Estive a pensar porque é que as pessoas bebem. Não me refiro à bebida social mas à outra, a insidiosa e perigosa que toma conta de um vida. Falo dos bebedores. Não gosto da palavra alcoólicos. Parece que todos nós temos um alcoólico dentro de nós mas só alguns despertam, ou melhor, adormecem, e se deixam levar.
Não acredito que as pessoas bebam (assim) só por uma razão. Por causa disto ou por causa daquilo. Acho que é por causa de tudo. Acho que é por falta de verem um sentido.
É por isso que não compreendo os Alcoólicos Anónimos e o seu lema "um dia de cada vez". Um dia de cada vez para fazer o quê? Para dar um sentido à vida da pessoa, cuja vida tinha perdido o sentido, que é "hoje não vou beber". Portanto a pessoa não tinha sentido na vida e hoje tem, que é o de não beber, o que funciona como a chibata do monge.
Não devia ser ao contrário? Primeiro encontrar o sentido e só depois parar de beber? Para quê parar de beber sem um sentido que valha o sacrifício? E se há um sentido, para quê beber de todo? E porque é que se precisa do lema? Não é o sentido lema suficiente?
Isto lembra-me aquela célebre introdução o filme "Trainspotting": "choose life". Mas porque raio se há-de escolher a vida se esta não tem sentido? Se tivesse sentido, as pessoas não se tornavam dependentes do álcool nem da droga. Pensavam melhor. Pensavam duas vezes. Pensavam em tudo o que se deixa para trás.
O problema é quando não há nada que deixar para trás. E se não há nada para deixar para trás, para que serve um dia de cada vez? Um dia para chegar ao fim e pensar "foi mais um dia"? Um dia de quê? Se for um dia feliz, ainda se compreende. Se não for, não vejo o sentido.
8 comentários:
Não acho que seja verdade, eles não encontrarem um sentido mas sim para fugir à realidade.
É apenas uma das muitas formas de cobardia.
Se a realidade trouxesse um sentido à vida, para quê fugir dela? Se esse sentido de vida tornasse as pessoas felizes, porque fugir dele?
Se a realidade torna as pessoas infelizes, porque é que é cobardia evitar o sofrimento? Aceitar o sofrimento, não é masoquismo?... Qual é o mal em fugir ao sofrimento? Não é essa a atitude mais saudável?
É cobardia fugir de uma casa em chamas? Ou instinto?
"Se a realidade trouxesse um sentido à vida, para quê fugir dela?"
Não há realidade, mas realidades. A realidade convencional, ás vezes, sobrepõe-se à realidade pessoal. Fugir dessa é uma forma de manter intacta a integridade pessoal.
"Se esse sentido de vida tornasse as pessoas felizes, porque fugir dele?"
Os sentido não tornam as pessoas felizes, mas sim o que as pessoas fazem desses sentidos, num contínuo autonomizante de espera-elaboração-integração. A impotencia de, por falha, não poder usufruir desses sentidos pode levar a fugas, não dos sentidos mas da impotencia percebida.
"Se a realidade torna as pessoas infelizes, porque é que é cobardia evitar o sofrimento?"
Não é a realidade que causa infelicidade, mas antes aquilo que se projectava como provável realidade e acabou por ser uma desilusão. O problema: a idealização. E se é idealização não é realidade mas uma distorção desta. Evitar o sofrimento configura-se como uma fonte contínua de frustração e sentimento de incompetencia não confrontados, já que a cada evitamento se confirma a incompetência e insuficiencia do próprio. Não diria cobardia porque esta é demasiadamente moralista... talvez auto-desvalorização seja mais adequado, não sei...
"Aceitar o sofrimento, não é masoquismo?... Qual é o mal em fugir ao sofrimento?"
Não... Masoquismo prende-se mais com a procura de dor como forma de obter prazer. Aceitar o sofrimento é, talvez, aceitar a ambivalência natural da existência. Se o aceitas, podes desenvolver estratégias realistas para lidar com ele... se o rejeitas, passas a tê-lo à perna, porque ele não foge só porque dizes que não o queres ver.
"Não é essa a atitude mais saudável?"
Saudável não, de certeza... eventualmente essas fugas dão uma espécie de alívio momentâneo que se paga a preços altos posteriormente, tanto a nível da imagem negativa que a pessoa gera de si (pela incompetência e impotência perante o estímulo), como a nível de desenvolvimento de recursos para lidar com o mesmo (se não se confronta não tem de desenvolver estratégias de resolução).
"É cobardia fugir de uma casa em chamas? Ou instinto?"
Os instintos perderam-se quando a cultura se sobrepôs à natureza humana. Colocas mal a pergunta gotika... é que no que toca a realidades, referimo-nos sempre a nós próprios espectadores e geradores dos significados em jogo. Portanto, a realidade nunca poderia ser um terceiro - uma casa, no teu exemplo - mas sempre parte de nós próprios e, como tal, por mais que possas desenvolver arranjos mais ou menos distorcidos de forma "instintiva", nunca podes fugir de ti mesma.
Quanto ao alcoolismo - ou bebedores - essa é outra história.
Grandes questões, sem dúvida.
“His craving for alcohol was the equivalent on a low level of the spiritual thirst of our being for wholeness, expressed in medieval language: the union with God.”
...
“You see, Alcohol in Latin is "spiritus" and you use the same word for the highest religious experience as well as for the most depraving poison. The helpful formula therefore is: spiritus contra spiritum.”
C. Jung
... achas para a fogueira
de
água-ardente.
Faz-se o que se pode, de forma a conseguir lidar-se com a imensidão de situações e cenários á nossa volta.
Não é desculpavel...
Mas é aceitavel!
E acho que a terapia do "mais um dia" é a unica forma que certas pessoas têm como encarar o resto da vida... Se calhar, se imaginarmos dias em vez de anos, as coisas tornam-se de alguma forma toleraveis...
Se calhar percepção de anos que ainda faltam passar é demasiado assustadora...
Se calhar...
Porque não sei! Nunca estive a contar "um dia após o outro", não faço ideia que tipo de sentimento é que essa frase produz num viciado...
Mas posso tentar imaginar!
Gostei do teu cantinho!
Fica bem
Grandes comentários. Obrigada.
Bebem para ganhar uma estúpida coragem de ser aquilo que não são..
Pensam que é assim que conquistam a noite..
Bom texto!
E desculpa a invasão!
***
Existe uma grande diferença entre o ser feliz sem e o ser feliz com, pelo menos a desgraça é menor...
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