segunda-feira, 16 de julho de 2018

Final Destination / O Último Destino (2000)

 

(crítica ao primeiro filme da série “Final Destination”)

Este filme podia ter sido muito melhor do que é. Tendo em conta o género, a princípio quase nos convence de que vai ser um filme de qualidade. Mas depois começa o disparate.
Um jovem em viagem de finalistas tem um sonho/visão em que o avião em que vai viajar se vai despenhar. Já dentro do avião, entra em pânico, gera-se uma comoção, e a tripulação acaba por expulsar toda a gente que está de pé nesse momento. O avião descola e explode em minutos. A seguir ao desastre, a professora e alunos que foram expulsos do avião começam a morrer, um a um, em acidentes bizarros.
A sequência do desastre do avião é aterradora. Só por ela já vale a pena ver o filme. (Mas previno que pode fazer muita gente pensar duas vezes antes de entrar novamente num avião.)
A seguir à tragédia, o filme é sério e sóbrio. Os personagens reagem como pessoas normais nestas circunstâncias. Começamos a ficar convencidos de que estamos a ver um filme que nos vai marcar para sempre. E lá potencial ele tem.
A primeira morte está muito bem feita. Até nos fazem acreditar, durante longos segundos, que o personagem tem alguma hipótese de se safar.
E depois começa o disparate. O tal jovem das visões sabe da morte do amigo e deduz, sem mais nem ontem, que se ele morreu todos os que escaparam ao acidente de avião vão morrer também. Não há qualquer lógica a substanciar esta conclusão. Não há sequer ninguém que conteste que pode ter sido apenas uma coincidência. O filme tem tanta pressa em chegar lá que toma um atalho desnecessário e evitável. Bastava que só se começasse a desconfiar que não era coincidência à segunda morte. Assim já fazia sentido. (Curiosamente, já vi “O Último Destino” 2 e 3 e em ambas as sequelas esta questão foi tratada com a lógica devida. Só começaram a suspeitar que eram “perseguidos” quando tal se tornou óbvio.) Infelizmente, é aqui que o filme começa a derrapar. E nunca mais pára.
O tal jovem e outra sobrevivente decidem entrar na morgue à socapa, porque ele quer ver  corpo do amigo para perceber se podia ter “antevisto” o perigo. Ora, isto é gente de 17 ou 18 anos, não são miúdos da primária. Já deviam ter tino para não andarem a arrombar morgues se, afinal, até podiam ver o corpo durante o funeral. Mas a este arrombamento idiota segue-se uma cena ainda mais idiota, em que aparece um sinistro cangalheiro a avisá-los de que “a Morte tem um desígnio”. Eles enganaram esse desígnio por acaso mas a Morte não os vai deixar escapar. As palavras e o comportamento do cangalheiro são tão estranhos que ficamos a pensar que esta é uma qualquer figura sobrenatural ligada à “maldição”, ou até a própria Morte. Se calhar era isso que o argumentista queria explicar mais tarde, mas não houve tempo no filme (?) e o cangalheiro aparece ali como uma personagem absurda. Nunca mais o vemos.
A seguir, uma série de mortes, cada uma mais rebuscada e implausível do que a outra. Admito que são imaginativas, mas tão delirantes que nos lembram de que afinal é só um filme. E ao lembrarem-nos de que é só um filme arrancam-nos dele, onde nos tinham conseguido submergir com o bom início. Nunca mais conseguimos levar o filme a sério. O que é pena, porque a ideia é boa e tinha potencial para meter medo.
Mas depois pensei melhor e cheguei à conclusão de que foi feito assim de propósito. Este é um daqueles filmes a que chamam essa coisa odiosa de “filmes para adolescentes”, como se os adolescente não fossem capazes de apreciar um filme sério e sombrio. Para não assustar muito os “meninos”, o filme torna-se disparatado para os tranquilizar de que nada daquilo é realidade.
Confesso que até achei estranho que um filme deste tipo tenha posto os personagens a trocar diálogos existenciais sobre a brevidade da vida e a inevitabilidade da morte. Tudo muito levezinho, mas as questões filosóficas não deixam de ser abordadas. Um ponto extra por isso.
O final é fraquinho. Seis meses depois de tudo acalmar, a Morte volta ao ataque. O próprio filme admite que deixou pontas soltas que não chegou a explicar, mas a maior de todas é esta: o que andou a fazer a Morte durante seis meses? Foi de férias?
Ressalvo, no entanto, que este não era o fim original. Antes deste, tentaram fazer não apenas um mas dois finais que foram rejeitados pela público-teste por serem demasiado pesados. Este final não era o que os criadores do filme tinham em mente. Foi o final que “passou” nos testes de audiência. Melhor que o filme tivesse acabado cinco minutos mais cedo.

Em suma, se Final Destination tivesse mantido o tom sério do início e se as mortes não desafiassem a credibilidade, este podia ter sido um excelente filme. Mesmo assim recomendo a todos os apreciadores de terror, nem que seja pelo conceito e pelas influências futuras no género. Quem ainda não viu pode contar com uma hora e quarenta minutos de entretenimento.
E sempre tiramos do filme esta pérola de sabedoria prática: beber vodka de uma caneca é muito perigoso. Pela garrafa é que é.


Curiosidade: Já no fim do filme, quando os protagonistas estão em Paris, vê-se em background um cantor de rua. Este ilustre desconhecido, que nem sequer é mencionado nos créditos, é nem mais nem menos do que Alessandro Juliani, o bem conhecido Tenente Felix Gaeta de Battlestar Galactica.


14 em 20


segunda-feira, 9 de julho de 2018

O Livro dos Médiuns / O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec


Como diz o próprio Allan Kardec, "O Livro dos Médiuns" foi publicado como sequência a "O Livro dos Espíritos". Se "O Livro dos Espíritos" expõe a doutrina, "O Livro dos Médiuns" dá largos passos no sentido de estabelecer o espiritismo como religião, com tudo de formal que isso acarreta.
Não haja dúvidas, este é um livro religioso. Tal como "O Evangelho Segundo o Espiritismo", também de Allan Kardec, interessará a quem deseje aprofundar os conceitos espiritualistas do que se convencionou chamar Espiritismo. Não aconselho "O Evangelho Segundo o Espiritismo" a quem não se interesse por religião (e pelo cristianismo em particular) ou a quem tenha ideias religiosas dogmáticas. Aos outros, apresentará perspectivas interessantes.
Quanto ao "Livro dos Médiuns", centra-se sobretudo na comunicação com os espíritos e será de pouca relevância para quem não conhece a doutrina.



terça-feira, 3 de julho de 2018

In the Mouth of Madness / A Bíblia de Satanás, de John Carpenter (1994)


Gravei este filme na dúvida de já o ter visto ou não. Se vi, absolutamente nada me recordou de já ter visto. Mas este é daqueles filmes que se esquecem. 24 anos depois é possível que não reste a mais leve memória.
O título português é enganoso e leva em erro. Não há aqui nada de Bíblia nem de Satanás. Assumidamente inspirado em Lovecraft, a começar pelo título que nos remete imediatamente para o conto At the Mountains of Madness, a ameaça vem de uns seres Antigos que querem deixar os “abismos inomináveis e tenebrosos” [palavras minhas] e tomar conta do mundo. São os Antigos de H. P. Lovecraft. Tentar adaptar ideias de Lovecraft é sempre uma ideia interessante, mas falha na execução.
No filme, um escritor de sucesso no género do terror (a lembrar Stephen King) desaparece com o manuscrito do seu último livro. Um investigador de seguros (Sam Neill), especializado em fraudes, é contratado pela seguradora da editora lesada para o encontrar. Segundo este, o desaparecimento do escritor é um golpe de marketing e uma fraude à seguradora. (O que não faz muito sentido, pensando nisso. Se a editora estivesse a par do marketing não chamaria a seguradora. Mas avançando.) Seguindo as pistas dos livros, o agente de seguros convence-se de que a cidade ficcional onde se passam as histórias do autor é de facto real, e segue o escritor até lá após transpor um portal que existe na estrada. Ao chegar, descobre que os habitantes da cidade já começaram a ser possuídos pelos Antigos, exibindo deformações físicas como tentáculos e cometendo actos de grande violência. Entretanto, no mundo lá fora, os leitores dos livros anteriores do mesmo autor também estão a enlouquecer. O medo que o filme quer transmitir é que qualquer pessoa que leia os livros ou veja o filme (este filme) também enlouquecerá.
Como é fácil de perceber, o filme não convence. Se calhar é o início prosaico, que mais parece um policial, que nunca nos submerge num ambiente de terror minimamente credível. A citação de certos trechos de Lovecraft, neste contexto de modernidade, até nos soa a má escrita. Nada mais injusto. A linguagem literária de Lovecraft é de facto antiquada e rebuscada, mas é também por isso que resulta. Cria toda uma atmosfera que nos faz deslizar, sem nos apercebermos, para dentro de um universo que nos vai inquietando a cada palavra. Quando Kthullu aparece, acreditamos. É esta submersão que o filme nunca consegue, nem de longe.

Trilogia do Apocalipse
Quando acabei de ver fui novamente verificar se era um mesmo um filme John Carpenter (razão por que o gravei) ou se me tinha enganado. Mas é mesmo um filme de John Carpenter, mestre do terror que muito aprecio e respeito. O argumento não é dele mas de Michael De Luca, mas John Carpenter gosta deste filme e considera-o a terceira parte da sua “trilogia do apocalipse” (a seguir a The Thing e Prince Of Darkness). É difícil, a esta distância, recordar a relevância na altura dos temas que são abordados, nomeadamente o descrédito da religião e a vontade das massas em tomar a fantasia por realidade. Tudo isto agora nos parece tão batido. Tão quotidiano, tão fake news. Sem precisarmos sequer de monstros a ajudar. O final até é interessante, com o agente de seguros a sair do hospital psiquiátrico em que tinha sido internado, um dos únicos sobreviventes à loucura que toma conta da humanidade. Mas depois de ver Rick Grimes acordar do coma e sair do hospital para um mundo apocalíptico de zombies, esta cena já não tem o impacto que teria se a tivesse visto primeiro. (Será que vi? Será que os criadores do comic The Walking Dead viram? Não faço ideia. A cena é semelhante.)


Quanto aos efeitos especiais, é injusto falar deles 24 anos depois e sem alertar que o filme é de baixo orçamento. Os efeitos especiais são muito maus, vistos hoje em dia, a lembrar as criaturas de plástico dos piores filmes do canal SyFy. Isto também não ajuda a convencer-nos quando finalmente vemos os monstros.


Se era eficiente em 1994? Lembro-me de ter visto muito melhor, até antes, mas também não consigo dizer se estes efeitos especiais eram abaixo da média para a altura. Se calhar até não eram. Não me lembro assim tão bem dos filmes medianos. Só me lembro dos bons, um deles The Thing, do mesmo realizador, que é de arrepiar ainda hoje.
Este é um filme datado que não sobreviveu ao teste do tempo. Reparei, por exemplo, que o agente de seguros se acha no direito de tratar a protagonista como se fosse um objecto sexual só porque é atraente (Julie Carmen). A personagem feminina também parece achar muito normal que ele lhe chame “querida” e se atire a ela descaradamente, num ambiente de trabalho, sem a conhecer de lado nenhum. O cúmulo foi quando chegaram à tal cidade fictícia e ele só alugou um quarto para os dois. (O que raio foi isto?! Eles não estavam numa relação.) Em tempos de movimento “Me Too”, é difícil de acreditar.
Mas fez-me igualmente questionar, enquanto estava a ver, se devia estar a prestar mais atenção a estas coisas, num filme de terror, do que à acção propriamente dita.
Li várias críticas ao filme, das piores às melhores. Alguns fãs (certamente) chamam a este o melhor filme de Carpenter pelas questões filosóficas que aborda. Não, nem pensar. Nem assim. Este é o senhor que nos deu The Thing, Assalto à 13ª Esquadra, Christine, Halloween, O Nevoeiro. Este filme não está minimamente à altura destes outros títulos. Também não direi que é o pior filme de John Carpenter, mas é de certeza um dos piorzinhos. Culpo principalmente o enredo que nunca nos consegue convencer, muito menos perturbar.

(Como curiosidade, reparei logo, no genérico, no nome de um desconhecido Gregory Nicotero nos efeitos especiais de maquilhagem. Hoje em dia milhões de pessoas o reconhecem como Greg Nicotero do genérico de The Walking Dead. Os efeitos de maquilhagem ainda são dos melhores que o filme apresenta. Nada ao nível que estamos habituados hoje em dia, mas é injusto comparar.)

Achei este filme tão datado, a todos os níveis, que não vou dar nota. 24 anos depois é fácil ser injusto para com um filme que na altura podia ser apenas mediano e que hoje nos parece simplesmente mau.