quinta-feira, 26 de junho de 2008

Massa amorfa

O Fernando, dos blogs Angústias de um Professor (Actualmente fechado ao público) e Um Piano na Floresta, é comentador aqui há muitos anos e um blogger que respeito e aprecio. Deixou o seguinte comentário no meu post A geração que matou Abril, que eu acho digno de uma resposta mais alargada.

Tinha 3 anos em 1974 e entrei na Universidade em 1990 e, mesmo assim, fizeste-me sentir culpado... Sabes, gostava de ter mais alunos/as como tu, mas, em vez disso, apanho com a massa amorfa que essa geração que tanto criticas educou.


As gerações mais novas não me parecem uma massa amorfa. Ao contrário da visão negativa que os filhos dourados do 25 de Abril têm da "concorrência" mais nova (até nos chamam Calimeros), vou ter de repetir o chavão feliz de que não é uma "geração rasca" mas tão só uma "geração à rasca".
Ainda há pouco tempo ouvi o Eduardo Catroga (ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva) num excelente programa de economia que dá às quintas-feiras na RTP2 pronunciar uma grande verdade, tão grande quanto terrível: é a primeira vez em muitas décadas que a geração mais nova não vai ter hipótese de viver melhor do que a geração anterior.
Nunca gostei muito do homem, até porque também se prestou ao seu papel na quadrilha, mas quando os programas têm fraca audiência até os hipócritas se descaem com as verdades.
É um facto. A geração depois da minha, entre os 18 e os 30 anos, já homenzinhos e mulherzinhas, sabem muito bem o que os espera. Já não acreditam em lirismos e em lutas. É fácil para os filhos dourados de Abril os culparem por não lutarem pelos seus direitos, mas a verdade é que se esgotaram as formas democráticas de lutar. Encaremos os factos. Os empregos são escassos e mais escassos ficarão à medida que a economia atrofia. Os sindicatos não têm poder nem já lhes interessa mobilizar os trabalhadores (até vieram propor, com toda a lata, que todos os contribuintes sem excepção os financiem). Os grupos económicos detêm todo o poder. Esta geração já não tem emprego. Vai tendo trabalho, precário, rotativo, até não remunerado. Por enquanto, quem financia isto são os mesmos filhos dourados de Abril que vão pagando as contas aos meninos (desde a universidade, ao carro, à casa) dos seus próprios salários. Ou seja, não estão a preparar uma nova geração, estão a adiar o caos. Quando forem finalmente postos na rua ou reformados com uma pensão miserável, perceberão no bolso a sociedade que sustentaram. Uma sociedade de mal pagos que não ganha para os sustentar na velhice. Tudo se paga e a factura não tarda.
Lutar nos tribunais? Pode um precário ir para um tribunal processar uma empresa que utilizou o seu trabalho durante seis meses ou um ano (ou mais, como eu conheço casos) sem lhe pagar um tostão, e no fim não o admitiu (e isto acontece no próprio Estado)? Anedótico. Primeiro, porque foi o jovem que se sujeitou a tal estágio, aliciado com promessas de talvez ficar, de ganhar currículo, de melhorar as possibilidades de emprego no futuro. Segundo, porque a justiça está estrangulada.
Que outras formas de lutar? A desilusão para com a política é generalizada. O pensamento reinante é "são todos iguais". E, se virmos bem, até são mesmo. Em vez de votar à esquerda e à direita e mudar as moscas, até já não votam. Diga-se de passagem, as moscas não mudam. Ainda no outro dia li um testemunho de um jovem de uma juventude partidária que confessava que as "jotas" só querem os voluntários para colar cartazes e fazer barulho. Depois da eleição, os cargos propriamente ditos vão para os filhos dos que já lá estão.
É assim. Parece ser o nosso triste fado. De Valentim Loureiro a João Loureiro. De Mário Soares a João Soares. Do avô de Manuela Ferreira Leite a Manuela Ferreira Leite.
As gerações mais novas não são estúpidas, ao contrário do que se pensa. Estúpido é quem pensa que são.
Amorfas, apáticas? E como não? Qualquer criatura jovem com dois dedos de testa sabe que a única saída é emigrar. E emigram mesmo. Haja saúde de ferro e um bocadinho de ajuda lá fora (família emigrada desde os anos 60 que nunca pensou voltar à tradição das "cartas de chamada"), e lá partem eles para a França, o Luxemburgo, a Suíça, o Reino Unido, e até a Espanha. Aliás, a emigração em Espanha é maior do que se pensa porque há muita gente a trabalhar lá e a vir passar o fim de semana a casa. Não deixa de ser um fenómeno sociológico curioso. Haverá já sociólogos, daqueles com lugar cativo nas cátedras das faculdades, a investigar o tema? Duvido muito. As universidades dependem do governo e o governo não vai disponibilizar dinheiro para fazer má figura.
Viram-se, sim, os emigrantes, na Suíça, a apoiar a selecção de futebol. Só não viu quem não quis. Aí está a juventude que não é amorfa, que teve oportunidade de se pôr a andar, sabe-se lá com quanto sacrifício e sonhos desfeitos. Aqueles não são os filhos dos emigrantes. Aqueles são os novos emigrantes. Aqueles não são a segunda geração. Aqueles são a nova primeira geração. De avô a neto, saltou os pais e retorna aos filhos.
Quem fica, porque não pode partir devido à idade, ou pobreza extrema, ou saúde, ou família, só pode ser amorfo. Por alguma razão os portugueses se encharcam de anti-depressivos.
Mas estou a chover no molhado. Vou antes dar um bom exemplo. Na cena gótica eu já sou uma velha cota e lido de perto com as gerações mais novas. Sem apoios, nem subsídios, nem calimerices, vão organizando as suas festas a uma dimensão que já tem fama a nível europeu, se não internacional. Como? Organizando-se para o o objectivo comum. Actuando numa área em que ninguém lhes pode cortar as pernas nem há lugares cativos. Aprendendo com o estrangeiro. Querem, podem, e fazem. Simples quanto isso. Do pequeno se faz grande.
A geração que é amorfa aqui depressa se torna notável lá fora. Curioso, não? E parece que o fado se repete geração após geração. Excepto, claro está, para os filhos dourados de Abril a quem deram uma cadeira. Essa cadeira é podre. Não se sentem nela. Acima de tudo, não se acomodem muito. Não tarda que ela se esfrangalhe e ainda partem o cóccix.

Voltando ao comentário do Fernando, não posso deixar passar um tema que lhe é caro (e a mim) e que é a Educação. Não, a culpa da bandalheira não pode ser atribuída aos filhos dourados de Abril. Esses já apanharam as coisas assim quando lá chegaram (os que chegaram). Neste país de curta memória aponta-se a União Europeia como motivo para os sucessivos governos terem baixado o nível a um ponto que se sai da escola sem se saber ler nem escrever. Errado. Erradíssimo. A bandalheira começou muito antes.
Depois do 25 de Abril, por reacção exagerada ao regime anterior, riscou-se da educação qualquer vestígio de rigor. Na década de 70, a anos luz da CEE, adoptou-se a ideia revolucionária de que não eram os alunos que eram burros, os professores é que eram maus. De modo que não podia haver maus alunos. Todos tinham que passar.
Estava eu na primeira classe, em 1978, puseram um atrasado mental na turma. Experiência primeira de muitas de um eduquês que actualmente mostra os frutos da sua aberrância. Este atrasado mental, com traços acentuados de mongolóidismo, mal sabia falar. Pensou-se então em juntá-lo aos normais para ver se evoluía (também fizeram uma experiência assim com uma criança e um chimpanzé). Resultado, não sabia desenhar um "A", nem sabia o que era um "A", mas passava as manhãs aos gritos, a agredir os colegas das carteiras mais próximas, riscando-lhes os papéis, atirando as coisas ao chão. Era de facto um aluno com necessidades especiais. Necessitava de um colete de forças e de um Valium. Nesse tempo ainda servia a régua de madeira da professora que tinha o dom terapêutico de o acalmar enquanto a mão doía. Depois esquecia-se e voltava ao mesmo. Actualmente parece que já não é assim. Já não se tenta sequer pô-los a desenhar o "A". Dá-se-lhes logo a escolaridade obrigatória. Pois não, meus amigos, isto não tem nada a ver com fazer boa figura perante a CEE mas com certas ideias deturpadas de vítimas de um regime demasiado rígido que quiseram à força garantir que todos os alunos eram iguais.
Os filhos dourados de Abril não passaram por isto. Nem sabem o que é isto.
Outro exemplo. Na segunda classe, eu já tinha conhecimentos suficientes e maturidade intelectual para passar directamente para a terceira, aliás, como se fez durante anos e se faz em sociedades em que a Educação é levada a sério. No meu ano, já não deixaram. "É preciso deixar as crianças brincar", era o lema. Como se eu estivesse interessada em brincar. E disse-lhes, mas já não deixaram. Portanto, meus amigos, o eduquês não começou agora. E o cancro na Justiça apareceu brioso logo assim que se fez uma revolução anti-fascista e não se julgou ninguém. Esses erros, porque pagamos gravemente hoje, não são culpa dos filhos mas dos pais de Abril.
A culpa dos filhos é não conseguirem compreender as dificuldades porque passaram as gerações anteriores e porque passam as mais novas.
A mim, que não sou amorfa, mas estou de tal modo de pernas e mãos atadas para fazer mais do que isto que o pareço, resta-me usar todos os meios ao meu alcance para ensinar às gerações mais novas o que precisam de aprender e não lhes ensinam em casa nem na escola nem na igreja: a fraternidade.
(Diga-se o que se disser, foi a igreja que durante séculos cumpriu esse papel, certamente mais mal do que bem, mas actualmente esse lugar ficou vago, à mercê de outras seitas e novas religiões ainda mais predatórias.)
O que é a fraternidade, perguntam os mais novos? A fraternidade é eu preocupar-me com o vosso futuro. A fraternidade é eu preocupar-me com o vosso futuro mesmo que eu já não tenha futuro.

Não, Fernando, não me parece que tenhas culpas. O sistema já estava montado. Fazes o papel que te permitem tal como eu faço o meu. Não há espaço de manobra para mais e por isso se sufoca. Não estão amorfos, estão amarrados.
De que te queixas, Fernando? De que as gerações mais novas não votam? Para quê? De que não lêem? Até lêem, e cada vez mais, mas só o que lhes interessa. Ler mais para quê? Acaso isso lhes vai garantir um futuro? Não sabem escrever, é certo. E porque haviam de o fazer? Acaso lhes arranja emprego? Mais vale aprenderem logo francês e inglês, para se integrarem melhor nos países de destino. Não sabem matemática? E para que haveriam de saber? Para tirarem um curso científico, fazerem um mestrado lá fora e voltarem para o país a trabalhar numa caixa de supermercado ou como operador de registo de dados? As máquinas do tio Belmiro até dizem qual é o troco.
A Educação tornou-se uma carolice. É irrelevante que português se escreve no telemóvel. Os empregos são para quem tem cunhas, saiba ou não saiba ler.
E depois disto, admiras-te que a massa pareça amorfa? Eu não. Mas sei que não são. O tempo da massa amorfa veio e foi. Actualmente é preciso estar triplamente vivo para sobreviver, coisa que a massa amorfa vai perceber no dia de luto e ranger de dentes.

Gostei muito deste bocadinho.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Pensamentos soltos sobre o suicídio aqui e ali

Hoje o post vai ser sobre um tema a que muitas pessoas são alérgicas por isso aviso desde já que se vai tratar do suicídio de forma e conteúdo ainda não muito bem definido por isso quem correr o risco de se ver possesso por ataques de vómito pró-vida ou não conseguir conter os sacos lacrimais pode já mudar para o blog seguinte.

Começo pela vida.
Ninguém devia ser obrigado a viver contra a sua vontade.
E no entanto, é contra toda a liberdade do homem que ele nasce e se vê obrigado a permanecer vivo, sem ninguém lhe perguntar a opinião prévia. Começa logo mal.
Há correntes de pensamento que dizem o contrário, bem sei. Que o homem nasce porque quer, porque assim decidiu antes de encarnar. Se assim foi, certamente que a sua vontade de abandonar a vida será decerto também respeitada pelos Poderes que lha concederam. A ver vamos. (Só se sabe no fim.)
Para mim, a vida sempre foi um pesadelo que posso levianamente comparar às Docas. Para quem não sabe e para quem nunca visitou o antro nos seus tempos dourados, as Docas são um espaço de lazer em Lisboa, ali depois de Alcântara, que tem bares porta sim porta sim, oferecendo uma variedade de escolhas desde o techno da moda à esplanada veraneja, e permitindo todo um vasto leque de comportamentos que vão do casal que leva os filhos a comer um gelado, aos engates de ocasião ou à ostentação (verdadeira ou falsa) dos ricos e dos intelectuais, onde toda a gente faz questão de ir para não passar por anormal. Dir-se-ia que foi feito para agradar a toda a gente, e toda a gente gosta muito daquilo, mas eu não gosto nada. Por isso sempre comparei a vida às Docas.
(A vida é melhor, porque tem bares góticos, mas não nos percamos na alegoria.)

Ontem andei a pesquisar na internet métodos de cortar as veias eficientemente com o intuito de sangrar até morrer. Tudo se encontra na internet, e não me desiludi. Não, não vou dizer onde é. Isto de morrer dá o seu trabalho, começando pela pesquisa. E que trabalho! Para fazer a coisa bem feita é quase preciso tirar um curso superior. É preciso saber onde estão veias (artérias, dizem) que nem se sabe que se têm. A direcção do golpe também levanta controvérsia. Metade afirma que deve ser horizontal, se apanhando a artéria no sítio cirúrgico, a outra metade clama que é vertical ao longo da veia do braço. A própria profundidade do corte também não é para amadores. Muito profundo e ineficaz e o suicida corre o risco de mutilar os tendões do pulso (em vez de morrer, claro está) perdendo o controle das mãos com maior ou menor gravidade futura. Cortar pouco, por outro lado, apresenta o risco muito pior de o suicida ser rotulado de "suicida a fingir", ou seja, de ser diagnosticado por apenas "comportamentos suicidários" sem verdadeira intenção de morrer. Pior ainda, de desejar chamar à atenção.
(Por esta ordem de ideias, o simples facto de estar a escrever este texto seria um chamar a atenção sem correr o risco de ficar com cicatrizes. O simples gozo que me dá abordar o tema para escandalizar certas mentes não é levado em conta. O que ainda dá mais gozo.)
Concluindo, se não tem sucesso, o suicida que sobrevive é sempre um falhado. Tendo em conta que na maior parte das vezes a falta de sucesso à luz da sociedade dos outros é o motivo maior para a o acto desesperado, não deixa de ser ironicamente cruel.

Isto levou-me a pensar como é difícil morrer em Portugal. Começando pelo simples acto de cortar as veias. Toda a gente sabe que o melhor método de o fazer, depois da perícia (porque envolve conhecimentos acima da média) de cortar as artérias certas no sítio exacto com uns instrumento suficientemente afiado, é através da imersão em água tépida numa banheira. Isto já pressupõe que o pobre diabo tenha uma banheira. Ora, uma banheira é um luxo. Fazê-lo no bidé, isso sim, é de artista!
Em Portugal, até se é pobre demais para morrer "bem". Os únicos casos de sucesso que conheço são daqueles miúdos que se atiram de um certo viaduto ali para Alcântara e o famoso caso do jornalista da TVI que não foi de modas e saltou da ponte 25 de Abril. Ah valente! (E por falar em bravura, aplaudiria de pé se todos os toureiros decidissem fazer o mesmo para mostrar que os têm como dizem.)
E depois há os casos da linha do comboio de Sintra de que ninguém fala.
E dos polícias que usam a sua própria arma.
Para se morrer, tem de ser à bruta.

No Alentejo, e muita gente não sabe disto, o suicídio é uma tradição que nos aproxima da cultura nipónica. É considerado um acto trágico (mas culturalmente aceitável pelos pares), que um homem ou mulher caído em desgraça, por pobreza ou desonra, se enforque com uma corda nas traves do palheiro. Não sei de quem é a tese, mas existe, de que esta familiaridade alentejana com o suicídio de honra tenha a ver com a menor penetração da mentalidade católica numa região essencialmente pagã que demorou mais tempo a "desarabizar". O que faz todo o sentido, especialmente no mundo pós-2001. Certas culturas são mais inclinadas para o martírio socialmente aceite, independentemente da religião praticada. E se pensarmos em religião, até o Messias se deixou martirizar. (Mas isso eram águas para outro moinho.)

Nos Estados Unidos da América, onde toda a gente compra uma arma de fogo desde que não tenha cadastro (e se tiver até arranja peças mais profissionais) o problema põe-se com maior acutilância. Acredito que seja mais fácil acusar "wannabes" numa sociedade em que toda a casa de família guarda uma arma aqui ou ali. De modo que não chega a haver uma "segunda tentativa". E tendo a conta a familiaridade com que os americanos lidam com o suicídio e o homicídio, só mesmo a inexperiência permite o falhanço (e muitos casos com lesões irreversíveis em estado vegetativo). O suicídio com arma de fogo, bem executado, hitleriano, não permite retorno. Só uma sociedade muito amadurecida consegue conviver com esta proximidade da morte. É verdade que se matam a torto e a direito uns aos outros, mas o suicida que pega na sua arma com balas compradas no Walmart e a dispara nos miolos sabe muito bem que não é uma tentativa - é mesmo a "definitiva".
Conheço de lá um rapaz da minha idade que, como qualquer bom americano, tem um casa não uma arma de fogo mas uma verdadeira colecção. Sabendo das suas tendências depressivas pergunto-me como é que ainda está vivo. (É verdade, estará? Tenho de lhe escrever.) Não senhor, não é brincadeira.

Nisso, acho que os americanos levam a melhor. Uma arma, uma decisão, a terra da liberdade. A liberdade suprema que se pode conceder ao ser humano: acabar com a própria vida.

Em Portugal, por defeito europeu, tem tudo de ser feito com maior hipocrisia. E que hipocrisia. Neste momento trágico que vivemos, aposto que se o senhor Sócrates decidisse distribuir kits de suicídio nos Centros de Desemprego e na Segurança Social livrava-se bem de grande parte do déficit. E assim ficavam mais recursos para os neo-liberais Joões Mirandas da terra, que choram cada tostão dos seus impostos para a solidariedade social.
Estranho ser é o humano, porque a ser feito, não podia ser pela calada. Reunissem, pois, um grupo de desempregados de longa duração, numa daquelas salas de centro de emprego onde se têm de apresentar até à última semana de um subsídio de desemprego que não tarda em acabar (para os que o têm), já a contemplarem o suicídio para não sobrecarregarem a família, e proponha-se-lhes a ingestão de uma pílula letal como fim para os seus problemas. Eis a sublevação imediata! O linchamento do funcionário! O instinto animal a funcionar!
Esta é a razão porque nenhum político alguma vez propôs a ideia às claras (por muito que lhe tenha passado pela cabeça e, nalguns casos, até a tenha tentado pôr em prática).
Como é complexa a alma humana! Tão complexa que é capaz de aceitar o seu fim de livre vontade, mas incapaz de aceitar que lhe seja imposta. Para os que amam a vida ainda deve ser mais lixado. Tenho pena, confesso, porque todos todos todos nós vamos morrer. Uns mais contentes que outros.

domingo, 22 de junho de 2008

(Des)Emprego

Imperdível, este post da Psiquê sobre ser licenciado à procura de emprego no século XXI (não nos anos 80, nem sequer nos anos 90), em Portugal.



O cartoon também é de lá.

Eu também já aqui contei coisas giras mas nunca é demais acrescentar ao rol. Devia-se fazer uma colectânea de greatest hits e vender o CD. Por isso mesmo, este também vai para a listinha de posts sobre Portugal, para mais tarde recordar aos esquecidos.

sábado, 21 de junho de 2008

Pré-apocalípticos

O movimento punk caracterizou-se pela ruptura e pela revolta. Pretendia-se chocar a sociedade de fato e gravata, a mesma e muito britânica sociedade em que jovens desiludidos da geração dos Sex Pistols depressa perceberam que nunca iam ter lugar. Lá apanhou-se mais depressa a grande mentira. "No future" tornou-se o grande lema de todos esses punks maltrapilhos, de cabelos em pé, guturais, bêbedos e drogados que viraram as costas às corporações (principalmente as musicais) e adoptaram o "do it yourself". Pelo menos no campo musical, a coisa resultou. Em todo o resto, não resultou nem era para resultar. Afinal não havia mesmo futuro.
O movimento gótico também resultou dessa desilusão mas percebeu que não valia a pena revoltar-se. (Os punks furiosos acabaram de duas maneiras: mortos de overdose ou vendidos nos anos 80 às corporações que combateram nos 70. Não eram exemplo para ninguém.) O que restava ao gótico? A falência dos sistemas políticos, religiosos, sociais. A impotência perante o jogo viciado. O "nada vai mudar nunca". As preocupações ambientais muito antes de alguém as levar a sério (veja-se "Black Planet", The Sisters of Mercy). E no fim, qual cereja no topo do bolo, a explosão do sol. O apocalipse. Everything dies.
Como qualquer geração que sabe estar às portas do apocalipse, os góticos não iam gastar energia com revoltas inúteis. Fulminados por apatia e profundo desinteresse pelas engrenagens que fazem mover o mundo agonizante, voltaram-se então para a beleza, para o misticismo, para a arte (acima de tudo, para a música). É por isso que não verão um gótico pegar em armas e vem daí a profunda tradição de não violência pela qual o movimento é amplamente conhecido. A arte e a música é o único refúgio, e o amor pela arte é tal que a própria aparência o reflecte. Verão, sim, maquilhagem trabalhada, penteados premeditados (mesmo os mais naturais), roupa cuidadosamente escolhida para transformar cada gótico numa tela onde se pinta uma persona única.
O apocalipse veste-se a rigor.

Animais de Rua está a passar por dificuldades. Ajuda precisa-se!‏

Animais de Rua - Projecto de Esterilização e Protecção de Animais Sem Lar

Recebido por email:

Olá a todos!

O Animais de Rua está a atravessar a pior fase desde o início da sua existência.

Temos centenas de animais em espera para serem esterilizados e os Padrinhos e Madrinhas de Esterilização (a quem muito agradecemos e graças a quem temos esterilizado tantos animais) não chegam para todos. Os Padrinhos e Madrinhas de Prestação Mensal têm-nos ajudado com os valores de pós-operatório das fêmeas em hotel canino, tratamentos e ração, mas com a divulgação do Projecto todos os dias nos chegam às mãos dezenas de casos a que não podemos atender por falta de meios.

Para continuarmos a esterilizar animais, precisamos muito da vossa ajuda!

Aqui vão algumas formas de nos ajudar:

1. Visite a secção de Animais a Aguardar Esterilização e apadrinhe a esterilização de um animal à sua escolha.

2. Torne-se Padrinho/Madrinha de Prestação Mensal

3. Adquira peças na nossa Loja Virtual, que está constantemente a ser actualizada com novos artigos.

4. Ofereça donativos em ração de gato e cão e/ou desparasitantes internos e externos para as colónias e matilhas protegidas pelo Animais de Rua e que vivem na rua, sem acesso a alimentação suficiente (zelia.reis@animaisderua.org)

5. Divulgue o banner do Animais de Rua no seu blog ou site.


Contamos convosco para conseguirmos ajudar cada vez melhor e mais animais.

Obrigada a todos!


Link: Animais de Rua: Projecto de Esterilização e Protecção de Animais Sem Lar

Nesta página podem encontrar banners de diferentes tamanhos para colocar nos vossos blogs, e já com código!
Não custa mesmo nada.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Estado Máfia

EDP - Clientes vão pagar dívidas incobráveis


Clientes vão pagar dívidas incobráveis


ANA SUSPIRO
Electricidade. Até agora, EDP tinha de assumir a totalidade dos custos com as dívidas incobráveis. A situação vai mudar a partir de 2009. Os consumidores vão partilhar este risco com a eléctrica. Em causa estão valores entre 0,2% a 0,3% da facturação total. Em 2007, foram 12,5 milhões de euros

Em 2009, a EDP vai partilhar os custos com consumidores

Os custos com as dívidas incobráveis da electricidade vão passar a ser pagos por todos os consumidores. Hoje, é a EDP Serviço Universal que assume os encargos totais dessas dívidas. Mas a proposta da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) para o próximo período regulatório de 2009/11 prevê que os encargos com esses compromissos passem a ser partilhados com os consumidores de electricidade a partir do próximo ano, nas tarifas de electricidade.


Para ler o resto, clicar no texto. Para quem não acredita, vistar o site da ERSE (www.erse.pt).
Pois é mesmo verdade, uma grande empresa, monopolista, pior ainda, a Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos, que não devia ser o braço direito da empresa monopolista (digo eu), acha por bem que os custos das dívidas dos caloteiros sejam distribuídas pelos tansos que pagam.
Como a Justiça não funciona, e isto se tornou numa história de Robin dos Bosques ao contrário, a própria entidade reguladora decide que a empresa monopolista sobrecarregue os pagadores com as dívidas dos outros. Se isto não é a gota de água, não sei o que é. Como eu ando a dizer, e a dizer, e a dizer, a Justiça é o cancro do país. Sem a Justiça a funcionar como deve é impossível para qualquer empresa cobrar qualquer dívida. O mercado estagna. A economia seca. É a lei do vilão.
Se a moda pega, os bancos (igualmente poderosos) poderão também imputar o crédito mal parado às prestações das casas de quem as paga. Por exemplo. E vai por aí fora, até aos camionistas que, soube a propósito do recente abalo sísmico (salvo seja) fazem fretes abaixo do custo.
[Abaixo do custo?! Como é que uma empresa se pode dar ao luxo de fazer preços abaixo do custo?! E depois admiram-se.]
A mania de todo o português é apontar o dedo ao Estado e pedir subsídios. Não é isso que estou a fazer aqui. Estou aqui apenas a realçar que os deveres fundamentais do Estado são garantir bases essenciais como a segurança, a justiça, a equidade. Já só peço ao Estado que garanta a segurança e a justiça. Se o Estado não a garante não é um Estado, é um bando de malfeitores. Tão simples como a história do Robin dos Bosques. Paga quem não tem espada. Quem não tem espada paga. Lei da máfia.
Se esta proposta passar, Portugal deixa de ser definitivamente e oficialmente um Estado de Direito, porque num Estado de Direito qualquer cidadão poderia defender-se de ter de pagar dívidas que não são suas. Não o podendo fazer, estamos no totalitarismo. É tão simples como isso. E é por isso que esta notícia é tão grave.
Aliás, é tão grave que mesmo que a proposta não passe (se bem que o povo português seja tão acarneirado que é mesmo capaz de passar), só a sugestão de alguém se atrever a sugerir esta possibilidade me dá arrepios pela espinha abaixo. Isto chama-se roubo, e chegou-se a um ponto em que os ladrões não têm medo de dar a cara.
Pelo contrário. Quem tem medo de dar a cara e protestar são os cidadãos honestos e cumpridores que têm toda a razão para temer represálias. E porque não? Depois disto tudo é possível. Mesmo tudo.

Da ética

Escrevi o seguinte texto como resposta a um comentário ao post A geração que matou Abril mas acontece ser um dos meus temas preferidos e merecedor de destaque. Aqui estou a responder ao comentador Tomás, d'A Ponta da Pila (o nome do blog é da autoria do comentador), cujos comentários costumam ser, no mínimo, interessantes, se bem que raramente concorde com eles. Desta vez proporcionou-me o seguinte comentário/resposta, que acabou por sair completamente do âmbito do post inicial:

Vou também responder ao Tomás.

O que achas que se devia fazer a todas as pessoas que não acreditam na Ética e não subscrevem a fraternidade? Metê-los a todos em campos de concentração e reeducá-los? Distribuir umas chapadas que estiveram em falta quando eram crianças? Removê-los de circulação? Purgar os heréticos?

Geralmente são as pessoas sem ética que tentam meter os outros num campo de concentração e exterminá-los. E esta não é uma boa história inventada por mim (mas obrigada pelas palavras elogiosas, estava de facto inspirada nesse dia) mas infelizmente real, muito real.
Este simples parágrafo, para bom entendedor, chegaria como resposta, mas quero dizer mais.
A sociedade humana, como a Psiquê abordou acima, já para não falar do sucesso da espécie como um todo, baseia-se em mais do que a sobrevivência do mais apto. Aliás, basta olhar para a natureza e perceber que são as espécies que estabelecem melhores laços de entreajuda social, desde os leões aos chimpanzés passando pelas curiosas sericatas, que mais hipóteses têm de sobrevivência num ambiente hostil. A solidariedade é uma forma de inteligência. Não querendo ser uma darwinista social, mas não desprezando os argumentos da tese, o ser humano tem toda a conveniência em ser solidário, ético, ou, se quiserem, em seguir a regra dourada de "não fazer aos outros o que não queres que te façam a ti". No mínimo, evita o conflito social. Isto já é ser muito cínica (ou simplesmente darwinista social) mas parece-me que a sociedade funciona melhor quando os seus elementos sabem (porque são inteligentes) que as gerações mais novas não pretendem eutanaziá-los quando chegarem à velhice. Na selva manda a lei da selva. Mas não é na selva que a sociedade avança e progride. Não é num clima de guerra social e desconfiança generalizada que a espécie se mantém.
Nem com os leões isso funciona. O leão dominante mata as crias do leão derrotado, mas na sociedade dos leões não há memória, nem sensibilidade, porque não o QI não é suficientemente evoluído. A memória, a sensibilidade, são demonstrações de inteligência. Se a leoa se lembrasse que o leão alfa lhe matou os filhos era o fim da sociedade dos leões. E nós temos obrigação de agir de forma mais inteligente do que leões porque somos mais inteligentes.
O que fazer então aos que não percebem o interesse da ética para a sobrevivência da espécie? Tratá-los como gente menos inteligente, nem mais nem menos. Em alguns casos, tratá-los como os criminosos que são (quando o são e muitos são). A ideia de exterminar atrasados mentais também não é nova e também não é minha. Mas é contra a coesão social e todo o progresso da espécie, nem que seja porque as "leoas" do género humano não esquecem. Ainda estamos a pagar pela última experiência em ética. Mas a memória de alguns parece ser curta. Esperemos que a memória (mesmo inconsciente/colectiva) da maioria seja de maior duração, ou estamos bem fodidos, curto e grosso.


É importante falar destas coisas. Cada vez mais importante.

Mais uma página

To Malone the sense of latent mystery in existence was always present. In youth he had felt the hidden beauty and ecstasy of things, and had been a poet; but poverty and sorrow and exile had turned his gaze in darker directions, and he had thrilled at the imputations of evil in the world around. Daily life had for him come to be a phantasmagoria of macabre shadow-studies; now glittering and leering with concealed rottenness as in Beardsley's best manner, now hinting terrors behind the commonest shapes and objects as in the subtler and less obvious work of Gustave Doré. He would often regard it as merciful that most persons of high Intelligence jeer at the inmost mysteries; for, he argued, if superior minds were ever placed in fullest contact with the secrets preserved by ancient and lowly cults, the resultant abnormalities would soon not only wreck the world, but threaten the very integrity of the universe. All this reflection was no doubt morbid, but keen logic and a deep sense of humour ably offset it. Malone was satisfied to let his notions remain as half-spied and forbidden visions to be lightly played with; and hysteria came only when duty flung him into a hell of revelation too sudden and insidious to escape.

H. P. Lovecraft, "The Horror at Red Hook"



Gustave Doré, ilustração para "Paradise Lost"


Atravessei rios de lava para estar aqui agora e os pedregulhos não param de cair de todos os lados. Muito (mais) se perdeu. Ardido. Calcinado. Nem as cinzas restam.
A perda já não me aflige. Habituei-me a ela. Parece que o propósito da minha vida não é outro que não uma calculada aprendizagem de como a rejeitar, de perda em perda, de menos em menos.
Nestes tempos tenho escrito imenso num diário privado para nenhuns olhos senão os meus, tal a gravidade das palavras que desabafam coisas incompreensíveis para o comum dos mortais. Coisas más, coisas ruins que já basta afligirem-me quanto mais dá-las a perceber aos outros sem que nada de bom daí advenha mesmo que as pudessem entender. Coisas a serem enterradas no silêncio.
Aflige-me mais o silêncio. Nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida. Não é aquela solidão de não ter ninguém, nada disso. Nem aquela outra de estar só no meio de muita gente. É pior. De repente, é como se as pessoas deixassem de existir. Sou um fantasma no meio delas. Todas as minhas palavras seriam vãs, todas as palavars delas são vãs. Pegando no dilema de Descartes, será que existo só porque penso? E se não sinto os outros, continuo a existir? Se não sinto, existo? Mesmo que exista, interessa? Não me parece.
Não me lamento, contudo. Ainda não experimentei a derradeira solidão, aquela que deve ter levado o redentor a gritar "Pai, Pai, porque me abandonaste?". Ainda não me senti abandonada por Deus. Isso sim, deve ser a pior de todas as solidões.
Mas ainda sobre o silêncio. Afligem-me mais as razões porque não posso falar do que o segredo em si. Na mais completa impotência, deu-se-me um nó na garganta e calei-me. Calei-me, como o personagem de Lovecraft, perante a dolorosa incredulidade. Serão então segredos.
Mais rios de lava estão para vir, não tenho dúvidas. É esse o destino.
Entretanto, segue o diário do terror quotidiano. Este blog será provavelmente a minha única criação. Literária, filosófica, existencial, não sei classificá-la nem tal é importante. Testemunho, testamento, legado, talvez. Palavras que consigo fazer passar entre naufrágios e chuvas de lava, como o derradeiro manuscrito de um único sobrevivente no meio de destroços que tenta desesperadamente descrever o que se passou a quem chegar depois sem grande ou nenhuma esperança de que alguém o descubra. Rabiscos na parede da cela de um condenado longe dos seus. Um livro enterrado nas areias do deserto. Uma caixa negra à deriva na corrente. A última e incompleta explicação.
Parece-me que é um instinto puramente humano. Um mistério da alma.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

A geração que matou Abril

As minhas palavras iniciais vão aborrecer muitos leitores deste blog que distingo e aprecio, pelo que a estes peço a paciência de lerem depois das primeiras linhas e o exercício analítico de meditarem um pouco no que se escreverá de seguida.
Fala-se muito de gerações e das suas culpas. Hoje vou apontar o dedo à geração que mais contribuiu nos anos mais recentes para o apodrecimento do cadáver a que (ainda) se chama país. São estes os homens e mulheres que actualmente contam entre 40 a 50 anos, mais um menos um, que eram jovens (mas não crianças) no 25 de Abril de 1974, que fizeram o liceu e a faculdade durante os anos 80 e arranjaram um bom emprego onde sentar o cu toda a vida até à fronteira operacional de 1990. Ironicamente, seria a geração para a qual Abril foi feito, mas foi a geração que matou Abril. Passo a explicar porquê.
Antes do 25 de Abril, era muito simples. Havia toda a massa analfabruta de um Portugal sem estudos e umas elites «filhas d'algo» que iam para a faculdade de modo a mais tarde poderem ocupar as mesmas cadeiras dos papás, fosse na política, nas empresas, na educação ou nos hospitais. Fim da história. Parece um período medieval mas era mesmo assim. Povo e nobreza. Sem misturas nem confusões. Toda a gente sabia muito bem o seu lugar.
A geração que fez Abril, pais destes quarentões/cinquentões de hoje que aqui acuso, estava bem intencionada. Havia um regime, uma ditadura, uma guerra, havia que lhe pôr fim. Havia também que meter os meninos na escola, dar-lhes oportunidades que de outro modo nunca teriam. Até deu jeito muitos fidalgos terem de fugir para o Brasil e Macau (de onde voltaram ainda mais escandalosamente ricos) porque de repente houve filas e filas de cadeiras onde sentar os cus dos ditos meninos, filhos de uma revolução dourada que lhes deu tudo o que nunca teriam. Sem o 25 de Abril, em vez de engenheiros seriam trolhas, em vez de médicos maqueiros, em vez de professores contínuos, em vez de gestores e gestoras trabalhadores de fábrica, em vez de mulheres independentes e bem sucedidas sopeiras de servir na casa do doutor. Como os pais.
Tudo foi dado e oferecido de bandeja a estes meninos. Seus pais viram de repente os seus ordenados e reformas (para os que tinham direito a reforma) aumentarem como se lhes tivesse saído o Euromilhões. Já não era preciso pôr os meninos a trabalhar. Foram então estudar. No auge da liberdade, foi-lhes também ensinado a igualdade. Igualdade, para eles, significava que agora eram iguais aos «filhos de algo» dos fidalgos de antes de Abril de 1974. Não eram, e os mesmos filhos de algo da "velha nobreza" depressa lho mostraram com enxovalhos vários, mas não aprenderam daí nenhuma lição valiosa e positiva para o progresso da sociedade, como a seguir demonstrarei. Tiveram os estudos facilitados mas ainda de qualidade (não esta bandalheira que eu já apanhei no meu tempo em que já não se ensinava a ler e escrever e fazer contas) suficiente para dominarem línguas, matemática, ciências, e extravagâncias do calibre de realmente aprender Latim, Grego, e outras disciplinas de passatempo que contribuíram para a sua cultura geral e nada mais. Ao saírem dos liceus e faculdades tinham emprego à sua espera. O país asfixiava com a célebre falta de quadros. Os fundos europeus expandiram a economia como um balão (que agora se vê, estava mesmo vazio) e faziam falta todos esses técnicos e licenciados acabadinhos de sair do forno. Aproveitaram e fizeram muito bem. Não os condeno nem é a inveja que me faz falar. Sim, porque a economia era afinal uma fachada e depressa se preencheram os "bonecos" necessários para a enfeitar. São hoje advogados, médicos, engenheiros, gestores, jornalistas, professores do ensino secundários ou superior, juízes, arquitectos, funcionários públicos de carreira, you name it. Compraram casa, deram-se ao luxo de ter filhos, podem viajar, fazem actualmente do consumismo a base da sua vida.
Tudo muito bom, excepto o pior. Na escola, já em liberdade, aprenderam mal o conceito de igualdade. Perceberam-no como "também subir ao poleiro e também cagar nos outros". Quase literalmente. O conceito de fraternidade nunca lhes passou dos ouvidos, apesar de terem a certo ponto, nas aulas de História, decorado muito bem as três palavrinhas mágicas: liberdade, igualdade, fraternidade. Da lição nem o sumo lamberam. A terceira palavra, então, soa-lhes mal como um palavrão. Pica. Incomoda. É só para gente lamechas ou religiosamente alienada. O conceito de Ética ficou lá para trás, com Platão. Hoje ouvem a palavra e lembram-se dos bons velhos tempos da escola e da primeira coca-cola ou da primeira revista pornográfica. É tudo a mesma coisa. Mitos de liceu.
Bem postos na vida, são actualmente os primeiros a explorar sem dó nem piedade os irmãos mais novos, a quem chamaram geração rasca, a quem pagam com recibos verdes, a quem não reconhecem as habilitações, a quem tentam cortar as pernas porque têm medo do mérito dos que se lhes seguem. Instalados, tentam ser iguais, sim, aos fidalgos que tentam imitar, tornam-se numa imensa mole de classe média alta entre os 40 e 50 anos que só se rala com a sua vidinha e não sabe o que é ter uma licenciatura e não ter emprego, chegar aos 35 anos e ser considerado velho para trabalhar, ou acabar um curso superior e nem sequer ter a oportunidade de exercê-lo (falo agora de gerações ainda mais recentes que a minha cuja esperança média de vida profissional, como eles bem sabem, é sair da incubadora do secundário para um curso superior de inferior qualidade e deste directamente para o call center ou a caixa de supermercado). É esta geração de Joões Mirandas (Blasfémias) de discursos neo-liberais, de elites pseudo culturais que lê romances com muitos diálogos e acha que é chique frequentar o CCB, de choques tecnológicos que noutros tempos nunca saíriam da Covilhã e de Boliqueime mas que hoje se sentam respectivamente em São Bento e Belém, e é também esta a geração de uma esquerda caviar (só hoje percebi a plena amplitude do termo, daí a razão deste post sair esta noite, porque se aprende mais em minutos de call center do que em anos de Sociologia) que nunca teve de lutar por coisa nenhuma excepto ganhar votos para sentar o cu no parlamento (e eu fui ingénua ao ponto de votar no Bloco de Esquerda mas para esse peditório já dei). É esta a geração que humilha os licenciados (já não muito jovens) que se sentam nos cursos de formação (obrigatórios) do Centro de Emprego e tem o descaramento de se gabar que nunca esteve desempregado. É esta geração que se vira para um "serviçal" e pergunta "você sabe quem eu sou?". É esta geração que manda nas redacções dos jornais (e que os vendeu à voz do dono) e no Sindicato dos Jornalistas, sem a mínima pinga de vergonha por se intitular jornalista ao mesmo tempo que oferece subsídios de alimentação como ordenado aos colegas-escravos que fazem o trabalho por ele. É a geração que faz questão de pôr um "dr" ou um "eng" à frente do nome. É a geração que não pensa nas gerações que vêm depois e que por isso pôs o país a saque espanhol. É a mesma geração que importa escravos de África, do Brasil e da Ucrânia para não dar emprego aos jovens nacionais a quem teria de pagar ligeiramente mais. É também a mesma geração que fomenta ódios raciais pós colonialistas e se dedica ao aliciamento de uma guerrilha neo-nazi cujo fim último se desconhece excepto o gosto pelo sangue que nasce da revolta dos recrutados vítimas de lavagem cerebral. É esta mesma a geração que ocupa lugares cativos que não teme perder e não deixa renovar. É a geração a quem deram tudo menos uma coisa: o valor da palavra Ética.
Nesta geração há excepções. Geralmente encontram-se (e não de estranhar) entre aqueles que já nasceram no dinheiro, mas também aqui há excepções. Muitos são heróis e escrevem na blogosfera e até apanham processos em tribunais por se atreverem a denunciar a verdade. A maioria, porém, dedica-se a chacinar as gerações mais novas, esquecendo, estupidamente, fruto do seu egoísmo visceral de meninos mimados, os próprios filhos que um dia pagarão também pela queda das fachadas que os pais se esforçaram tanto por manter erguidas à custa do trabalho escravo dos filhos dos outros.
Nesse dia vou-me rir. Não vou sorrir, isso não, porque o sorriso é para as coisas boas, mas o riso também serve para as más. E vem por aí uma barrigada de riso como nunca tive. Não enche, mas conforta. Esta é apenas uma das primeiras gargalhadas. No mundo real podem conseguir calar-nos mas na internet não.

domingo, 1 de junho de 2008

The Grudge (2004)



"The Grudge", remake americano do original japonês "Ju-On", tinha muito por onde pegar para ser um grande filme de terror... mas faltaram-lhe as asas.
Para começar, qual não é o nosso espanto quando a heroína é nada mais nada menos do que a Buffy (Sarah Michelle Gellar), implacável caçadora de vampiros. E a malta pensa: não são meia dúzia de fantasmas nipónicos que lhe dão uma coça! Ora bem, os espíritos japoneses, mesmo sem espadas de samurai, não se comparam aos fracotes vampiros americanos. E já era altura de a Buffy levar uma coça.
Gozo à parte, este devaneio pelo universo de "Buffy the Vampire Slayer" recorda-nos que há algo de vampírico no conceito original de Ju-On: a primeira vítima torna-se o monstro, as suas vítimas novos monstros, por aí fora..., criando, mais do que uma maldição, uma epidemia de espíritos vingativos.
Mas nada disso foi aproveitado. Aqui a história é simplesmente um remake americanizado: o marido ciumento mata a mulher devido à paixão desta pelo professor do filho, só que desta vez o professor é um estrangeiro a viver em Tóquio. Ao contrário do professor do filme original, este não tem ideia de que é alvo de tal paixão, o que faz da futura vítima uma potencial "stalker" (muito à americana), que continua a sê-lo depois de morta. Ou seja, o crime a que foi sujeita deixa de ser a razão da fúria vingativa para se tornar, tão só, a desculpa para esta dar vazão aos seus instintos doentios depois de assassinada (já não é a dona de casa japonesa Kayako; é o serial killer, linchado pela vila, Freddie Kruger). Esta subtileza muito na moda (o "fantasma" do serial killer) é a principal diferença de fundo. A sangria subsequente é mais do mesmo e não vale a pena. Uma desilusão.
Curiosamente e pouco comum nestas andanças, o filme foi realizado pelo mesmo Takashi Shimizu que fez o original. Então o que aconteceu? Faltaram-lhe as ideias? Pergunta-se, e bem, nesse caso para quê fazer um remake? Será porque o franchising vendeu bem com "Ringu" (original de 1998) e subsequente "The Ring" (2002)? Pois, é que aqui os monstros também quase que saem da televisão. Só não saem porque o plágio seria muito descarado.
Só o gato zombie é que salva isto tudo do mais completo tédio.

12 em 20.