótico é aquele que vive permanentemente nesse estado de adolescência... desde a infância até à morte.
Mas quem ainda não fez 20 anos não se deve preocupar com essas idades longínquas. De forma alguma! Neste momento deves ser, sentir, estar. Pisar o chão que te dá mais conforto. Um dia chegarás a casa.
Boa viagem!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O que não se viu na televisão

Paulo Portas acusa Vitor Constâncio Governador do Banco de Portugal de ter fracassado enquanto regulador



É triste quando se tem que procurar na internet o que não passou na televisão gratuita para o pobre não ouvir. Não é que não interesse. É que mesmo que interesse o pobre está mergulhado em telenovelas e futebóis.
Paulo Portas diz tudo o que há a dizer e ninguém viu senão uns segundos. O vídeo foi posto online pelo CDS-PP. Só assim consegui ver. Apesar de durar 34 minutos vale muito a pena ver no mínimo os dez minutos finais. Quando tem de ser um partido político a mostrar o que a comunicação social devia fazer e não faz, não admira que se chegue a isto.

E já que estamos nisto, não se perde nada ver também mais esta:

Francisco Louçã: "BPN era um governo sombra do PSD"

Tem havido alguma agitação nas televisões esta semana. Os jornalistas revoltam-se... mas têm que piar muito baixinho. São ovos atirados a Lurdes Rodrigues, é Manuel Alegre a fazer o papel de Presidente da República (na questão da avaliação dos professores e no voto contra o escandaloso Código do Trabalho) na ausência factual do presidente eleito. Repararam? Eu reparei. Gostava que reparassem também, daí este apontamentozinho.
De resto, continuem a ler o Braganza Mothers que aquilo está muito bom.
Muito depois do cemitério, já escurecia sobre a cidade, vi uma maravilha. Contra um céu carregado de chuva que brilhava na sua radiância alaranjada, uma montanha polvilhada de estrelas de luz, como uma árvore de natal, e ao longe sabia que cada uma delas era uma janela, muitas janelas em muitas casas, e em cada casa uma pequena amostra de alegria. Eram rios, rios de luz a descer as encostas, como um caminho de fadas tirado de um conto para crianças em que as serras estão perfumadas de flores e fontes e árvores milenares. Perante tanta beleza, pensei em ti. Que uma dessas casas devia ser a nossa, e que um dia nos encontraríamos, de mãos dadas, à chegada.
Mas era apenas a miragem de uma alma sonâmbula. Ao perto, as casas eram feias, grotescas. A terra, até a terra do chão, era negra e suja. Não havia caminhos de fadas mas estradas asfaltadas, pretas, cheias de rastos de borracha malcheirosa. Deixei de pensar em ti. Não te quero ali. Deixei de pensar em mim. Não nos quero assim.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A jantarada

Hoje tive o sonho mais peculiar. Estava a organizar uma jantarada para góticos mais velhos e apareceu gente suficiente para encher uma mesa de restaurante. Vamos por partes. Não era um meeting mas uma jantarada à antiga. Por góticos "mais velhos" não consigo definir um limite mínimo em concreto, apenas uma vaga noção da "velha guarda", de pessoas que poderiam ter estado fisicamente no Rock Rendez Vous, por exemplo. Surpreendeu-me ver tanta gente aparecer porque não os conhecia de lado nenhum. Mas estavam todos de preto, não há cá confusões.
A sobremesa era tarte de pastel de nata.

Foi um sonho engraçado. Obrigado por aparecerem. Havemos de fazer isto mais vezes. Tendo em conta a comezaina até saiu barato. Peço desculpa aos putos mais novos não terem sido convidados para o sonho. Na volta os velhotes só queriam estar em paz a recordar memórias antigas. :)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

É doloroso ter sono de dia e não ter sono de noite. Os meus dias de vigília forçada arrastam-se como um pesadelo. E ninguém quer saber.
Ninguém quer saber.
E ninguém percebe.
Imagine o leitor normal, cujos ritmos de sono estão ajustados ao funcionamento da sociedade, que subitamente tudo se invertia. Perto da meia noite, uma hora, duas horas, começava normalmente a ter sono. Mas não podia ir dormir antes das 7 da manhã. Uma noite até passava. Agora imagine viver assim o resto de toda a sua vida. Sim, começava a doer. Sim, a sua cabeça deixaria de funcionar e o seu cérebro transformava-se em papa. Sentença perpétua.
Não sei se fui criada assim se é uma deficiência genética: mais um erro de Deus. Muitas vezes, ao pensar nisto, encontro nesta uma das melhores razões para morrer.
E ninguém, ninguém, percebe.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Revista Abismo Humano

 

E com isto tudo esquecia-me de anunciar que saiu em Setembro a primeira edição da revista Abismo Humano, também em formato webzine que pode ser visto AQUI (clicar na capa da revista para visualizar as páginas). A Abismo Humano pretende ser uma revista trimestral e é uma produção da Humanarte mas conta com vários colaboradores "livres".
Neste primeiro número há um artigo meu que foi originalmente publicado neste blog sem a mínima pretensão de ir parar a lugares mais longínquos. Para recordar:

The Prophecy (saga)



Mais informação:

Humanarte
Fórum Abismo Humano

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

"My name is Earl"


"My Name is Earl" é uma divertida série cuja segunda época está actualmente a passar na RTP2 sem o destaque que merece. Trata-se da história de um homem que se dedicava a todo o tipo de esquema e velhacaria até ao dia em que "viu a luz" e descobriu o karma. A partir daí tenta emendar todos os erros anteriores, escritos numa célebre lista que guarda no bolso da camisa.
Passado num universo de trailer trash (as pessoas mais pobres e incultas da América), esta é uma série inteligente que aborda os temas mais sérios da existência com um sentido de humor fino e particular.
Absolutamente imperdível. Passa na RTP2 a horários erráticos, podendo começar a qualquer momento entre as 20h20 e as 20h45.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Precisamos de um Obama


O que aconteceu na América a 4 de Novembro é a promessa de uma viragem histórica a caminho da esperança e da paz a que o mundo inteiro não ficou indiferente. É minha opinião que quem limita este facto histórico à cor da pele de Barack Obama, o novo presidente dos Estados Unidos, não está a perceber de todo a importância do fenómeno. Barack não ganhou por ser branco ou preto ou mulato. Barack ganhou porque se atreveu a fazer um discurso de esperança por um mundo melhor, ignorando a real politic que é característica do próprio partido que o apoiou e descolando-se da tacanhez virada para dentro que caracterizou os últimos presidentes americanos, dirigindo-se até, no seu discurso de vitória, aos estrangeiros que o viam nos locais mais esquecidos do mundo. Espero que se refira a África (continente do seu pai), e à Ásia (onde a miséria e a exploração também grassam a todos os níveis), de que ninguém quer saber. Não sou egoísta ao ponto de me preocupar com a Europa que já tem mais do que idade e riqueza abundante para não precisar de ajuda (embora goste de se encostar quando toca a mandar os americanos para a guerra e os americanos tenham vindo a aceitar o encosto em troca do silêncio). Se isto acabar e Obama pedir responsabilidades à Europa, pode não ser bom para nós mas é bom para o mundo e já devia ter sido feito há muito tempo.
Com a saída do presidente George W. Bush, abandonamos uma era que por pouco se tornava uma das mais negras da História a seguir à guerra fria. Perante grandes ameaças, Bush fez grandes asneiras, norteadas pela ignorância e pelos interesses petrolíferos sob a capa de combate ao terrorismo. Por pouco, por muito pouco, isto não descambava num conflito global e terminal de que ainda não estamos salvos (mas parece que os iranianos, graças a Allah, não são tão suicidas como parecem). Bush conseguiu até pôr os europeus a considerarem seriamente a necessidade de um exército inteiramente europeu que protegesse os valores europeus do fundamentalismo religioso americano. Bush foi o pior presidente que a América já teve até hoje, e o mundo caiu nas trevas.
Mesmo assim, não foi por isso que Barack ganhou. O mesmo tentou John Kerry em 2004, há apenas quatro anos, já depois dos actos mais desastrados da administração Bush, e sem sucesso.
Barack ganhou o mundo com um discurso de confiança, esperança e fé, em vez do discurso de guerra e dinheiro. Mobilizou e trouxe esperança às pessoas de todo o mundo. E o mundo agradece-lhe.
Seja o que for que se passe a partir daqui, quer Obama se revele como prometeu ou se torne uma desilusão, podemos tirar lições para o nosso pequeno país. É melhor enterrar o discurso sebastianista como mito tipicamente português. Não é. O mundo aderiu a Obama como se um D. Sebastião se tratasse. Deixemos de ser arrogantes e derrotistas. Aqui também é possível. Não precisamos de um mito. Precisamos de um líder carismático, confiante, que calque com força suficiente para deixar pegadas na História. Enterre-se o mito. O que precisamos é de um Obama.
Um Obama que com a sua verticalidade dê um chuto nos ninhos de corrupção dos partidos com assento parlamentar, especialmente esses irmãos gémeos do Inferno PS e PSD, que comem bancos e choram migalhas a dar aos pobres, um Obama que tire as pessoas de casa e as ponha a votar no dia das eleições. Um Obama que faça ecoar por Portugal o clamor que agora se ouve pelo mundo.
As eleições são já para o ano. Agora só faltam tomates.


A importância do nome

Ainda sobre Barack Obama, um apontamento que me parece interessante. Curiosa, fui à procura do significado de Barack, nome próprio, e eis o que encontrei na Wikipedia:

In modern Arabic, the name Barack (Arabic: بارك ) pronounced ba'-rak, means "he who is blessed" or simply "blessed". A more common form in most Arabic-speaking countries is the passive Mubarak.

The usage of the root B-R-K as a male name meaning "blessing" occurs in the Ancient Semitic Sabean (barqac), in Palmyrene (baraq), and in Punic (Barcas, as surname of Hamilcar), and as a Divine name in Assyrian Ramman-Birqu and Gibil-Birqu[1], and personal Biblical name Barukh or Baruch (which is also the modern Hebrew cognate; see Book of Baruch for an instance of the name). "Barack" and "Baruch" are equivalent to "Benedict" (Latin Benedictus).

Não é uma coincidência agradável que o significado do nome Barack seja o mesmo do Papa Joseph Ratzinger, chamado de Bento XVI, em inglês também "Benedict". E não é agradável porque este é um mau Papa, um Papa que está a fechar as portas das igrejas que João Paulo II abriu. Um Papa que está a retirar cada vez mais cristianismo ao catolicismo. Um Papa de má memória.

Que Barack seja de facto bendito.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Profetas

O Dragão também já disse tudo:


Cassandras ao desbarato

Perguntado sobre o que de mais injusto lavra no país, o cidadão avulso não hesita: a Justiça; inquirido sobre o que de mais desgovernado, impestenejante, dispara: o Governo; interrogado sobre o que de mais errático, grosseiro e analfabeto, nem vacila : a Educação. E o restante vai pela mesma tabela... O mais doente? A Saúde. O mais mentiroso? A Informação. O mais vulgar e rasteiro? As Elites. O mais delapidador? A Economia & Finanças. O mais imundo? A Asae.

É todo um país virado do avesso. A berrar pelas costuras. Mas o mais sintomático é que não estamos perante mero paleio de táxista. O problema é que a realidade escorreu e liquefez-se num sórdido charco de absurdo cada vez mais alucinante. Já não são apenas simples verbos delirantes que vão ao volante de táxis: são Cassandras. À realidade, os politólogos, pantósofos e analistas lambuzam-na, quando não estão de pata alçada nela; eles, todavia, os outrora tresloucados motolálios, doravante chocalhantes de lucidez, proferem-na.
Ressalta uma, entre muitas evidências: Não foi só a completa noção de higiene mental básica que o país perdeu; foi a inteira noção de ridículo.

Tradições do Dia de Todos os Santos

À medida que cada vez mais gente adopta tradições alheias na noite de Halloween, tenho-me vindo a aperceber que todos os anos é uma paródia mal feita que envergonharia qualquer norte-americano. Mais vale partir logo do princípio que é apenas mais uma véspera de feriado e deixar de lado as palhaçadas que já não têm graça nenhuma. Aliás, nós, os povos do sul da Europa, temos uma altura específica para as palhaçadas e essa data chama-se Carnaval.
Existem verdadeiras tradições portuguesas que caíram em desuso pela pressa dos tempos modernos. Vou relatar a minha experiência. Recordo-me sempre do dia de Todos os Santos porque recebia uma visita da minha avó que vinha dar "os Santos". "Os Santos" eram geralmente bolos ou quaisquer outras guloseimas que se comiam acompanhadas com jeropiga. Hoje decidi investigar a memória familiar sobre as tradições do Alto Alentejo, de um tempo que já não é o meu e de cujo fantasma apenas persiste a visita da minha avó. Parece que antigamente, no primeiro dia de Novembro, as crianças da aldeia iam de porta em porta a pedir "os santos", que eram sempre guloseimas para comer, mas durante o dia e não na véspera. Não se falava em bruxas. Estas guloseimas podiam ser nozes, passas, marmelos, romãs, e principalmente uma espécie de bolos fintos (levedados) que se faziam para a ocasião, os chamados "bolos dos santos". O dia de Finados, 2 de Novembro, era celebrado com a ida ao cemitério onde se dizia a missa e benzia as sepulturas.
Tudo isto deixou de fazer parte da cultura das cidades. Observei como a vida profissional forçou que a visita ao cemitério passasse para o dia anterior ao dia dos Finados, por ser feriado, mas ainda me lembro dos tempos em que mesmo em Lisboa era uma autêntica romaria, pelo menos até aos anos 80. Depois as pessoas deixaram de ir. A sociedade transformou-se, e esqueceu-de da morte como se tenta a todo o custo esquecer-se da velhice. Os velhos, como os mortos, são agora enfiados num lar, ante-câmara do cemitério, e visitados quando há tempo até ao momento em que são dirigidos à última morada e já ninguém lá volta.
Este materialismo da sociedade, esta cultura do jovem e abandono do velho, este virar de costas à morte é também uma falta de espiritualidade que só pode gerar frutos nefastos. Em princípios do século XXI, voltámos a uma falta de respeito pela dignidade humana que possivelmente nem os nossos antepassados medievais experimentaram. O ser humano só é válido enquanto é jovem e produtivo. A partir dos 40 anos já não é considerado apto para o trabalho e a partir dos sessenta, se adoece e não morre logo, torna-se um longo fardo de mais 30 anos a suportar pelas famílias. Curiosamente, outro dos factores que conduziu a esta situação é de facto o milagroso avanço da medicina que prolonga a vida para uma duração média inédita na História. Estamos mesmo a viver um momento verdadeiramente histórico em que os valores sociais não se conseguiram adaptar ao progresso científico. Vive-se um desequilíbrio entre o que é a vida imaginada e a vida real. Uma alienação perfeitamente formidável e sem precedentes, só comparável a momentos na História em que se quis reconstruir civilizações a partir de pressupostos religiosos ou ideológicos irrealistas (assim de repente lembro-me da cristianização forçada no império romano, do comunismo e do nazismo, mas certamente há mais exemplos). Diz-nos a mesma História que este desequilíbrio não pode durar.
As celebrações do dia de Todos os Santos e dia de Finados, o Halloween ou Samhain, são, como o Natal e a Páscoa, mais uma prova de que a espiritualidade do Homem não é forjada a martelo nem pode ser negada, por muito pervertida que ressurja no decurso dos séculos.

Sabendo que a cultura não volta para trás, não proponho de modo algum o retorno às tradições antigas, mas congratulo-me que cada vez há mais festas de Halloween para as pessoas normais. Acabou-se também a romaria aos locais góticos, qual visita anual ao jardim zoológico. Venha pois, a americanização, e em força!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Bauhaus "Go Away White" (2008)


É sempre com muito respeitinho que se toca no primeiro álbum de estúdio desde há 25 anos de uma banda que influenciou toda a música alternativa desde os anos 80 e que com todo o mérito alcançou (porque não dizê-lo assim?...) um lugar no panteão de verdadeiros Deuses do gótico.
E como a reverência acarreta medo, e as experiências de reencontros muitas vezes trazem consigo a mais profunda desilusão, foi com receio que me pus a ouvir "Go Away White", álbum lançado este ano pela formação original dos Bauhaus. Depois da já longa e frutífera carreira a solo de Peter Murphy e das diversas aventuras dos restantes, mais ou menos bem sucedidas, desta reunião era de esperar tudo.
Vou ser franca, curta e incisiva. Fomos muito mimados com os discos precedentes. A originalidade já não mora aqui como nos anos 80. Mas a alma dos Bauhaus renasce das cinzas (afinal mais viva do que "undead") e relembra-nos nitidamente porque é que os Bauhaus são os Bauhaus e nenhuma banda, nem os os seus membros a solo, a conseguiram jamais suplantar. Ouvir este disco dá arrepios, como se tivéssemos acabado de descobrir um álbum inédito dos tempos áureos, uma gravação perdida no sotão e publicada apenas a título póstumo. Nada disso. É mesmo o aqui e o agora.
Ao contrário do que possa parecer pelo título da faixa de abertura, "Too Much 21st Century", nota-se bem o passar dos anos e a sua influência musical em Peter Murphy, Daniel Ash, David J e Kevin Haskins. Às vezes nota-se até demasiado. (Peter Murphy tem-se virado cada vez mais para o mainstream. Devia tê-lo deixado à porta mas deixou-o entrar. À esquina de cada tema encontramos uma suavidade, um acorde, um cliché que não devia lá estar.) O que era uma sonoridade original e desarmante nos anos 80 é agora um fantasma reflectido no espelho das suas próprias singularidades. Bauhaus iguais a eles próprios. Quem esperava que este álbum fosse tão vanguardista como os Bauhaus que conhecemos em "In the Fat Field" não vai encontrar aqui o salto sobre a fasquia que se esperava deles: que fossem de novo a "vanguarda" (e não é inocentemente que escolho esta palavra), 30 anos ou um século à frente. Não, isso não está em "Go Away White". O que está é um conjunto de temas que vai deliciar qualquer verdadeiro amante de Bauhaus, seja da velha guarda ou da nova geração. Este é mesmo um álbum para açambarcar.
Sim, os Bauhaus não foram uma alucinação da nossa desidratação musical. Sim, eles juntos são mesmo geniais. Sim, é pena que tenham anunciado que não vai haver mais nenhum disco nem digressão promocional. Sim, eles vivem! Sim, os Bauhaus estão de volta e estão aqui.


Lista de temas:

1. Too Much 21st Century
2. Adrenalin
3. Undone
4. International Bulletproof Talent
5. Endless Summer of the Damned
6. Saved
7. Mirror Remains
8. Black Stone Heart
9. The Dog's a Vapour
10. Zikir

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Histórias da minha avó

A princesa séria

Era uma vez, havia um senhor e seu criado que andavam a correr mundo. O amo era uma pessoa culta, bem educada e virtuosa, mas o seu criado tinha um vício bizarro e incorrigível: por onde quer que passava, roubava tudo, tudo, tudo!
Sabendo disto, o senhor avisava todos os donos das casas por onde passavam, sublinhando: "Tenham cuidado onde o põem a dormir porque este rapaz rouba tudo, tudo, tudo!"
Um noite, tendo o amo dito, no local onde iam pernoitar, que o criado roubava tudo o que via, decidiram fechá-lo num galinheiro vazio de onde não podia levar nada. Mesmo assim, o rapaz lá deu volta aos cantos todos até encontrar um ovo... e enfiou-o imediatamente no bolso da casaca.
No outro dia de manhã, já iam o amo e criado longe da casa, este mostrou logo o que havia roubado: "Olhe, arranjei este ovo!"
"Ò rapaz, não tens emenda! Para que queres tu isso?"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo serve para alguma coisa!"
Isto passou-se, e lá foram à sua vida.
Noutra noite, chegada a hora de pernoitar, disse o amo ao dono da casa: "Tenham cuidado com este rapaz porque onde quer que fica rouba tudo, tudo, tudo! Há pouco tempo dormiu num galinheiro vazio e mesmo assim roubou um ovo!". "Não se preocupe, senhor", respondeu o dono da casa, "porque onde ele vai dormir não há nada para roubar!". Foram então trancá-lo no barracão onde trabalhavam os carpinteiros e no chão só havia lascas de madeira. Não foi de modas, o nosso rapaz, e tratou logo de encher delas os bolsos das calças.
No outro dia de manhã, iam já longe da casa o senhor e o criado, quando este mostra ao amo a "colheita" da noite. "Olhe mestre, arranjei estas palhinhas!"
"Ò meu grande parvo, para que queres tu isso?"
"Não se aflija, meu divino mestre, que tudo tem serventia!"
Isto passou-se, e continuaram caminho.
Foram noutra ocasião pernoitar a outra casa, onde o amo prontamente esclareceu o anfitrião: "Tenham cuidado onde metem este rapaz, porque ele rouba tudo, tudo, tudo! No outro dia, até cavacas de madeira ele meteu nos bolsos!". "Ah sim?", pergunta o dono da casa, com um sorriso malvado, "Então já sei onde o vou pôr!". Nessa noite, o rapaz foi deixado no palheiro onde as galinhas andavam de dia, e só havia caca no chão. Mesmo assim, foi de caca de galinha que ele encheu o chapéu.
No dia seguinte, já a distância da casa, vai o criado mostrar o chapéu ao amo, que ainda gritou mais alto:
"Ò meu grande porco! Deita isso fora!"
"Não se preocupe, meu divino mestre, que tudo tem a sua utilidade!"
Isto passou-se, e seguiram caminho.
Chegaram então a um reino em que a princesa mais nova sofria de estranha doença: nada a fazia rir. O rei tinha um grande desgosto, e era tão grande o seu sofrimento que prometeu casá-la com o primeiro homem que conseguisse quebrar este "feitiço". De quando em vez, a princesa era presente ao público, e vinham pretendentes de todos os cantos do reino para a tentarem fazer rir, mas por mais palhaços, ilusionistas e humoristas de maior ou menor erudição, nobreza ou fortuna, que lá aparecessem, de nada valiam para a divertir. Estava na altura do ano em que esta peregrinação se fazia quando os dois viajantes por lá passavam. Assim que soube disto, o bom do amo, ainda em idade casadoira e não tendo nada a perder, foi tentar a sua sorte. Aos pés da princesa, que olhava sobranceira do seu trono, contou-lhe as melhores anedotas que conhecia e, como não nutrissem efeito, em desespero de causa contou-lhe a seguir todas as outras até se esgotar a memória. Nada. A princesa séria continuava aborrecida. Nada lhe arrancava uma gargalhada.
Chegando ao pé do criado, acabrunhado e abatido, o senhor mal começa a dizer que deviam seguir caminho quando o rapaz o interrompe: "Agora vou lá eu!"
"Tu?! Um parvalhão como tu, deves fazer uma rica figura!"
Mas o criado lá foi, e mal a princesa se vira para ele tira o ovo da casaca e pede:
"Asse-me este ovo!"
"Não tenho lenha!", diz ela, rispidamente, para despachar aquele vagabundo coberto de trapos.
Então ele despeja os bolsos das calças e saem de lá as lascas de madeira: "Tenho aqui estas cavaquinhas!"
Já farta e enjoada daquela insistência, a princesa perde a compostura e desabafa: "Tal não é esta merda!"
E prontamente responde o rapaz: "Aqui tem um chapéu cheio!"
Assim que vê o moço tirar o chapéu, cheio de caca de galinha, a princesa séria desata a rir às gargalhadas sem se conter. E foi assim que o pobre criado obteve a sua mão em casamento e viveu feliz para sempre, junto do antigo amo, da nova esposa, a quem conseguia fazer rir, e do rei, que finalmente curou o coração daquele grande desgosto.
E assim reza a moral da história que mais vale cair em graça do que ser engraçado.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A expansão da alma

What happened next changed my life -- changed me, anyhow. It was like descovering that some vital, even necessary substance had all along been missing from my life. Anyone who hears a great musician for the first time knows the feeling that the universe has just expanded.

in "Pork Pie Hat", de Peter Straub

Todos nós que gostamos de música tivemos já esta sensação. Podia citar Sisters of Mercy, Fields of the Nephilim, Dead Can Dance, uma das canções mais inspiradas de Nick Cave, não importa. O que importa é que de facto o universo aumenta. Isto não é nada de novo ou incomum. O mais estranho e para muitos desconhecido é quando a alma cresce tanto que já não cabe dentro das quatro paredes que antes não pareciam aprisioná-la.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Universos paralelos

If you don't know the music, his name doesn't matter. I'll call him Hat. I don't mean what he meant to people who were touched by what he said through his horn. (...) I'm talking about the whole long curve of his life, and the way that what appeared to be a long slide from joyous mastery to outright exhaustion can be seen in another way altogether.
Hat did slide into alcoholism and depression. The last ten years of his life amounted to suicide by malnutrition, and he was almost transparent by the time he died in the hotel room where I met him. Yet he was able to play until nearly the end. When he was working, he would wake up around seven in the evening, listen to Frank Sinatra or Billie Holiday records while he dressed, get to the club by nine, play three sets, come back to his room sometime after three, drink and listen to more records (he was on a lot of those records), and finally go back to bed around the time day people begin thinking about lunch. When he wasn't working, he got into bed about an hour earlier, woke up about five or six, and listened to records and drank through his long upside-down day.
It sounds like a miserable life, but it was just an unhappy one. The unhappiness came from a deep, irreversible sadness. Sadness is different from misery, at least Hat's was. His sadness seemed impersonal -- it did not disfigure him, as misery can do. Hat's sadness seemed to be for the universe, or to be a larger than usual personal share of a sadness already existing in the universe. His sadness merely seemed the opposite face of the equally impersonal happiness that shone through his earlier work.
In Hat's later years, his music thickened, and sorrow spoke through the phrases. In his last years, what he played often sounded like heartbreak itself. He was like someone who had passed through a great mystery, who was passing through a great mystery, and had to speak of what had seen, what he was seeing.


in "Pork Pie Hat", de Peter Straub

A vida deste homem parece a minha, mas sem o jazz. É sempre curioso ler estas coisas.

domingo, 26 de outubro de 2008

Falta de mim

Now in the black black behind your sleep I am trying to hold your oceans, I am struggling to sparkle in your sky, I will collect your snowflakes in my arms and watch them unfold. In the North, you ache with loss and wish for a sick day to curl yourself away and cry. The warmth of your voice now burnt with loss and everyone knows. Everyone knows you are far too far too transparent to hide away such a wanting. Now whom is needed and whom is needful? You are older than I but hand yourself over a bird nestling into my hand. “I am broken, I am broken” you say as I stroke you to sleep.

"Thirst"
Golden Palominos, álbum "Dead Inside"

Roubaram-me a alma. Sinto-lhe a falta. Sei que a amava e sem ela estou tão sozinha que nada pode preencher este vazio de falta de mim.

Convidaram-me para participar num blogue de renascimento português, blogue esse cujos participantes respeito e aprecio, um novo blogue de nome O Bar do Ossian que desde já aconselho. Ponderei longamente o que teria para dizer num espaço de "renascimento português". A parte triste é não tenho nada para dizer sobre Portugal que não tenha dito já. Mais triste ainda é que já não acredito no "renascimento português". Não estou a dizê-lo por dizer. É que não acredito mesmo. No que eu acredito é que este território se tornará, mais tarde ou mais cedo, de uma forma ou de outra, uma província da Europa, por razões que aqui já expus longamente.
Não tenho razão nenhuma para ter pena. Afinal, esta merda de país deixou que me roubassem a alma. Que se foda Portugal.
Lamento, pelo Bar do Ossian, mas não participo no que não acredito. E quanto à cultura da nação, que essa sobreviverá a qualquer maremoto político, apenas uma sub-franja muito marginal me interessa pessoalmente. O resto faz parte do mesmo cadáver.

Quanto ao mundo, falta pouco, muito pouco, para a guerra. Temo pelos animais. Tudo o resto que se foda.
Detesto repetir-me.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

El Orfanato (2007)



Uma boa surpresa do cinema espanhol. Se bem que orientado pela mão do experiente Guillermo del Toro (como produtor), "El Orfanato" é um filme que consegue de facto criar uma atmosfera de terror onde as tentativas europeias do género, salvo honrosas excepções, falham redondamente. É por isso que assistir a este filme é o mesmo que ver o melhor de Hollywood e se não fosse a língua nem se perceberia que as personagens são espanholas.
Laura, a protagonista, e o seu marido, médico, compram o velho orfanato onde esta cresceu até ser adoptada. O plano de vida do casal, que entretanto também já adoptou um menino seropositivo que agora tem 7 anos, é transformar o antigo edifício num lar para crianças deficientes. Todas as suas aspirações caem por terra quando, na própria festa de inauguração, o filho desaparece misteriosamente.
Abandonados os planos, os pais lançam-se numa busca de meses em que os esforços da polícia são infrutíferos, como se a criança se tivesse sumido no ar. E é durante esse período terrível que Laura começa a perceber que não estão sozinhos na casa. Sente presenças e experimenta acontecimentos inexplicáveis que a levam a procurar a ajuda de especialistas no paranormal, desconfiada de que os fantasmas das crianças do orfanato têm a ver com o desaparecimento do filho. Os fantasmas, de facto, estão lá, e escondem uma história macabra de vingança e morte, mas para voltar a encontrar o seu filho Laura vai ter de enfrentar o que para qualquer mãe é o pior terror de todos.

16 em 20

domingo, 5 de outubro de 2008

A longa noite

No. Things hadn't been right for some time. October didn't help any. If anything it made things worse. He adjusted his black bow tie. If this were spring, he nodded slowly, quietly, emotionlessly, at his image in the mirror, then there might be a chance. But tonight all the world was burning down into ruin. There was no green spring, none of the freshness, none of the promise.
(...)
He had never liked October. Ever since he first lay in the autumn leaves before his grandmother's house many years ago and heard the wind and saw the empty trees. It has made him cry, without a reason. And a little of that sadness returned each year to him. It always went away with spring.
But, it was different tonight. There was a feeling of autumn coming to last a million years.
There would be no spring.
He had been crying quietly all evening. It did not show, not a vestige of it, on his face. It was all hidden somewhere and it wouldn't stop.


Ray Bradbury, "The October Game"

O Verão atraiçoou-nos. Todo o ano cheirou a frio e agora só porque o odor é mais intenso não se pense que está perdoado. Todo o ano o vento urrou, chiou, enregelou.
Faltam apenas seis meses para a primavera. Mas haverá esperança?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

The X Files: I Want to Believe (2008)


Ha! Então eles sempre dormem juntos e coiso e tal! Digo isto porque, vítima voluntária e igual a toda uma geração de fãs incondicionais que nunca perderam um episódio (nem um único!!!) e muito menos o primeiro filme, o máximo a que tivemos direito e que nos levou a suspeitar que o estranho inchaço na barriga de Dana Scully não era um implante alienígena mas sim algo mais terráqueo de origem em Fox Mulder, foi aquela célebre cena do quase-beijo, no filme, interrompido por uma abelha verdadeiramente abelhuda (rais'a parta!), e tudo o resto era especulação.
Afinal era mesmo um filho! Afinal eles eram mesmo um casal!
E dito isto, está clarificada toda a novidade que "The X Files: I Want to Believe" traz aos verdadeiros fãs, que nunca perderam um episódio dos "Ficheiros Secretos", e que a consideram uma das melhores séries de sempre.
O argumento é fraco. Isto bem analisado nem sequer é um x-file, daqueles à antiga, com monstros e extraterrestres e cultos desconhecidos. Isto é o quê, então? Um Frankenstein moderno desmascarado por um padre que além de médium é pedófilo. Horroroso, horripilante? Concedo que sim. E depois? Onde está o sobrenatural? Sobrenatural é que durante 10 anos Mulder e Scully tenham andado na brincadeira e nós os fãs convencidos de que aquilo era tudo platónico e extraterrestre. Que ceguinhos nós fomos!
Só por causa das memórias, dou-lhe um 13, porque filmes de serial killers há muitos, e bem melhores.

13 em 20

"O Cocheiro da Morte", de Selma Lagerlöf

«De acordo com a lenda escandinava, o último homem a morrer no último dia do ano torna-se imediatamente o cocheiro predestinado da Morte: agarra numa foice e vai de casa mortuária em casa mortuária, durante trezentos e sessenta e cinco dias, recolher os mortos, até que um outro o substitua no dia de S. Silvestre... Sobre este tema, Selma Lagerlöf (Prémio Nobel de Literatura) escreveu um dos seus mais curiosos e obcecantes romances que deu origem a várias adaptações cinematográficas (...)»

in "O Cocheiro da Morte", de Selma Lagerlöf

"Já viram com certeza gravuras representando a Morte, e viram-na sempre a andar a pé. Razão porque o cocheiro de que vos falo não é a Morte em pessoa, mas apenas o seu criado. Compreendem que um personagem tão importante só se digna recolher a fina flor da colheita, e é ao seu cocheiro que confia a tarefa de juntar as pobres ervinhas que crescem à borda dos fossos."
(...)
"Mas compreendem agora do que é que o meu camarada tinha medo. Era de morrer precisamente à meia noite, na véspera do Ano Novo, e de se tornar o cocheiro da Morte. Suponho que imaginava ouvir durante todo o dia o coche funerário a chiar e a baloiçar sobre as estradas. E, imaginem, parece que morreu no ano passado, precisamente na noite de S. Silvestre.
- E mesmo à meia-noite?
- Sei, apenas que morreu à noite, mas ignoro a hora. Poderia, aliás, ter-lhe predito que havia de morrer nesse dia, tal era o medo que tinha. Se uma ideia parecida se apoderasse de vocês, eram capazes de ir também."


Li pela primeira vez esta história numa época mental muito susceptível, devia ter menos de 17 anos, e em mim estas palavras suscitaram não o horror mas um enriquecimento mitológica que antes não tinha (a lenda é escandinava) e nunca mais me abandonou. Com o passar dos anos -- e à medida que os anos passam é forçoso que o ser humano se questione o que fará depois da morte, se alguma coisa... -- surgiu em mim a fantasia do cocheiro do Morte, vinda directamente deste livro. Fantasia? Não. Projecto. Se me fosse dado a escolher, tornar-me-ia o cocheiro da Morte dos animais: recolhendo todos os despojos dos matadouros, todos os pequenos corpinhos destroçados à beira de estradas do ser humano egoísta, todos os animais de estimação perdidos no vazio. Seria a cocheira da Morte dos meus melhores amigos.
"Se uma ideia parecida se apoderasse de vocês, eram capazes de ir também"?...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Dias 2 e 4 - Manifestações Nacionais em Lisboa pelos Direitos dos Animais.

"O Retrato de Dorian Gray" (The Picture of Dorian Gray), de Oscar Wilde

A história é sobejamente conhecida. Dorian Gray foi até incluído como personagem do filme "Liga de Cavalheiros Extraordinários", interpretado por não outro que que Stuart Towsend, o Lestat de "A Rainha dos Vampiros" (e não lhe correu nada mal). A história de Dorian Gray é tão interessante pela acérrima crítica social às elites da burguesia e nobreza inglesas do século XIX (com uma ironia, direi mesmo sarcasmo, e sentido de humor que me faz lembrar o muito nosso Eça de Queirós, e cujas citações mais assombrosas publiquei aqui no último mês), como pelo elemento sobrenatural que rege toda a história (e por elementos sobrenaturais os nossos escritores nunca se interessaram, o que é uma pena).
Dorian Gray é um rapaz oco, fútil e vazio. Acima de tudo, influenciável pelo intelecto superior e hedonista de Lord Henry, seu amigo, que o convence da sua beleza e da sua importância e o torna não apenas vaidoso como, ao longo da sua vida, cada vez mais perverso e insensível ao sofrimento dos outros. Lord Henry, neste livro, funciona como o Diabo, o tentador, que incute no jovem o valor verdadeiramente satânico do culto da invidualidade e do prazer, mas sempre através de subtis sugestões e filosofias, sem nunca poder ser acusado pelos crimes que, debaixo da sua influência, Gray acaba por cometer sem um pingo de remorso, incluindo o assassínio a sangue frio de um dos seus melhores amigos. Poder-se-à perguntar se o jovem Dorian Gray, antes de cair nas "garras" do seu luciferino mentor, era efectivamente tão oco e fútil como fazia crer, ou se havia já nele a semente ruim da maldade só à espera de um jardineiro que a fizesse florescer em frutos do Mal. Esta é uma das muitas interrogações morais que Oscar Wilde vai colocando ao longo da obra, cuja grande metáfora é o retrato, um retrato verdadeiro, não simbólico, do jovem Dorian Gray, onde por magia se projecta toda a maldade de Dorian enquanto este permanece belo e jovem para sempre. Uma espécie de pacto com o diabo sem que o diabo seja necessário.
Na sua grande inteligência, o que Oscar Wilde faz é desmascarar todos os outros "retratos escondidos" atrás da hipocrisia de uma sociedade em que a imagem vale mais do que o Ser.
Nunca uma obra foi tão actual.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Gatos, por Baudelaire




Charles Baudelaire, "Cats"

Fevered lovers and austere thinkers
Love equally, in their ripe season
Cats powerful and gentle, pride of the house
Like them they feel the cold, like them are sedentary

Friends of science and sensuality
They seek the silence and the horror of the shadows
Erebus had taken them for its funeral coursers
Could they to servitude incline their pride.

Dreaming, they take on noble postures
Great sphinxes stretched out in the depths of emptiness
Seeming to fall asleep into an endless dream.

Their fertile loins are full of magic sparks
And nuggets of gold like fine sand
Vaguely bestar their mystic pupils.


(Versão inglesa encontrada por caso na net. Desconheço a versão original.)

domingo, 28 de setembro de 2008

"Os Paraísos Artificiais", de Charles Baudelaire

O que me leva a ler de novo "Os Paraísos Artificiais", de Charles Baudelaire, um tratado sobre o haxixe e o ópio, tanto anos depois de o ter lido sem ficar invulgarmente impressionada? Se calhar a mesma razão que me levou a comprar o livrinho: o desejo de conhecer um paraíso artificial. Duvido mesmo, quando o adquiri, que soubesse que tratava de drogas. Talvez tenha ficado até algo desapontada. Talvez estivesse à espera de uma experiência mística. Um outro tipo de paraíso artificial que vim mais tarde a encontrar numa outra embriaguez que é a Fé.
Mas não recuso que as drogas e as suas promessas sempre exerceram em mim um fascínio tão sobrenatural que parecia conhecê-las já antes de as saber nomear. Muitas bandas góticas se debruçaram também sobre o tema (os Sisters of Mercy em especial), com o mesmo fascínio pelo escapismo fácil destes "paraísos" que não existem sem um respectivo "inferno".
De modo que chego à mesma conclusão que Baudelaire exalta no fim do livro, e que fica aqui para nunca me esquecer, mesmo que o livro acabe por desaparecer da minha colecção:

EMBRIAGAI-VOS

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a terra, deveis embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos.
E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais, já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio, vos responderão: "São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha."

Nota curiosa: Para os capítulos sobre o ópio, Baudelaire analisa as confissões de outro autor, Thomas de Quincey ("Confessions of an English Opium Eater"). Thomas de Quincey é também o escritor do livro "Do assassínio como uma das belas artes", uma prosa sarcástica e cheia de humor negro cuja leitura também aconselho.

sábado, 27 de setembro de 2008

Christian Death "American Inquisition" 2007


Em termos de formação não conheço banda mais complicada do que os Christian Death pelo que não me vou deter nas substituições ao longo de anos de grande conflito. Quem estiver interessado no historial pode ir consultá-lo aqui.
Por questões de simplicidade, vou reduzir a banda a duas fases: Rozz Williams (vocalista, já desaparecido de entre nós há 10 anos) e Valor (vocalista actual).
Gosto das duas fases mas prefiro a segunda pelo conteúdo das letras, muito mais viradas para a religião, para a política e para a sociedade, e parece que com os anos cada vez prefiro mais a fase Valor. O que não quer dizer que o concerto de Christian Death 1334, em Lisboa, na Caixa Económica Operária, com membros originais e temas da fase Rozz Williams, não tenha sido o melhor que vi nos últimos tempos.
Deixo isto bem claro para o leitor perceber que sou suspeita nas minha simpatia pela fase Valor. Vamos então ao último álbum, "American Inquisition", de 2007.
Talvez o melhor seja dar a palavra ao autor:

I used to believe you could see the Future
Even though you lived in the past

THEN Millions of People Lived by your every Word
And lived their lives waiting for The Blast

YET I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON

Every thousand years or so
They say it’s the end of time
The second coming of Christ
lets change the game
Lets shift the paradigm

From High on the alter box
They preached how the end would be
Once it was the bay of Pigs
Then the Millennium bug
Then Star Wars C’est la Vie

YET I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON
I SURVIVED ARMAGEDDON


in "Surviving Armageddon"

Continua o braço de ferro Valor vs Deus (na figura da religião organizada). Para os apreciadores, isto diz tudo. Os fãs desta fase não se vão desiludir. Este é um álbum a ouvir, agarrar, açambarcar, dar aos amigos. Um digno sucessor de "Sex and Drugs and Jesus Christ", "The Scriptures", "Heretics Alive"... com o toque clássico mas uma sonoridade mais moderna, exactamente como se pretende. Aconselho vivamente.

Outra das minhas preferidas, desta vez sobre a sociedade dormente em que vivemos:

I dreamt I wore a new black suit
Someone played guitar
someone played the flute
They had given me a new haircut
And then they sewed my eyes shut

From a podium a man spoke of things foretold
With words as bleak as I was cold
Voices gathered into a crowd
No one heard me though I screamed out loud

WAKE UP WAKE UP
WAS THE LAST THING I REMEMBER
WAKE UP WAKE UP
WAS THE LAST THING I REMEMBER

Musicians played my favorite songs
It seemed to me things were all wrong
All my friends had dressed in black
I guess I won’t be coming back

WAKE UP WAKE UP
WAS THE LAST THING I REMEMBER
WAKE UP WAKE UP
WAS THE LAST THING I REMEMBER

WAKE UP
WAKE UP
WAKE UP
WAKE UP
WAKE UP
WAKE UP

DOMINUS FOBISCUM SPRITUS SANCTI


in "The Last Thing"

Há mais, muito mais para descobrir.
Se em termos melódicos temos o Christian Death clássico, ao mesmo tempo temos outro facto muito curioso. Quem gosta de Marilyn Manson e não conhece Christian Death pode muito bem pensar que esta é uma banda nova inspirada em Marilyn Manson quando, a não ser coincidência (almas gémeas), seria precisamente o contrário.
De modo que também aconselho este álbum a fãs de Marilyn Manson. Mais: a fãs de Marilyn Manson aconselho toda a discografia da fase Valor, e tenho a certeza que não sairão desiludidos (com Christian Death, isto é).

Faixas:

1. "Water Into Wine"
2. "Stop Bleeding On Me"
3. "Narcissus Metamorphosis Of"
4. "Victim X"
5. "To Disappear"
6. "Dexter Said No To Methadone"
7. "Angels And Drugs"
8. "Seduction Thy Destruction"
9. "Worship Along The Nile"
10. "See You In Hell"
11. "Surviving Armageddon"
12. "Last Thing"
13. "XIII"

Formação actual à data do CD, segundo a editora Season Of Mist:

Valor: male vocals, guitars, violin, strings, keyboards
Maitri: female vocals, bass guitar, keyboards
Charles Lannahan: guitars, backing vocals
Nate Hassan: drums

O site oficial também está um espanto, digno de visita, e tem as letras disponíveis: http://www.christiandeath.com/