quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Uma semana sem internet

Por motivos de avaria no computador, vivi uma semana sem internet. Para quem tem banda larga há quatro anos, foi uma provação que ultrapassei mais facilmente do que pensava. Mesmo assim, foi doloroso. Devo mesmo admitir que as noites de quatro canais sem televisão de jeito foram anestesiadas pelas horas passadas de volta da máquina, a tentar restaurar a minha ligação ao mundo, qual alma penada que se esforça por abrir um canal de comunicação com os vivos.
À falta de séries e filmes de qualidade (quatro canais... nada de jeito) sobrepôs-se uma secura de notícias e opinião imparcial que até doía. Imaginei-me a viver assim, toda a vida, como a maioria dos portugueses que nem sonham do que fervilha na internet, sedada em estado comatoso por novelas da TVI, reality shows, reality telejornais e reality concursos da treta onde se escreve jasmim com "n" (jasmin, à inglesa) e girassol com apenas um "s" (girazol?). E futebol, muito futebol, e muito governo a dizer todos os dias a toda a hora que o país está a progredir, enquanto à socapa se vão passando notícias de que o desemprego aumenta, o endividamento não é preocupante, é chocante!!!, e o país se afunda. Apercebi-me, eu, que tenho acesso a um quociente de inteligência acima da média (mas bem tento acabar com ele, juro, mea culpa, mea culpa!) e à autoestrada da informação, do pouco que um português típico fica a saber do que se passa. Os coitados só percebem quando lhes bate à porta. E como ainda por cima o português tem a mania de fingir que está sempre bem na vida e cheio de dinheiro, nem entre "amigos" se confessa o real estado do sítio, a não ser quando a miséria é tão grande que nem os amigos acreditam.
E depois há outros problemas. Há empregos a manter. Há que calar a boca.
É por isso que artigos de opinião como estes, no jornal gratuito que é o Metro, são um bálsamo para a alma. Infelizmente, a maioria das pessoas prefere fazer o sudoku ao lado da crónica, o que é lamentável. Vale a pena ler José Júdice às quartas feiras, embora o apelido do senhor me faça imediatamente torcer o nariz (reflexos condicionados de repulsa perante a consanguinidade das "elites" do país). Ora vejam.




Sim, sei que é mais um a dizer o mesmo, e num estilo tão irónico e sinuoso que apenas os abençoados com dois neurónios (porque a maioria só tem um) apanham o significado. Mas atentem nestas palavras:

"Se em Portugal não há uma 'riqueza intangível', é porque alguém a meteu no bolso, como já se mete a outra riqueza, a tangível. É por isso que a corrupção nos rouba duplamente".

Não sei quando começou mas suspeito que foi por altura do declínio e queda da nação pós-Descobrimentos, das quais ando aqui a tentar descobrir as causas já que desisti de lhe procurar cura para os efeitos. A certa altura esta elite de gente que casa entre famílias a um ponto de consanguinidade, ou a classe dos tios, como lhe chama o Hora Absurda, percebeu que a única maneira de pôr os idiotas congénitos que geravam à frente dos negócios de família era ter uma horda de gente semi-inteligente a trabalhar às suas ordens. Mas, atenção, gente não muito inteligente que ofuscasse completamente o idiota com o seu brilho. Gente apenas menos idiota que o idiota primogénito, que não tropeçasse na sua própria pastilha elástica. Os cérebros, os verdadeiros talentos, eram para abater logo, de preferência na escola primária. Aliás, todo o processo educativo em Portugal se destina a identificar estas potenciais ameaças ao domínio dos idiotas. Para isso promovem-se semi-idiotas que vão dando conta do recado, marionetas babadas porque afinal, e pela primeira vez na vida, se sentem inteligentes e recompensados. Como o Sócrates.
Pensemos no que liam os idiotas e os semi-idiotas no tempo de vida de Fernando Pessoa. Não sei o que liam, mas certamente não era Fernando Pessoa mas um semi-idiota promovido a bobo da corte do momento. Inteligências geniais como Fernando Pessoa, apesar de empregado de escritório e tudo, eram uma ameaça demasiado grande. Haviam de ser lidos, sim, mas depois de morrerem.
Até aqui, parece que o sistema funciona. Os príncipes idiotas governam nesta monarquia de ser filho-de-tal, fidalgo, portanto, e os semi-idiotas os servem. Até ao momento em que é preciso alguém inteligente para resolver problemas. E olhem, pasmem!, não há! O que temos em vez disso? Sócrates e Menezes. Com um pouco de sorte, ainda Pinto da Costa há-de ir a Presidente da República.
Quando disse aqui, muitas vezes, que se premeia a mediocridade, confesso que era um recurso estilístico, a hiperbole, que estava a utilizar. Claro que não se premeia a mediocridade. Premeia-se a semi-mediocridade, conhecida no nosso país pelo termo "chico-esperto". Nunca um chico-esperto inventou uma lâmpada. No máximo, roubou a ideia e vendeu-a. No momento em que não há ninguém a inventar nada, devido ao esmagamento de cérebros, os chico-espertos não têm nada para vender. Claro que os chico-espertos não conseguem ver tão longe. E os príncipes herdeiros idiotas também não gostam de ouvir estas coisas, que é preciso alguém com ideias, porque ficam nervosos e agitados e atiram cocó aos servos mais chegados, por isso é melhor nem tocar no assunto, que, é como quem diz, tocar na merda.
Quando José Júdice diz que meteram a riqueza intangível no bolso, está a usar outro recurso estilístico que é o eufemismo. Se a tivessem metido no bolso, tinham-na preservado. Quem a mete no bolso são os países que dão bolsas de estudo aos cérebros mundiais porque reconhecem que génios há poucos. Aqui o que se faz é mesmo deitar cérebros pela pia abaixo. Um dia até os idiotas vão ficar às escuras, e vão querer lâmpadas, e não as vão ter. É tão simples como isso.

5 comentários:

Penemue disse...

Ora viva, welcome back.
Gostei bastante dos dois artigos, e, ainda que á primeira vista o caro José Júdice possa ter parecido prosaico, ou bom observador do óbvio, foi de encontro a uma teoria que tenho acerca do povo português: Nós somos a Amália-Pollyanna.
O povo português é o drama de capa e espada, a faca na liga do "Povo que lavas no rio" e "Cheia de penas" ou a Pollyanna do século 21, para quem tudo está bem e é côr-de-rosa desde que haja lojas a vender coisas a prestações, para serem exibidas aos amigos.
Não há meio termo.
E sim, concordo, tenho familiares em Angola que vivem no caos da Cornucópia dos diamantes e do petróleo, país onde "classe média" é um termo que nem direito a sentido de existência tem.
Por aqui, passa-se agora pela fase alucinada do não ter nada ou fazer de conta (qualidade lusa inegável, incentivada e praticada com fervor como se de uma religião se tratasse), e vejo os portuguese completamente atarantados, sem saber para onde se virar, nem saber com o que vão poder contar lá desse "amanhã" cuja expectativa já causa certamente pesadelos apenas pelo conceito.
Portugal, hoje, lembra-me o que aprendi sobre os Romanos, em que o povo ía descalço e com fome aos Circus, ver gladiadores e outros entertenimentos que os fizessem esquecer a miséria em que viviam.
Hoje, a "civilização" entertem-nos a pobreza com o Circus que foste obrigada a testemunhar: Concursos, reallity shows, e notícias que confundem mais que informam.
Por falar nisso, vou auto-aterrorizar-me com as guerras dos outros e os medos dos meus.
Os impostos batem-me á porta, saiem-me do parco recheio do bolso, e lamento se isso me causa mais terror que as notícias sobre Darfur.

Um abraço, e obrigda por mais um dos teus fantásticos artigos a que carinhosament já chamo "A'brólhos".

H. Sousa disse...

Viva, Gotika! É o nosso drama quotidiano, o que aqui descreves. Com o qual convivemos e temos por vezes que pactuar para viver de umas migalhas que os «tios» deixam cair para o chão.
Ontem fui a Caldas da Rainha a uma apresentação de um livro: «O Vale do Moinho» de João Norte, um escritor quase desconhecido que vai editando por conta própria. João Norte, professor reformado de História, quem conhece? Quase ninguém porque não é tio. O livro dele (romance) é excelente, mas não será conhecido do público porque não tem apoio dos «merdia». Pertencendo a um núcleo de conhecidos destas andanças dos blogs, também se falou do meu «Das Tinturra» que fez já as delícias de muitos amigos meus e é um livrito que põe a Tiocracia de rastos. Também nunca verá as luzes da ribalta, porque a semi-mediocridade, como dizes, não deixará, nada pode ofuscar a luminosidade dos «tios».
Sem pretensiosismos, eu já não lerei os nossos notáveis, há muito para descobrir entre gente anónima. Recentemente organizei um concurso de contos em que apareceu imensa gente pensante. Publiquei o livro dos contos premiados-distinguidos. Foram adquirido cerca de 40 pelos participantes e amigos.

Obrigado pela citação aqui, quem sabe se as coisas não mudam... Sem essa crença não poderíamos suportar a situação.

Abraços

Elypse disse...

A maioria dos portugueses
devia acordar antes de ir trabalhar

Já escrevi imenso nesse sentido... há que continuar... mesmo que para nada :)

katrina a gotika disse...

Penemue: Essa do "A'brólhos" é uma excelente ideia para criar uma lista de blogs a'brólhos onde a malta possa ir para de facto os abrir, em vez de se perder com blogs sistémicos que papagueiam apenas o que o tacho lhes manda (e geralmente são vira casacas).

H. Sousa: Divulgarei o "Das Tinturra" e os outros tratados por toda a gente que conheço e não conheço.

Penemue disse...

Concordo.
Já quase temo as contradições e inverdades que encontro em certos blogues onde vou em cândida e vã tentativa de obter informação, dado que, sendo os blogues oficiais, teriam lá escrita a verdade.
Não seria esse o objectivo?

Á criação da lista A'Brólhos, por favor!