domingo, 9 de março de 2025

Daybreakers / O Último Vampiro (2009)


(Para começar, o título em português não tem nada a ver com o filme. Isto não é a história do “último vampiro”, nem dos “últimos vampiros”, nem sequer dos “últimos humanos”. Fica a clarificação.)
Uma pandemia (alegadamente causada por um morcego) transformou a esmagadora maioria da população mundial em vampiros. Dez anos depois restam apenas 5% de seres humanos, muitos deles mantidos em cativeiro em condições desumanas para extracção de sangue. Os que conseguiram escapar e esconder-se são perseguidos e capturados por um exército de vampiros criado para esse efeito. Mas nem tudo são rosas neste mundo controlado por vampiros. Com a diminuição dos seres humanos vem também a escassez de sangue, que se torna cada vez mais caro. “Daybreakers” não é exactamente um “filme sério” mas existe espaço para a crítica social: nesta distopia, muito semelhante à nossa sociedade, os mais pobres não conseguem acompanhar o preço do sangue. Isto tem consequências graves, uma vez que os vampiros não alimentados se transformam em “nosferatus” (a palavra é minha) de orelhas pontiagudas, asas de morcego, monstros sem emoções nem racionalidade que inclusivamente atacam outros vampiros. Por esta razão, os vampiros que ainda conservam características humanas são os próprios a tentar exterminar esta raça de desprivilegiados (que tiveram o azar de ser pobres).
Um hematologista, Edward, e a sua equipa de uma indústria farmacêutica (de vampiros), trabalha para conseguir fabricar um substituto para o sangue humano, sem grande sucesso. Edward sente compaixão pelos seres humanos aprisionados (recusando beber sangue humano e sobrevivendo de uma dieta de sangue de porco) e tenciona antes encontrar uma cura para o vampirismo. Já o seu chefe nem quer ouvir falar de tal coisa porque tinha cancro antes de ser vampiro e considera que o vampirismo é a cura para a morte.
No entanto, quando Edward já está em risco de se tornar ele próprio num “nosferatu”, um encontro fortuito com um grupo de humanos fugitivos leva-o a apurar que a cura foi acidentalmente descoberta por um deles. Edward submete-se à mesma cura em ambiente controlado e funciona: torna a ser humano. Mas antes de conseguir espalhar a notícia é traído por um colega da farmacêutica que afirma já ter conseguido criar um substituto para o sangue humano. Contudo, é tarde demais. A escassez está a tornar a maior parte dos vampiros em monstros e já nem há rações de sangue suficientes para o exército, o que significa que os militares se estão a transformar em “nosferatus” também. Um aspecto inesperado da “cura” acaba numa carnificina entre vampiros, a melhor cena do filme.
Não sei como é que “Daybreakers” me escapou este tempo todo, mas devo confessar que nem os vampiros me conseguiram aquecer nem arrefecer. “Daybreakers” é demasiado filme de acção para o meu gosto (tiros/setas, perseguições, militares) e os personagens demasiado bidimensionais para me lembrar deles depois de o filme acabar. Serve para entreter e fazer pensar um bocadinho, mas só isso.
Nota curiosa: estes vampiros são em tudo o vampiro clássico que só pode ser morto com uma estaca no coração, tem caninos salientes, arde ao sol e essa lenda toda, incluindo não se reflectir ao espelho. No entanto, conseguem ser filmados em câmaras digitais. Eu sempre pensei que o princípio do espelho se aplicava também a filmagens (e fotografias), mas se calhar estou muito enganada.

12 em 20

 

 

terça-feira, 4 de março de 2025

Malevolent / Hush - Malévolo (2018)


Um grupo de “caça-fantasmas” embusteiros ganha a vida a aproveitar-se da credulidade de pessoas que julgam ter a casa assombrada, vendendo um serviço que “limpa” assombrações. Inclusivamente, o grupo utiliza meios tecnológicos como câmaras e gravadores para criar ruídos e vozes de modo a convencer os clientes de presenças sobrenaturais. Angela, irmã do líder da “quadrilha”, tem de facto dons mediúnicos, e o irmão Jackson também os tem em menor grau porque os herdaram da mãe.
Quando Angela recebe uma chamada de uma senhora a pedir-lhes que a livrem de uma assombração (“As meninas não param de gritar!”) instintivamente recusa o trabalho, mas o irmão Jackson, sabendo que é gente rica, não está disposto a dispensar um cheque chorudo. Angela faz uma pesquisa e descobre que a casa em questão era um lar de acolhimento de três meninas que foram assassinadas pelo filho da dona da casa. Mais uma vez Angela adverte que não se quer meter no assunto mas Jackson acaba por convencer a irmã.
A dona da casa recebe-os numa grande mansão e volta a queixar-se das meninas a gritarem, no entanto não fica muito convencida com actuação da equipa. Por outro lado, insiste em dizer que o seu filho (o que assassinou as crianças) era um bom menino, o que igualmente perturba Jackson. Assim que chega, Angela começa a ver os fantasmas das meninas, e todas elas têm a boca cosida.
“Malevolent” foi um filme que me surpreendeu. Todos pensamos que a equipa de embusteiros vai ter o que merece “às mãos” de fantasmas a sério, mas o que eles encontram são monstros humanos de carne e osso. A reviravolta não tira nada ao terror, que é bastante arrepiante em algumas partes. A fuga desnorteada, de carro, de um dos membros da equipa, lembrou-me muito a cena semelhante de “The Haunting”.
Apesar do orçamento limitado, este é um filme que convence e que recomendo.

13 em 20

domingo, 2 de março de 2025

Evil (2019 - 2024)

Um seminarista em crise de fé, uma psicóloga agnóstica e um cientista muçulmano investigam fenómenos paranormais ao serviço da Igreja Católica. Trabalhando contra eles, Leland Townsend, psiquiatra forense e satânico, lidera uma organização demoníaca que pretende dar origem ao Anticristo.
Dito assim, isto parece os "Ficheiros Secretos" com demónios em vez de extraterrestres, mas a semelhança com os "X-Files" termina antes de começar.
Confesso que vi "Evil" de queixo caído, não por achar a série fantástica mas por me questionar continuamente a quem é que a série era dirigida. Kristen Bouchard, a psicóloga, tem quatro filhas entre os 10 e os 15 anos. Os demónios são fofinhos ou engraçados, nunca assustadores. Seria uma série de "terror para crianças"? Mas ao mesmo tempo, depois da primeira temporada, "Evil" enveredou também por cenas de sexo tão maradas que não podia ser para crianças. À semelhança de "Ficheiros Secretos", alguns casos investigados têm explicação científica, outros não. Muitas das conclusões podem parecer demasiado "beatas" para alguns gostos e quanto às respostas científicas não consigo opinar, mas muitas coisas pareceram-me mais ficção científica do que realidade.
O enredo é completamente desvairado. David Acosta, o futuro padre, tem visões do Céu, do Inferno, de anjos e de santos. Tem também uma atracção por Kristen, e durante algumas temporadas David não consegue decidir entre ela e Deus, sendo atormentado por demónios na forma de Kristen que o tentam sexualmente. Kristen corresponde à paixão de David, apesar de casada, e ao longo da série torna-se cada vez mais destravada e arrogante, a ponto de matar um homem e safar-se porque tem uma amiga na polícia que a encobre. Na verdade, detestei a personagem por uma batelada de razões, mas a principal é que ela tem a mania de que é boa. Nisso sai à mãe, Sheryl Luria, que não olha a meios para conseguir os fins e que também pertence à organização de Leland. A filha mais velha de Kristen, de 15 anos, tem mais juízo do que as duas juntas. O personagem mais simpático é mesmo Ben, o cientista, sempre muito pragmático e leal, que não se deixa levar por superstições e contos do vigário.
Entre os elementos alucinados de "Evil", temos também uma freira que vê demónios e que os mata com o sapato (quando são pequenos e fofinhos, o que até dá pena deles); uma app que as miúdas usam para "detectar" demónios, e que evidentemente os "detecta" para que os utilizadores não deixem de a usar, o que as leva a exigir um "exorcismo porque a casa está cheia de demónios"; demónios peludos e chifrudos na posição de CEOs de empresas e organizações cotadas em bolsa (nisto eu acredito!); lendas urbanas que dizem que durante um furacão os demónios caminham na terra; a freira a dizer que os furacões são obra do Diabo e apenas Ben a explicar que são consequência das alterações climáticas; um demónio numa reunião remota por Zoom que quer falar mas está em mute e têm de o ensinar onde activar o microfone.
Então, o que é "Evil"? Comédia? Se é, eu não achei graça nenhuma. Drama? Demasiado ligeiro. Terror? Só se for para criancinhas, porque não mete medo nenhum. Depois de ver a série toda a tentar perceber o que ia sair dali, concluo que "Evil" é um comentário social que explora os conceitos do que é o Mal, desde o Mal clássico e personificado por diabos chifrudos (pobre deus Pan não tem culpa de nada disto!) aos novos males que podem ser colocados pela ciência, pela tecnologia, pela Inteligência Artificial, pela internet.
Não gostei da maior parte dos episódios, mas um dos meus preferidos foi sobre um programa que, usando Inteligência Artificial e informação de emails, voice mails e redes sociais, permitia manter uma conversa/relação com um falecido, incluindo conversas usando a voz deste. O programa também permitia conversar com figuras históricas e pessoas conhecidas, ou até manter um flirt com uma paixão proibida. Eu já tinha ouvido falar nestes programas e, sinceramente, acho que a possibilidade de continuar a "falar" com um falecido através de Inteligência Artificial é algo arrepiante, já para não dizer que impede a pessoa de fazer completamente o luto. Eis um bom exemplo de uma tecnologia que questiona os nossos princípios éticos e até as nossas noções do que é moral.
A melhor razão para ver "Evil", no entanto, é mesmo Michael Emerson, o enigmático Ben Linus de "Lost", no papel de Leland Townsend. Michael Emerson é uma boa razão para ver tudo, até uma telenovela mexicana. Este é um daqueles actores grandiosos que enchem o écran sem precisarem de dar muito nas vistas, e Michael Emerson parece que nasceu para fazer papéis maléficos. Deste modo, "Evil" assenta-lhe como uma luva.

Curiosity note: our friend George Grant from Black Rose Burning worked as a grip in "Evil".
 

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PARA QUEM GOSTA DE: Os Ficheiros Secretos, The X-Files, exorcismos, paranormal, ciência, ficção científica, sexo marado, Michael Emerson (Lost)


 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Heist / Autocarro 567 (2015)

Quem conhece este blog sabe que geralmente não vejo nem gosto de filmes de acção, mas este tem um pano de fundo dramático. E, para começar, há duas grandes razões para o ver: Jeffrey Dean Morgan e Robert De Niro.
Jeffrey Dean Morgan (John Winchester, Negan) é Vaughn, funcionário de casino, que tem uma filha a precisar urgentemente de uma operação que o pai não consegue pagar. Em desespero de causa, vai pedir um empréstimo ao patrão, Robert De Niro, que lhe diz que o casino é um negócio e não uma caridade. Pior um pouco. Quando Vaughn se exalta, apelando à lealdade que sempre demonstrou no seu emprego, o patrão despede-o. Robert De Niro faz o papel de um mafioso do piorio a quem chamam The Pope (papel que De Niro faz de perna às costas, há que dizê-lo) que usa o casino para lavar dinheiro (para que outra coisa serve um casino?).
Sabendo disto, Vaughn e alguns colegas decidem roubar o casino, no que seria um trabalho fácil e “interno”, mas as coisas correm mal e os assaltantes têm de fugir sequestrando um autocarro que ia a passar e todos os seus passageiros. (No fim questionamos se o aparecimento deste autocarro foi mesmo uma coincidência ou se fazia parte do plano mas… spoiler.)
Perseguidos pela polícia e pelos capangas do casino, bem como por um polícia corrupto a soldo de Pope, um dos assaltantes quer começar a matar reféns, no que é detido por Vaughn, a voz da calma e da razão. Afinal, ele precisa mesmo de sair dali com o dinheiro para salvar a vida da filha.
“Heist” não é uma obra-prima (apesar da presença do peso-pesado Robert De Niro) e muitas vezes parece demasiado “Velocidade Furiosa” para o meu gosto, mas é interessante e vê-se bem. Quando dão diálogos de jeito aos actores, tanto Jeffrey Dean Morgan como Robert De Niro mostram o que valem. Achei o final um pouco irrealista e “conto de fadas”, mas ninguém quer ver o herói fracassar, pois não?

12 em 20


domingo, 23 de fevereiro de 2025

Halloween (2018)


Estava muito empolgada com este filme porque nos apresenta uma Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) 40 anos mais velha e um Michael Myers igualmente envelhecido (a máscara desgastada, pelo menos, porque nunca lhe vemos a cara). Mas desde logo deparei-me com algumas perplexidades:
1) Michael Myers está há 40 anos internado num hospital psiquiátrico de alta segurança; mas ele não tinha morrido numa das sequelas, ou não era uma entidade sobrenatural que não morria?
2) o filme refere-se sempre “àquela noite” (a primeira noite em que Michael Myers fez a sua aparição e respectivos assassinatos); então e os outros “Halloweens” todos?
Só ao ler as críticas fiquei informada. Este filme simplesmente ignora todas as outras sequelas, intitulando-se a única sequela depois do filme original de 1978.
Portanto esqueçam tudo o que viram na catrefada de sequelas de “Halloween”. Para este filme, nada disso aconteceu.
De acordo com esta narrativa, a seguir aos acontecimentos de 1978, Michael Myers foi internado num hospital psiquiátrico para ser estudado, onde permaneceu durante 40 anos sem dizer uma palavra.
Por outro lado, Laurie Strode utilizou esse tempo para se preparar para o regresso de Myers, tipo Sarah Connor no “Exterminador Implacável”: vive numa casa cercada de vedação e vigilância electrónica, tem uns sete ferrolhos na porta e uma cave a abarrotar de armas e munições. Mas Laurie é uma mulher traumatizada, divorciada duas vezes, com uma má relação com a única filha que a acusa de lhe ter destruído a infância a tentar treiná-la e prepará-la para enfrentar Myers. Actualmente a filha quase não lhe fala, mas a neta Allyson não cortou os laços com a avó.
Entretanto, no hospital psiquiátrico, dois jornalistas/podcasters visitam Michael Myers (completamente acorrentado e isolado) e o seu médico, no intuito de escreverem um artigo sobre ele, no que parece um piscar de olho a “O Silêncio dos Inocentes”. O médico informa-os de que o Estado já desistiu de estudar Myers devido à sua falta de cooperação e que o vão transferir para instalações muito piores. Ora, acontece que decidem transferi-lo precisamente no dia de Halloween. Michael Myers consegue escapar durante a transferência e dirige-se direitinho na direcção de Laurie e da sua família.
Fiquei um bocado chocada ao ler críticas a queixar-se de que o filme não é assustador o suficiente. Bem, não se podia esperar o impacto do original, pois não? Mas quanto a violência, não me lembro de um “Halloween” tão gratuitamente violento como este. Myers mata os jornalistas que o visitaram, e depreendo que o faça porque estes o provocaram com a máscara para tentar obter uma reacção. Pelo caminho mata indiscriminadamente e aparentemente sem razão, inclusive uma criança a quem parte o pescoço e a quem não precisava de matar. É difícil ver essa cena, admito. Mesmo que o miúdo fosse uma testemunha, por aquela altura já toda a gente sabia que Myers tinha escapado e que carro tinha usado na fuga porque ele acabara de matar o dono do veículo também. Logo, o miúdo foi uma morte escusada, como muitas outras que se seguirão. Myers está mais perigoso do que nunca. Se é assustador? A nível de surpresa, ou até mesmo a nível de uma hipotética possibilidade sobrenatural, não. Mas a nível de pensarmos que um psicopata qualquer nos pode entrar em casa e matar-nos (sem qualquer motivo) com uma faca da nossa própria cozinha, sim. Mas obviamente que o objectivo último de Myers é Laurie, e de preferência a família dela também, como bónus, e Laurie está à espera dele. Na verdade, esteve à espera dele durante 40 anos, a ponto de se encontrar igualmente bastante neurótica.
Gostei deste aprofundamento da personagem de Laurie como uma mulher marcada e traumatizada que vive em função do que lhe aconteceu e não o consegue ultrapassar, mas admito que não gostei que o mesmo não fosse feito também com Michael Myers. Esta sequela é mais séria a nível psicológico do que todas as outras (incluindo o original), mas Michael Myers continua a não ter personalidade excepto a máscara e a faca. Até o Exterminador Implacável tinha mais personalidade do que Myers. Tal como vimos uma evolução em Laurie, eu gostaria de ter visto uma evolução igual em Myers.
Aliás, o filme continua a não conseguir decidir se Myers é uma entidade sobrenatural ou não. A princípio é-nos apresentado como apenas mais um serial killer, mas ao longo do filme, como já acontecia nas sequelas, Myers sofre ferimentos a que nenhum ser humano sobreviveria, muito menos continuar a andar e a matar, já para não falar da grande força muscular que ele apresenta. Há uma cena em especial, no hospital psiquiátrico, em que um dos jornalistas tenta aliciar Myers a falar mostrando-lhe a máscara, e no momento em que a máscara é exibida os outros pacientes ficam muito agitados e até os cães de guarda desatam a uivar. Ora, isto são reacções que sugerem uma máscara com poderes sobrenaturais, mas todo o filme nos tenta convencer de que Myers é o puro Mal, mas um Mal humano, não sobrenatural. No entanto, uma pessoa má e uma máscara velha não fazem cães uivar de medo. Então, em que é que ficamos? Myers não pode ser apenas humano às 2ªs, 4ªs e sábados e sobrenatural às 3ªs, 5ªs e domingos, conforme dá jeito. O filme anda por ali na corda bamba e muitas vezes, na minha opinião, estatela-se no chão.
Por outro lado, Laurie Strode é muito humana, especialmente nesta sua encarnação como mulher madura, mãe e avó. Como humana que é, e retratada como durona, comete erros. Eu não esperava de uma civil a perícia de uma Clarice Sterling agente do FBI, mas são mesmo erros de palmatória. Quando nos dizem que ela tem uma casa blindada e uma cave segura, pensei mediatamente num bunker de cimento. Mas não. É apenas uma cave com tecto de madeira, e com tais frestas no tecto que se consegue ver o andar acima. Isto não é uma cave segura. Se Michael Myers não fosse tão obcecado por facalhões poderia muito bem incendiar a cave com toda a gente lá dentro (o que vai ser importante mais à frente).
Outro erro crasso de Laurie é andar à procura de Myers dentro de casa com uma espingarda enorme, em espaços apertados e escuros. Se ele lá estivesse poderia subjugá-la facilmente, de surpresa, agarrando-lhe o cano da espingarda. O que se precisava aqui era de uma pistola. Enfim, Laurie Strode não é nenhuma Clarice Sterling e muito menos uma Sarah Connor, excepto pela paranóia.
No geral gostei do filme, mas achei que ficou muita coisa interessante por explorar.

14 em 20

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

The Conjuring 2 / A Evocação (2016)


Este foi o tal filme que eu perdi entre “The Conjuring” e “The Nun”, mas afinal não perdi grande coisa. “The Conjuring 2” é uma sequela menos interessante do que o original, completamente esquecível e cheia de clichés, para não dizer mesmo cópias. Se “The Conjuring” era um remake fingido de “Amityville”, “The Conjuring 2” é uma imitação pobrezinha de “O Exorcista”. Tudo baseado em factos verídicos, dizem eles.
Falando de Amytiville, é lá que o filme começa. O casal de investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren são chamados à mansão para tentarem corroborar as alegações da família Lutz (os que lá moraram depois dos assassinatos de Ron Defeo) de que a casa estava assombrada. Sobre isto não nos é dada uma resposta, mas, enquanto lá está, Lorraine tem uma visão da Freira Maldita (“The Nun”) e uma premonição da morte de Ed que a faz desejar afastar-se do mundo do paranormal “por uns tempos”.
Entretanto, em Londres, uma mãe divorciada com quatro filhos e dificuldades financeiras (isto é verdadeiro terror!) começa a acreditar nos relatos dos filhos de que algo de sobrenatural se passa na casa: pancadas nas paredes, camas a tremer, objectos que se movem sozinhos. A mais afligida é a filha de 11 anos, Janet, que curiosamente andou a tentar contactar espíritos com uma Ouija Board improvisada (olá Regan de “O Exorcista”!). Janet começa por ser assombrada por um espírito da casa e acaba a levitar no tecto.
E quem é este espírito? Um velho de 72 anos que diz aos miúdos “vão-se embora, a casa é minha” e que muda o canal de televisão para ver a Margaret Thatcher (não inventei, juro, mas é terror do mais assustador!). Isto passa-se durante a primeira hora do filme. Por esta altura eu já me perguntava se isto era uma comédia disfarçada de filme de terror, até porque já não é a primeira vez que me rio com um filme de James Wan. (Será que ele faz de propósito para nos fazer rir? Pelo menos desta vez não apareceu o diabo chifrudo, o que já é um progresso.)
A família pede ajuda à igreja, que pede ajuda aos Warren para irem a Londres investigar o caso. Lorraine não quer ir, devido ao tal aviso, mas acaba por ceder ao sentido de dever para com a família atormentada. Quando lá chegam, a miúda de 11 anos parece estar possuída pelo velho (porcalhão!) que fala pela boca dela com a voz dele. É ele quem nos conta que costumava viver ali antes de morrer e que por isso assombra a família.
De repente, uma reviravolta. Afinal não é o velho que atormenta a família. O velho está sob controlo do demónio Valak que se apresenta na figura da Freira Maldita por motivos que só vamos perceber em “The Nun”. Isto já não é uma série de sequelas, é uma telenovela.
Cada vez percebo menos o apelo dos filmes de James Wan, cada vez mais imitações/decalques dos verdadeiros clássicos. “The Conjuring 2” não teve nada que me fizesse interessar, muito menos ter medo. O fantasma do velho era ridículo. Até a Freira Maldita, olho para ela e só consigo ver o Marilyn Manson com mais maquilhagem. E o filme é enorme, umas duas horas e meia para imitar (mal) “O Exorcista”. Se calhar a culpa é minha. Já vi demasiados filmes de terror de qualidade para me deixar impressionar por esta pobreza de ideias.
Por falar em exorcista, a única cena verdadeiramente empolgante é o exorcismo de emergência que Lorraine Warren (a poderosa Vera Farmiga) tem de improvisar e que conseguiu correr efectivamente com o demónio Valak. Isto é, até à próxima sequela, presumo.

12 em 20

 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

The Last Kingdom (2015 - 2022) [primeira temporada]

Aos 11 anos, Uhtred, filho de um nobre da Northumbria, é raptado por vikings durante um raide e criado como dinamarquês. Earl Ragnar, o seu amo, reconhece-o mais tarde como filho adoptivo. No entanto, quando Ragnar é vítima de traição e toda a família é assassinada, Uhtred regressa ao mundo saxão na tentativa de reconquistar as suas terras e o seu título usurpado pelo tio. Para tal, tem de abandonar os costumes vikings e conquistar o favor do rei Alfred de Wessex. Por esta altura, os vikings (a quem os saxões chamam, indiscriminadamente, dinamarqueses) já tinham invadido toda a Bretanha excepto Wessex, o "último reino".
Entrar no mundo de "The Last Kingdom" pode ser confuso para quem viu (sofreu) "Vikings" até ao fim. Acredito que quem viu "Vikings" primeiro, como eu, passe o primeiro episódio inteiro à procura de Ragnar Lothbrok. E de facto existe um Earl Ragnar, e o seu filho Ragnar Lothbrokson, e existe um Ubba irmão de Ivar (esse, sim, o mesmo Ivar o Sem Ossos de "Vikings" que historicamente morreu na Irlanda, se bem que aqui nem o cheguemos a ver), mas nenhuma destas personagens é o lendário Ragnar Lothbrock ou sequer parente dele (embora Ubba e Ivar fossem, mitologicamente, filhos de Ragnar e parte do Grande Exército Pagão que invadiu a Bretanha para vingar a morte dele num poço de víboras). E também existe um rei Egbert, e um rei Alfred, e um rei Athelred, mas nenhum deles se assemelha aos de "Vikings", apesar de Alfred ser efectivamente o mesmo, Alfredo o Grande.
Ao ler críticas a "Vikings", muitas vezes encontrei comentários a dizer que "The Last Kingdom" é uma série melhor. Na minha opinião não é melhor nem pior, é apenas diferente. Embora ambas as séries se refiram ao mesmo período histórico, a invasão/conquista da Bretanha pelos vikings, "Vikings" centra-se na perspectiva viking enquanto que "The Last Kingdom" se centra na perspectiva saxã. Como tal, uma vez que estes acontecimentos foram registados por cronistas britânicos, The Last Kingdom" é também uma série mais histórica. "Vikings" é a história de Ragnar Lothbrok e seus filhos, todos eles envoltos em mitos e lendas, muitas vezes contraditórios entre si, não obstante serem também mencionados nos registos históricos (como no caso de Ivar na Irlanda, por exemplo). Em suma, o que realmente sabemos de Ragnar e seus filhos é o que se encontra nos registos saxões, pela pena dos seus inimigos, o que também não garante imparcialidade.
Comparando as duas séries, no entanto, "The Last Kingdom" prova que é possível fazer uma série de vikings com cabeça, tronco e membros, com personagens fortes e carismáticas, com a brutalidade e a carnificina que o tema exige (cabeças cortadas, violações, inimigos mortos pregados a estacas, etc), com drama e humor, mas sem a porno-tortura de Michael Hirst que tornava "Vikings" intragável. Não digo que "Vikings" fosse uma série má, digo que a porno-tortura era dispensável. Depois do sadismo de "Vikings", "The Last Kingdom" até parece uma série "levezinha".
Voltando pois a "The Last Kingdom", é significativo que o protagonista se chame Uhtred, um nome portentoso. Uhtred foi o pai do rei Arthur. Criado como viking, Uhtred nunca se esqueceu das suas raízes saxãs, mas estará para sempre dividido entre os dois mundos, visto como viking pelos saxões e como saxão pelos vikings. Determinado, impulsivo, impaciente, Uhtred não é completamente simpático como protagonista e às vezes irrita-nos (e às mulheres dele) com as escolhas que toma e que não o beneficiam nada, pelo contrário, só o afastam mais dos seus objectivos, e tudo devido à sua teimosia e orgulho de viking. Por outro lado, Alfred, um rei inteligente, reconhece nele o trunfo de ter ao seu lado um guerreiro que compreende o inimigo, um conhecimento inestimável à altura.
Gostei desta temporada principalmente porque se nota um grande cuidado na caracterização histórica, desde o guarda-roupa à comida e aos interiores. A grande batalha do último episódio é épica, está muito bem coreografada e percebe-se.
Por falar nisso, muita gente comparou esta série, no início, a "Guerra dos Tronos", mas eu notei mais semelhanças com "O Senhor dos Anéis". Ou melhor, dando a volta toda até ao princípio, estes acontecimentos históricos é que inspiraram Tolkien, que por sua vez inspirou George R. R. Martin e todos os autores de Fantasia, assim é que está certo.
"The Last Kingdom" vale mesmo a pena ver por todos os amantes de História e do período viking em particular. Voltarei a esta série quando terminar de vê-la, se se justificar.

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PARA QUEM GOSTA DE: Vikings, drama histórico


terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

The Rental / O Segredo do Refúgio (2020)


Dois casais decidem alugar uma mansão à beira-mar para um fim-de-semana relaxante (do tipo “alojamento local” de luxo). O enredo que se segue podia ser um daqueles filmes de matar adolescentes mas acho que foi uma ideia inteligente fazê-lo com pessoas perto dos 30 anos, que já têm muito a perder.
Charlie e Mina são sócios e muito chegados, tão chegados que a princípio dá a entender que são um casal. Na verdade, Charlie vive com Michelle e Mina namora com o irmão de Charlie, Josh. Na sequência de um grande sucesso profissional, Charlie e Mina têm a tal ideia de um fim-de-semana de luxo. Assim que chegam ao local, são confrontados por um caseiro (que se diz irmão do proprietário) que lhes entrega as chaves e faz alguns comentários racistas sobre Mina por esta ter um nome árabe. Este caseiro presta-se em tudo para ser o vilão da história, mas será que é mesmo?
Na primeira noite, enquanto Michelle dorme depois de uma semana cansativa e Josh desmaia de bêbedo no sofá, Charlie e Mina, os sócios, acabam mesmo por fazer sexo no duche, um “erro” reconhecido por ambos que nenhum quer repetir. No entanto, no dia seguinte, Mina descobre uma câmara escondida no chuveiro e muitas mais pela casa toda. Obviamente não querem chamar a polícia para que os respectivos cônjuges não vejam o que se passou no duche, mas não conseguem evitar revelar a presença das câmaras escondidas pela casa. Decidem, em vez disso, ir-se embora.
Josh, namorado de Mina, que já tinha cadastro criminal por agressão, apanha o tal caseiro, a quem julga o voyer, e dá-lhe tantos murros que o mata mais ou menos acidentalmente. Agora os casais tentam livrar-se do corpo, com a única oposição de Michelle. Mas será que mataram o homem certo e que o perigo acabou? Não.
“The Rental” é um bom filme sobre consequências, dentro do género, e por isso gostei que as decisões não caíssem nos ombros de adolescentes mas de adultos que deviam saber o que fazem.
O final promete uma sequela mas não estou muito entusiasmada quanto a isso.

13 em 20

 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Red: Werewolf Hunter / Red: Caçadora de Lobisomens (2010)

Este filme é como ver um episódio de “Sobrenatural” com Felicia Day (Charlie) e tudo, mas sem Sam e Dean e Castiel. O que podia não ser mau, especialmente agora que “Sobrenatural” chegou ao fim, se o filme conseguisse estar à altura, mas infelizmente é só o aproveitamento da ideia para fazer dinheiro nem nenhum do peso ou impacto do original. Não é por nada que os criadores de “Sobrenatural” tentaram pelo menos duas spin-offs, “Bloodlines” e “Wayward Girls”, sem que nunca tenham passado do episódio piloto. Faltava a magia, o peso, o drama dos Winchesters.
Mas vamos lá ao enredo.
Charlie… desculpem, Red, faz parte de uma família de caçadores de lobisomens. Estes caçadores, em métodos e cultura, são exactamente os mesmos de “Sobrenatural”. Aliás, quem vir este filme sem o contexto de “Sobrenatural” vai pensar que a família de Red são todos uns assassinos sem coração que não têm qualquer escrúpulo em matar um deles se este estiver em risco de se transformar em lobisomem, espécie com a qual têm uma trégua temporária. Foi assim que a série os retratou, desde Red à avó de família. Red vai a casa apresentar o namorado. Assim que este é mordido por um lobisomem, ela mata-o, kaput. Um grande amor, sem dúvida. Ora, se pensarmos na quantidade de vezes que Sam e Dean fizeram pactos com demónios e foram literalmente ao inferno para se salvarem um ao outro, podemos ver a diferença.
Felicia Day, filha, sei que todos temos de ganhar a vida, mas foi por isto que Charlie teve de morrer abrupta e estupidamente em “Sobrenatural”, para fazer filmes destes?
Como fã de “Sobrenatural”, confesso, fiquei irritada. Quem vir apenas este filme vai ficar com uma ideia completamente errada da série. “Red: Werewolf Hunter” limita-se a copiá-la (e mal) e a capitalizar à custa de “Sobrenatural”. Não gostei de todo.

10 em 20 (por causa de Felicia Day, isto é, Charlie)

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Shark Night 3D / Medo Profundo (2011)


Estava eu aqui a queixar-me no outro dia que os filmes de tubarões parecem todos iguais quando este aparece com uma reviravolta.
Mas não nos entusiasmemos. “Shark Night 3D” é muito mau, incrivelmente mau. Nos primeiros 30 minutos eu estava a pensar que este filme não devia ter sido feito em 1D, nem em 2D e muito menos em 3D.
“Shark Night 3D” começa como todos os outros filmes do género: meia dúzia de adolescentes vão passar um fim-de-semana à casa de campo de uma colega/amiga no Luisiana, à beira de um lago de água salgada, no intuito de beber, fornicar e tomar drogas, mas o lago tem tubarões e um dos jovens é prontamente atacado. Aqui começa logo a estupidez. O rapaz perde um braço mas não podem chamar uma ambulância porque os telemóveis não apanham rede (o que eles já sabiam) e a casa isolada (que é uma casa de família dos pais da rapariga, outra geração, portanto) não tem um telefone fixo? Nem sequer um rádio para as emergências? Custa-me a crer.
De seguida, o rapaz que perdeu o braço decide voltar à água para se vingar do tubarão, porque no bairro dele paga-se “olho por olho”, como se o tubarão fosse um grande gangsta de esquina. Escusado será dizer que o rapaz acaba por perder mais do que um braço...
Como é que os tubarões apareceram no lago, tão longe do mar? Uma das teorias dos adolescentes é que foram transportados para lá por uma inundação num dos últimos furacões. E é aqui que o filme de tubarões se torna numa espécie de “Deliverance” (quem não viu “Deliverance”, filme de 1972 com Jon Voight, Burt Reynolds e Ned Beatty, vá já correr a ver, até por uma questão de cultura geral para além da cinematográfica).
Basicamente, um grupo de pacóvios racistas e ressentidos descobriram nos tubarões uma maneira de se “vingarem” dos miúdos privilegiados da cidade. Pronto, era a reviravolta e eu queria falar de “Deliverance”, mas não há muito mais a dizer.

11 em 20 (porque não mataram o cão, desculpem o spoiler)


domingo, 2 de fevereiro de 2025

1899 (2022)

O navio Kerberos, à semelhança do Titanic, viaja para a América com passageiros de primeira e segunda classe. Entre eles Maura Franklin, médica inglesa a quem não é permitido exercer a profissão por ser mulher. Depressa percebemos que todas as personagens principais, tal como Maura, têm segredos no seu passado, e que todos receberam um estranho envelope com a promessa "o que se perdeu será (re)encontrado".
A meio da viagem, o Kerberos recebe um telegrama com coordenadas que parecem provir do Prometheus, um outro navio da mesma companhia desaparecido no mar há quatro meses. Quando o Kerberos o aborda, o Prometheus é um navio fantasma, sem passageiros nem tripulação excepto um rapaz que se recusa a falar. O telégrafo foi destruído, então quem é que estava a mandar as mensagens?
Não é um spoiler dizer que neste navio nada é o que parece. Percebemos logo, desde os primeiros minutos, que algo de muito bizarro se passa a bordo. O próprio som de fundo, que por vezes nos chega distorcido como uma má transmissão de rádio, nos alerta para esta estranheza. Por todo o lado, no navio, encontramos triângulos: invertidos, sobrepostos, em pirâmide. Um personagem chega a bordo sem sabermos bem como, trazendo com ele uns besouros metálicos que, tudo indica, começam a provocar mortes entre passageiros e tripulação. Segue-se um motim e uma passagem sinistra em que as pessoas se atiram borda fora como se algo as controlasse. O capitão e outros passageiros vêem fantasmas de pessoas já falecidas. O que se passa?
O meu primeiro palpite foi que o Kerberos estava sob controlo de extraterrestres a fazerem uma experiência, ou que eram todos pacientes de um hospital psiquiátrico e que um deles estava a "fabricar" a viagem na sua mente, ou, a solução à "Lost", que estavam todos mortos e não sabiam. A resposta é mais elaborada do que isso, mas não esclarece todas as perguntas.

Spoilers
"1899" é dos mesmos criadores de "Dark", uma das melhores séries que já vi na vida, e já se esperava daqui um mistério complexo que nos fizesse dar voltas à cabeça e que nunca seria para espectadores impacientes. Mas, para não decepcionar ninguém, vou dizer desde já que a série foi cancelada depois da primeira temporada e que deixou os fãs frustrados e com muitas dúvidas por responder. Vou revelar que o que se passava era uma simulação, o que na minha opinião nem chega a ser um spoiler porque não explica nada. Se a simulação era para Maura, qual é o papel das outras personagens, algumas das quais com histórias dramáticas e passados traumáticos? Como é que elas foram parar à simulação? Quem é que faria de propósito uma simulação tão sádica? Eu tenho fé, depois de ver "Dark", que os criadores iriam explicar isto tudo nas temporadas seguintes.
O que me leva ao maior mistério de todos: como é que uma série é aprovada, aparentemente sem que os executivos saibam previamente o final e/ou acreditem na história, a ponto de a cancelarem após uma única temporada? Bem, no caso de "Lost", como os próprios criadores da série admitiram, ninguém sabia onde é que aquilo ia dar. Estando tanto dinheiro em jogo, já para não falar no desagrado dos fãs, estas coisas não me entram na cabeça.
Se mesmo assim vale a pena ver "1899"? Eu gostei bastante, pelo cenário de época, pelo ambiente sombrio, pelas histórias contadas, pelas personagens, pelo mistério criado. Só faltou integrar todos estes elementos num todo coerente, mas acredito que isso seria conseguido. Deste modo, mesmo inacabado, aconselho a todos os fãs de mistério e ficção científica.
Uma curiosidade, um dos actores é José Pimentão no papel de Ramiro, português de gema, a falar português de gema, antes de a Netflix ter decidido dobrar todas as falas em inglês.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Lost, Dark, ficção científica, mistério, drama

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Sea Fever / No Abismo do Mar (2019)


Uma traineira irlandesa parte para o mar levando a bordo como passageira uma estudante de biologia marinha que precisa de recolher dados para a sua investigação. Os donos do barco não têm tido sorte e estão quase a perder a embarcação se não conseguirem uma boa pescaria. Finalmente identificam um grande cardume mas este está numa zona de exclusão (onde é proibido pescar e onde existem baleias protegidas com crias). O dono do barco decide ignorar a proibição, sem dizer a ninguém, e de facto conseguem uma boa pescaria. Mas subitamente o barco é agarrado por alguma coisa que não o deixa mover-se. Um mergulho revela que é uma espécie de alforreca gigante e desconhecida que o prendeu nos seus tentáculos e está prestes a causar buracos no casco segregando uma substância gelatinosa que supostamente devia servir para atordoar uma presa grande (como uma baleia).
O animal acaba por se ir embora e libertar o barco, percebendo que não serve para comer, mas a substância viscosa já está no barco todo, incluindo no reservatório de água. Depressa, um a um dos tripulantes começam a apresentar comportamentos estranhos, seguidos de febre e cegueira. A estudante consegue isolar o motivo: a matéria viscosa contém ovos que entram na corrente sanguínea e se transformam em larvas, matando o hospedeiro. Uma vez que muitos tripulantes já estão infectados e que não conseguem descobrir uma cura, a estudante insiste numa quarentena em alto mar com que ninguém concorda. Sinceramente, eu também não concordaria. Primeiro deviam atracar em segurança, avisar as autoridades e então, sim, ficar em quarentena num sítio onde pudessem ter acesso a cuidados de saúde (se houvesse alguma coisa a fazer). A estudante acaba por decidir por todos e incapacitar o barco. Agora toda a gente fica impossibilitada de regressar a terra e de tentar encontrar uma cura. A estudante acha que fez um grande favor à humanidade, eu acho que ela não tinha o direito de se armar em deus.
“Sea Fever” é um filme na linha de “Alien” ou “The Thing” com um monstro marinho, que consegue manter a tensão do princípio ao fim. Mais uma vez é a ganância e o desrespeito pela natureza que coloca os pescadores em perigo e é a cegueira (passe o trocadilho) da arrogância que transforma uma situação péssima numa situação desesperada.

13 em 20 


domingo, 26 de janeiro de 2025

Wolf Creek (2016 - 2017)

“Wolf Creek” é uma série de duas temporadas baseada nos filmes homónimos. Eu não vi os filmes e não sabia o que estava a perder. Porque a série, forçosamente, contém spoilers, aconselho a ver os filmes primeiro.

Primeira temporada
Uma família americana está a acampar na Austrália junto a um rio. O miúdo mais novo vai andar de colchão de água e é atacado por um crocodilo. Surgido do nada, um caçador mata o crocodilo com um único tiro. À noite, ao jantar com a família, o estranho mata o pai e a mãe com uma faca de mato e o miúdo com uma espingarda. Resta a filha adolescente, Eve, que é alvejada mas consegue escapar.
Este estranho é Mick Taylor, um serial killer que odeia turistas e que há décadas colecciona vítimas no grande Outback australiano. Mick é um verdadeiro “personagem”, de meia idade mas mais alto e mais forte do que parece, um chapéu à Freddy Krueger, umas patilhas grisalhas e um risinho irritante ainda antes de se tornar sinistro, e tão sujo e transpirado que o cheiro nos chega através do écran. Mick Taylor também tem por hábito fazer piadas sem graça nenhuma, ofensivas a tudo e todos. Psicopata dos piores, sádico sem escrúpulos e desprovido de empatia, Mick mata indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, como quem elimina uma espécie invasora (aliás, como ele se refere aos turistas). Na verdade, Mick não mata apenas turistas, mas estes são os mais fáceis de fazer desaparecer, não têm família ou conhecidos no país e só se dá por falta deles passado algum tempo. É sugerido, em algumas cenas, que Mick queira também aproveitar-se sexualmente das mulheres que captura, mas percebe-se que esse é um interesse secundário, se é que chega a ser um interesse. O que ele quer mesmo é matar, e em alguns casos torturar antes de matar. Porque é que a polícia ainda não o identificou? Porque Mick não deixa pistas no local do crime e não faltam sítios na vastidão do mato, rios e deserto australiano onde fazer desaparecer um corpo, seja por cortá-lo aos pedaços e dá-lo aos crocodilos ou simplesmente deixá-lo ficar no fundo de uma ravina onde ninguém vai sem motivo. Mick aparenta “aparecer e desaparecer” do nada, quase fantasmagórico, porque conhece o terreno a fundo e usa toda a sua experiência e auto-confiança para surpreender as vítimas. A polícia sabe dos inúmeros casos de turistas desaparecidos mas não tem qualquer indício que aponte para homicídio.
Isto muda quando Eve sobrevive e relata à polícia o que aconteceu, fornecendo mesmo uma descrição de Mick e da sua carrinha azul-clara. Nem todos os polícias acreditam na versão de Eve, considerando que o caso possa ter sido um homicídio-suicídio, mas o detective Sullivan Hill (Dustin Clare, o Gannicus de “Spartacus”, alguns anos mais velho mas ainda com figura de gladiador), que há muito tempo estuda os desaparecimentos, leva-a a sério.
Eve não é uma adolescente vulgar. É uma atleta de pentatlo olímpico, em plena forma mas com uma adicção a analgésicos, que se culpa pela morte dos pais e do irmão uma vez que estavam a fazer aquela viagem por causa do seu problema. Quando Sullivan lhe diz que localizar e prender Mick vai ser muito improvável, já para não falar da dificuldade em condená-lo sem provas para além do testemunho dela (os corpos nunca são encontrados e o veículo da família aparece queimado), Eve decide não voltar a casa e pôr-se ela própria à procura de Mick. Os pais de Eve eram polícias e ela tem conhecimentos de investigação criminal. Para começar, consegue roubar o dossier de Sullivan com os casos dos desaparecidos e dirige-se aos locais onde estes foram vistos pela última vez.
No caminho, numa carrinha muito velha (e esconderijo de droga sem que ela saiba), Eve tem o azar de chocar contra um carro de polícia. Isto leva-a à esquadra, onde entra em contacto com traficantes de droga. Uma vez que a polícia lhe apreendeu o passaporte e o dinheiro, Eve foge da prisão e rouba os traficantes, que imediatamente a perseguem também.
A princípio Eve tem o benefício de seguir Mick sem que ele saiba que ela sobreviveu, mas, à medida que ela vai questionando pessoas por onde passa, alguém acaba por informá-lo de que andam à sua procura. Começa um jogo perigoso do gato e do rato em que Mick tem toda a vantagem.
“Wolf Creek” tem outra personagem sempre presente: a Austrália e as suas paisagens inóspitas, desérticas, belas e perigosas. Vale a pena ver a série só pelos cenários e pelos ambientes tensos que se vivem nesses ermos. Sullivan diz que as pessoas vão para “O Território” (norte da Austrália) para desaparecer, e isso explica a sua relutância em falar quando se nota claramente que sabem mais do que dizem. Nesta cultura de silêncio ninguém se quer meter na vida alheia, especialmente a dos estranhos de passagem, o que joga igualmente em favor de Mick.
A série pode ter sido um bocadinho exagerada na maneira em que retrata os personagens masculinos. Dos homens que cruzam o caminho de Eve, dois querem violá-la (um deles à troglodita: “preciso de uma mulher, dá-me filhos”), Mick quer matá-la (e possivelmente torturá-la também) e apenas um se aproveita como pessoa decente. Não conto o polícia porque era só o que faltava que o polícia não a tratasse com profissionalismo. Ora, eu sei que os homens não são santos, mas esta estatística está um bocadinho deturpada. Por outro lado, os predadores seguem as vítimas aos locais onde elas estão mais vulneráveis, e Eve não podia estar mais vulnerável do que no deserto.
Falando da polícia, não é injusto dizer que as autoridades não fizeram o trabalho que deviam e ficam muito mal na fotografia. Não sei se é mesmo assim na Austrália, mas um dos carros de uma vítima, cheio de sangue e tudo, logo, uma cena de crime, foi deixado à beira da estrada onde o encontraram, nem sequer o levaram para análises forenses. Isto é facilitar a vida a Mick.
Eve comete dois erros típicos de filme de terror. A dado passo, quando já é Mick quem anda à caça dela, este mata o único polícia de serviço numa esquadra de interior. É a primeira vez que o vimos deixar um corpo. Eve tem ali a prova tangível de que precisava mas não aproveita a ocasião para chamar ajuda. Verdade seja dita, por esta altura ela já não está a agir com racionalidade, já não quer apenas que Mick seja apanhado, quer matá-lo ela própria. E finalmente, quando tem a oportunidade, comete o erro do costume de presumir que ele já está morto em vez de o matar de vez e bem morto. Obviamente, Mick não está morto porque há uma segunda temporada.
Não vou dizer o que acontece a Eve. Se por um lado ela não o conseguiu matar, por outro foi a primeira vez que Mick foi exposto às autoridades como assassino, com descrição e tudo. Agora Mick já não é invisível, é um homem procurado.


Segunda temporada
Mick tem perfeita consciência de que é um homem procurado e já nem se desloca na sua carrinha azul-clara quando tem de ir à “civilização”. O primeiro episódio mostra-nos a que ponto ele está irritado por saber que já o toparam. Mas entre saber que ele existe e saber onde ele está, num “deserto do tamanho do Texas”, como ele diz, vai uma grande diferença. Como se descobriu na temporada anterior, Mick tem a sua base de operações em Wolf Creek, uma cratera causada pela queda de um meteorito (que existe na realidade). Em tal ermo, a 500km da civilização, nada o impede de continuar a matar impunemente.
Desta vez, Mick descobre um autocarro cheio de turistas que vai visitar o Outback australiano. Depois de uma troca de palavras com o motorista, em que Mick se sente ofendido mas na verdade é uma desculpa, Mick mata o motorista, toma o lugar dele e desvia o autocarro para o deserto. De seguida deixa os turistas abandonados para começar a “caça”.
Gostei que o primeiro episódio se focasse especialmente nos personagens, para termos tempo de os conhecer e conseguirmos preocupar-nos com eles antes de começarem a morrer, como já sabemos que vai acontecer. Um dos passageiros é um geek que só fala de carros, coitado, e que é uma seca ambulante. Tive logo pena dele, porque a não ser que a série nos surpreendesse muito ele seria dos primeiros a ir. Não esperei é que fosse tão depressa, mas o desgraçado tem o azar de dar uma seca a Mick a falar dos melhores veículos para o deserto, e se o coitado é capaz de torrar a paciência a um santo, Mick não é nenhum santo. Visto assim, até foi cómico, mas tive pena do infeliz.
Os turistas são muito diversos: uma família alemã com uma filha adolescente, um casal gay, outro casal a tentar salvar o casamento, duas amigas canadianas, um veterano de guerra americano, um blogger de sucesso (que inveja), um psiquiatra forense especialista em assassinos. Quando se encontram abandonados no deserto, as opiniões dividem-se quanto ao que fazer. Dois deles, o marido de Rebecca e o parceiro de Steve, os mais aptos para caminhadas, decidem ir investigar o terreno e procurar Mick, que julgam o motorista substituto. Entretanto, no autocarro, os restantes encontram o corpo do motorista escondido no vagão refrigerador, e instala-se o pânico. Agora é uma questão de colocarmos as nossas apostas. Quem se vai safar? Eu tinha fé no veterano de guerra, o único com as competências necessárias para travar uma verdadeira batalha contra um inimigo armado que domina o terreno, ou em Brian, o psiquiatra forense, ou em Rebecca, que é sempre mostrada como uma mulher de acção e iniciativa, principalmente quando o marido nunca regressa da exploração (porque deu de caras com Mick).
A situação dos turistas é mais desesperada e impotente do que na primeira temporada. Perdidos no deserto, expostos ao sol escaldante e às tempestades nocturnas, sem telemóveis, sem comida e sem água, Mick só tem de os caçar um por um antes que eles se matem a eles próprios. Nina, a alemã de meia-idade, consegue a proeza de deslocar um ombro e ser mordida por uma cobra venenosa em menos de 24 horas. Brian, que também reconhece em Rebecca maiores hipóteses de escapar, sugere-lhe que deixem os outros para trás, e tem esta conversa de abandonar os mais fracos tantas vezes que a certa altura desconfiamos se ele não é um psicopata também. Brian argumenta que naquela situação limite vale a lei da sobrevivência do mais forte, ao que Rebecca retorque que o ser humano não age pela sobrevivência individual mas antes pela preservação da espécie como um todo. Mas, se é para filosofar, Rebecca está a ser hipócrita e Brian tem razão. Para o grupo ter mais probabilidades de sobreviver, um dos mais fortes teria de tentar fugir sozinho e pedir ajuda, aliás, como a própria Rebecca reconhece no fim, já para não falar em denunciar Mick para benefício de toda a humanidade. Rebecca não está a pensar no melhor para todos coisa nenhuma, está somente fixada em encontrar o marido se este ainda estiver vivo. O que é compreensível, mas não tem nada a ver com a sobrevivência da espécie.
A segunda temporada inclina-se um bocadinho para o sobrenatural. A certa altura os sobreviventes encontram um outro habitante da zona de Wolf Creek que lhes diz que ainda lá vive porque a cratera emite um zumbido, um chamamento, que o mantém lá, e que ele responsabiliza por ter sido a causa do encerramento da mina onde ele trabalhava. Em suma, a zona da cratera é maligna.
O mesmo pensam dois nativos que cruzam o caminho de Steve quando este se perde do grupo. A princípio querem-no ajudar, até ouvirem falar de Mick, a quem um deles chama o Homem-Espírito. O outro não acredita nessas superstições mas a verdade é que também já conhece a reputação de Mick e das “coisas más” que acontecem quando ele aparece, e insiste em ir buscar ajuda antes de o confrontar (o que é inteligente). O episódio dos nativos é dos mais interessantes em termos culturais. Quando um deles é esfaqueado, um dos mais velhos começa a entoar um cântico/feitiço contra Mick, uma espécie de vudu, e o certo é que funciona e que Mick se sente doente. Uma vez que o vudu, aparentemente, actua por auto-sugestão, e que Mick não tinha maneira de saber o que eles estavam a fazer, a insinuação é de que o vudu nativo resulta ou de que existe algo de sobrenatural no próprio Mick. Eu gosto muito de sobrenatural mas, neste caso, preferia um assassino de carne e osso, com as suas forças e fraquezas, como Dexter. Não precisamos de outro Michael Myers.
A primeira temporada é sangrenta que baste, mas a segunda supera-se. Existem muitas cenas susceptíveis de perturbar os mais sensíveis. Já os outros, aqueles que gostam de um bom thriller de terror e serial killers, se ainda não conhecem Mick Taylor não sabem o que estão a perder.
“Wolf Creek” teve apenas duas temporadas mas John Jarratt, o excelente actor que dá vida ao infame Mick Taylor, revelou que se fala numa terceira. Não sei até que ponto a coisa foi para a frente, mas ainda há muito para explorar nesta história que eu gostaria de ver.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Dexter, Mentes Criminosas, Hannibal, serial killers


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Host (2020)

Este era o filme da quarentena que eu queria ver, embora na verdade não fosse preciso quarentena para ele acontecer. O enredo é muito simples: seis amigos, mortos de tédio por causa da quarentena Covid, decidem fazer uma sessão de espiritismo via Zoom e em vez de contactarem um espírito benévolo acabam por invocar um poltergeist ou coisa pior.
A princípio não estão sozinhos. Para os guiar, igualmente pelo Zoom, têm uma médium especialista. Apenas uma ou duas pessoas levam a séance a sério. Os outros estão completamente no gozo e até fazem um jogo em que têm de beber sempre que a médium disser “astral plane”. Em suma, em vez de cumprirem o desejo da anfitriã da reunião para que fiquem atentos e sejam respeitosos, fazem exactamente o contrário e estão na brincadeira (foi por causa de brincadeiras desrespeitosas com uma Ouija Board que Regan ficou possuída no “Exorcista”).
A sessão começa normalmente e a médium pede-lhes que se concentrem e tentem pensar num ente querido falecido com quem estabelecer contacto. É então que uma das amigas decide inventar uma história de um antigo colega de escola que se enforcou, só para se divertirem mais.
Subitamente, a ligação de internet com a médium é interrompida e os amigos ficam completamente sozinhos, sem qualquer orientação. É também quando as coisas começam a acontecer, e acontecem a todos independentemente de estarem em locais diferentes.
“Host” é muito curto (apenas 60 minutos, a duração de um episódio da Netflix) e totalmente filmado pelas câmaras dos computadores e telemóveis dos personagens. Este é um filme de 2020 que parece todo ele ter sido feito por pessoas em quarentena, cada uma em sua casa (se tal coisa é possível), mas resulta. Fiquei um pouco decepcionada, admito, porque o aspecto da quarentena Covid, o que em princípio seria toda a razão de ser do Zoom, não foi quase aproveitada. Aliás a fórmula não é original e mesmo antes dos lockdowns já tinha sido explorada em filmes como Unfriended: Dark Web.
No entanto, “Host” funciona pelo nível de violência que apresenta, criando no espectador uma sensação de que lhe podia acontecer a ele. Não aconselhável para ver à noite, sozinho em casa, depois de uma sessão de Zoom.

13 em 20

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

21 anos do blog Gotika

Este blog fez 21 anos em Dezembro passado. Não me lembrei de assinalar os 20 anos, mas mais vale tarde do que nunca.
No início, em Dezembro de 2003, o blog foi alojado no Sapo. Devido a períodos prolongados em que os servidores estavam em baixo e a falta de muitas funcionalidades úteis, mudei-me para o Blogger menos de um ano depois, em Setembro de 2004. Entretanto, o Sapo fez-me o favor de apagar o blog original por inactividade, (Obrigadinha Sapo, aqueles 2MB de ficheiros deviam estar a pesar muito, certo?) Ainda cheguei a publicar aqui muitos dos posts relevantes, mas não todos.
 
 
Nestes 21 anos, vi muita coisa acontecer. A blogosfera esvaziou-se. Muitos blogs nasceram e morreram, outros continuam abandonados por aí às teias de aranha. Depois de passar a novidade dos blogs, a maioria das pessoas mudou-se para o Facebook, para o Instagram, sei lá para onde. Nunca gostei dessas plataformas de fotografias e futilidade, mas depressa compreendi (da minha experiência pessoal) que muita gente andava nos blogs para fins de engate, como se a blogosfera fosse um site de dating. Oxalá tenham melhor sorte.

Este blog foi sempre a minha forma preferida de expressão. A princípio publicava posts muito pessoais, até achar que já tinha dito tudo o que queria dizer sobre mim e sobre a sociedade em que vivemos. Durante uns meses quase deixei este espaço às moscas, cheguei a ponderar deixar-me disto, mas resolvi ressuscitá-lo através de críticas de cinema, de televisão e literatura (e música, em muito menor quantidade), em que ainda vou mandando umas bocas à actualidade quando vem a jeito.
Nunca pensei neste blog como maneira de agradar aos leitores. Nesse aspecto, este espaço é muito egoísta. Fico feliz quando me lêem, não me ralo nada que não leiam. Preferia que gostassem do que aqui se escreve, mas ultrapassa-me. Também gostaria de ter mais comentários (actualmente estão abertos a todos) mas fica ao critério dos leitores.
A verdade é que o blog me tem dado muito gozo (e 800.000 visitantes!!!) ao longo de 21 anos. Tenciono ficar por aqui enquanto Blogger quiser. Amém.


 

domingo, 19 de janeiro de 2025

Great Expectations, de Charles Dickens

Este foi o meu primeiro livro de Charles Dickens e eu pensei que ia ser a seca da minha vida. Não podia estar mais enganada. A julgar pelas adaptações cinematográficas, sempre imaginei que “Great Expectations” era um dramalhão à semelhança dos romances das irmãs Brontë, com infindas descrições de trinta páginas cada uma (como era comum na altura). Nada me faria adivinhar como a escrita de Dickens é divertida e nunca vi um filme que conseguisse transmitir o seu grande sentido de humor, especialmente no que toca a “Great Expectations”.
A história é uma das minhas favoritas de sempre e posso dizer sem exagerar que me marcou em tenra idade (à semelhança da maneira com que Miss Havisham marcou Pip, curiosamente), influenciando a minha maneira de pensar e até a minha personalidade, e isto sem sequer ter lido o livro. Era, pois, mais do que justo que finalmente o lesse, e embora tarde mais vale tarde do que nunca.
Pip, o protagonista, é um órfão de família humilde que vive com a sua terrível irmã mais velha e o cunhado ferreiro, Joe, marido dela, que funciona para ele como um padrasto bondoso. Aproveito para falar já da irmã de Pip, uma mulher horrorosa que se enfurecia sozinha com o seu complexo de mártir para ter desculpa para bater a Pip e ao marido, o que só sublinha a natureza benévola de Joe. Tendo em conta a situação de abusos psicológicos e tareias que sofre, e que só conhece os pais das campas no cemitério, Pip até me parece uma criança muito bem-disposta.
É precisamente no cemitério, num dia de Natal, que Pip tem o encontro fatídico que vai mudar a sua vida sem que este desconfie. Um foragido pede-lhe ajuda, fora as ameaças, e Pip concorda em ajudá-lo. O foragido acaba por ser preso e Pip nunca mais pensa sobre ele.
Entretanto, Miss Havisham e Estella entram na sua vida. Miss Havisham, abandonada pelo noivo no dia do casamento, vive na escuridão da sua sala decadente entre relógios parados, teias de aranha, o vestido de noiva em farrapos e o bolo de casamento a apodrecer há anos na mesa do banquete. Para se vingar dos homens, Miss Havisham adoptou Estella, nesta altura ainda uma rapariguinha, a quem treina para ser fria, distante e caprichosa. Pip é convidado a visitar a casa de Miss Havisham para brincar com Estella, e para Estella brincar com ele, como o gato brinca com o rato, sob o olhar perverso de Miss Havisham.
Aqui devo dizer que não achei a Miss Havisham do livro a mesma velha tétrica e fantasmagórica que é retratada nos filmes, por muito que Dickens se esforce para passar essa impressão. Ou, se calhar, os filmes superaram o original com a ajuda da imagem que vale mil palavras. A Miss Havisham do livro é igualmente trágica, sem dúvida, mas consegui reconhecer-lhe uma faceta mais humana, mais insegura, mais vulnerável, uma mulher de carne e osso que come, bebe e passa cheques. Os filmes, parece-me, sempre tentaram transformá-la numa assombração, como Dickens pretendia projectar mas, pelo menos a mim, não convenceu. (Também concedo que seja fácil dizer isto depois de ver os filmes e que a impressão podia ter sido completamente diferente se tivesse lido o livro primeiro.) O que Dickens conseguiu perfeitamente foi transmitir a pessoa perturbada e doentia em Miss Havisham, seja ela espectral ou de carne e osso, e a sua obsessão em exercer vingança através de Estella.
O plano resulta, e Pip apaixona-se perdidamente pela altiva Estella, nomeadamente à medida que ambos crescem e ela se torna uma mulher cada vez mais bela. O efeito mais iníquo desta maquinação de Miss Havisham, no entanto, como percebemos mais tarde, não é que Estella venha a partir o coração de Pip, mas que Pip comece a ter vergonha das suas origens, especialmente de Joe, o cunhado que foi para ele um pai e que Pip começa a olhar com crescente embaraço por não ter as maneiras, a educação e a linguagem a que Pip é exposto na casa rica de Miss Havisham.
Certo dia, Pip é informado de que um benfeitor anónimo lhe pretende deixar uma grande fortuna para que Pip se transforme num gentleman. Acreditando piamente que o benfeitor é Miss Havisham, Pip depreende também que isto significa que a velha senhora pretende que ele se case com Estella. Miss Havisham conhece este equívoco (e esta ilusão) mas nada faz para o esclarecer porque lhe convém que Pip continue o mais iludido possível.
Sempre gostei do sentido duplo do título. Os advogados chamam a Pip, referindo-se a esta fortuna prometida, “um jovem de grandes expectativas”, mas nós sabemos que são antes “grandes esperanças” e que estas esperanças são Estella, Estella, Estella. Mas eu não considero, de maneira alguma, que “Great Expectations” seja baseado numa história de amor. Não há aqui amor nenhum. Pip “ama” Estella porque é ela é bela, sofisticada, educada. Ele próprio admite que Estella não tem outras qualidades, nem é amável nem é agradável, e quando está com ela não podia ser “mais infeliz”. Isto não é amor mas obsessão, como se conquistá-la fosse a prova de que a merece, de que atingiu um estatuto, de que finalmente é alguém, um gentleman. Mesmo depois de saber que foi iludido e manipulado, Pip não consegue livrar-se desta relação tóxica que só existe na sua cabeça desde infância.
Estella não tem melhor sorte. Igualmente sujeita a uma lavagem cerebral desde criança, acredita no que lhe foi ensinado e segue em frente até destruir a sua vida. Confesso que esperava conhecer mais sobre esta personagem fascinante no livro, mas Estella é sempre vista pela perspectiva de Pip, uma perspectiva completamente distorcida e perplexa, quando não cega de todo.
O que mais gostei nesta história, desde sempre, foi como Dickens descreveu os mecanismos psicológicos que podem manipular e arruinar uma criança para sempre, especialmente quando não existe contraponto às influências nocivas que recebe, a ponto de a manipulação perdurar e continuar a fazer estragos bem para lá da idade adulta. Pip acaba por perder tudo, mas sobretudo compreende que a coisa mais valiosa que perdeu, por sua culpa, foi a amizade pura e desinteressada de Joe, que dinheiro nenhum poderia pagar.
Dickens é muito elogiado pelas suas personagens inesquecíveis (sem dúvida) ao mesmo tempo que é criticado por estas serem algo caricaturais (não nego), o que as torna ao mesmo tempo divertidas. Prefiro ver estas “caricaturas” como humor (ou ironia, ou sarcasmo) e como crítica social. A verdade é que “Great Expectations” ainda se lê muito bem nos dias de hoje e recomendo a toda a gente que gostou dos filmes.

 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Midsommar / Midsommar, o Ritual (2019)

Este foi um dos filmes mais aterradores que vi nos últimos tempos, se calhar porque podia mesmo acontecer. Um jovem casal, Dani e Christian, decidem visitar um festival de verão tradicional da Suécia na companhia de colegas de universidade de Christian, todos estudantes de antropologia. O convite vem de Pelle, um colega sueco que lhes promete uma experiência inesquecível numa comuna hippie e isolada da civilização onde o Solstício de Verão é celebrado à antiga. Quem conseguiu ver a porno-turtura de “Vikings” já está a adivinhar o que vai sair daqui. Quem não conseguiu, aconselho a que não veja este filme também.
A princípio é tudo “rosas”, sol da meia noite e muitas drogas, muitas delas naturais, e trajes brancos com grinaldas de flores. No entanto, alguns “pormenores” ao canto do écran começam a dar-nos a sensação de que algo está muito errado. Por exemplo, um urso numa jaula minúscula. Quando os turistas perguntam a Pelle o que é aquilo, a resposta é um encolher de ombros: “É um urso”. E a mesma resposta é casualmente dispensada sempre que os recém-chegados fazem perguntas sobre aspectos inquietantes da festividade.
Não quero estar aqui com spoilers, mas o que mais me aborreceu foi o facto de estes estudantes de antropologia serem tão ignorantes (até mesmo idiotas) quanto ao que se estava a passar. (Na Europa é proibido manter animais selvagens em cativeiro, muito menos numa jaula minúscula, por exemplo.) Outro jovem da comunidade também estava a estudar fora do país e traz com ele um casal de britânicos, igualmente estudantes. Assim que a festividade começa a envolver suicídios rituais, os britânicos, chocados, decidem ir-se embora, mas fazem tal escarcéu, em vez de fugirem sorrateiramente, que não vão longe.
Já os americanos deixam-se convencer de que aquilo a que estão a assistir é uma forma de vida (e morte) alternativa e decidem mesmo basear a tese de curso na festividade. Tanta credulidade só tem uma explicação, a duplicidade de Pelle, membro da comuna hippie, que se fez passar durante anos por um estudante normal e evoluído quando o seu objectivo era recrutar convidados (vítimas) para o ritual. É natural confiarmos em alguém que nos parece igual a nós e que em nada nos faz pensar que pertence a um culto pagão radical.
Sem mais spoilers, há alguns conselhos que podemos tirar disto tudo, alguns dos quais eu já aplico na minha vida há muitos anos e ainda aqui estou:
1) nunca se ponham numa situação em que vão para um local tão remoto que dependam de transportes alheios para sair de lá
2) nunca tomem drogas / álcool ou algo que vos faça perder a lucidez nessa situação remota onde não conhecem a maioria das pessoas
3) se as coisas começam a meter sacrifícios de sangue, fujam
4) fujam sorrateiramente
5) quando as coisas começam a cheirar mal é porque há merda da grossa

18 em 20


domingo, 12 de janeiro de 2025

Ghost House / Casa Fantasma (2017)

Desde que ouvi a canção “One Night in Bangkok” de Murray Head, nos anos 80, que percebi que a Tailândia não é para mim. Choca-me a cultura, a comida, a pobreza abjecta e a prostituição a que esta conduz. No entanto, a Tailândia é um destino turístico de eleição onde os apaixonados Julie e Jim decidem ir passar umas férias românticas. Ela fica especialmente impressionada com um aspecto da mitologia local, as “ghost houses” ou “casas de fantasmas”, criadas para albergar os espíritos errantes de modo a que eles não precisem de residir com os vivos.
Entretanto, Julie e Jim conhecem dois turistas britânicos, alojados no mesmo hotel, que os convencem a passar uma noite de farra na cidade. Algo de estranho se passa com estes dois britânicos, que convencem Julie a visitar um “cemitério” de “casas de fantasmas” que os locais abandonaram no campo sem coragem de as destruir. Mas afinal a história é mais sinistra. Um deles viaja com a namorada que ficou possuída por um espírito vingativo exactamente por tocar numa “casa de fantasmas”. Os britânicos prepararam uma armadilha para que o espírito possua Julie em vez da namorada, que é exactamente o que acontece. Agora Jim tem apenas três dias para encontrar ajuda para Julie antes que o espírito a consuma.
“Ghost House” é muito influenciado pelo terror japonês, mas falta-lhe essa subtileza para nos meter medo. O filme é longo demais, com demasiadas insistências em cenas e visões do espírito vingativo, viagens de um lado para o outro e personagens supérfluas, tudo para nos convencer de que o espírito é mesmo muito mau. Uma vez que a possuída já estava quase a morrer, era escusado prolongar tanto o filme.
Pelo menos temos a oportunidade de assistir a um exorcismo tailandês (presumo), o que não se vê todos os dias.

12 em 20


terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Die Wannseekonferenz / A Conferência (2022)

Não há muito a dizer deste filme para a televisão excepto a sinopse. A 20 de Janeiro de 1942 altos representantes do regime Nazi reuniram-se numa mansão de luxo para a Wannsee Conference, uma reunião para discutir os pormenores da “solução final para os judeus”.
O filme é apenas isto: todos sentados à mesa a debater um genocídio como quem decide uma estratégia empresarial, excepto quando há intervalos para café, bolos e cigarros e podemos ver o ambiente sereno, e até bucólico, da beleza invernal em que o assunto foi discutido. Temos muitos pormenores desta reunião porque foi redigida uma acta com todas as intervenções de todos os oradores e foram enviadas 30 cópias aos participantes e outros interessados para que “ninguém dissesse que não sabia”.
Obviamente este não é um filme de enredo e acção mas um documento histórico que vale ouro para quem gosta de conhecer estas coisas a fundo.
Não tenho mais nada a dizer e muito menos nota a atribuir. É mesmo caso para ver o filme e está lá tudo bastante explícito.

 

domingo, 5 de janeiro de 2025

The Burning Girls (2023)

A reverenda Jaqueline (Jack) Brooks e a sua filha adolescente, à procura de um recomeço nas suas vidas, instalam-se na pequena comunidade inglesa de Chapel Croft. Jack vai ocupar a vaga deixada pelo reverendo Fletcher, que se enforcou em plena capela. Chapel Croft é uma localidade rural conhecida pelos mártires Protestantes queimados na fogueira no séc. XVI, especialmente duas meninas que não foram poupadas. A povoação comemora-os todos os anos numa festividade alegórica. Diz-se que as meninas assombram a capela.
À chegada, Chapel Crof parece uma terra pacata onde nunca acontece nada (excepto o suicídio de um reverendo e o desaparecimento de outro), mas logo na primeira noite Jack vê o fantasma das meninas em chamas. A seguir, fica a saber que há 30 anos duas amigas adolescentes desapareceram sem deixar rasto, e que não houve grande investigação porque eram algo rebeldes e presumiu-se que tivessem fugido juntas. Uma residente mais antiga expressa a Jack as suas suspeitas de que o reverendo Fletcher não se suicidou, mas que foi assassinado porque começou a investigar as mártires e as duas raparigas desaparecidas nos anos 90. À medida que pesquisa o assunto, Jack vai descobrindo uma teia sombria de segredos e homicídio. Será ela a próxima reverenda em perigo?
Para que não haja desapontamentos, digo já que “The Burning Girls” não é um mistério sobrenatural mas antes um mistério de crime. Sim, os fantasmas estão lá, mas igualmente para pedir justiça.
Saliento mais um grande papel de Samantha Morton. A princípio não a reconheci, como é compreensível, mas aquela cara provocou-me arrepios. Só depois percebi que é a mesma actriz que fez Alpha/Dee, a líder dos Whisperers em “The Walking Dead”. Os Whisperers eram uma ideia um bocado estapafúrdia mas Alpha era uma mulher aterradora. Em “The Burning Girls” Samantha Morton também interpreta uma mulher durona, e apesar do papel de reverenda há momentos em que consegue transmitir a mesma aliança velada de uma Alpha. Eu não queria receber uma ameaça daquela mulher!
Apesar de ser um enredo que se desenvolve devagar, deixando-nos primeiro embrenhar na atmosfera tranquila e campestre de Chapel Croft e dando-nos tempo de juntar as pistas à medida que a tensão aumenta, a estranheza começa em pequenas coisas logo de início. Mas ninguém está à espera da reviravolta final.
“The Burning Girls” não é um policial em que no fim o criminoso vai para a prisão, mas antes um drama em que as personagens têm de ajustar contas com o passado.

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PARA QUEM GOSTA DE: mistério, crime, drama, fantasmas