quinta-feira, 20 de março de 2008

Noite negra da alma

Ia muito distraída no meu caminho quando de repente me vi rodeada de denso nevoeiro e sem querer devo ter tomado a direcção errada porque me perdi. Onde havia a estrada abriam-se fendas que enganosamente pareciam transponíveis mas se revelaram poços de treva de vapor mortífero. Às vezes, para nos encontrarmos, é preciso primeiro perdermo-nos em não importa quão sulfurosa neblina. Em rios de lava, em chuva de lágrimas.
Vou estar ausente deste blog durante não sei quanto tempo. Vou... vou só ali à minha procura.

Cães grandes e homens pequenos


"Howling Wolf", autor não encontrado


Começa a faltar paciência para isto. Foi proibir o fumo, foi proibir as colheres de pau (tão úteis para dar disciplina às crianças desobedientes), foram os piercings, agora são os cães. Os cães perigosos. Admito que estou a ficar preocupada. Sou muito mais perigosa do que qualquer cão. Não mordo. Escrevo. Mas sou capaz de ficar ofendida se alguém me mandar executar um dia destes devido ao perigo que ponho para os outros seres humanos (principalmente às quartas feiras à noite, depois do "Dexter"). Sei lá, quem vos garante?... Posso ser um serial killer disfarçado de gótica.
Começa também a faltar a paciência para falar disto, tal são tão repetitivas estas medidas ridículas ladradas por um governo de pinchers que as palavras começam a escassear, até para um "animal feroz" como eu, mas vou tentar.

Proibida importação e reprodução de cães perigosos

O Governo vai proibir a importação, criação e reprodução de cães de sete raças consideradas perigosas e de todos aqueles que resultem do cruzamento de animais destas raças ou com outras espécies. A notícia é avançada pela TSF e abranges as raças Pit bull, Rottweiler, Cão de fila brasileiro, Dogue argentino, Staffordshire terrier americano, Staffordshire bull terrier e Toza inu.



Cães perigosos: lutas de morte

Animais são utilizados para ameaçar, assaltar e divertir. Lutas são organizadas por classes altas e baixas e ocorrem um pouco por todo o país. Só em Sintra, GNR apreendeu 30 cães usados em combates


Porto: câmara vai despejar donos de cães perigosos
Também estão previstas multas nos Bairros Municipais

Quem continuar a ter cães «perigosos» ou «potencialmente perigosos» dentro das habitações municipais será alvo de despejo. A proposta foi, esta terça-feira, aprovada em reunião da Câmara do Porto, por unanimidade. A regra já existia, mas não previa a possibilidade de despejo.


Cães cada vez mais ilegais

Criadores das denominadas «raças perigosas» criticam novas medidas. Garantem que polícia não entra nos bairros onde há mercado paralelo destes animais. «É o caminho mais fácil e uma medida extrema». Associações falam em aumento da taxa de abandono

O Governo escolher «o caminho mais fácil e optou por uma medida extrema», afirmou ao PortugalDiário Hugo Ramos, presidente do Rottweiler Clube de Portugal. Para este amante da canicultura a justificação para a proibição de importar ou criar estes animais é óbvia: «Dava muito trabalho» fiscalizar a lei que aprovaram em 2007.

«Até porque», acusa, «fizeram uma lei que não estava regulamentada e, por isso, não era cumprida». «Estamos à espera há meses que o Governo, através da Direcção-geral de Veterinária, determinasse quem e em que termos podia criar os animais». Nada foi feito.

(...)

Animais vão ser abandonados

Já esta tarde, a associação ANIMAL alertou para um possível aumento do abandono de cães que poderá resultar da proibição da importação, reprodução e criação de cães de sete raças consideradas perigosas considerada pelo Governo.

«Quem vai pagar a factura são os animais que serão abandonados pois as pessoas vão querer furtar-se a estas condições entregando-os aos canis e gatis municipais. As pessoas não vão querer pagar pelas esterilizações», comentou à agência Lusa o presidente da associação de defesa dos direitos dos animais, Miguel Moutinho.

«Uma medida destas, imposta sem qualquer preparação, vai gerar uma reacção que vitimará os animais», acrescentou.


Quem me conhece sabe que nada no mundo me transtorna mais do que a malvadez contra os animais, de todas as vítimas aquelas que menos capacidade têm de defesa. Gente que maltrata animais é gente sádica e cobarde e é por isso que não gosto de gente que não gosta de animais. Gente sádica e cobarde só não tortura gente do seu tamanho porque mete o rabinho entre as pernas e mija-se todo. Gente que não gosta de animais não gosta de ninguém, nem de si próprio.

É o caso deste governo que na falta de tamanho para deixar obra grande e nacional na Justiça, na Educação, na Saúde, vai fazendo de mau pai de família a quem já nem o mais pequeno pirralho tem respeito.

Não vou fazer um post sobre a crueldade para com animais mas aproveito para divulgar uma medida, essa sim meritória, da sociedade civil, a petição online e em papel da Associação Animal, "Pelo Fim dos Crimes Sem Castigo" e para definir penas a aplicar às bestas que maltratam os animais ou que os mantêm para fins tenebrosos, com o propósito de levar o assunto à Assembleia da República e fazer de facto alguma coisa de jeito.

Isso sim, é de homem, e a petição pode ser assinada aqui.




Proibir não é apenas o caminho mais fácil, como já disse gente que há-de enterrar os ossos destes pinchers, é também o melhor caminho para demonstrar como são pequeninas as ideias deste governo cheio de tiques proibicionistas a que hoje, no "Metro", José Júdice apelidou de "abelhudismo".
Eu chamo-lhe pior. Como diria aquela entrevistada anónima do post anterior, "Os deputados estão na Assembleia da República a pensar em coisas destas? Está a brincar, não está?". Não está. O (des)governo está de facto sentado a pensar em coisas importantes para a nação como fazer cafés só para não fumadores (mas sem direito à escolha), proibir (sem direito à escolha) confecções artesanais de valor cultural inestimável como os pastéis de bacalhau da D. Alzira com que esta alimentou desde sempre a família, proibir os piercings nos filhos (dos outros), e até nos manda saber quais são os cães que se podem ter.
Não há palavras para descrever o ridículo desta lei/proposta/bosta que há-de ir com as telhas tão depressa como esta raça de anões que agora roça o traseiro, qual cão sarnoso, pelos gabinetes da assembleia.
É melhor não lhes dar ideias senão proibem também o pastor alemão, o podengo alentejano (em tempos mais felizes --ou mais optimistas-- tive um bichinho desses, rafeiro mas igualmente mau como as cobras e que pesava tanto como eu), o cão de fila açoreano, e, last but not least, essa besta impressionante e muito nossa que é o lindo Serra da Estrela. Tenho a impressão que esta gente nem sequer sabe o que é um Serra da Estrela, fechados como estão nos seus apartamentos assépticos onde só penetram os micróbios do ar condicionado (que eles não vêem e cujas alergias não dão notícias tão bombásticas). Se vissem um Serra da Estrela correr para eles a abanar o rabo eram capazes de gritar "leão!" e borrar-se todos. Em dias de lua cheia, tenho aqui uma gata que os esgatanhava todos caso eu deixasse (mas não é preciso porque para isso estou cá eu com o meu polegar oponível, cérebro de homo sapiens sapiens, e arma na mão: o voto).
Mas como esta gente chegou à definição de "cães perigosos" é para mim um mistério insondável. Mais um daqueles momentos de queixo caído a tentar imaginar a tortuosa tentativa de raciocínio destes frutos da consanguinidade. Mas afinal, não lhes foi difícil. São os cães da moda que aparecem nos jornais. Tocar nos donos não, que é gente muito, mas muito perigosa, e a malta do governo é tudo gente muito pequena como o Francisco George Director-Nacional da Saúde. Livra! Na volta até era preciso comprar balas para as pistolas dos polícias! Olha a despesa que não era! É de génio, sim senhor! Proibir meia dúzia de raças de cães. E claro, os criminosos, que é tudo gente que respeita o código penal, vão logo fazer o que os senhores querem. A correr e a saltar.

Actualmente pergunto-me que outra medida de génio estará na forja para sair e distrair a malta do verdadeiro abismo em que mergulha vertiginosamente enquanto vai cantando e rindo e vendo a bola. Será o quê? Proibir as ratas, que as há bem grandes e activas em todo o lado e toda a gente sabe que as ratas são perigosas?
-- E o texto ia tão bem, era mesmo preciso esta brejeirice?--
Definir o tamanho do cabelo por motivos de higiene pública? Proibir outra cor de verniz que não rosa? Agora não tenho dúvidas de que haverá infinitos ataques à inteligência mais mediana daqui até ao fim do mandato até que todos os wannabe ditadores tenham decretado a sua regrazinha. E cada vez menos gente lhes ligará porque toda a gente sabe o que acontece aos "paizinhos" que proibem tudo.

Desobediência geral. Até apetece entrar num café a fumar, com um piercing na língua, passeando um casal de rotweillers a acasalar. Palavra de honra, apetece ou não apetece? Ah pois apetece!

Neste caso, as boas notícias são também as más. Enquanto nos cai o coração aos pés porque em vez de governar o país os deputados andam entretidos a contar detritos fecais caninos na calçada e a apagar beatas acesas com a língua, quais dementes malcheirosos, é que estas regrazinhas de caca não são nada que não se anule em três dias assim que os traseiros sarnosos forem devidamente corridos da coisa pública.
Voltando ao assunto do fim de mandato, que isso sim é sério. Sei que até já se fala por aí de uma revolução armada. Obviamente, uma revolução, neste momento, não seria legítima nem produtiva. Mudar as moscas? Para isso, em 2009, basta votar no PSD.
Ainda não estão esgotadas todas as vias democráticas. O que é preciso fazer é uma revolução de mentalidades e acabar com o voto (in)útil. É preciso, em 2009, votar, mas votar em força e em peso, e votar em tudo menos no centrão. Votar em tudo desde o PCTP-MRPP à POUS, no Bloco, no CDS, até no PNR se a revolta for muita, ou um partido novo qualquer, tudo menos PS ou PSD. Obrigar os partidos a mexer-se começa no povo que o elege. Se os partidos são estagnados é porque o povo fede.
E se o povo fede é mais grave. Já fedeu muito nestes últimos trinta anos. Porque os homens são como os cães. Há homens grandes, que dão novos mundos ao mundo, e homens pequenos que proibem colheres de pau. Se o povo fede de podre, é tempo de homens pequenos.

Não digo eu, mas a História, que os homens pequenos são os mais perigosos de todos. Ou se lhes põe o açaimo a tempo ou devoram tudo o que encontram pela frente.



Agora basta. Enterro o osso. Já devo ter esgotado o tema durante uns largos meses para a frente em que será servido mais do mesmo.
Vou ali dar uma volta por motivos pessoais. Acordem-me quando começar a revolução.

domingo, 16 de março de 2008

Desobediência

When the Nazis came for the communists,
I remained silent;
I was not a communist.

When they locked up the social democrats,
I remained silent;
I was not a social democrat.

When they came for the trade unionists,
I did not speak out;
I was not a trade unionist.

When they came for the Jews,
I remained silent;
I wasn't a Jew.

When they came for me,
there was no one left to speak out.


Eu juro que não sou eu que invento estas coisas. Antes fosse eu, que estivesse em casa sem fazer nada, a pensar em assuntos deprimentes para falar no blog. Infelizmente, eles não faltam. E esta hoje até me fez cair o queixo. Tabaco? Ainda se compreende. Obesidade, matar os gordos à fome? Tem a sua lógica. Agora o governo meter-se em assuntos que só dizem respeito a pais e filhos, como proibir piercings a jovens menores de idade e piercings na língua a toda a gente?! Mas esta gente ensandeceu de vez? "Come a sopa ou eu chamo a ASAE"? Quem disse bem foi uma entrevistada anónima que respondeu ao jornalista da RTP1: "Os deputados estão na Assembleia da República a pensar em coisas destas?! Não acredito. Está a brincar comigo, não está?" Pois a rapariga tem toda a razão. Isto é coisa para os Apanhados ou para o Gato Fedorento, ou para a criatura sinistra que é o Director Geral de Saúde, Francisco George, que pelos vistos tem mais corja igual lá enfiada no gabinete bolorento onde, à semelhança do que acontecia no bunker de Hitler, é proibido fumar.



Não, este não é o sinistro Francisco George, Director-Geral da Saúde e meu ódio de estimação. Este é o Lizard Man, que é um gajo porreiro. Francisco George é bem mais sinistro. Muito mais sinistro ainda do que o deputado que fala "axim" e quer proibir o piercing na língua. Balha-nos Deus, e no pénis e no clítoris, podem facher-se? Ou é chó uma questão de tempo antes que também chejam proibidos, chenor deputado? Por caucha da chaúdinha, pois então. Deus nos dê chaúdinha que hospitais já não há.

Eu própria gostava de tratar da saúdinha a estes senhores, que não sei se vão ser corridos assim que houver eleições porque o lobby do jogging parece uma hidra de sete cabeças que aparecem em todo o lado. Acho que se tivesse filhos menores era amanhã mesmo que os levava a uma loja de piercings e os mandava tatuar de alto a baixo. Se já fosse proibido, melhor ainda.

Porque aquilo de que eu quero falar é de desobediência. Tenho andado caladinha porque há muito bar por aí onde se desobedece à Lei do Tabaco. Às vezes, melhor que roer o osso, é enterrá-lo em sítio secreto. No que a lei é injusta, a sociedade restabelece a justiça. Há efectivamente, neste momento, bares para fumadores e não fumadores. De resto é como tudo. Quem não gosta do ambiente ou da música dá meia volta e sai. Escolha não falta. E assim é que deve ser.

Esta dos piercings, contudo, lembra-me a minha adolescência: "Tu não te metas na droga! Tu não me apareças grávida em casa! Tu não te vistas que nem uma viúva!"
De facto, podia ter dado em pior, mas não deu porque eu nunca fui desobediente. Para dizer a verdade, e este post é uma desculpa para escrever mais uma página do diário que se vai fazendo neste horror de sociedade absurda, desde a mais tenra infância que eu nunca compreendi o conceito dialéctico OBEDIÊNCIA / DESOBEDIÊNCIA. Ambas as palavras eram para mim chinês. De modo que não podia ser uma coisa que desconhecia completamente. Agora se me falarem no conceito RESPEITO / DESPREZO, é outra conversa. Ainda antes de conhecer as palavras já me regia por ele. E era basicamente assim: mandavam-me fazer alguma coisa cuja lógica ou importância eu não compreendia... estava tudo lixado! Pelo contrário, desconfiada que nem uma raposa (e com razões para isso), a proibição era para mim, ao invés da maioria das crianças que julgam que um prazer lhes está a ser negado, uma suspeição de que andavam a esconder-me algo para me tramar. Por exemplo, nunca ouvir dizer de mim "esta criança é desobediente". Ouvi, sim, muitas vezes, "fala mais baixo que ela está a ouvir". Ela, eu. Que se ouvisse demais era um problema. Eu até os compreendo. Explicar conceitos complicados a uma criança que não sabia ler nem escrever podia ser um bico de obra. Azar, eu até queria aprender a ler mas não me deixaram para "não me aborrecer na escola".
Tantos anos passados e quem tinha razão era eu. E já nessa altura as pessoas que lidavam comigo sabiam que se eu achasse que tinha razão não se fazia nada de mim. "Não venhas tarde para casa ou levas tareia." As tareias que eu levei! Mas a verdade é que a proibição sem lógica só me causava desprezo. Hoje, como dantes, só me causa desprezo.
Havia pessoas que não lidavam comigo muito frequentemente e ficavam sideradas com as minhas perguntas incómodas. "Criança reguila", ouvi também muitas vezes. Tinha um especial prazer em demonstrar-lhes que não era "reguila", estava simplesmente a ignorá-los. É assim um bocado como hoje, quando voto em Paulo Portas porque o respeito sem ele me mandar fazer nada, e porque não voto em ninguém do PS ou do PSD porque me dão vómitos. Pena o Manuel Alegre (que ninguém o cala mas não faz nada) não ter o golpe de asa para dar um chuto no partido. Olha, pena eu, a reguila, não ter estômago para a política. Dizem que aquilo é pior do que a aula de anatomia na morgue. E realmente cheira mal.

Esta coisa da obediência é-me, portanto, ainda hoje estranha, se bem que compreenda o conceito. Obedece-se para manter a ordem social. Não me passa pela cabeça, por exemplo, desobedecer a um polícia. Mais depressa fazia o que ele diz porque tenho pena que os agentes da ordem sejam tão mal pagos e desprezados, quanto mais ainda terem cidadãos a contrariá-los. Pois é, até já tenho pena da polícia, e nisto incluo a Polícia Judiciária que passou uma vergonha mundial com o caso Maddie. É de ter pena. Muitas vezes obedeço por essa razão, a pena. Claro que isto não é obediência. É protocolo de misericórdia. "Sim, senhor agente. Tem toda a razão, senhor agente".

Mas há uma altura em que já nem a obediência chega para manter a ordem. É a hora do lobo. Ou da raposa. A noite está escura e não há luar. Ouvem-se lá ao longe os caçadores a conspirar. (Ouvem-nos?)

Depois vêm falar de "mal difuso" e de "perigo de perder a coesão nacional", quando os deputados estão na Assembleia da República, como disse a anónima, não a fazer leis para o desenvolvimento do país mas tão só a meter-se na vida de pais e filhos?!

É a consanguinidade. Coitados, pensam que governar o país é a mesma coisa que ser pai de família. Deviam pensar mais onde andam os filhos deles antes de se meterem na vida dos outros. Pelo que conheço da corja com quem andei na faculdade, são os piores. E a pior notícia é que são esses meninos do papá as cobras do futuro. Esses não têm piercings na língua... só onde não se vê. Nem fumam, só snifam coca. Same old, same old. Sepulcros caiados por fora e cheios de podre por dentro. Tais pais, tais filhos.

Quando se chega a esta situação em que criaturas desprezíveis nos querem roubar a liberdade, só resta uma solução. Desobediência. Mas com jeitinho, que isto é um jogo perigoso. Eu prefiro chamar-lhe resistência.

Estou a pensar fazer um piercing no umbigo.

Mais outra polémica

Casal gótico foi impedido de entrar num autocarro porque namorado passeava namorada com coleira e trela. Acusam o motorista de discriminação devido à maneira como estavam vestidos.
A história original aqui.



Já tinha visto esta notícia num fórum mas não foi suficiente para me causar reacção alguma excepto um ligeiro "isto há doidos para tudo". Agora que me foi enviada por email pelo Goldmundo, que ainda não tinha visto, sinto-me desafiada a comentar. Pois cá vai de minha (in)justiça o que penso disto.
Para ficar logo um ponto muito bem assente quanto à minha não parcialidade quanto ao tema, não gosto do conceito de bondage.
Como dizia o patrocínio de um jornal nos anos noventa aos lobos do Jardim Zoólógico de Lisboa (salvo erro, o "Independente"): "os lobos não usam coleira". Gosto de gente que não gosta de trela, nem para si nem para os outros. Gosto de gente como os gatos, que nos olha nos olhos à mesma altura sem se amedrontar com a diferença de tamanho. Isso sim, acho interessante. E os gatos também não suportam coleira.
Do bondage, e perdoem-me os bondagers pela franqueza, acho que são pessoas a precisar de muitas horas de terapia. Mas não tenho nada com isso. É que não tenho mesmo nada a ver com isso. Nem quero ter.
(Garanto desde já aos meus leitores que a minha agressividade aqui tantas vezes manifesta tem tanto de sexual como atirar um ferro de engomar à televisão durante o Prós & Contras. Nem sequer é agressividade. Isto já é fúria digna do Divino Iaveh quando enviou o Dilúvio à Terra. Mas hoje não quero divagar por aí portanto voltemos depressa ao casal de West Yorks.)
Chamar a isto discriminação por usar roupa gótica é tapar o sol com a peneira. Comparo a polémica (resguardadas as devidas distâncias) ao caso infeliz daqueles putos que se vestiam de preto e ouviam Marilyn Manson e decidiram limpar o sebo aos colegas do liceu de Columbine.
Taras e seus praticantes existem em todo o lado. É natural que os de aspecto mais estranho assustem mais as pessoas, que todavia ignoram completamente que o vizinho do lado, esse que usa camisa aos quadradinhos e meia branca, sim, esse, que tem quase 50 anos, filho extremoso que vive com a mãe e só sai de casa para trabalhar, santo homem que nunca casou nem anda atrás de mulheres, é um candidato mais provável a levar a roupinha num saquinho insuspeito, vestir-se de cabedal à entrada do clube ou no hall de entrada da casa da dominatrix, e gostar de umas valentes chicotadas no rabinho (a lembrar a infância), para logo depois voltar para a normalidade da mãezinha e dos autocarros da Carris.
Não ignoro que existam verdadeiros bondagers entre os góticos. Aqui aplica-se a célebre frase: "há góticos pagãos, há góticos cristãos, há góticos que não acreditam em nada". Não é a religião nem a atitude sexual que define o gótico.
O gótico nem é para aqui chamado. O direito dos bondagers de expressarem a sua bondagerie (não sei se a palavra existe mas é bonita e soa bem em francês), em público, é uma "luta" dos bondagers. Não só dos bondagers góticos como dos bondagers em geral.
Porque vamos lá ser sinceros. Não foi a roupa preta que aterrorizou o motorista (e provavelmente todos os passageiros do autocarro). Foi a trela. Roupa negra e maquilhagem de cadáver já é corriqueiro no Reino Unido, berço do próprio movimento gótico como o conhecemos hoje. Mas a trela levanta feridas de que a humanidade ainda há pouco se curou, como a servidão, a escravidão, a submissão feminina. Inconscientemente, até a mim, que gosto de parecer tolerante e sofisticada, me apetecia dar um par de estalos à miúda por se deixar mostrar assim. Mas não dou. Primeiro, porque ela era capaz de gostar. Segundo, porque cada um é livre de viver como escolheu.
A luta pelo direito de mostrar essa forma de vida em público, nomeadamente no que toca à sexualidade, é tão velha como aquela pelo direito de beijar na rua, de passear de mão dada com uma pessoa do mesmo sexo, ou de exibir a namorada por uma coleira. Mas essa luta não é dos góticos e sim das sociedades em geral. Ainda hoje dois homens não podem passear de mãos dadas no nosso país, góticos ou não.

Ainda sobre taras, que é um assunto que me interessa sobremaneira, no outro dia, entre as 21 e as 22h, passou na RTP2 um documentário do National Geographic sobre vampirismo, muito bem feito, por acaso, em que um casal de vampiros modernos mostrou a intimidade às câmaras. Ele era o vampiro, ela a dadora voluntária. Pela pinta até pareciam góticos mas não nos esqueçamos que do gosto estético de onde eles bebem também os góticos se servem (salvo seja): século XIX, romances de Stoker e Mary Shelley, filmes de Drácula. Na volta vestem-se de veludo púrpura e depois ouvem Shakira, que eu já sou demasiado velha para me deixar levar pelas aparências. Mas vamos ao que realmente interessa: o método consistia em fazer um corte na veia e verter o sangue para um copo (um copo pequeno, tipo cálice) que o rapaz se apressava a beber. Tendo em conta que ainda eram horas de jantar, muita gente deve ter mudado o canal. A mim, que papo vampiros ao pequeno almoço e não consigo dedicar-me ao prazer da comida sem a acompanhar de uma boa história, até abriu o apetite.
O vampirismo moderno é como o bondage, e não é para toda a gente mas só para quem quer. Confesso que me chocou menos do que passear alguém pela trela, se bem que os mesmos conceitos de "senhor" e "escravo" (vindos do bondage) estejam implícitas. Só ela dava, só ele recebia. Não havia reciprocidade.
Põe-se a questão às sociedades, até às mentes mais abertas, que se punha há séculos atrás: o que é permitido fazer em privado e em público. Até que ponto a liberdade individual pode ser limitada pelas regras socialmente estabelecidas? Podíamos ficar aqui séculos a discutir o assunto... e de facto ficaremos.
Quanto ao vampiro da reportagem (que por acaso --ou não-- era tão bom que até se comia sem fome) submeteu-se voluntariamente a testes clínicos que tentassem explicar porque se sente "fraco" e "sem energia" se não beber sangue. Do ponto de vista físico, nada o explicava. Não sofria de nenhum desequilíbrio ou carência de sais minerais (razões pseudo-científicas avançadas por algumas comunidades de vampiros modernos para explicar o fetiche). Nada de nada. Era tudo psicológico.
Imagino o senhor motorista se aquele casal (em vez do outro) se tivesse dado a corte de pulsos e a bebedeiras de sangue no banco do autocarro... E mais uma vez, o que isso tem a ver o gótico? Nada de nada.


Excepto, claro está, a realidade dos números. O que me leva a outro dos meus temas preferidos. Já o disse aqui uma vez, a propósito desta outra fotografia polémica, que somos saloios e provincianos, e penso que muitos me levaram a mal, se bem que injustamente, por isso.

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Mas somos de facto saloios, provincianos e periféricos. O país tem apenas 10 milhões de habitantes. Na Grande Lisboa estão uns 2 milhões. Neste universo, devem existir apenas uma centena de góticos que se assumem como tal e umas duas ou três centenas de simpatizantes que, não se assumindo góticos, apreciam isto ou aquilo no movimento e frequentam os bares e as festas. Não conheço muito do Porto mas do que sei a situação é idêntica. No interior então (aqui vai um grande abraço para o gótico do Portugal profundo) nem se fala. Basta pensar na Espanha aqui ao lado, com quarenta e tal milhões de espanhóis e movimento gótico a condizer. É tudo uma questão aritmética. Se o universo é pequeno, tão pequeno que se não fossem os metaleiros frequentarem os bares góticos estes não tinham viabilidade, basta um corpete mais ousado para fazer um brilharete. Ao contrário de outros países da Europa e dos Estados Unidos, não temos números para fazer uma sub-cena vampírica, e uma sub-cena bondage, e uma sub-cena industrial... Enfim, acho que estão a ver a coisa. Mas os grandes países têm os números, e fazem-nas! E há rivalidades e pessoas que associam todo o conceito à sua sub-cultura, afunilando-o.
No nosso país, e não faço mais do que expressar o facto, não há espaço para isso. Bondagers, lolitas, electros, old school, góticos gay, é tudo à molhada e fé em Deus que o bar não feche e as festas continuem. Por mim, desde que não me mordam o pescoço ou me tentem atrelar, pretos e brancos, novos e velhos, metaleiros e electrónicos, venha também quem vier por bem. A intolerância é como o instinto de caçador. Todos temos mas não é por isso que não nos esforçamos por transcender a Natureza e sermos mais do que Humanos. Pelo menos alguns tentam. Muitos até conseguem. E isto, meus amigos, tem tanto a ver com o gótico como simples facto de que, embora às vezes nos esqueçamos, no fundo até somos todos pessoas.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Eu sou do rio a entrar no mar ou do mar a entrar no rio. Há quem seja do mar, há quem seja do campo, eu sou da foz. Em noites de nevoeiro, em manhãs de neblina, ouço desde criança os roncos dos barcos, tão graves que fazem tremer a alma, gritar por socorro. Ships in distress, aprendi depois que se diz noutra língua. Mas nem sempre os seus uivos de baleia moribunda são de medo. Sabe quem os conhece e os ouve desde antes de nascer. "Sai da frente!", ouço dizer. "Sai da frente ou daqui ninguém sai vivo!"
Ter-lhe-iam chamado determinismo noutra altura, à minha natureza indomável e melancólica de ouvir o lamento profundo dos grandes navios desde sempre, como elefantes, a anunciarem a sua rota implacável pelo centro do nevoeiro. Grandes e frágeis, tão frágeis quanto grandes. Cada vez que os ouço, eu que sou filha da foz, ouço que chamam por mim. É pior em noites de nevoeiro. Sei que não vêem, mas avançam à mesma porque têm onde ir e só aceitam dois destinos: o porto ou a morte. Não entende quem não é filho da foz. Gente da luz tem medo do nevoeiro.
Navios gigantes, fantasmas de voz sinistra, escutem, vossa irmã vos saúda!

quarta-feira, 12 de março de 2008

PORTUGAL: o declínio e a queda

Ou de como Portugal morreu.
Desde que os fatinhos ricos de uma coisa chamada SEDES (que pela sua opacidade deve ser mais uma máfia iguais às que só se manifesta quando a crise lhes chega ao bolso) anda tudo numa fona (eu disse FONA) a tentar perceber porque é que Portugal, como país, morreu.
Digo como país, não como nação, porque como nação este pequeno pedaço de território já passou por outras piores e nada nos faz suspeitar que não sairá desta também.
Era sobre isto que ia escrever mas hoje estou muito zangada. Já diria o Goldmundo, eu estou sempre zangada, mas hoje mais do que é habitual.

NÃO VOU ESCREVER MERDA NENHUMA!

E sabem porquê?! Porque não tenho feito outra coisa senão escrever. Se não leram, tivessem lido! Sois preguiçosos! Sois lerdos! Sois lentinhos!

A única desculpa é que, como descobri a propósito dos filmes, as etiquetas automáticas só puxam a fatia mais recente do bolo, pelo que me darei ao trabalho tão só de organizar uma lista, mais uma vez à lá pàte, que vai ali para os arquivos do costume.
Está tudo lá. De resto, como diria Andrew Eldritch:
I have nothing to say I haven't said before. I bled all I can I won't bleed no more
E se querem São João, também se arranja: os que têm olhos que leiam; os que têm ouvidos que ouçam. Ou outros, que se fodam que não me pagam para isto e eu tenho ali uns episódios de "Prison Break" para ver enquanto no Titanic (ainda) se toca música.

Mas não pensem que vão daqui de mãos a abanar e rabinho fresco. Não depois do execrável "Clube de Jornalistas" da última quarta feira, em que meia dúzia de fatinhos ainda (!!!) diagnosticavam o país.
Devo dizer-vos que durante muito tempo acreditei que o povo português era muito burro. Mas a burra era eu. Quando se fez luz (e não era o isqueiro) percebi que se a maioria é de facto muito ignorante, fatinhos que tais, dos das SEDES e Clube de Jornalistas, são pagos para se fazer burros.
Não sei se é desta que perco o emprego mas hoje não quero saber de nada. Então não era que estava lá um fulano que, disse ele!!!, trabalhou para o Estado durante 20 ou 30 anos antes de se meter no Privado, e com esta idade vem dizer que o povo português está sempre à espera de que tudo lhe caia do Estado? E de onde é que lhe caiu a ele, os tais 20 ou 30 anos? O suficiente enchimento, diria eu que não sei nada da vida dele, para comprar umas acções na empresa adonde hoje assenta o vetusto traseiro para dizer mal dos desgraçados que mal têm dinheiro para a acção de comprar a carcaça de cada dia.
Como diriam as Vicentinas de Bragança, há quem se esteja a candidatar a um telefonema de Favaios, mas dos valentes! Olha, eu já tinha o ferro de engomar mesmo a ali à mão de arremessar. E isto logo a seguir a ver o "Dexter". Depois ainda se queixam que as gerações mais novas são violentas, eles são os pretos que são maus, eles são os neonazis que são maus, ele é o outro que se suicidou à facada num vão de escada, é licenciados frustrados de ferro de engomar na mão... Um apocalipse, dizem os fatinhos que estão a ver coisa (deles) ficar negra. A polícia, braço da Lei, ficou sem ele desde o episódio Maddie, por isso agora temos uma Lei Cega, Surda e Maneta.
De facto, o país a putrefazer-se e a malta entretida com policiais de carjacking em Verzoim e fichas avaliativas de professores. É para rir.
Será isto o "mal difuso"? Eu que sou pobre não sei o que é isso de "mal difuso". Ou é mal, ou não é mal. Ou é fome, ou não é. Ou há gás para o banho ou não há banho. Ou há champô, ou não se lava a cabeça. Ou há dinheiro para o passe ou se anda a pé. Como é simples a vida de um pobre! Aposto que muitos ricos nos invejam.

Posto isto, diz uma das senhoras presente no debate: "Mas andamos sempre a fazer o diagnóstico! Será que não temos capacidade para sermos orientados para a solução e não para o problema?"

Ò minha rica filha... Tu tem dó. Quanto é que te pagam para fingires que és atrasada mental, ou já és assim de nascença, benza-te Deus?
Não por ti, mas por outras pessoas que respeito mais e que lêem este blog, termino não com diagnósticos mas com o motivo porque não há solução.
Imaginem esta cena, que deve ser acessível até aos mais mentecaptos. Meia dúzia de rufiões apanham um homem na rua - um homem qualquer - e dão-lhe pontapés até o gajo cair, deitar os dentes para fora e deitar sangue das orelhas. A certa altura, os sádicos reparam que o homem já não se mexe. Começam então a fazer o diagnóstico: "Estará morto? Porquê? Qual é a solução? Como é que isto aconteceu? Agora a quem é que vamos bater?" Em 30 minutos, sangraram o homem que rebentou de hemorragia interna. Um país aguenta mais tempo. Talvez, direi... uns 30 anos?...
E o que fez a elite de rufiões ao país, se não mesmo à nação? Um genocídio de cérebros, mas um genocídio que faria um Hitler corar e um Estaline empalidecer. Já o outro, o Pol Pot da Coreia, sabia bem dar-lhes o sumiço: falas Inglês? Pega ali no saquinho azul e vamos dar uma voltinha para apanhar mexilhão.
Pol Pot ficaria azul se soubesse que se podia aniquilar os melhores cérebros do país e ainda assim os manter a trabalhar: arquitectos em sapatarias, licenciados de ciências sociais em call centers, doutorados a vender enciclopédias de porta a porta. Não todos, não senhor, que aqueles que tiveram a sorte e o engenho de arranjar estágios científicos no estrangeiro, ou família lá para as franças, ou que simplesmente tinham idade, saúde e ausência de laços familiares, ala que se faz tarde, toca a emigrar. Nenhum Pol Pot se ralaria muito com isso, e os nossos também não. Até primeiros-ministros o fizeram, dando o exemplo máximo.
O que ficou? A elite consanguínea dos velhos dinheiros e casamentos entre primos. A elite consanguínea: queda de Roma. A elite consanguínea: estrangulamento do Egipto. A elite consanguínea: pilar da Idade Média que só não matou a Europa porque a Igreja teve de intervir e considerar pecado casamentos entre tios, sobrinhas, filhos ilegítimos e avós sem herdeiro macho.
O povo esquimó, na sua imensa sabedoria que o ocidente cristão não percebe, oferece a sua mulher ao estranho de outras paragens. Deboche? Generosidade? Não. Instinto de sobrevivência da espécie. A mesma com que no Tibete, e noutras sociedades matriarcais, vários homens casam com a mesma mulher. Porque antes do ADN o pai podia ser duvidoso... mas da maternidade não havia dúvidas.
É pelo desprezo desta norma básica, velha como a Suméria, que a elite medíocre não encontra solução nem deixa que a solucionem.
Já não é a primeira vez que aqui falo disto mas depois da lista seguinte será mesmo a última.

A solução é só uma, muito simples, e chama-se AMOR. Quando houver amor, nenhum gestor de nenhuma empresa dormirá descansado ganhando os milhares de euros por mês que os miseráveis dos empregados não ganharão num ano. Quando houver amor, nenhum gestor de uma empresa deixará os seus no desemprego e na miséria para deslocalizar o seu negócio para um país ainda mais miserável onde os seus empregados não ganharão toda a vida o que ele ganha num mês. Quando houver amor, reformados com milhares de euros repartirão as suas reformas milionárias pelos outros que apenas têm 250 euros. Quando houver amor, as oportunidades serão iguais, porque pais que amam os filhos os ensinam a pescar e não a roubar o peixe. Quando houver amor, nenhum imigrante ilegal chegará à Europa em embarcações assassinas porque há guerra no seu país. Quando houver amor, não se matará um elefante por causa dos dentes porque ninguém os comprará.

Aqui está, minha senhora, a solução. Como vê, não é falta de engenho. É falta de vontade.

Por isso, até que o sangue se desintoxique, voto na Europa. Nada como uma filipada para voarem Miguéis de Vasconcellos pelas janelas. E agora, se me perdoam, ou não, tenho coisas mais importantes para fazer, como ver o "Prision Break", e talvez me ocorra uma ideia de génio para fugir desta merda para fora.

Fodestes o país. Agora fodei-vos. Já não tenho músculos faciais para sorrir mas algo me diz que vou ser a última a rir.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Gótico: o que dizem de nós

Há muitos anos que leio a revista "Boa Estrela" por manter uma abordagem informativa mas essencial aos variados temas do sobrenatural e do oculto, abrindo assim a porta para o leitor interessado investigar à posteriori se assim o entender.
Em Maio de 2007, a edição da "Boa Estrela" trazia quatro páginas dedicadas à cultura gótica. Até aqui nada de mais. Também podiam falar da Guarda Republicana ou do lince da Malcata se o fizessem bem. Aliás, uma vez a "Boa Estrela" fê-lo como deve ser e eu até elogiei aqui. Na altura não tinha scanner mas suspeito que ainda guardo algures o artigo, em papel. (Se houver interesse também posso ir buscá-lo, mesmo desafiando o terrível exército de ácaros que o vigiam ferozmente.)
Em Maio do ano passado, contudo, a revista "Boa Estrela" produziu uma das maiores bostas já escritas sobre os góticos e a sua sub-cultura, não só copiando em estilo e prosa sites brasileiros encontrados por essa internet fora, como também, dentro do próprio artigo, o que é jornalisticamente gravíssimo, contradizendo numa caixa o que é dito na outra, o que só me leva a pensar que o/a editor/a estava a dormir e a precisar de encher chouriços.
Mas o pior, mesmo o pior!, que me faz voltar a isto tanto tempo depois porque só agora tive disponibilidade e paciência, é que apresenta uma imagem distorcida e chocante do movimento gótico. Imagino uma pessoa normal a ler estes disparates: um pai, uma mãe, alguém que nunca conheceu um gótico, e a ideia repulsiva que tira do artigo de que os góticos são uma seita religiosa de hábitos ritualísticos de pôr os cabelos em pé, como beber sangue e passear pelos cemitérios à noite.
É por isso que este artigo vai ser devidamente zurzido, como merece toda e qualquer peça que se apresente como jornalística e fale do que desconhece. Lamento que a qualidade da revista "Boa Estrela" tenha ido pela escada abaixo a rebolar nos últimos anos, nomeadamente começando artigos como: "Os centauros eram animais que viviam na Grécia Antiga" (e outras pérolas do género). Que os centauros não se manifestem é lá com eles, mas quem não se sente não é filho de boa gente.
Vamos então, primeiro, à parte séria, e passemos depois ao gozo, que no fim até se arranca daqui umas gargalhadas.

Favor ver as páginas scanadas em baixo, na íntegra. (Só foi retirada publicidade a uma vidente cá do sítio que será reposta assim que a senhora nos pagar o anúncio.)
O artigo começa mal do princípio, colocado como está na secção "CRENÇAS E RELIGIÕES".
E diz mesmo, logo a abrir: "A religião gótica constitui uma outra cultura, estilo e maneira de pensar." Religião quê?!... E continua mais à frente: "Os góticos normalmente têm discussões espirituosas sobre a evolução da religião e o seu lugar na sociedade moderna. Ser gótico é, afinal, uma outra forma de tribalismo (...) Como a maioria dos grupos religiosos, os góticos tentam sempre manter de fora quem não adere à sua forma de estar na vida."

Para descansar pais, avós, tios e até góticos confusos:

O MOVIMENTO GÓTICO NÃO É UMA RELIGIÃO!

Definição de religão, para quem não sabe, como se pode ler no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora:

religião, s.f. culto prestado à divindade; conjunto de preceitos e práticas pelas quais se comunica com um ser ou seres superiores; doutrina ou crença religiosa; reverência ou respeito às coisas sagradas; temor de Deus;...

Cultura gótica, sim. Religião gótica, nunca. Religião implica a existência de um deus, ou deuses, e, que eu saiba, a única coisa que todos os góticos adoram é a música. Góticos e outros melómanos como os malucos do jazz ou os eruditos da música clássica.
A sub-cultura gótica é tão tribalista como qualquer outra sub-cultura urbana.
E não, os góticos não andam por aí a cortar o pescoço a "quem não adere à sua forma de estar na vida". Era só o que faltava, além de religiosos também sermos fundamentalistas.

Agora que está feito o ponto sério, passemos ao gozo.

Cortar o pescoço só se for à besta que escreveu esta merda. Pelo contrário, em vez de esconder o movimento gótico em desígnios obscuros, faço questão de comentar e explicar melhor a pais, mães, tios e alguns góticozinhos muito (mas muito!) confusos, que escrevem estes tremendos disparates nos seus sites de língua portuguesa duvidosa, o que se passa nos bastidores dos nossos eventos tenebrosos (onde muitas vezes se sacrificam crianças no altar dos copos mas são elas que fazem questão de sair de lá em coma alcoólico). Analisemos, pois, os disparates ao pormenor, que vale bem a pena.

Os chamados Góticos têm tendência para um senso de humor considerado «perverso e negro»

Quem escreveu o artigo não conhece a blogosfera. Provavelmente nunca viu o Herman nem o Gato Fedorento. Tenho pena. Deve ter sido uma vida bem triste.

Tentar classificar os góticos num "tipo de pessoas" seria impossível.

Até porque somos uma cambada de animais, essa é que é essa.

Às vezes as roupas podem ser uma dica, mas nem sempre isso acontece.

Pois não. É preciso procurar-lhes, no couro cabeludo, o sinal da besta: 666.

A cultura gótica envolve frequentemente a cena musical

Ora aqui está o momento de verdade no artigo. De facto, envolve "frequentemente" a cena musical, mas muito boa gente só lá anda por causa da roupa.

Mas a música não é a única arte dos góticos.

Não. A tribo também sabe fazer potes de barro, colares de conchinhas e outros tipos rudimentares de artesanato.

Também existe uma grande parte desta cultura que é rica e pensadora. Os góticos lêem muito Dante, Byron, e Tolstoi - não porque eles "devem" ler, mas porque QUEREM ler.

Fantástico! Ler, nos dias que correm! Estes góticos devem ser mesmo apanhados da cabeça. Ora aqui fica o bom conselho para o autor do artigo: ler mais e escrever menos.

Também costumam assistir a filmes mudos de expressionistas alemães.

Eu é mais David Lynch, com som e a cores, mas não se pode ter tudo.

Atentem agora nesta maravilha da contradição:
No entanto, os góticos não são muito diferentes das outras pessoas, simplesmente apreciam e valorizam coisas que a maioria das pessoas acha questionáveis, desprezíveis ou até complicadas.

Exacto, tal como a maioria das pessoas, bebemos sangue, passeamos nos cemitérios ao luar e comemos cocó.

Não são obcecados pela morte e por matar.

Claro que não queremos matar ninguém (excepto o autor deste artigo).

Nem todos usam drogas.

Anedota do século.

Nem todos os góticos do sexo masculino são gays.
Nem todas as góticas do sexo feminino são lésbicas.


Está bem visto. De outro modo, como é que fazíamos góticozinhos?

Os góticos têm empregos, frequentam a escola, pagam impostos, criam famílias, possuem carros e casas, e são tão produtivos como qualquer outra pessoa, se não forem mais, em alguns casos.

Somos nós, os surdos mudos, os deficientes motores e os portadores de deficiência mental. E tudo sem subsídios do Estado! É obra!

Todos têm tendência a algum tipo de arte, mas nem todos são músicos, pintores pretenciosos ou artistas que inventam histórias assustadoras (...)

Pois não. Alguns têm blogs só de propósito para cascar na merda que se escreve por aí sobre os góticos.

Não estão interessados em aterrorizar pessoas, roubar dinheiro, corromper crianças (...)

Fala por ti. Eu corrompi um grupo de crianças que aterrorizam pessoas e lhes roubam a carteira para me dar o guito.

Aliás, existem góticos pagãos, cristãos, e outros ainda que não acreditam em nada.

Mau Maria! Então e a religião gótica de que fala este mesmo artigo? Foi com os porcos assim de repente?

Perguntar a um gótico porque usa uma cruz é o mesmo que perguntar a uma senhora religiosa, católica, ao sair da missa, porque usa uma cruz, se bem que a resposta do gótico possa ser bem mais interessante e convincente...

Sim. Na volta, o gótico até é o padre.

De facto, a cultura gótica nada tem a ver com o andar vestido de preto e ouvir música depressiva.

Apoiado. Tem tudo a ver com desfilar no Gay Pride e ouvir "In The Navy". Um bocadinho de Emanuel também vem sempre a calhar.

Os góticos são um grupo pacífico. Apesar do aspecto (...)

O pior não é o aspecto. O pior é o cheiro.

E depois vem este subtítulo espantoso:
A origem remota e o gosto pelo silêncio

O termo surgiu há muito tempo, com os Godos (...) Correcto. Pelo menos deste uma para a caixa, se bem que duvido que saibas como de Godo (Goth) se chegou ao Gótico medieval, e deste ao Gótico romântico, e muito menos o que disse o manager dos Joy Division. Mas silêncio?!... Pázinho, tás mesmo a precisar de levar com uma festa gótica nos cornos. Até tripas com o silêncio.

Diz-se que os góticos gostam da noite, da vida e também da morte, da literatura, da arte, da solidão, do ocultismo, do amor.

O amor é tão bonito! Também gostamos de passarinhos e abelhinhas. Esqueceu-se de acrescentar isso à lista.

Muitas pessoas, erroneamente, vêem os góticos como vampiros (...) Mas principalmente porque grande parte dos góticos ter fama de frequentar cemitérios, mesmo durante a noite (...) Nos cemitérios encontra-se paz. É um local tranquilo, onde podem escrever-se poemas, sem barulho, ou sem medo de ser assaltado.

Assaltado não sei, mas os zombies são um grave problema de criminalidade violenta. Isso, os vampiros, os lobisomens, e os inspectores da ASAE.

Não basta vestir uma roupa preta e afirmar-se como gótico (...) não é possível entender o gótico sem conhecimentos sobre História, Literatura, Cinema, Sociologia, Música, etc.

Eu gosto é do "etc". Parece uma redacção da quarta classe.
A parte triste é que ainda há bem pouco tempo assisti a uma discussão do género num fórum aqui do sítio. Quase me atrevo a sugerir uma petição online para abrir o curso de Estudos Góticos Superiores ou, para quem prefere as novas oportunidades, uma formação em Gótico Prático com equivalência ao 12º ano. Assim, finalmente, podíamos ter professores certificados e devidamente avaliados por góticos com menos anos de carreira de modo a assegurar a transmissão da Sabedoria às novas gerações que são o futuro do país.

São seres sociáveis

Sociáveis que nem tubarões.

que escolhem os seus amigos pelo que eles são e não por aquilo que eles possuem

Santa ingenuidade! Tanto lirismo até dá dó!

recebem bem todos os que se aproximam (...)

Com um desprezo extremamente carinhoso.

Se sofre de problemas com o seu grupo de referência, conheça uma tribo gótica e faça uma comparação. Não fique surpeendida/o se for muito bem recebida/o

Ou ignorada/o.
Mas afinal nós somos o quê, os Alcoólicos Anónimos, as irmãzinhas da caridade, o Exército de Salvação?

Os góticos não moram nos túmulos dos cemitérios ou nos porões das Igrejas da Cidade

Mas com a crise que aqui vai não faltará muito...

Não precisa ser iniciado num ritual de magia negra, transformar-se em vampiro ou beber sangue de animais para fazer amizade com estes religiosos.

Contudo, comer cocó é imprescindível.

E termino com a melhor de todas, o verdadeiro testemunho revelador do obscurantismo de quem escreveu esta merda:
Não veneram Satanás nem cultivam o mal, mas não se engane, não é uma boa política ter inimigos góticos. Especialmente se comprares um vestido igual, filha, tás feita ao bife. Há quem diga que conhecem segredos de magia e que, quando a pessoa menos espera, pode acabar por se sentir mal e nem sequer sabe porquê.

Isso aconteceu uma vez comigo. A criatura não sabe porquê porque estava de costas quando levou a martelada na cabeça.

Não acreditam na violência

Só na magia negra.

e detestam os ignorantes e idiotas que vivem a destruir o património público.

E a escrever artigos de merda sobre os góticos.







quarta-feira, 5 de março de 2008

Musas



Para quê voltar atrás e organizar os velhos posts, os pensamentos, os irrepetíveis estados de alma? Não sei. Mas não é só para mim. Continuo a ter esta sensação de que um dia vai ser preciso contar a história a alguém que se interesse. Cheguei a pensar que seria a um amante. Mais tarde, percebi que estas coisas se passam a um filho. Actualmente estou convencida que todo este trabalho só vai servir para integrar o meu processo quando chegar a altura de apresentar a defesa da minha Alma perante Deus. "Só" é maneira de dizer. Nada como ter os dossiers organizados na audiência do Juízo Final. Deus perdoará a minha falta de confiança nos registos Divinos no momento em que souber que venho de Portugal... Estou mesmo desconfiada de que me valerá amnistia imediata.

Este blog, que releio sem desejar, não era assim no princípio. Fico pasmada como um pacto com a morte podia ser mais leve, bem humorado, até amigável. E depois houve um dia, algures em 2005, em que percebi que nunca mais iria sorrir. Nunca.Mais.Na.Vida. E nunca mais sorri. Riso há, que o riso é fácil. Mas a porta que se fechou fez estrondo e deixou um eco amargo. Menos intimista? Não diria isso. Nem o intimismo alguma vez me interessou, diga-se de verdade.
Foi algo de muito pior que se passou aqui, entre mim e quem abre a boca para comentar. Uma falta de confiança. Um horror pela estupidez de quem a manifestou. Uma espécie de lepra que me mete nojo e não tenho a mínima vontade de curar. A mesma indiferença com que encosto a cabeça à carruagem do metro e tento dormir. O absoluto desprezo pelo que os outros possam pensar. O estar sozinha no meio da multidão e o não esconder que me estou borrifando para a presença do outro.
E isto é bom. Foi isto que perdi e ganhei de volta. O que perdi sozinha, o que reconquistei sozinha.
Há quem não me perdoe por isso. Para esses, a maioria, a certeza absoluta de que também não perdoarei. Porque outra razão estimaria tanto os meus dossiers? Não me apanham de calças na mão.

E depois, no meio deste relacionamento perverso entre mim e o blogue, que afinal não interessa nada, cai-me o queixo quando leio coisas tão boas que me chego a perguntar, caramba, fui eu que escrevi isto?! É por isso que acredito em musas que segredam ao ouvido dos escolhidos, ou dos fracos de espírito, ou dos loucos, e nos ditam as palavras que acabam assim:

De como eu acabei a viver em Portugal:

O meu OC, que era preto, ou tinha sido preto e mantinha a cor, porque como se sabe os anjos no céu não se casam nem são dados em casamento e também não têm cor nem sexo, mas até que lhe ficava bem com a túnica de cetim e as plumas das asas brancas (dava ares de Pai de Santo sem turbante), começava a ficar preocupado com a minha esquisitice e quase disposto a dar-me também umas asinhas e a promover-me a um cargo vitalício no funcionalismo público espiritual sem direito a férias pagas no estrangeiro.
(...)
Foi então que os olhos do meu OC se arregalaram. "Talvez não. Se é só isto que desejas da grande civilização europeia, há alternativa. Bem, uma alternativa-zinha. Há um país-inho medíocre, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, que agora vive em ditadura mas isso vai acabar assim que tu chegares, e é, enfim, um país-inho, bonitinho, simpático, sem o sangue na guelra dos espanhóis, sem a máfia organizada dos italianos, sem a língua lixada dos gregos..."
"E que país é esse que nunca ouvi falar dele?"
"Chama-se Portugal... Portugal-zinho."


Os alhos e as cebolas e a invencível armada:

Assim que se apanharam com uma certificação profissional, os formandos foram contratados pelas armadas estrangeiras. E isto por várias razões. A primeira é que quando os portugueses são bons são mesmo muito bons. A segunda e determinante, porém, foi que tinham possibilidades de progredir numa carreira a sério, ao contrário dos teatrinhos de faz de conta da armada que teimava em não sair do porto. Por esta altura, a armada tomou a alcunha de “Armada Invencível”, não por ser muito boa mas por ser inamovível.
(...)
Entretanto, alguns espertalhões que viram ali a oportunidade, toca de abrir universidades privadas e cursos em universidades públicas para dar resposta às necessidades do mercado de trabalho, cursos esses de dois calibres. Um, de tendência mais profissional, “Curso de Alhos e Cebolas”, para explicar apenas e tão só o sistema de navegação nacional e mais umas cadeiras de Matemática Aplicada pelo meio. Outros, mais honestos, “Curso de Bombordo e Estibordo”, que incluía a cadeira “Alhos e Cebolas” para explcar a relação entre o bombordo e o estibordo e o sistema de navegação nacional e aproveitando à mistura para meter umas cadeiras de Relações Internacionais que havia muitos doutorados no desemprego.
(...)
A primeira coisa que o formador fez, porque era um chico esperto que também não sabia o que eram os alhos e as cebolas, foi abrir os sacos porque, pensou ele, bastava abrir os sacos para saber onde estava o quê! Esperto! Só que não resultou. Tinham-se passado tantos anos que quando o inteligente abriu os sacos só lá estava pó. Mas chico esperto como era, que nisto os portugueses são de facto imbatíveis, toca de arranjar uma solução provisória que era escrever num papel “alhos” e noutro papel “cebolas” para substituir os sacos e chamou ao procedimento “adaptação às novas realidades do mundo tecnológico da autoestrada da informação”.
Houve logo um formando (que podia ser eu) que simplesmente perguntou “mas se alhos e cebolas estão a substituir bombordo e estibordo e se se vai escrever num papel, porque não se escreve logo bombordo e estibordo e se esquece os alhos e as cebolas?”. Ideia genial. Erro fatal.


Eu não escrevi isto. São as malandras das Musas. Que as Musas nunca deixem de brincar comigo, é só o que peço.

The Creatures "Anima Animus" (1999)



Esta deve ser a crítica mais atrasada de sempre. Mas é apanágio das senhoras chegarem atrasadas. E podia ser pior, podia dar-me na bolha fazer uma crítica aos Doors. A beleza disto é que como a maior parte das pessoas já ouviram pelo menos os grandes êxitos do disco, "Exterminating Angel" e "2nd Floor", que se confundem com a sonoridade típica e inconfundível de Siouxsie & The Banshees, só me resta falar do resto do álbum como um todo. Álbum esse que só descobri hoje e ainda não consegui parar de ouvir, por isso a crítica destina-se curiosamente às pessoas mais velhas que não sabem que há vida em Siouxsie depois dos Banshees. Diria mesmo mais, contra os fundamentalistas, há mais vida em Siouxsie depois dos Banshees do que em muito do material inicial, mais punk do que outra coisa, mas obviamente isto é apenas a expressão de um gosto pessoal.
Então cá vai a crítica:

Que coisa tão boa!!!

Pronto. Era só isso. Não é preciso dizer mais nada.

terça-feira, 4 de março de 2008

A eloquência do silêncio

Começando pelos filmes, voltei a ler posts dos anos 2004 e 2005, neste blog, porque a certa altura começa a ser muita coisa a precisar de organização sob pena de ter sido tempo perdido.
Fico perplexa quando me leio, por exemplo, a escrever aqui, branco no preto, coisas sobre o estado e o caminho do país que agora toda a gente diz à boca cheia, inclusive uns engravatadinhos de uma coisa chamada SEDES, quando na altura me chamavam doida. Se dúvidas haja, os posts continuam lá. O que mais me custa é que foi apenas há 3 ou quatro anos atrás, já não contando com o que escrevi no blog ainda ele estava no SAPO.

Mas não é essa a maior reflexão. A maior frustração, direi melhor. Essa foram mesmo as vezes que tentei pôr as pessoas a falar. Ele foi blog, ele foi comentários, ele foi fórum, ele foi IRC. Como muitos outros organizadores de fóruns sabem bem, pelo menos no que toca ao movimento gótico, missão impossível.

Em ambos os casos, quer as tiradas visionárias caídas na ingratidão, quer o silêncio oco e inseguro do outro lado, deixei de sentir o sucedido de forma pessoal. Sei que o mesmo não acontece noutras partes do mundo. Sei que é só daqui, neste sítio de desencanto e apatia, de estagnação pantanosa.

Quanto ao país, actualmente já não há nada a dizer excepto que morreu e cheira mal. Não há palavras (pelo menos minhas) para dizer aos pobres mentecaptos que ainda olham apenas para a gangrena na perna do cadáver e o julgam moribundo mas vivo. Cheira-lhes a morte mas julgam que é só podre.

Quanto à falta de capacidade discursiva das gentes em geral, especialmente aquelas que à falta de ideias respondem com estilo (muita parra, pouca uva), fecha-se a caixa de comentários para não se assistir a maiores embaraços de fraco intelecto.

Eh bien. Dizia Fernando Pessoa que não haveria maior prazer que ter um livro para ler e não o fazer. Isso porque nunca teve um blog, senão saberia que não há maior prazer do que escrever um post e fechar uma caixa de comentários. Assim.

The Mist (2007)



Torna-se difícil falar na maior desilusão da temporada anterior quando elas são tantas, e ainda não vi "Alien vs Predator - Requiem". As surpresas têm vindo regularmente de onde menos se espera, ou seja, dos filmes menos publicitados (refiro-me especificamente a "30 Dias de Noite"). O que faz todo o sentido. Quanto pior é o filme mais precisa de ser vendido.
Para "The Mist" (adaptação do romance de Stephen King) já fui de pé atrás. Mais nevoeiro? Onde é que eu já vi isto? Ah, é verdade, n'"O Nevoeiro"! O que há de novo nesta neblina? Em vez de fantasmas vingadores, uma experiência científico-militar desperta uma outra dimensão de onde vêm gigantescos insectos, avespalhados, aranhosos, amorcegados (se bem que o morcego é um mamífero, mas isso agora não interessa nada) e maus como as cobras! Eu preferia os fantasmas.
Fora isto, nada de novo. O mais interessante do filme é a inclusão do fanatismo evangélico norte-americano que já começa a ser recorrente por ser sintoma dos tempos e da nação (como em "The Reaping", do mesmo ano). Levado ao extremo, torna-se um problema tão grave para os sobreviventes dentro do centro comercial como os bichos lá fora. Também o fim não é banal, nem feliz. Sem querer contar tudo, digo apenas que é cruel. Bem cruel. Vale por si só um ponto extra.
Já estou é farta de ouvir "The Host of Seraphim", dos Dead Can Dance, a "abrilhantar" estes filmes pimba que não merecem uma nota que seja da voz da Deusa.

13 em 20

The Eye / Gin Gwai (2002)



No original chinês, uma rapariga cega de nascença recupera a visão depois de uma operação cirúrgica. Mas a visão que ela recupera é tudo menos banal. Ainda os seus olhos estavam turvos depois da cirurgia e já se apercebia de sombras escuras junto aos moribundos.
Por não conhecer o mundo através dos olhos, demorou-lhe algum tempo tomar consciência que essas presenças invisíveis, a que os restantes mortais não tinham acesso, pertenciam a outra dimensão que só ela podia ver. Sombras da morte e fantasmas passam a tornar-lhe a vida num inferno para que não estava preparada e que a leva perguntar-se se ter nascido cega não fora uma espécie de misericórdia divina.

Mais uma boa ideia vinda do manancial oriental que, para não fugir à regra, peca por falta de desenvolvimento adequado. Não faz mal. O voraz Hollywood anda sempre à caça de presas fáceis. Ora venha de lá o remake.

12 em 20.