sábado, 23 de dezembro de 2017

O Exorcista (série)

[crítica à primeira temporada]

E depois da banhada que foi "Outcast", nada como uma série com demónios a sério, padres a sério, exorcismos a sério. Esta série não engana. É o que é, com muita acção e algumas surpresas!
Não vou estragar as surpresas. Direi apenas que é uma verdadeira sequela do filme e não tem vergonha de o ser. Se é uma boa ou má sequela, isso agora é outra questão.
Uma mulher católica e devota, Angela Rance, está convencida de que uma das suas filhas está possuída por um demónio e pede ajuda ao padre da paróquia, Tomas Ortega. Este, moderno e novato, começa por dizer-lhe que o Diabo é uma metáfora. Mas uma visita à casa de Angela fá-lo mudar de ideias.
Desde o início, a série é cheia de surpresas. Quem está possuído não é a irmã deprimida, como a mãe de ambas julgava, mas a outra, a que espalha felicidade. Muitas mais surpresas se seguem.


Se é uma série à altura do filme homónimo? Não. Nem por sombras. Tentou-se criar um ambiente semelhante, sombrio e ameaçador, mas nunca nos arrepia como o filme de 1973. Culpo principalmente os truques cinematográficos de fazer dar um salto na cadeira, que não passam disso, um susto gratuito e vazio, e efeitos especiais que nunca convencem, só prejudicam. Em certa medida, alguns destes efeitos especiais podiam estar no "Sobrenatural", especialmente aquele em que os demónios se manifestam como entidades de fumo que entram dentro do possuído pela boca. Tão Sobrenatural que quase esperávamos que ali entrassem os irmãos Winchester! Em vez deles, temos a minha cena preferida, a única que realmente me surpreendeu e empolgou.
Paralelamente à possessão que se passa na casa da família católica, onde já foi chamado também o exorcista puro e duro que é o padre Marcus porque era demais para o padre Tomas, os demónios da cidade têm em marcha uma conspiração para matar o Papa. (Parece ou não parece o Sobrenatural?) Um outro padre, o padre Bennet, entra sem aviso num desses antros de capangas possuídos… e eu pensei que ia acabar muito mal para o padreco. Pois não é que o padreco é um durão e dá uma valente coça aos possuídos? Mas não pareceu nada engraçado na altura. Foi de roer as unhas.
Entretanto, o nosso bem conhecido Pazuzu lá continuava a fazer as diabruras dele e a ameaçar torcer pescoços, mas nunca conseguiu ser a ameaça tenebrosa que nos deu pesadelos ao ver o filme original. Continua ordinário, continua porcalhão, continua a ser um bully, mas como todos os bullies ordinários e porcalhões já só nos causa desprezo, não medo. A série falhou, aqui, como sequela. As sequelas cinematográficas do primeiro filme conseguem reinventar Pazuzu e criar o mesmo ambiente de terror que nos desconforta e perturba. No Exorcista, série, já sabemos que aqueles padres durões vão dar uma coça ao Pazuzu e tudo terminará bem.
Mais interessante é mesmo a conspiração, mas quanto a esta é a motivação que falha. Por que diabo quereriam os diabos matar o Papa? Tal como disse aqui a respeito de "Outcast":
Aniquilar a “concorrência” vai contra o objectivo. Sem concorrência, como é que se corrompem as almas? A concorrência é necessária. Quanto maior e melhor a concorrência mais gozo em corromper as almas.
E é mesmo de acreditar que o assassinato do Papa por um padre possuído, transmitido em directo, causasse assim tanto choque numa era em que vemos ataques terroristas a torto e a direito? Não. Eu sei isto, vocês sabem isto, os diabos também sabem isto.
O Exorcista, série, não é portanto uma obra de excelência, mas vê-se com todo o prazer na sua simplicidade de não fugir às regras. Os diabos são maus, os padres são bons, as rapariguinhas são inocentes.
E repito, os padres são bons. Consoante a preferência, tanto o Tomas, como o Marcus, como o Bennet. Há para todos os gostos. Eu até já começava a ter um fraquinho pelo Marcus quando descobri que afinal o super-padre joga no outro campo. Sorte a minha! Escolho-os mesmo bem!...


Mas que dizia?... Ah pois, não dizia, porque não quero revelar mais nada. Recomendo aos amantes d’O Exorcista e a todos os amantes do terror em geral, não que esperem medo, mas entretenimento que baste com alguns apontamentos tétricos que não vão desiludir.
Eu cá vou ver a segunda temporada. Os padres Tomas e Marcus vão começar a trabalhar juntos e prevêem-se mais exorcismos a sério, demónios a sério, possessões a sério. Às vezes o prazer está nas coisas simples da vida.



sábado, 2 de dezembro de 2017

Medici, Masters of Florence

 

Tudo o que disse aqui sobre o rigor histórico de “Victoria”, não poderei dizer sobre “Medici, Masters of Florence”. Desta vez, e para meu desgosto, em vez de uma representação verídica dos Medici, e se há bastante a dizer sobre os Medici!, novamente enveredaram por uma versão fantasiada e falseada sobre uma das famílias mais importantes do Renascimento. É pena. É sempre pena.
Pelo menos não deliraram a figura de Cosme de Medici como o fez “Da Vinci’s Demons” (série que eu via por masoquismo e na esperança de que o Da Vinci da série conseguisse chegar a Marte metido num barril de madeira movido a vapor de água, que foi só o que faltou) mas mesmo assim transformaram de tal maneira personagens, inclusive matando um deles que não morreu assim na vida real e cuja descendência se sentou no trono de França, o que não é coisa pouca, que mais valia terem feito uma série ficcional sobre uma família de nome parecido, os Mellinis ou algo que o valha, inspirada na vida dos Medicis.  Era mais honesto e menos irritante.
Para começar, Giovanni de Medici, pai de Cosme, nunca é assassinado, o que deita por terra todo o drama “policial” de descobrir quem o matou. E isto foi só o início. Desgosta-me assistir a séries históricas que não respeitam a História, e desgosta-me ainda mais quando o objectivo é criar um enredo mais violento, supostamente mais interessante, para ver se capta a audiência da Guerra dos Tronos.
Não bastou que o actor de Cosme seja Richard Madden, o Robb Stark King in the North da Guerra dos Tronos, como ainda foram buscar David Bradley, o Walder Frey da mesma Guerra dos Tronos, para fazer o papel do pai da sua noiva, Contessina, e combinar o casamento entre ambos numa cena fria e desagradável, levando toda a gente a pensar, inevitavelmente, no Red Wedding.

[Por falar em Guerra dos Tronos, quem tem saudades da Lady Olenna pode ver a actriz Diana Rigg na segunda temporada de “Victoria” como Duquesa of Buccleuch, num papel quase igual ao da Lady Ollena embora menos dramático e mais humorístico.]

Eu tinha muito interesse nesta série devido à importância que banqueiros como os Medici tiveram no despontar do Renascimento. Vi algo disto, mas queria ver mais. E havia mais para ver. Não havia necessidade de assassinatos que nunca aconteceram e de drama fantasioso. A realidade foi suficientemente interessante, e ainda nem chegámos ao Maquiavel!
Encontrei este artigo sobre todas as imprecisões da série, para quem quiser comparar: Medici Masters of Florence. Truth and Fiction in the TV series

Se nos conseguirmos esquecer disto tudo, é uma série que entretém. Mas não educa.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Requiem

Mais uma madrugada nasce só para ti
Um novo dia e ainda estás aqui

Vem ver, oh vem ver, o sol brilha para ti
Vem ver, amanhã, um novo dia contigo
Fica só mais um dia, mais um dia comigo

Agora partiste e já não estás aqui.
O sol nasce mas já não nasce para mim.

Ó linda, minha linda, levou-te a noite sem fim.





sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Metropolis reabre no mesmo espaço

O bar Metropolis vai reabrir no mesmo espaço, Centro Comercial Imaviz, nas Picoas, a 17 de Novembro. Segundo post do Facebook, a reabertura deve-se aos muitos apelos dos clientes desde que encerrou a 30 de Setembro. No entanto, permanece em aberto a mudança de espaço, que pode ser "mais morosa que o desejado".

Boas notícias!

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Life of Pi / A Vida de Pi (2012)


Únicos sobreviventes de um naufrágio, um rapaz e um tigre têm de aprender a viver em conjunto até chegarem a porto seguro.
É esta a premissa do filme e, apesar das improbabilidades, o filme convence. Eu sou daquelas que aceitam que aquilo que o filme mostra é aquilo que o filme me quer contar. A não ser que o filme me comece a dar sinais do contrário.
Pelo menos até ao aparecimento da ilha, estive perfeitamente convencida de que a história se centrava na simbiose forçada entre um rapaz e um tigre. O rapaz, Pi, náufrago e perdido no Pacífico, porque precisava da companhia do tigre (ou de salvar a vida ao tigre) para ter uma razão para viver e não desistir; o tigre, porque depois do primeiro mergulho fora do barco compreende muito bem que não consegue regressar ao barco sozinho, e que a criatura humana tem maneiras de o ajudar a sobreviver desde que não a coma. Os animais são inteligentes. E, com o tempo, os animais são capazes de estabelecer uma relação de igual para igual com o ser humano em que a ideia de o comer já não se põe. O humano e o animal tornam-se dois companheiros, na tal relação de simbiose a que alguns de nós gostamos de chamar "amizade" na falta de termo melhor. Só o sabe quem já o teve. Alguns, e a pena que tenho deles, nunca o tiveram nem vão ter (nem merecem tê-lo).
Acredito completamente que a partir do momento em que o tigre percebeu que o rapaz era capaz de pescar, para comerem ambos, o tenha passado a olhar como fonte de comida em vez de refeição. Pensando bem, o tigre não era 100% selvagem. Era um tigre de jardim zoológico já habituado a ver no ser humano a mão que dá a comida. Comida menos boa, agora que é peixe e não carne, mas comida, e água, que sem o humano o tigre não consegue obter sozinho. Quero acreditar que um tigre não é menos inteligente do que um gato doméstico que não consiga fazer esta dedução. Outro dado a ajudar à plausibilidade são as histórias verdadeiras de amizades improváveis entre homem e animal selvagem. Acontece. 
E, até aqui, eu estava completamente convencida.


À medida que a situação se torna mais desesperada, a beleza das imagens arrebata-nos a alma. Este é um filme que vale a pena ver só pela beleza com que captura e recria a natureza, o mar, os animais marinhos, o céu, as estrelas, as tempestades, a luz, as nuvens. Tudo é sublime. Talvez até tão sublime que toca a fantasia, mas vale a pena ver mesmo assim.
(Alguém acredita que o tigre não é verdadeiro? O tigre não é verdadeiro. Só por causa disso o filme mereceu todos os Óscares, mas o filme tem mais do que imagens bonitas. E tem mais do que uma história bonita.)
 
 

Comecei a desconfiar quando os dois náufragos encalham no que parece ser uma ilha verde e misteriosa, e flutuante, repleta de sericatas (?!!!). Nesta altura, tanto o rapaz como o tigre já estavam muito desidratados e exauridos. Julguei que era um sonho ou uma alucinação. Algo na ilha não batia certo. É a nossa grande pista para nos perguntarmos se estamos a ver uma história verdadeira. Ou uma história verdadeira com uma alucinação pelo meio? Também é possível. 
Desde o início sabemos que o rapaz sobreviveu. É este, já adulto, quem conta a história. Toda a nossa preocupação reside, agora, no tigre. Não tenhamos dúvidas, o tigre é a grande estrela de "Life of Pi".


O grande senão deste filme é que coloca muitas perguntas e não lhes dá nenhuma resposta. Afinal, esta é a história da amizade entre um rapaz e um tigre, ou é a alegoria de algo mais sombrio? Não sabemos, fica ao nosso critério.
Da mesma forma, o filme tenta colocar questões espirituais que nem sequer me atingem, nem ao de longe. O tio do rapaz, após este ter sobrevivido, conta a um escritor que o sobrinho tem "uma história que nos vai fazer acreditar em Deus". Lamento, mas não vi Deus nenhum aqui. A amizade entre rapaz e tigre não é um milagre. Nem sequer a sobrevivência é um milagre. O rapaz sobrevive, mas e os outros, o navio inteiro com a tripulação, os outros animais do jardim zoológico, a família de Pi? Todos estes morreram. Não houve milagre nenhum. É certo que durante o tempo em que está perdido Pi se dirige muitas vezes a Deus, uma das quais, delirante, em que julga ver Deus nos relâmpagos de uma tempestade e quase afunda o barco à conta desse momento de insanidade, mas não é nada estranho. "Não há ateus nas trincheiras", diz o ditado, e desde miúdo que Pi tinha genuíno interesse na religião. Nada de misterioso aqui.

O que eu penso que o filme tentou fazer foi isto: da mesma forma que Pi procurou muitas religiões para chegar a Deus, assim também nós devemos escolher em que história preferimos acreditar. Como Pi diz no fim, "é a mesma coisa com Deus".
Ora, isto pode ser um abre-olhos para alguém que nunca pensou em nada vagamente espiritual, ou para alguém que sempre considerou que só havia uma religião "certa" e esta era a sua, mas a mim soa-me uma mensagem pobrezinha, muito pobrezinha, miserável de tão pobrezinha.
E se a história verdadeira era a outra, e em vez disso Pi prefere relatar um conto de fadas para crianças, qual é a mensagem que tiramos disto? Que Pi não suportou a verdade e se refugiou na fantasia? Se a história era a outra não havia maneira melhor de a contar? (E aqui lembro-me de "Pan's Labyrinth" de Guillermo del Toro, para dar um exemplo do que quero dizer sem spoilers a este filme.)
Em suma, fiquei sem saber que mensagem o filme queria transmitir, e após duas horas de aflição e lágrimas senti-me ludibriada e de barriga tão vazia como o pobre do tigre, que pode ou não existir.


Como as outras perguntas ficam sem resposta, prefiro acreditar na história do tigre. É aquela que me diz alguma coisa.
Se me queriam contar uma história diferente, tivessem contado.


15 em 20



terça-feira, 24 de outubro de 2017

Minha linda

Tanto sofrimento, minha linda, tanto sofrimento. Alguns de nós não nasceram para ser felizes.
 

Dorme agora com os anjos, minha linda. Que eles te façam a companhia que de mim foi roubada.



domingo, 8 de outubro de 2017

"Prince Lestat", de Anne Rice


Já me tinham avisado de que este livro é uma desilusão, mas recusei-me a acreditar antes de ler. E depois recusei-me a acreditar antes de chegar ao fim. E agora que acabei de ler também não adjectivaria o livro como uma desilusão, mas como um manancial de ideias mal aproveitadas que até podiam ter dado um grande livro se tivessem sido exploradas como Anne Rice nos habituou. Infelizmente, este não é um livro da qualidade a que Anne Rice nos habituou. De todas as minhas queixas, a principal é mesmo essa. O que mais gosto na escrita de Anne Rice é que nos mergulha na psique dos personagens e nos faz compreender todas as suas motivações. Infelizmente, é o que mais falha em "Prince Lestat". Nunca consegui compreender as motivações dos personagens, dos já conhecidos e dos que são apresentados neste livro. Muitas das suas decisões e personalidades pareceram-me até incoerentes, como se durante o hiato em que Anne Rice pôs de lado as Vampire Chronicles se tenha esquecido de quem estes personagens são.

Para explicar estes motivos de insatisfação, terei de incluir spoilers. Quem ainda não leu e pretende ler, pode preferir interromper a leitura aqui e regressar mais tarde.


!!!CONTÉM SPOILERS!!!


Rowan? Qual Rowan? Quinn e Mona, idem
A minha primeira insatisfação é a falta de continuidade com o último livro da série, “Blood Canticle”. No fim deste, Lestat e Rowan, das Mayfair Witches, estão completamente apaixonados. Lestat até pensa em dar o Sangue a Rowan, mas decide adiar porque acha que ela ainda tem muito que fazer como humana. (Esta ideia é importante para este livro.) Mas ficamos a pensar que o romance vai ser retomado, se é que chega a ser interrompido.
Neste livro, eu talvez esperasse continuar a partir daí. Mas mesmo não continuando, nunca imaginei que aconteceria o que aconteceu: Rowan desaparece como se nunca tivesse existido. Nem uma palavra é dita sobre ela. 
Mona e Quinn, personagens de "Blackwood Farm" e "Blood Canticle", também não são mencionados, como se nunca tivessem acontecido, como se Anne Rice se tivesse arrependido de escrever esses dois últimos livros.
Mas Mona e Quinn (apesar de nunca terem sido personagens de que eu goste particularmente, especialmente a fútil Mona) são agora vampiros. Tendo em conta o enredo desta história, eles deviam ter aparecido, mais ainda, deviam ter estado sempre ao lado de Lestat. Incompreensivelmente, desapareceram também.

Os vampiros cientistas e o bebé-proveta
Parece o título de uma comédia, mas aconteceu mesmo. Lestat conhece uns vampiros que são igualmente cientistas e que se dedicam a estudar a fisiologia da espécie a que pertencem (outros vampiros). Até aqui tudo bem e normal. Conseguem convencer Lestat a participar nestas experiências, ao que ele acede porque lhe parecem interessantíssimas, e por meios que nem vale a pena explicar devolvem-lhe temporariamente a capacidade sexual. (Como os leitores das Vampire Chronicles sabem, os vampiros de Anne Rice perdem qualquer capacidade de desejo ou actividade sexual, sendo esta completamente substituída pelo desejo de sangue.) Lestat consegue assim envolver-se numa relação sexual com uma cientista humana, para fins científicos. Quando a coisa termina e o efeito da experiência passa, a Lestat apetece imediatamente "exanguinar" a parceira, o que não deixa de ser engraçado.
Ainda bem que não o fez, porque o sémen aproveitado deste encontro é utilizado para criar em laboratório um bebé 100% humano! Isto é, Lestat é pai! Lestat tem um filho! Humano! Eu adorei esta parte, imaginando que tipo de pai poderia Lestat tornar-se, como o poderia fazer evoluir e transformá-lo.
Que desilusão! Por razões que me ultrapassam, os cientistas acham melhor esconder a criança do pai, embora o miúdo saiba, desde sempre, que é filho do famoso vampiro Lestat.
Ora, isto não me entra na cabeça. Custava alguma coisa que um deles lhe tivesse telefonado:
“Lestat, pá, como vai isso?”
“Hã, assim assim.”
“Pá, nem vais acreditar no que aconteceu. Lembras-te daquela experiência, com a cientista boazona, no laboratório? Pá, és pai, pá! Vem cá já ver o puto! Mas não o comas, fixe? ”
Nada disto aconteceu. Lestat só toma conhecimento deste filho quando este já tem 18 anos. E não se percebe porquê, porque Lestat e os cientistas ficaram amigos e não havia razão para que não participasse na paternidade. O que Lestat teria para ensinar a um miúdo humano!
O que é que Anne Rice estava a pensar, pergunto-me? Que oportunidade desperdiçada.

A insuportável Rose
Em vez disso, somos apresentados a mais uma protegida de Lestat, uma miúda órfã chamada Rose a quem este decide “adoptar”, apresentando-se como tio Lestan. A história de Rose não me diz nada. A miúda foi tão protegida por amas e seguranças que nunca conseguiu aprender a safar-se sozinha no mundo. Cresceu uma flor-de-estufa, uma mosquinha morta. Uma daquelas donzelas do século XIX que choram e desmaiam e precisam de ajuda para atravessar a rua. Uma coisa que já não existe, graças a Deus.
Resultado: Rosa mete-se em problemas atrás de problemas e não sabe sair deles sozinha. Rosa nem sequer tem um grupo de amigos, nem um único. Só podia correr mal!
Em vez desta insuportável Rose, eu queria ver o Lestat ser um pai para o filho verdadeiro. Como é que alguma vez Rose poderia ser relevante, quando subitamente Lestat tem um filho biológico e humano com quem nunca o vemos relacionar-se? Rose não era necessária para nos mostrar que Lestat tem tendências paternais (sabemo-lo desde Claudia de "Entrevista com o Vampiro") e ainda por cima não desempenha qualquer papel influente no enredo. O que Rose fez na história foi ocupar espaço que devia ter sido usado com Viktor, o filho de Lestat.

A ameaça
"Prince Lestat" é a história de como a comunidade vampírica enfrenta a maior ameaça desde que Akasha ("A Rainha dos Malditos") decidiu destruir todos os vampiros (ou quase). A ameaça, suspeito, é a mesma, porque desta vez é o espírito Amel (o espírito que vivia no corpo de Akasha e origem de todos os vampiros) que após milénios de dormência toma consciência de si próprio e decide que existem demasiados vampiros no mundo. Amel possui um corpo (espiritual, mas um corpo) que também tem limitações, e a proliferação de vampiros esgota-o e enfraquece-o. Desta forma, Amel começa a convencer os vampiros mais velhos, os que já adquiram o Fire Gift, a incinerarem os mais novos. A maneira como os atormenta até que lhe façam a vontade nada deve à possessão. Amel é tão cruel que ameaça os resistentes: se não fazem o que lhes manda, mandará outros matá-los a eles.
Descobri muito depressa de quem era esta Voz que sussurrava ao ouvido dos vampiros, mas não penso que o livro tenha feito dela grande mistério, de propósito ou não, porque Lestat e outros vampiros também já desconfiavam ainda antes de começarem a falar disto uns com os outros.
A Voz, que mais tarde se veio a confirmar ser Amel, é o enredo fulcral desta nova história das Vampire Chronicles. O final, sem querer revelar, foi bastante imprevisto.
Mas que faz Lestat ao conhecer o perigo que enfrenta? Lestat vai buscar um pequeno machado e começa a usá-lo dentro do casaco. Sim, leram bem, um machado! E pequeno! Ora, desde quando é que o vampiro Lestat anda com um machado? E para quê? O que é que Lestat fazia com um machado se lhe aparecesse à frente um vampiro de 6000 anos com intenções de o transformar em cinzas? Esta parte é tão estúpida que até dói. O pior é que Anne Rice nem tenta explicar. Podia ter havido uma explicação plausível, algo do género, “sei que um machado não me protege mas era o que eu usava quando era humano e de alguma forma irracional conforta-me andar com ele neste momento de perigo”. Se era isto que Anne Rice queria transmitir, não transmitiu. Mas o machado acabou por ser muito conveniente quando foi preciso um machado e Lestat o tinha dentro do casaco… Ele há conveniências que só as necessidades do enredo podem explicar.

Lestat superstar
Por falar em vampiros de 6000 anos, esta história apresenta-nos uns quantos que ainda não conhecíamos. O que também é bastante interessante. O que não faz qualquer sentido é que até estes concordem que Lestat deva ser o novo líder de todos os vampiros.
Exactamente, o líder! Por razões que me são incompreensíveis, todos os vampiros do mundo (Armand incluído) decidem que Lestat é o homem perfeito para os liderar. Lestat passará a ser o príncipe dos vampiros! Ora, isto não faz sentido nenhum, nem para o próprio Lestat. Ele mesmo o diz, a certa altura, como é que o vampiro que mais regras quebrou ficará agora encarregado de as estabelecer?! (Boa pergunta, Lestat! E olha, já agora, como e porque é que mudaste de ideias? Foi a tua vaidade, não foi? Mas não explicaste, maroto! Dantes costumavas ser mais sincero. Cuidado, não te transformes mesmo num político.)
Mas é assim que Anne Rice apresenta o mundo dos vampiros. De repente, vampiros antiquíssimos, vampiros de primeira geração, vampiros que já viveram milénios, decidem achar que Lestat é presidenciável, ou realeza, ou algo assim, porque… Ah, é verdade. Não se percebe porquê. Porque teve uma banda rock? Porque expôs os vampiros ao mundo (e não foi ele, foi Louis quem o fez primeiro)? Porque os vampiros mais novos o consideram um vampiro superstar? Pela sua bela “juba de cabelo loiro”? Isto era como se um líder político fosse escolhido por ser um fenómeno de popularidade. Até estaria disposta a aceitar se fossem apenas um ou dois vampiros fascinados com Lestat, mas todos? Não. 

As gémeas estavam a mais
Esta fascinação por Lestat também deu muito jeito no caso de Mekare, e em como Anne Rice se livrou das duas gémeas no mesmo livro. (Grande spoiler: as gémeas foram-se, excepto se regressarem como fantasmas.) Mas novamente não faz sentido. Não me lembro exactamente qual era o estado mental de Mekare no fim de "A Rainha dos Malditos", mas é-nos dito neste livro que o cérebro de Mekare está praticamente morto devido a ter passado milénios sem contactar com ninguém. Ora, nesse caso, Akasha, que “petrificou” durante milénios seguidos, não teria ficado no mesmo estado? E não poria isso em causa a capacidade de regeneração vampírica da mitologia destes vampiros? Mas fechando os olhos a estes pormenores (que até não são pormenores, mas adiante), o cérebro de Mekare, dizem-nos, não funciona. Mekare não é capaz de um pensamento racional. Mekare é um vegetal. Muito bem, aceitamos isto. Como é que então Mekare subitamente dá a entender a Lestat que quer morrer? A mesma Mekare que não teve a capacidade mental de perceber que a sua irmã Maharet tinha sido assassinada quase debaixo do seu nariz? Não faz sentido. O cérebro de Mekare funciona ou não funciona, ou só funciona quando dá jeito ao enredo? 
Que mal Anne Rice tratou Mekare, e as gémeas. As gémeas que eliminaram Akasha, que souberam o que fazer para impedir a destruição de todos os vampiros que a morte de Akasha implicava! A única maneira de redimir a falta de cerimónia com que as gémeas foram despachadas seria mesmo fazê-las regressar como espíritos. (Neste livro, somos informados de que alguns fantasmas aprenderam a criar um corpo físico para si próprios. Não sei se gostei disso.) Algo me diz que Anne Rice não o fará, que as gémeas morreram porque a autora se fartou delas, e nota-se. Esta parte, a parte em que se nota, é que me incomoda.

O filho (invisível) de Lestat
E por último, voltamos à tristeza que foi o desperdício deste filho biológico, Viktor. A pobreza que foi aquela primeira conversa: 
“Sou o teu filho Viktor”
“Pois, parece que sim”
Nem foi tão engraçado como isto, foi muito pior. Foi seco, foi forçado, foi artificial. Absolutamente nenhuma emoção, nem boa nem má. E depois Viktor diz ao pai que também quer ser vampiro. (Aqui, recordemos que Lestat não transformou Rowan por achar que ela ainda tinha muito que fazer como humana.) O que faz Lestat? Aceita! Sim, filho, vamos já tratar disso. Marius, transforma-me aqui o puto, se faz favor.
Não Lestat! O que devias ter-lhe dito era o que ele precisava de ouvir: “Queres o quê?! Ser vampiro? Qual vampiro qual carapuça! Quantos anos tens, 18? Pensa mas é em ir para a escola, tirar um curso, arranjar um emprego! Vai viver a vida! E dá-me um neto, já agora! E depois, quando fores um homenzinho, logo se pensa no assunto.” 
Não. Lestat aceita transformar um adolescente em vampiro, antes de ter oportunidade de experimentar a vida, antes ainda de sair de casa dos pais. Isto não me entra na cabeça. Lestat não aprendeu a lição de Claudia?!?!... Por falar em Claudia, o único que ainda tem algum juízo, valha-nos isso, continua a ser Louis. Foi o único que disse ao miúdo que o vampirismo não é vida, é não-vida. Que para ser vampiro Viktor tem de morrer antes. Não adiantou nada. 
Rose apaixonou-se por Viktor e também quis ser vampira. O que não interessa nem ao menino Jesus, porque nunca se viu um romance tão forçado e artificial e conveniente (?) como o destes dois. Detesto tanto esta personagem que quando a autora dá entender que por pouco Rose não sobrevivia à transformação, torci para que não sobrevivesse mesmo. Se esta série de livros é para continuar, Rose tem de desaparecer ou ser remetida para um lugar muito nas sombras, ou ter qualquer papel relevante que não seja ser apenas a filha adoptiva de Lestat que é namorada do filho biológico de Lestat, e que também é vampira.
Nunca julguei dizer isto, mas uma personagem como Rose fez-me desejar que Mona regressasse.
Quanto a Viktor, não sabemos nada dele excepto a sua aparência física e que tem medo de espaços subterrâneos (relevância? não sei). O livro não achou interessante debruçar-se sobre a personalidade do único filho biológico do protagonista. Escolhas curiosas, estas. Este podia ter sido um enredo tão interessante como o enredo de Amel, se não mais, mas Anne Rice desperdiçou-o tão completamente que não percebo por que motivo decidiu que Lestat devia ter um filho. Não é todos os dias que um vampiro deste universo consegue ter um filho biológico, faria todo o sentido que um acontecimento destes fosse explorado à altura.

Não bastando todas estas queixas, ainda tenho outra. No final, Anne Rice tenta convencer-nos de que Louis, subitamente, se livrou da melancolia. Que subitamente decidiu que é feliz. Oh horrores, oh injúria! Se ao menos não soasse a falso! Mas cada vez estou mais convencida de que Anne Rice odeia o personagem Louis e se quer livrar dele. Se não fisicamente, transformando-o noutra coisa. Talvez não fosse assim quando escreveu "Entrevista com o Vampiro", mas depois disso Louis desapareceu e começou a ser cada vez mais maltratado pelas Chronicles. Neste aspecto, "Prince Lestat" não destoa da tendência anti-Louis.

Pela primeira vez desde que leio as Vampire Chronicles terminei este livro sem qualquer vontade de o ler outra vez. Não sei se é uma desilusão, para mim pessoalmente, porque "Blackwood Farm" e "Blood Canticle" já não me agradaram tanto como os anteriores. Confesso que não esperava todos os motivos de queixa que apontei acima, o mais grave de todos a falta de importância que é dada à paternidade de Lestat.
No fim do livro, parece que Lestat decide que os vampiros têm de deixar de pensar mal de si próprios, que não são monstros (não, que ideia!), que já não se devem referir a si próprios como The Damned ou ao vampirismo como The Devil’s Road. Em suma, querem ter orgulho em si próprios como "povo". A minha vontade de ler livros posteriores vai depender disto. O mais interessante nas Vampires Chronicles era o perpétuo dilema dos vampiros entre a necessidade de matar e o remorso, entre a imortalidade e a nostalgia da vida mortal, entre o Bem e Mal. Se este dilema acaba, se até Louis resolve decidir que não podia estar melhor como está, que apelo poderá restar nesta série? Não sei, e talvez leia o próximo livro ("Prince Lestat and the Realms of Atlantis") para só para chegar a uma opinião definitiva.
Mas neste momento as Vampire Chronicles estão a perder-me.
Com outra escritora, diria que este livro foi escrito porque a autora precisava do dinheiro para pagar as contas. (Parece que a série sobre Cristo não vendeu o que se esperava.) Anne Rice, do que sei, não precisa do dinheiro. Mas, talvez por sorte, nunca li dela um livro tão desinspirado como este. É como se, ao decidir deixar de escrever sobre as Trevas e começar a escrever sobre a Luz, ela tenha delirado que as Vampire Chronicles também podiam pertencer à Luz. Fechando os olhos ao crime e à morte, porque os vampiros se alimentam de “malfeitores”. Mas até os malfeitores têm direito a julgamento, e nunca um só homem ou vampiro se deve encarregar de fazer justiça pelas próprias mãos e achar que pertence à “Luz”.
Honestamente, não sei que caminho levam as Vampires Chronicles mas não estou a gostar do sentido em que se dirigem. É possível que este tenha sido o último livro que leio desta série. Para já, não me apetece nada ler o próximo.

Por outro lado, descobri no site da Anne Rice que há planos para transformar as Vampires Chronicles numa série de TV, abrangendo toda a história desde o início. Esta sim, é uma ideia brilhante, que adoraria ver em prática. Que venha ela!





quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Metropolis encerra portas

O bar Metropolis encerrou no dia 30 de Setembro. Segundo o post abaixo, no Facebook, está previsto um "novo Metropolis".
O Metropolis, nas Picoas, em Lisboa, inaugurou a 7 de Junho de 2008.
Nove anos de memórias.

Mais uma má notícia para a comunidade.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Outcast


A primeira coisa que li sobre Outcast é que esta é uma série que efectivamente mete medo. Do mesmo criador de The Walking Dead, Robert Kirkman, e tendo como personagem principal um exorcista, claro que fiquei extremamente entusiasmada! Bem, culpa minha. Por esta altura já deveria saber que um artigo escrito por um espectador normal não traduz “meter medo” da maneira que eu entendo “meter medo”. E quanto a “meter medo” fiquei bastante desiludida. Mas já lá vamos.
Esta é a história de Kyle Barnes, um homem aparentemente perseguido por demónios desde infância. Os motivos por que é perseguido, porque é que os demónios possuem toda a gente que lhe está próxima, não são explicados, pelo menos até ao fim da primeira temporada (a que esta crítica se reporta). E tenho de começar logo aqui a dizer mal, quando eu até queria gostar desta série.
Para dez episódios, a série segue num ritmo demasiado lento para o meu gosto, mas admito que a história se centra em personagens que nunca me conseguem cativar e com as quais não me identifico. Grande parte dos episódios é sobre estas personagens e o seu quotidiano, tentando, ao mesmo tempo, interessar-nos pelos seus problemas e traumas, o que pode resultar muito bem com o tipo de público que estas representam. Para mim as personagens pouco representam e muitos dos episódios foram, lamento dizê-lo, quase uma seca. Só os demónios os salvaram.
O mesmo sintoma se aplica, curiosamente, a The Walking Dead. As personagens são de uma pobreza intelectual generalizada, insuportável se apresentada num enredo sem zombies. Deduzo que seja mesmo esse o objectivo: personagens que representam um certo público alvo com que este se pode identificar facilmente. Admito que resulte, mas eu não pertenço a este público alvo. Mesmo assim, as personagens de The Walking Dead ainda conseguem ser intelectualmente superiores às de Outcast, o que não é difícil. Mas as personagens de The Walking Dead estão ali para servir de papa para zombie e eu sou da opinião de que não é conveniente que o espectador se identifique muito com personagens de uma história de terror.
Já não se passa o mesmo com Outcast. Com Outcast, uma história muito mais lenta e centrada nos personagens, seria importante que nos importássemos com eles. Infelizmente, isso não aconteceu, e acabei a primeira temporada sem saber de cor do nome do protagonista (que fui consultar para esta crítica). O que diz tudo. Pior do que a pobreza intelectual dos personagens são algumas das suas escolhas e comportamentos, do estúpido ao ainda mais estúpido. (O que também é comum a The Walking Dead, curiosamente.) Nem o reverendo se safa. Se calhar por defeito cultural de influência católica, tenho a tendência de olhar para os responsáveis religiosos como pessoas cultas. Esta série recorda-me constantemente o que de menos culto existe na América profunda do “Jesus Belt”, em que o pastor só precisa de saber citar a Bíblia e interpretá-la como lhe dá mais jeito.
Cada vez que estes personagens abrem a boca entra demónio ou sai asneira, e não há como suportá-los.
Falemos então do único motivo por que vejo esta série: os demónios.

Os demónios
Mas serão mesmo demónios? Após dez episódios, tenho razões para duvidar. Foi realmente muito estranho assistir ao comportamento destes demónios. Na verdade, quem nos diz que são demónios é o reverendo, que não diria outra coisa. Mas o reverendo não consegue exorcizá-los com a Bíblia e a cruz e água benta, o que também poderia não significar nada excepto pelos poderes do tal Kyle Barnes, que nem sabe que os tem. Com a simples imposição das mãos, Kyle Barnes consegue expulsar estas entidades das pessoas possuídas (se estão mesmo possuídas?...). A entidade, composta de parte etérea como fumo (à Sobrenatural) e parte óleo negro (como o vírus extraterrestre dos Ficheiros Secretos) sai pela boca do possuído, roda em espiral em direcção ao tecto, e dissolve-se. Do ponto de vista da cultura cinematográfica, parece uma possessão demoníaca. Os possuídos exibem comportamentos alterados, no mínimo estranhos e nos piores casos capazes de violência extrema, o que também é consentâneo com possessão. As imagens iniciais do genérico (o panorama invertido que sobrevoa a cidade) evocam a noção de que o universo demoníaco é invertido (por que motivo, honestamente, nunca me dei ao trabalho de pesquisar, mas compreendo o conceito). Até aqui, tudo nos leva a pensar que se tratam efectivamente de demónios. Mas depois há outras coisas que não fazem qualquer sentido no contexto em que os conhecemos. Ou são demónios muito esquisitos, ou não são demónios de todo.
Primeiro, o tal óleo negro. Ora, toda a gente sabe que o Diabo só se vê quando ele quer mostrar-se, e o mesmo dos seus capangas. De diabos transformados em óleo negro nunca ouvi falar. Mas vamos considerar que são diabos originais.
Segundo, está a haver uma verdadeira infestação de diabos na gente daquela cidade. Das conversas entre estes diabos, que são tudo menos incompreensíveis e crípticas como se esperaria destas entidades, parece mesmo que o objectivo é possuir o maior número possível de pessoas sem dar nas vistas. (E esta parte de “sem dar nas vistas” é importante porque o objectivo da possessão demoníaca sempre foi o de testar a fé dos crentes, nunca a de passar despercebida.) Os diabos estão a chegar em catadupa para um evento em grande escala que o reverendo interpreta como o Apocalipse, mas eu não vejo nada ali que se assemelhe ao Apocalipse. Antes pelo contrário. No Apocalipse, o Anticristo manifesta-se, não se esconde.
Terceiro, que eu saiba, o grande chefe dos diabos não anda por aí em forma de gente, de fato escuro e chapéu de gangster, a mutilar reverendos. Aniquilar a “concorrência” vai contra o objectivo. Sem concorrência, como é que se corrompem as almas? A concorrência é necessária. Quanto maior e melhor a concorrência mais gozo em corromper as almas. (É mais do que gozo, se é que é gozo, mas não vamos entrar em pormenores doutrinais.) O objectivo é arrebatar almas para o Inferno. Não vale possuí-las todas ou levá-las à força ou ameaçá-las à naifada. Há regras!


Por último, finalmente reparei no grande poster “X-Files: I want to believe” que o tal Kyle Barnes tem no quarto, bem visível, desde o primeiro episódio. The Walking Dead já nos habituou a deixar pistas, e eu até já tinha percebido sozinha que o tal óleo negro parecia o vírus extraterrestre dos Ficheiros Secretos, mas pensei que o poster era apenas uma homenagem.
Chegando ao fim da primeira temporada, pergunto-me se é mais do que isso. Aquela infestação de diabos e as conversas entre eles levam-me mais a pensar numa invasão extraterrestre (tipo “Body Snatchers”) do que demónios.
De qualquer das maneiras, o resultado é mau. É mau se a série prometeu demónios e exorcistas durante toda uma primeira temporada para depois nos dizer que são extraterrestres. É mau se forem extraterrestres porque nunca se percebe ao certo que o são, e até a pista, se o for, é uma extrapolação da minha parte que pode estar certa ou errada. Em qualquer dos casos, considero mau resultado chegar ao fim da primeira temporada sem perceber exactamente o que estou a ver. Nos primeiros episódios? Sim. Uma temporada inteira? Demasiado. (Lá tenho de me lembrar outra vez da pior temporada de Lost, quando tentaram convencer as pessoas de que a ilha tinha uma explicação científica.) Mas cheguei mesmo ao fim da temporada na dúvida, a saber muito sobre personagens que não me interessam nada e muito pouco sobre os demónios que podem não ser demónios.

O que mete medo
O que mete “medo”, em Outcast, são as cenas de violência real. A mãe a espancar o miúdo, o homem que viola e assassina a mulher do melhor amigo, os animais mutilados. Tudo coisas imputadas ao diabo, mas todos sabemos que neste caso o diabo tem as costas largas. Não é preciso diabo para as pessoas fazerem estas coisas, o que é mais triste do que assustador.
A única cena que mete medo é quase uma cópia do “Exorcista”. Um miúdo possuído a fazer exactamente as mesmas coisas que faz a miúda possuída do “Exorcista”. Não considero um plágio mas uma homenagem. Se mete medo? Claro que mete medo. Não é por nada que o “Exorcista” é considerado um dos filmes mais assustadores de sempre.


As possessões seguintes tornam-se cada vez menos assustadoras e cada vez mais violentas, e já não causam o mesmo efeito. Quanto mais a série se afasta dos temas demoníacos e se foca na banalidade da violência real, cada vez menor o efeito. O que nos assusta no “Exorcista” funciona a nível inconsciente. Temos medo do que não vemos, do que nos pode controlar contra a nossa vontade, da possessão. Se os demónios nem parecem demónios, não produzem o efeito de demónios.
A melhor possessão da série, tenho de dizê-lo, é quando alguém que não vou identificar mata o marido assim que a entidade entra dentro dela. E foi a melhor possessão porque a entidade dentro dela a faz parecer um zombie. Acreditei, a certo momento, que ela ia começar a comer o cadáver do marido. Da maneira como deambula pelas ruas, desgrenhada e descalça, podia ter aparecido em The Walking Dead e ninguém dava pela diferença. A melhor possessão da série funciona porque nos lembra da outra série, com tudo o que isso implica.


Ainda não comecei a ver a segunda temporada*, e ainda tenho esperança de mudar de ideias, mas até agora Outcast não me consegue convencer como a grande série que esperava que fosse e que podia ter sido. Se ao menos os personagens fossem mais interessantes (e inteligentes), se ao menos os demónios fossem mais demónios e menos outra coisa que não se percebe.
Espero bem que estas entidades não sejam afinal um vírus extraterrestre que visita o planeta Terra ocasionalmente desde a mais remota pré-História, dando assim origem ao mito dos demónios (e dos vampiros). Se há uma coisa que me irrita é a “mistura” de científico com sobrenatural. Nunca vi nada que saísse bem feito dessa mistura. Porque é que as pessoas insistem?


* Entretanto, depois de escrever este artigo, já vi o primeiro episódio da segunda temporada. O mistério quanto às entidades continua a arrastar-se, a arrastar-se, a arrastar-se... Com alguma sorte, pensam os criadores da série, para espremer dez temporadas disto.
Eu já estou desapontada e ainda vou no décimo primeiro episódio. O início da segunda série não augura  melhoria. Se vou continuar a ver? Claro que vou. Demónios ou extraterrestres ou gambuzinos, onde há terror lá estou eu. Que a série podia ser muito melhor do que é? Sim, podia. O que é que a série pretende alcançar? Não faço ideia. Por esta altura, acredito que os criadores também não fazem.




terça-feira, 13 de junho de 2017

Mad Dogs (2016)

 

Quem tem saudades de Breaking Bad não deve perder esta série. Não é a mesma coisa mas o tema e o ritmo alucinante certamente agradarão ao mesmo público.
Um empresário do imobiliário, aparentemente bem sucedido, convida os seus quatro amigos de juventude para umas férias no seu espectacular chalé no Belize. Por chalé, entenda-se uma vila de dois andares, pátio interior com piscina, extensa propriedade privada em volta e praia privada. Uma casa de sonho! Os amigos ficam deslumbrados! Embora percebam que o amigo do Belize os convidou para ostentar. Mas que é isso entre amigos? E de férias?


Depois de um dia de banhos de mar e jogos de bola na areia, sentados à mesa, o bom anfitrião muda subitamente de atitude e desata a criticar impiedosamente cada um deles, apontando-lhes os falhanços pessoais e profissionais. Antes que possam responder, um homem encapuzado entra no chalé e troca algumas palavras com o dono da casa. Não gostando das respostas, o encapuzado dá-lhe um tiro na cabeça. Assim mesmo, sem mais!


Os quatro amigos, em choque, são também ameaçados. O assassino julga-os cúmplices dos negócios obscuros do amigo do Belize e exige-lhes que entreguem aquilo que o primeiro não quis entregar. Para lhes complicar ainda mais a vida, arranja maneira de os incriminar pelo homicídio. Agora em estado do pânico, os quatro amigos percebem a armadilha em que caíram e pensam em fugir. Mas, incriminados pelo homicídio, e por serem estrangeiros num país de legalidade duvidosa, tomam a precaução de esconder o corpo. O que não vai ser tão fácil como julgavam...
Começa assim uma série de aventuras rocambolescas e alucinantes em que um advogado, um gestor financeiro, um professor e um empreiteiro se vêm a fugir a uma chefe de polícia corrupta, a um cartel de droga, a personagens tenebrosas com ligações à CIA, e até ao FBI. Fora do seu ambiente, sem recursos nem conhecimentos, sem saberem no que se meteram, rodeados pelas paisagens tão belas quanto perigosas da selva tropical, como é que se vão safar? Confrontados com circunstâncias de vida ou de morte, a amizade que antes os ligava pode não passar de uma fantasia inexistente quando o instinto de sobrevivência fala mais alto. Qual deles trairá os outros primeiro? Qual deles, tendo a oportunidade de escapar, deixará os outros para trás?

Mad Dogs é a adaptação de 2016 da série britânica homónima de 2011. As semelhanças com Breaking Bad são evidentes, tanto no tema, como na cinematografia (os planos da piscina, por exemplo), como nas cenas de acção e no humor negro. Mas a história é bastante diferente e não existe um Walter White com soluções geniais de último minuto. São só pessoas normais numa situação extrema, e desde o primeiro momento sentimos que podia acontecer-nos a nós.
Num panorama televisivo recheado de histórias mal-amanhadas, Mad Dogs surpreendeu-me pela inteligência e pelo humor. Recomendo vivamente.




quinta-feira, 11 de maio de 2017

Ministério do Tempo

 

Sempre que a televisão portuguesa se lança na produção de um género ficcional mais arriscado, eu acompanho com muita atenção. O mesmo aconteceu com este “Ministério do Tempo”, a história de um ministério secreto do governo português que tem por missão certificar-se de que a História não é alterada. A partir das revelações de um rabino do tempo de D. João II (se não me engano), os governantes de Portugal sempre tiveram acesso às portas do tempo que, como diz o nome, permitem aos agentes do ministério viajar entre séculos quando surge uma ameaça ou alguém mal intencionado que quer mudar a História.
Logo aqui, podíamos começar já a fazer perguntas existenciais: não mudar a História?! Raios, o que deviam fazer era precisamente mudar a História, começando logo por impedir D. Sebastião de partir para a tragédia nacional que foi Alcácer Quibir e que colocou o Império Português em mãos espanholas e de mão beijada!
Mas cá estou eu a pensar muito. Esta série, que promete abordar a História de Portugal como nunca foi abordada, não é para pensar muito. Na verdade, é preciso desligar metade do cérebro antes de ver, o que é pena, porque tinha potencial dramático que não foi aproveitado.
Sou toda a favor do humor! Confesso que me ri da primeira vez que apareceu a piada de “ir chatear o Camões” literalmente. Foi giro. À segunda vez é que já não teve graça nenhuma. O espectador tem metade do cérebro desligado, mas o cérebro ainda lá está para apanhar uma piada repetida que perde a graça. Depois de alguns primeiros episódios em que dei o benefício da dúvida, o meu medo era que o humor se transformasse em palhaçada. Desgraçadamente, o episódio do Napoleão andou mesmo pela piada revisteira do “cozinho, cozinho, cozinho todos os dias”, e não havia mesmo necessidade de desaproveitar o talento da actriz Carla Andrino dos “Malucos do Riso” numa piadola pior do que os “Malucos do Riso” numa série que não precisa disto para existir. Não havia necessidade, realizadores da série, porque o vosso público alvo não é este! O vosso público alvo é inteligente, culto e exigente, um público que lê fantasia, fantástico, ficção científica, terror. Não é o grupo alvo que se ri das piadolas do Quim Barreiros.
Nesta tentativa de agradar a todos com um género que reconhecidamente só interessa a uma minoria, aconteceu o que eu mais temia: a série, por alguma razão emitida em horário nobre na RTP1, não se leva a sério. E todos os problemas desta série andam em torno desta mesma enfermidade que a sabota a partir de dentro: a série não se leva a sério. Nem ao enredo nem aos personagens. O que é pena, porque as melhores partes do “Ministério do Tempo” acontecem quando as personagens finalmente ganham profundidade e nos começamos a identificar com elas, como numa série a sério. Pena que esta não seja uma série a sério e que os fãs deste género sejam tratados pela série como idiotas que pouco se importam se entra este e sai aquele sem qualquer motivo, se o enredo dá meia volta e deixa de fazer sentido, se o vilão do princípio do episódio é o grande amigo nos últimos cinco minutos sem que nada tenha acontecido para isso, e outras que tais.
(Pessoalmente, achei o episódio do Eusébio de mau gosto. Não vos parece muito cedo? A mim parece.)
Em suma, gostava de poder apreciar mais esta série, com menos palhaçada, com mais pés e cabeça, mas a série não me deixa. Continua a tratar-me aos pontapés. E lamento, porque tinha potencial para ser uma série de culto (como o “Duarte & Companhia”, assumidamente humorístico) e vou lembrá-la como uma manta de retalhos de um produtor que queria fazer alguma coisa diferente mas tinha medo das audiências e resolveu “apimentar” com piadas de mau gosto e um enredo atabalhoado que insulta a inteligência dos potenciais espectadores.
As séries são como as pessoas. Ninguém gosta delas se não gostarem de si próprias, e esta série tem grandes problemas de auto-estima.


Deixo uma dica sobre o realismo dos cenários. Em todas as cenas em tempos passados, especialmente na Idade Média, as pessoas e casas aparecem muito limpas e a cheirar a novo. Já estive em tascas no Bairro Alto mais sujas e peganhosas do que certas tabernas que aparecem na série. Por uma questão de realismo, não custava nada melhorar isto.

E por último, se deveras quiserdes continuar a usar o vós, usai-o bem. Estudai as formas verbais! Fica aqui um sítio fiável e grátis onde podeis consultá-las à vontade antes de escreverdes os diálogos:

conjuga-me.net



segunda-feira, 1 de maio de 2017

Aftermath


Estranhamente, esta série não é má. Estranhamento, porque a estrambólica mistura de elementos assim o sugere: meteoritos, vulcões, vórtices misteriosos que sugam pessoas para o céu, pragas apocalípticas, skin walkers (espíritos que possuem pessoas), metamorfos (espíritos que tomam o aspecto de pessoas), dragões, seres mitológicos… Que série é esta? É o fim do mundo ou é o “Sobrenatural”?
O enredo vai fazendo cada vez menos sentido. A cada episódio um novo mistério é introduzido. E a cada novo episódio eu ia-me perguntando se era desta vez que desistia de ver a série. Estranhamente, a catadupa de elementos novos e imprevisíveis (de tão absurdos) mantiveram-me a ver. Episódio após episódio, semana após semana, lá estava eu à espera do que ia acontecer desta vez. E por isso a série nunca me aborreceu e não é má.
Acredito que a excelência da realização também tenha a ver com isto. Ao contrário de outras produções de baixo orçamento, e o orçamento desta não pode ter sido muito maior, os efeitos especiais e, principalmente, a fotografia, funcionam e provocam momentos de realismo belo e terrível como o daqueles fragmentos da Lua a avançarem no espaço em direcção à Terra. Há muitos outros, e igualmente agradáveis aos olhos. No que o enredo e as personagens não convencem, a envolvência compensa.


Vista a primeira temporada, a explicação pseudo-científica aparece muito de repente e sem grandes fundamentos. (Devo ter sido a única pessoa a gostar do fim de “Lost”, assim que se afastou do lamaçal de pseudo-ciência em que andou atolado.) Mas o facto é que a série me entreteve até ao fim. Se gostaria que fosse renovada? Sinceramente, não. Se continuaria a ver, se renovassem? Por curiosidade, sim, mas o enredo e o ingrediente de sucesso que foi o “factor  surpresa” já foram esticados até ao limite e não acredito no que viria depois.


Aftermath não deixa de ser uma série curiosa que se vê sem grandes profundidades e sem grandes exigências. Mas tendo em conta os elementos que envolveu podia ter sido muito pior e só por ter conseguido que resultasse já não é uma série medíocre.



sábado, 22 de abril de 2017

Victoria


Admito que conhecia muito pouco da vida pessoal da rainha Vitória, à parte as máculas da era a que se viria a chamar vitoriana.
(E dos vestidos, é claro! Os vestidos! E os decotes! E as capas! E os coletes! E as gravatas! E as cartolas!... Mas vou tentar controlar-me.)
Desde já tenho um grande elogio a fazer a esta série: a precisão histórica que tentou sempre respeitar. Isto não devia ser um elogio, devia ser um requisito obrigatório quando se trata de uma série de ficção que pretende retratar a vida de personagens históricas e reais, mas ultimamente os argumentistas enveredaram pela mania irritante de alterar pessoas e factos ao serviço do que consideram (na cabeça deles) um enredo mais “chocante”. Exemplos: Os Tudors, Os Borgias... Não só não há qualquer necessidade, como há quem deteste estas liberdades, como há outras maneiras de contar uma história diferente da realidade (Fantasia, meus amigos, Fantasia!).
Não é doença que tenha contagiado esta “Victoria”, e nem que fosse só por isso já teria amado a série. Adorei, no fim de cada episódio, ir pesquisar sobre cada uma das personagens que me chamaram a atenção e descobrir que foram efectivamente reais e que a vida desta gente foi muito mais interessante do que eu tinha imaginado. (George III, avô de Vitória, teve 15 filhos legítimos da mesma mártir consorte, dois dos quais foram reis, mas por capricho do destino a descendência feminina de dois dos herdeiros à coroa quase tornava inevitável que fosse uma rainha a chegar ao trono, como aconteceu, como já tinha acontecido antes, como acontece agora. Destino da Inglaterra?...)

Série histórica à antiga
A série segue a vida da jovem Victoria desde o momento em que se torna rainha. Muito do encanto desta personagem se deve à interpretação da bela e talentosa Jenna Coleman, que ajuda a transformar esta história num verdadeiro conto de fadas. Por opção, a realização opta pelo estilo estético da época, o Romantismo em todo o seu esplendor, sem que tal retire qualquer realismo à narrativa histórica. Não podia ter sido uma melhor decisão!
Não contente com isso, a série desenvolve em paralelo algumas das histórias dos criados do palácio. O contraste é brutal. Aqui já temos o Realismo de Dickens (ainda um Realismo muito Romântico, na minha opinião), nas ruas esquálidas, sujas, escuras e nevoentas por onde estes se movimentam fora do ambiente palaciano, ruas onde crianças roubam e pedem esmola e vendem fósforos e mulheres sem escolha se prostituem nos cantos e becos mal iluminados, ruas onde se adivinha a passagem de um Jack Estripador, casas frias e miseráveis e roupas gastas até ao farrapo. Tudo isto era a outra face do Romantismo, a outra face do progresso que arrancou aos campos toda esta massa de indigentes cuja melhor oportunidade na vida seria uma posição como criados da casa real. É esta grande ambição que consegue Ms. Skerrett, personagem mais interessante, talvez, do que a própria Victoria, que confrontada entre a promessa de amor romântico (e incerto) e a independência financeira invejável como camareira da rainha, opta por desconfiar do amor e apostar na carreira, uma opção inteligente mas ainda assim amarga. Ms. Skerrett, e outras como ela, não se podiam dar ao luxo de acreditar no Romantismo.


Como num conto de fadas, a série termina com o nascimento da primeira filha de Vitória e Alberto, esposos amantíssimos e felizes para sempre. Desconheço, de momento, se há intenções de renovar a série, mas seria uma excelente ideia. O reino de Victoria foi longo e cheio de acontecimentos, e eu sempre gostaria de ver se a continuação permite o mesmo Romantismo do início ou se, forçosamente, se lhe sobreporá o iminente Realismo que se segue.


Depois de escrever este texto, descobri que a série foi mesmo renovada. A ver vamos, então.



sábado, 15 de abril de 2017

A Cabana/The Shack, de WM. Paul Young


Cheguei a este livro pela curiosidade que me causou a sinopse, prova de que uma boa capa e uma boa sinopse podem prometer mais do que vem na embalagem. Parece que este livro é um best seller, e nem todos os leitores vão enganados como eu.
O começo até é interessante. Um homem, cuja filha de seis anos é barbaramente assassinada por um serial killer, recebe um bilhete (aparentemente) de Deus a marcar um encontro na cabana onde as roupas ensanguentadas da menina foram encontradas.
Toda a parte do romance que relata a viagem de férias em que a menina foi raptada é intensa e envolvente. Conseguimos compreender muito bem a angústia daquele pai que perde a filha (talvez a preferida), e aqui o romance assemelha-se ao policial. Da mesma forma, identificamo-nos com o desgosto, o luto e a culpa dos meses posteriores, em que Mackenzie, o pai, mergulha em profunda depressão.
Um dia, Mackenzie encontra um bilhete dactilografado na caixa do correio, supostamente de Deus, a convidá-lo para o tal encontro na cabana de montanha onde a sua filha foi assassinada. Mackenzie pensa que o bilhete pode ter três origens: uma brincadeira de mau gosto, um desafio do próprio assassino, ou uma autêntica mensagem divina. Todavia, Mackenzie decide ir ao encontro, e ir armado. Todo este enredo é de um suspense irresistível.
Não é todos os dias que se recebe um bilhete de Deus. A questão é, e ELE aparece?



***CONTÉM SPOILERS***

E a Justiça, Senhor?
Eu nunca tinha ouvido falar de "ficção cristã", mas agora que ouvi vou fugir dela como o Diabo da cruz. Não porque eu seja o Diabo, mas porque, a avaliar por este exemplo, é uma literatura muito má, tendenciosa e acrítica. O que me parecia uma boa premissa, o encontro entre Deus e um pai enraivecido e revoltado, perde-se num instante assim que Deus aparece. Sim, Deus aparece ao encontro! Li algumas críticas ao livro, que não conseguiram passar desta parte: a manifestação física de Deus. Que Deus não é assim, que não é assado. Eu quero lá saber como é que Deus se manifesta fisicamente, eu queria era saber o que Ele ia dizer àquele pai!
Ficção cristã ou não cristã, quando um autor se mete na aventura de falar por Deus, das duas uma: ou é brilhante, ou se espalha ao comprido. WM. Paul Young espalhou-se ao comprido. Assim que Deus aparece, acontece um efeito sedativo em Mackenzie, a quem, de repente, já não apetece estrangular Deus pela injustiça e crueldade que Este permitiu que acontecesse à sua filha. Fica grato, fica contente, fica eufórico de alegria. O que até faria sentido se Deus (este Deus de WM. Paul Young) conseguisse explicar a velha questão que atormenta toda a gente que pensa nestas coisas: porque é que um Deus de amor permite que o Mal aconteça? Este Deus de “A Cabana” é efectivamente um Deus de Amor, que proclama o afecto e prega o perdão. Mas então e a Justiça?
O resto do livro, que me recusei a abandonar, não passa de uma fantasia mística de um homem que parece estar numa trip de ácidos a ver Jesus, o Espírito Santo, uma rave de auras iridescentes das almas já partidas e um coro de anjos. Mackenzie, o homem revoltado em quem eu tinha posto tantas expectativas de conseguir colocar a Deus as perguntas difíceis, parece que fica pedrado no êxtase divino. Só porque Deus diz: “Eu gosto de ti”.
Ah sim? E Missy? A menina assassinada? Que justiça existe para Missy? Mas não faz mal, diz “Deus”, porque agora Missy está no Céu, com Jesus, e não podia estar melhor. Ah sim? Não podia estar melhor? Então o que é que andamos cá a fazer? Eu também quero ir para Jesus! Vamos todos suicidar-nos para irmos para Jesus mais depressa! E não se preocupem, se “Deus” perdoa o homem que matou uma menina de seis anos (e sabe-se lá que mais lhe fez) também perdoa um suicídiozinho.
Fiquei doente e deprimida durante uma boa semana depois de ler este livro. Não aconselho este livro a ninguém, especialmente a pessoas inteligentes. Faz mal ao cérebro e faz mal à alma.

O livro que recomendo, embora às vezes se perca em explicações pseudo-científicas que não faziam lá falta nenhuma, é “Conversations with God”, de Neale Donald Walsch (sim, os três volumes!). Não finge que é um romance, faz pensar, apresenta respostas lógicas, abre-nos a mente para outras perspectivas, e, acima de tudo, põe-nos um sorriso nos lábios.




sábado, 28 de janeiro de 2017

Andrew Eldritch prometeu novo álbum se Trump fosse eleito

Já não é exactamente uma notícia fresquinha, mas pode ser que a eleição de Donald Trump ainda nos dê uma alegria (?????...). Exactamente! Como diz o título, Andrew Eldritch prometeu que os Sisters of Mercy lançariam um novo álbum se Donald Trump fosse eleito. Será?...
Eu cá esperava sentada, mas sei que os Sisters of Mercy têm suficiente trabalho não publicado para um novo álbum da qualidade dos anteriores (já ouvi, é excelente!). Os novos temas têm sido tocados nas muitas digressões desde "Vision Thing", embora a banda se recuse a editar por considerar que actualmente a música não produz lucro que compense o custo.

Um bom artigo sobre o assunto no Side Line:

(By Mandy Coldrun) Many people have been perturbed by the fact that the Sisters of Mercy band is not in the business of recording albums anymore. The last recording ever done by this group in a real studio happened sometime in the 90s. 25 years down the line, the group still sings but won’t release an album whatsoever. The reason why they chose to go radio silence – no one knows. Even their fans know nothing as to why this group has never released an album even though they command the attention of the world wherever they go.

Speculations on whether or not they may release an album this time round
No one understands the reason behind this group going on strike against their record label. It is actually hard to get them recording an album, despite their fans complaining about it. It has actually come to a point where people can bet about it, and those who say that the group won’t release an album in the next couple of years will always win.Waiting for this band to release an album is like betting against the odds of a slot machine random number generator. You will always lose money when you say this group will finally record an album.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017