Com o título português "A Odisseia do Submarino 96 " eu nunca teria encontrado este filme, o original (baseado no livro homónimo de Lothar-Günther Buchheim) que deu origem a "Das Boot", uma das melhores séries que já vi na vida. Por sorte consegui ler "u-boat" na sinopse e calculei que fosse o filme original. Mas mesmo que tivesse conseguido encontrar o filme, sem ter visto a série com toda a certeza não lhe pegava, julgando-o mais um filme de guerra chato e comprido. Portanto, é chato ou não é?
Não é chato, é chatíssimo, e não é comprido, é descomunal: três horas e meia. Mas a versão original uncut do director chega às 4 horas e meia (!), o que deu origem a uma mini-série.
O filme não é só comprido, é lento, lento, lento. Tirando a cena inicial num cabaret antes de os marinheiros embarcarem e de uma cena a meio em que desembarcam para receber instruções, o filme inteiro é passado dentro do submarino e a acção é mostrada segundo-a-segundo até já não haver paciência. Eu tentei agarrar-me às passagens que conhecia da série, mas, lamento, após uma hora de filme comecei a desconcentrar-me, liguei a música, pus-me a conversar num chat, e nem mesmo assim o filme andava para a frente.
Por volta do meio do filme tive de parar e ver o resto no dia seguinte. Por esta altura já só queria que o filme acabasse, que eles cumprissem a missão e fossem para casa ser condecorados pelo Fürer ou que se afogassem todos. E então apercebi-me do essencial: mas qual era a missão deles, afinal? O filme não se importa com isso, dá a entender que os mandaram para o mar à maluca para afundar tudo o que aparecesse. O mesmo se passa quando os enviaram para o Mediterrâneo. Porquê? Eu estava na expectativa de que fosse o ouro (como na série), mas mais uma vez nunca nos é dito. Isto é, nunca percebi o que raio eles andavam a fazer de um lado para o outro. O filme não nos informa da estratégia, só se preocupa em mostrar como é que a tripulação manobra o submarino, como vive, come, dorme, como passa o tempo em que não acontece nada (e durante muito tempo não acontece nada). Percebo o objectivo. Queriam fazer-nos sentir o que é estar dentro de um submarino em tempo de guerra. Curiosamente, a série conseguiu fazer isso, e mais e melhor.
O filme vale pelos últimos 10 minutos, num final verdadeiramente épico. Mas estes 10 minutos de acção, para um filme tão lento, foram tão mal filmados que fiquei com aquela sensação irritante de não ter percebido nada do que estava a acontecer. Tive de voltar atrás e ver de novo. Como é que é possível que um filme tão lento, segundo-a-segundo, acabe com uma cena de acção tão apressada que não se percebe o que está a acontecer precisamente no momento mais importante? E, no entanto, li críticas a elogiarem este filme como um dos melhores filmes de guerra de sempre! Ora, eu não recomendaria esta tortura a ninguém, excepto talvez a fanáticos de filmes de guerra e de submarinos em especial, porque há malucos para tudo.
A música da série "Das Boot" é a mesma do filme, mas com muito melhores arranjos, certas passagens da série coincidem, mas com enredo, coisa que o filme não tem, e por aí fora, a série é tão melhor do que o filme que nem há comparação.
O que retirei daqui, do tal final épico, é que muito possivelmente a série pode não ter chegado ao fim se conseguirem espremer mais uma boa temporada até ao fim da história.
Conclusão, série cinco estrelas, filme nem uma.
10 em 20
terça-feira, 30 de dezembro de 2025
Das Boot / A Odisseia do Submarino 96 (1981, filme)
domingo, 28 de dezembro de 2025
Revival (2025 - ?)
Uma noite, na pequena cidade de Wausau, todas as pessoas falecidas nos últimos 15 dias regressam da sepultura. Estes ressuscitados não são zombies, estão de corpo e mente sãos, e tentam voltar à vida que tinham antes.
Dito assim, isto parece a sinopse de "Glitch". Tal como "Glitch", a série aborda a reacção dos familiares e da sociedade em geral ao regresso destes "mortos", e existe igualmente uma componente dramática na dinâmica da família da protagonista, da sua irmã e do pai de ambas, o xerife. Segundo li, embora "Glitch" tenha estreado em 2015, as novelas gráficas originais em que "Revival" se baseiam são anteriores.
Gostei muito de "Glitch" como lufada de ar fresco para o tema, mas "Revival" não faz tão bem aquilo a que se propõe. É como se tudo em "Revival" ficasse pelo superficial, desde o mistério, ao drama, à própria reacção da parte da sociedade que teme os "ressuscitados". Existe de facto tal ligeireza propositada, e um humor tipo "Fargo", que às vezes nos faz esquecer que estamos a ver personagens regressadas dos mortos como se isto fosse só um pormenor.
Na verdade, à medida que os sub-enredos se começam a ampliar de episódio para episódio, desde traficantes de droga a nativos americanos expropriados das suas terras, bem como um caso de polícia que aparentemente a protagonista não resolveu bem e que ainda a atormenta, e aos traumas do passado da família da protagonista, e ao líder de um culto fundamentalista que quer destruir os ressuscitados por serem "demónios", parece que o menos importante são mesmo os próprios ressuscitados.
Apesar de tudo, eu estava a gostar. Apreciei principalmente o líder do culto interpretado por Steven Ogg, o Simon de "The Walking Dead", capanga de Negan. Steven Ogg lembra-me o Jack Nicholson de "The Shining", não apenas pelas parecenças físicas como pelo sorriso sinistro, o olhar psicótico e a postura ameaçadora. Isto é um vilão a sério e um actor que sabe meter medo.
Os sub-enredos são tantos que se tornam um pouco difíceis de seguir e de recordar, mas até aqui eu tencionava ver uma segunda vez. O último episódio estragou tudo. Quando se faz uma série com mortos regressados da sepultura é natural esperar uma explicação minimamente plausível dentro do universo ficcional. Qual é a causa ? É sobrenatural, é científica? Sinceramente, não sei, porque o último episódio foi uma banhada sem sentido. "Glitch" deu-nos uma explicação compreensível. Sim, é sobrenatural, não revela tudo, deixa mistérios no ar, mas está de acordo com a essência da série. "Revival" nem pensou no assunto. Não percebi mesmo, de todo, o que aconteceu no último episódio. Nem consegui perceber se era o fim da série ou se ia haver mais temporadas. Aparentemente, querem fazer mais temporadas para desenvolver ou atar as pontas soltas, mas eu não ficaria nada surpreendida se isto fosse cancelado. Honestamente, é o que "Revival" merece.
Depois do último episódio não tive paciência para ver outra vez. É pena, porque Steven Ogg estava a fazer um papelão e porque a premissa merecia ser mais bem abordada.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez, se não houver melhor para ver
PARA QUEM GOSTA DE: ficção científica (?), sobrenatural (?), Glitch
terça-feira, 23 de dezembro de 2025
The Glass Castle / O Castelo de Vidro (2017)
Baseado em pessoas reais, "The Glass Castle" conta a história de Jeannette e seus três irmãos, filhos de pais vagabundos e excêntricos para quem comida na mesa ou água quente ou até mesmo um tecto sobre a cabeça são pormenores de menor importância. A mãe é pintora, egocêntrica e não tem rendimentos, o pai é alcoólico e perde constantemente todos os empregos que consegue arranjar. A família desloca-se pelo país de carro, sempre à procura de uma casa vazia onde se "instalar". Para distrair as crianças destas condições de vida, o pai promete-lhes que o objectivo é encontrar um sítio onde possam construir um castelo completamente de vidro, e até tem os planos de construção.
De início, este modo de vida é muito engraçado para as crianças, até se começarem a aperceber de tudo o que lhes falta, inclusivamente comida, e já adolescentes concebem um plano de poupar dinheiro à escondidas de modo a poderem estudar e construir um futuro.
Jeannette consegue ir para a faculdade e arranja um bom emprego como colunista de jornal, estando igualmente noiva de um analista financeiro. No entanto, algo nesta vida de privilégio a deixa insatisfeita. Algo dentro dela sente falta da liberdade, da espontaneidade, da magia da sua infância.
"The Glass Castle" não é daqueles filmes que retratam pais abusivos e negligentes que maltratam os filhos. Pelo contrário, os pais podem ser excêntricos mas amam os filhos, simplesmente não têm o bom senso de tomar conta deles como devem. Num mundo profissional de fachadas frívolas e artificiais, Jeannette tem de encontrar o equilíbrio entre uma vida estável e a liberdade que perdeu.
"The Glass Castle" é uma história sensível sobre valores e escolhas, sobre superação e perdão, sobre sonhos e realidade e a tentativa de os abraçar sem tirar os pés do chão.
O filme é baseado no livro homónimo. Das críticas que li, o filme branqueia muitas passagens mais pesadas do livro de memórias da própria Jeannette Walls, por exemplo, quando as crianças tinham de procurar comida no lixo e andavam vestidas com roupa em farrapos quando a família até tinha dinheiro para lhes providenciar uma vida melhor e não o fez por negligência. Neste caso, terei mesmo de dizer que houve um terrível abuso feito a estas crianças e que estes pais não o mereceriam ser. Mas o filme não nos mostra isto, fica-se antes no fascínio e no perdão de Jeannette pelos seus pais "hippies" e "libertários".
13 em 20
domingo, 21 de dezembro de 2025
X (2022)
Não posso dizer que este filme me assustou, mas de certeza surpreendeu-me.
Em 1979, um grupo de amigos vai fazer um filme pornográfico para distribuição doméstica com o sugestivo título de "As Filhas do Lavrador". Para tal, arrendam um anexo numa quinta remota. No outro dia estão quase todos mortos.
Este não é um daqueles filmes de sustos e tripas, embora estes também apareçam. O perigo vem de onde menos o esperamos. Nem sequer me vou alargar sobre isto porque o filme não merece spoilers, mas somos frequentemente enganados, no bom sentido, como naquela cena em que uma das protagonistas vai nadar num lago de águas turvas e é perseguida por um jacaré sem sequer se aperceber do risco que correu.
Um dos trunfos de "X" é fazer-nos simpatizar com os personagens, especialmente durante as conversas que estes têm sobre os filmes porno, "só trabalho", como eles dizem, sem nunca transformar a actividade em glamour nem em miserabilismo. Para eles, desde os actores aos realizadores, é só uma plataforma de projecção para filmes a sério, ao mesmo tempo que ganham a vida. Custa-nos ver estas pessoas serem assassinadas, e ainda por cima por quem e porquê.
E é mesmo tudo o que posso dizer. "X" é um filme que deve ser visto sem spoilers.
Curiosidade, uma das protagonistas é Jenna Ortega, a nossa Wednesday, aqui irreconhecível.
13 em 20
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Planet Terror / Planeta Terror (2007)
Se alguma vez se perguntaram como seria o apocalipse zombie segundo Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, bem, é isto. Mas antes é preciso esclarecer que "Planet Terror" é um filme mau, e que foi feito mau de propósito. O objectivo? Não sei. Talvez fazer o melhor filme mau do género, ou mais correcto ainda, fazer o filme mais mau de todos os filmes maus do género que surgiram nos anos 70 e 80, incluindo efeitos de película riscada, manchada, descolorada.
A história? Uma arma biológica é libertada de um complexo militar, transformando todos os infectados em monstros repugnantes à caça de carne humana. Nem os zombies têm lógica. Alguns infectados não chegaram a morrer, outros foram infectados, morreram e ficaram zombies. Isto é, temos zombies tecnicamente vivos e zombies tecnicamente mortos. A certa altura alguém diz que é necessário atingi-los na cabeça, mas muitos deles não precisam de um tiro na cabeça para morrerem. O que seria um plot hole, aqui é propositado. Isto não é para fazer sentido, é para pôr meia dúzia de personagens-padrão a matar zombies, com muito sangue, muitas tripas, muitos furúnculos, muito pus. O filme pode não meter medo a ninguém mas tentou por tudo enojar o espectador.
O começo até promete, o início da epidemia zombie que é sempre o mais interessante, mas a partir do meio torna-se uma seca de filme de acção comparável ao pior dos filmes do SyFy, pelo que podemos dar os parabéns ao realizador: conseguiu o objectivo.
Voltamos então ao problema maior. Já vi "From Dusk Till Dawn" há muito tempo, e sei que tudo o que sai das mãos de Robert Rodriguez é exagerado ao nível de parecer um desenho animado, mas recordo que gostei do filme. "Planet Terror" faz justiça ao nome e é mesmo um terror de filme no mau sentido. Saliento que o filme está cheio de nomes sonantes (até Bruce Willis, Naveen Andrews, Rose McGowan e o próprio Quentin Tarantino) e que os efeitos especiais pertencem a Greg Nicotero, o génio dos zombies de "The Walking Dead", então, porquê gastar tempo e dinheiro a imitar filmes maus? (Aliás, ressalvo que alguns dos melhores zombies, os mais assustadores, têm definitivamente a assinatura de Nicotero, um verdadeiro desperdício neste filme.)
"Planet Terror" não se leva a sério (penso eu) mas não é uma paródia, não é engraçado, não é inteligente, não é original, não tem ponta por onde se pegue, então, qual é o propósito disto? Não percebo.
Que nota dar a um filme que quis ser propositadamente tão mau que é bom, mas que não o consegue ser?
10 em 20 (embora eu ache que Robert Rodriguez ficaria mais feliz com um 4 ou um 5, mas não conseguiu ser suficientemente mau)
domingo, 14 de dezembro de 2025
Arrival / O Primeiro Encontro (2016)
Na sequência da chegada de gigantescas naves alienígenas à Terra, um grupo de peritos é enviado ao encontro dos extraterrestres para descobrir o que eles pretendem. Entre eles, a linguista Louise Banks, responsável por estabelecer contacto com a espécie a que chamam Heptapódes, que comunica de forma não-fonética. À medida que as tentativas de diálogo fracassam ou progridem a ritmo muito lento e cheio de equívocos, os líderes mundiais vêem-se obrigados a combater o pânico da população e a planear a destruição dos alienígenas mesmo sem provas de que estes sejam hostis. Louise é o único elemento da equipa capaz de interpretar a linguagem dos Heptapódes antes desse ataque aos extraterrestres que pode significar uma retaliação para a Terra.
Em princípio é esta a "história". Mas a "história" não é esta. Louise vive atormentada por memórias e visões de uma filha que nós, os espectadores, julgamos falecida. Mas a "história" também não é esta. Não é possível adiantar mais sem incorrer em spoilers, mas nada é o que parece.
Certos aspectos do filme não vão agradar aos fãs de ficção científica pura e dura porque não são cientificamente credíveis. Os alienígenas dão a Louise o que quase poderíamos chamar um "poder mágico" que só funciona com ela, aparentemente e convenientemente, de modo a que ela consiga compreender a linguagem deles, porque os Heptapódes virão a precisar da ajuda humana daí por 3000 anos. Muitas questões se levantariam aqui: se a espécie é tão evoluída que chegou à Terra sem ser detectada, de que ajuda nossa poderão precisar?... Mas a "história" também não é essa, nem tal é aprofundado. Quem está à espera de uma "Guerra dos Mundos" não a encontrará aqui.
"Arrival" é sobretudo um filme sensível sobre escolhas e perdas, sobre o que significa valer a pena viver apesar do sofrimento, em suma, sobre o que nos torna humanos. A parte pseudo-científica é a desculpa para contar uma história bonita e comovente.
13 em 20
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Dark Shadows / Sombras da Escuridão (2012)
Barnabas Collins é um vampiro, vítima da maldição de uma antiga amante, que esteve encarcerado durante 200 anos. Em 1972, finalmente volta a casa para ajudar a família a sair da decadência.
"Dark Shadows" foi uma série/telenovela americana de culto que metia vampiros, bruxas, lobisomens, fantasmas, e tudo o mais. Para uma série tão tresloucada, é de admirar que tenha estado no ar de 1966 a 1971. Não tenho memória de ter passado por cá, mas dos excertos que vi no Youtube só me deu para rir. A série era mesmo muito má, lenta e teatral. O fenómeno é que tenha durado tanto tempo.
Não é o caso de "Dark Shadows" do realizador Tim Burton. Já tinha visto este filme e na altura não gostei. Se calhar esperava uma história melhor, e esqueci que os filmes de Tim Burton são maioritariamente para encher o olho, extravagâncias góticas inesquecíveis com efeitos especiais impressionantes. Ou seja, este é um filme para ver Johnny Depp como um vampiro do século XVIII que não percebe nada do século XX, no ambiente gótico e deslumbrante da mansão de família, e absorver toda a beleza tétrica que Tim Burton consegue trazer para o écran. Como se não bastasse, temos o verdadeiro Alice Cooper ao vivo!
Pessoalmente, lamento que os filmes de Tim Burton sejam mais imagem do que conteúdo. O melhor filme do realizador é mesmo "Edward Scissorhands", que aliava história à cinematografia fenomenal.
"Dark Shadows" enche o olho e tem muitos momentos de humor, mas falta-lhe aqui substância, drama, emoção. É tudo fachada sem nada por trás. Não sei se a culpa é de Tim Burton mas eu gostava de vê-lo outra vez a realizar um filme bonito, como este, que não fosse só imagem mas também conteúdo.
13 em 20
domingo, 7 de dezembro de 2025
We Summon the Darkness / Estranha Escuridão (2019)
Em 1988, três amigas vão assistir a um concerto de heavy metal. Pelo caminho, conhecem três rapazes metaleiros que vão ver a mesma banda e, no fim, decidem continuar a festa na casa de campo de uma delas.
Como pano de fundo, uma série de homicídios de contornos satânicos tem vitimado fãs de metal. Na altura (e isto é verídico), cultos evangélicos acusavam o heavy metal de desencaminhar os jovens para cultos ao diabo.
[Só um momento.
Hahahahahaha!
Peço desculpa. Estou tão farta destes energúmenos culparem a música e os jogos de vídeo pelos actos violentos de alguns miúdos perturbados (como o tiroteio de Columbine) que já não tem graça nenhuma.]
Sendo este um filme de terror, já sabemos que os homicídios vão entrar na história. A parte que me surpreendeu e de que gostei é que desta vez os maus da fita não são os homens. Este vai ser mesmo o único spoiler.
Do que não gostei: as três amigas têm motivos religiosos para cometerem os crimes, mas são umas amadoras que não sabem matar como deve ser. A princípio isto foi divertido, as três amigas a planearem os homicídios como quem combina que roupa levar a uma festa, mas depressa descambou numa certa palhaçada que só prejudicou a mensagem do filme.
Uma vez chegados aqui, o filme deixa de ser tão original e transforma-se num slasher normal, com os caçadores e as presas em papéis invertidos, mas um slasher. O filme é decente e interessante de ver, se o objectivo for apenas o entretenimento. Nada mais a esperar disto.
12 em 20
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Get Out / Foge (2017)
Chris é um homem negro que vai visitar os pais da namorada branca, um neurocirurgião e uma psiquiatra de classe social elevada. A princípio, estes parecem daquelas pessoas demasiado ávidas em provar que não são racistas, cometendo argolada atrás de argolada e não falando de outra coisa, nomeadamente que votariam em Obama outra vez e que conhecem celebridades de raça negra. Tudo isto parece embaraçoso mas inofensivo, até ao momento em que Chris começa a notar coisas estranhas. Por exemplo, os comportamentos da empregada e do jardineiro negros do casal, bem como o de um convidado da família igualmente negro, que não parecem nada normais. Quando Chris se acaba por fartar e decide dar a visita por terminada, descobre que o que se passa ali é muito mais sinistro do que ele poderia imaginar.
As críticas que li, nomeadamente as americanas, incidem em força na questão da raça, da sátira social em relação à raça, e tudo sobre a raça, mas não é isso que me interessa como filme de terror. Como filme de terror, a raça é usada como pretexto, mas o filme funciona porque podia passar-se em muitos outros casos propensos a choques culturais: o namorado pobre que visita os sogros ricos, o namorado rico que visita os sogros pobres, etc. A questão aqui é o perigo do "outro", do "outro desconhecido". Vou dar três exemplos, dois recentes e um clássico. Tirando a questão da raça, "Get Out" não é diferente de "Ready Or Not" (noiva que se vê apanhada nas tradições sanguinárias de uma família rica) ou do fantástico "Midsommar" (turistas apanhados em rituais pagãos), e a nível do clássico recordo "Deliverance" (aventureiros citadinos apanhados por campónios sádicos). Os exemplos nunca mais acabam. O princípio é o mesmo, a vítima incauta que cai na armadilha.
"Get Out" é inteligente porque aproveita um pretexto actual e polémico que baste para dar muito que falar e promover o filme, mas não é propriamente um drama sério sobre as questões raciais na América.
Como filme de terror funciona muito bem e leva-me a repetir o que já disse sobre "Midsommar": se algo parece estar errado é porque está mesmo; nunca se metam a visitar desconhecidos no meio de nenhures, especialmente se dependerem de outros para fugir de lá; nunca se deixem drogar/embebedar/hipnotizar nesta situação. Conselhos para a vida!
13 em 20
domingo, 30 de novembro de 2025
Arcadia (2023 - ?) [segunda temporada]
Numa sociedade distópica cujo lema é "temos o que merecemos" e em que o valor da pessoa é medido por pontuação, a família Hendriks está cada vez mais ameaçada. Hannah é exilada como o pai, Alex fica em maus lençóis, e Milly também se encontra sob suspeita. Entretanto, na floresta do Exterior, o patriarca Pieter Hendriks começa a congeminar um plano para derrubar o regime.
Confesso que não esperava uma segunda temporada desta série holandesa, e muito menos que a qualidade da estreia conseguisse ser mantida. "Arcadia" não é um produto de Hollywood em termos de produção e orçamento, e às vezes nota-se no mau sentido, mas, no que é verdadeiramente relevante, a série aguenta-se bastante bem.
Fiquei muito impressionada pela maneira como nos fazem compreender os personagens, até os vilões. Podemos não concordar com eles nem gostar deles, mas percebemos porque é que a Guardiã está realmente convencida de que a repressão securitária em Arcadia é a melhor solução para a sociedade. Ver as coisas pela perspectiva do contrário ao que acreditamos faz-nos ponderar os nossos princípios mais a fundo. Ultimamente, ela diz que "já não há crime nem medo", mas alguém a recorda de que agora há outro tipo de medo. Tentar viver numa utopia/distopia em que as pessoas só são valorizadas por aquilo com que podem contribuir vai forçosamente fazer com que os mais frágeis (ou doentes, ou inadaptados) sejam excluídos e, em caso extremo, como em Arcadia, considerados inúteis e não merecedores do custo que a sociedade tem de despender com eles. É a sobrevivência do mais apto, a lei da selva, aplicada com a intenção e a racionalidade fria de que o ser humano é capaz quando põe de lado a empatia. Nestes casos, regra geral, aqueles que estão em posição dominante nunca pensam que poderão ser eles, um dia, os mais frágeis, ou tentam viciar o sistema (mesmo que inconscientemente) em que aparentemente acreditam para que as regras cruéis que aplicam aos outros nunca se apliquem a eles nem aos que lhes são próximos. Esta série despretensiosa mostra-nos a humanidade falível dos que defendem sistemas baseados em ideias erróneas de mérito social, e por isso já vale muito a pena.
No entanto, acho que a série não explicou bem o golpe de Estado que deu origem ao regime. Daquilo que percebi, estão a culpar um só homem como cabecilha do atentado e isso simplesmente não seria possível. Mesmo que houvesse uma predisposição social para aproveitar o ataque terrorista para implementar o autoritarismo, uma acção deste tipo teria de ser sempre concertada entre vários conspiradores, aliás, como até está documentado na História recente. Caso contrário, líderes autoritários fariam questão de perseguir o responsável e exibir-lhe a cabeça na praça pública como exemplo. Não cheguei a perceber se "Arcadia" falhou neste ponto ou se não conseguiu mostrar o que queria (ou se não tinha orçamento para filmar uma conspiração a larga escala), mas foi a ideia com que fiquei.
Esta série surpreendeu-me. Com poucos meios fazem-nos pensar em tanta coisa.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Distopia, 1984, ficção científica, sociedades pós-apocalípticas
terça-feira, 25 de novembro de 2025
The Haunting of Sharon Tate / O Espectro de Sharon Tate (2019)
Este é um filme muito controverso, que tanto recebeu prémios como foi arrasado pela crítica por ser ofensivo à memória das vítimas.
O título em português não está muito exacto, devia ser igualmente "a assombração de (que afecta a) Sharon Tate". "The Haunting of Sharon Tate" é a reconstrução dramatizada dos assassinatos sangrentos desta actriz de apenas 26 anos e de quatro amigos, a mando de Charles Manson e executados por membros do seu culto chamado A Família. Não foram os únicos assassinatos da Família, mas foram talvez os mais mediáticos, não só por Sharon Tate ser a esposa do realizador Roman Polanski mas também por estar grávida de oito meses à altura, o que não podia ser mais chocante. Sharon Tate foi esfaqueada 16 vezes, o que nos dá uma ideia da brutalidade do crime. (Curiosamente, o homicídio não foi ordenado para Tate e amigos mas sim para o produtor discográfico Terry Melcher, que arrendava a mesma casa antes deles, por ter negado publicar a música de Charles Manson.)
Neste caso pode mesmo dizer-se que Sharon Tate estava no lugar errado na hora errada, e talvez por esta razão o filme tenha enveredado pela dramatização em que Sharon começa a ter pressentimentos, sonhos e visões com a sua morte iminente, o que a leva a ficar obcecada com o destino e a possibilidade de o alterar. Nestes sonhos, apavorantes, Sharon começa a ver os assassinatos como eles aconteceram na vida real, e aviso já que as cenas são difíceis de assistir e tão sangrentas e brutais como foram os crimes na realidade. Mas depois desta "reconstrução" fiel, ou o mais possível, o filme envereda por um "final alternativo" em que Sharon e os amigos não morrem, antes enfrentam os atacantes e sobrevivem.
É precisamente esta parte que muitos críticos acham ofensiva para as vítimas, como se isto as "culpasse" por não terem feito mais para se defenderem. Eu não diria que é ofensivo. A narrativa do filme centra-se toda na questão do destino, das escolhas, da possibilidade de vidas alternativas. Logo no início, Sharon está a ler um livro sobre reencarnação, tema muito em voga na altura. Tendo em conta este contexto, talvez se quisesse contar uma história mais optimista? A minha questão é: porquê? O que é que se queria dizer com isto? Que as coisas podiam ter sido diferentes? Talvez, mas não foram, e também não vejo o sentido de fazer "sobreviver" as vítimas de um crime tão trágico.
12 em 20 (pela reconstrução, embora dramatizada)
domingo, 23 de novembro de 2025
The Last Kingdom: Seven Kings Must Die (2023)
"Seven Kings Must Die" pretende ser um filme de epílogo para a série "The Last Kingdom", mas eu considero que isto é mais um último episódio de duas horas.
Sem querer entrar em spoilers, Aethelstan torna-se rei após a morte de Edward e enfrenta a aliança de vários soberanos pagãos e cristãos incitada pelo viking Anlaf. Uhtred é obrigado a intervir, não apenas por uma questão de vassalagem mas por lealdade ao neto de Alfred e ao ideal de uma Inglaterra unificada.
Devo dizer, fui ver "Seven Kings Must Die" com muito receio porque já tinha lido críticas alarmantes. "The Last Kingdom" acaba de modo muito satisfatório, não deixa pontas soltas, e "Seven Kings Must Die" começa logo por ser desnecessário. Quando uma série termina tão bem, com tudo resolvido, não queremos uma má sequela a estragar-nos essa recordação. Não foi exactamente o que aconteceu, mas agora compreendo as críticas.
Ao ver o episódio, a minha maior questão foi: porque é que não fizeram mais uma temporada? É aqui que todas as críticas convergem e eu concordo. Este episódio tem enredo suficiente para uma temporada inteira. Como resultado, a acção é demasiado apressada, as viagens entre localidades acontecem à velocidade da luz (custa acompanhar onde eles estão quando vão de norte a sul e de leste a oeste em 30 segundos), e não há tempo para desenvolver as personagens. Por falar nisso, uma nova temporada permitiria incluir personagens como Stiorra, filha de Uhtred, a rainha Aelswith, a monja Hild e a Lady Eadith, que aqui nem aparecem. Tudo o que era excelente na série é sacrificado ao ritmo frenético da acção porque há muitas batalhas para travar e pouco tempo de filme. Há mortes chocantes mas ninguém tem tempo de fazer o luto, nem eles nem nós. O episódio é uma correria desenfreada para conseguir condensar a história que quer contar em menos de 120 minutos.
E por isso pergunto: porquê? Uma das razões apontadas é a falta de orçamento, mas se houve dinheiro para uma batalha épica de 10 minutos não haveria dinheiro para momentos de desenvolvimento das personagens em cenários mais baratos? E, sendo uma série de sucesso e adorada pelos fãs (e muito mais bem escrita do primeiro ao último episódio do que "A Guerra dos Tronos" e "Vikings"), e se o filme foi aprovado, porque é que uma última temporada escrita pela mesma equipa não seria? Há aqui qualquer coisa que não bate certo em termos comerciais.
Se mesmo assim vale a pena ver? Vale muito a pena ver, e as boas memórias da série não vão ficar beliscadas, mas deixa-nos com uma sensação de desperdício de enredo e de incompreensível qualidade inferior.
A mim chateou principalmente a falta de desenvolvimento das personagens. Quem vir apenas este "filme" (que não é filme porque não é uma história autónoma) vai pensar que as personagens da série também eram bidimensionais como são aqui, a mudar radicalmente de ideias em questão de segundos sem que se perceba muito bem as suas motivações. Aethelstan é um vilão porque está a ser manipulado pelo amante, um monge secretamente ao serviço dos reis pagãos. Uhtred tenta abrir-lhe os olhos e Aethelstan quase o manda matar, mas uns minutos depois Aethelstan percebe o seu erro, tudo isto tão depressa que parece que só passou meia hora na vida dos personagens. Nem há tempo para respirar. Para quem não viu a série, asseguro que "The Last Kingdom" é uma história bem contada. Aliás, aconselho veementemente que não se veja este episódio sem ver a série, porque seria uma injustiça.
O que aborrece mais é que ainda assim "Seven Kings Must Die" consegue incluir, na medida do possível e do tempo do filme, pitadinhas dos elementos que tornaram a série tão boa: romance, humor, drama, a dinâmica entre os personagens principais, e uma batalha espectacular a fechar. Uhtred já não está tão burrinho como no princípio. Aparecem presságios que só percebemos no fim. A certa altura pensamos que Uhtred está a ver valquírias e ficamos gelados, mas vamos ter ainda uma visão de Valhalla, como Uhtred o imagina, mais à frente. Os últimos segundos do episódio emocionaram-me e trouxeram-me lágrimas aos olhos, o que não acontece todos os dias, e que não acontece devido ao enredo mas ao significado da história em si.
"Seven Kings Must Die", pelos defeitos, fez-me dar mais valor à qualidade e ao impacto de "The Last Kingdom". Aconselho aos apreciadores da série que desejem mais aventuras de Uhtred, Finan, Sihtric e Pyrlig, desde que se preparem para um episódio mal aproveitado.
ESTE EPISÓDIO MERECE SER VISTO: 1 vez, mas só depois de ver a série
PARA QUEM GOSTA DE: The Last Kingdom, Vikings, drama histórico
terça-feira, 18 de novembro de 2025
The Giver / O Dador de Memórias (2014)
Numa sociedade distópica, muito depois da destruição da Terra, o jovem Jonas prepara-se para assumir o papel de adulto e membro produtivo da comunidade, mas, ao contrário dos seus colegas e amigos da mesma idade, a quem são atribuídas funções de acordo com as suas personalidades, Jonas é seleccionado para ser o novo Receptor de memórias.
Esta sociedade, regulada pelo princípio da Semelhança, em que toda a gente tem de ser igual e a individualidade foi abolida, conseguiu suprimir as memórias do passado e as emoções através da medicação que todos tomam, e inclusivamente a capacidade de ver a cores (para que não haja diferenças raciais). Deste modo, o filme começa a preto e branco e vai ficando colorido à medida que Jonas se recorda das cores. Como receptor das memórias, Jonas é incumbido de receber do Dador que o precede toda a verdadeira História da Humanidade que esta sociedade esqueceu de propósito: as emoções, as cores, a paixão, os sentimentos, mas também a perda, a violência, a guerra, a morte. A sua maior dificuldade vai ser mesmo confrontar-se com a morte, algo que os habitantes da comunidade preferem ignorar que exista.
Esta sociedade podia ser uma mistura de "Admirável Mundo Novo" e "1984", com a adição de eugenia em que os velhos e os bebés considerados não "aptos" são enviados para o Outro Lugar (eufemismo para assassinados). Uma coisa aterradora! Para meu horror, no entanto, o filme desenvolveu-se como uma versão Young Adult de "Admirável Mundo Novo" + "1984" para crianças, o que não anda longe da verdade porque o filme é baseado no livro homónimo de Lois Lowry, que, segundo vi em críticas, é realmente lido às criancinhas como maneira de "preparação" para os clássicos de Aldous Huxley e George Orwell. Eu não li o livro mas não concordo nada com isto. Acho que "1984" deve ser lido a frio, por volta dos 14 anos, para a pancada acertar no sítio. Seja como for, George Orwell até nos fez o favor de escrever a versão "infantil" em "Animal Farm", e tudo o que li sobre o livro de Lois Lowry não me convenceu de que fosse melhor escolha.
Mas voltando ao filme, pelo que percebi é ainda mais Young Adult do que o livro, com o inevitável trio romântico e tudo, a assemelhar-se (colar-se) mais a "The Hunger Games" e "Divergent". Se no livro existe algum "murro no estômago", aqui fica tudo tão diluído num mundo de adolescência que nem a eutanásia de um bebé produz o efeito que merece.
No fim resume-se tudo a salvar um destes bebés enviados para Dispensa (dispensa de viver, entenda-se). A sociedade apresentada podia dar uma história sinistra, de arrepiar, mas em vez disso é tudo tão insonso que eu cheguei a torcer para que o bebé morresse à mesma só para infundir algum drama a esta seca. Ainda por cima o final não faz sentido. Tudo o que Jonas tem de fazer para restaurar as memórias à comunidade onde vive é fugir para lá da Fronteira que separa a comunidade do mundo selvagem, e as memórias regressarão. Mas regressarão como?! Parece que ele e o Dador se comunicam por telepatia, mas, do que vimos, os residentes medicados não reagem à telepatia. Aqui não há magia nem sobrenatural, é tudo ficção científica, então como é que raio o atravessar de uma Fronteira iria afectar a comunidade?
Foi doloroso ver o desperdício de actores como Jeff Bridges, Alexander Skarsgård (o Eric de "True Blood"), e, principalmente, de Meryl Streep, que (tal como Julianne Moore em "The Hunger Games") merecia estar a interpretar papéis à sua altura em vez de participar nesta chachada. Espero que lhe tenham pago bem.
11 em 20
domingo, 16 de novembro de 2025
Hitler: The Lost Tapes of the Third Reich / Hitler: As Gravações Perdidas do Terceiro Reich (2023)
Este é um documentário sobre a ascensão e queda de Hitler baseado em testemunhos de seus amigos, conhecidos e colaboradores.
Não é o melhor documentário que já vi sobre o tema, e já vi dezenas, mas é principalmente interessante porque temos relatos de pessoas que lidaram com Hitler como pessoa comum (vizinhos, conterrâneos, inquilinos do mesmo prédio, amigos de amigos) ainda antes de ele se envolver com o partido nacional-socialista.
Estudar a ascensão de Hitler e do regime nazi é cada vez mais relevante. É fascinante observar como foi fácil, nas circunstâncias do pós-guerra e da Grande Depressão, convencer os alemães de que os judeus eram culpados por todos os problemas da Alemanha. Hitler parecia ter uma obsessão pessoal com os judeus desde muito novo, mas a verdade é que essa percepção encontrou eco nas massas e que os principais líderes do partido, por convicção ou oportunismo, tanto usaram o carisma do Führer como essa predisposição social para empreenderem uma campanha de propaganda simplista contra uma minoria transformada em inimigo número um e alvo a abater. Sem esta conjugação de factores a ideologia nazi nunca teria alcançado o nível de fanatismo que conseguiu arrancar das massas, num crescendo, desde os anos 30 até ao fim da guerra.
É verdadeiramente impressionante e necessário conhecer o fenómeno a fundo numa altura em que até no nosso país se começa a reconhecer o mesmo padrão.
terça-feira, 11 de novembro de 2025
Insidious: The Last Key / Insidioso: A Última Chave (2018)
Parece que o franchise "Insidious" não pára de lucrar. Esta é outra prequela do primeiro "Insidious", mas também é uma sequela de "Insidious: Chapter 3", e já há outra sequela a caminho com a mesma família do filme original, que, coitados, parece que não se conseguem livrar da assombração.
A sinopse de "Insidious: The Last Key" promete que a médium Elise Rainier vai enfrentar a maior assombração da sua vida, e eu não acreditei porque já sei do que a casa gasta, mas neste caso enganei-me redondamente. Elise Rainier vai mesmo confrontar-se com o maior fantasma da sua vida e da sua infância: o seu pai. E logo isto confere a este "Insidious: The Last Key" um nível dramático que nunca existiu nos filmes anteriores em que um dos personagens recorrentes era um demónio chifrudo (ausente aqui, talvez graças ao deus Pan).
O filme começa com um flashback à infância de Elise. Logo de início, viviam numa casa contígua a uma prisão, onde cada vez que um condenado era executado na cadeira eléctrica as luzes davam sinal. Já em criança, Elise tinha o dom de falar com os mortos. A sua mãe considerava-a especial, mas o pai não gostava nada daquilo e submetia Elise a grandes tareias para a levar a dizer que não via fantasmas nenhuns e fechava-a na cave como castigo por ela insistir na verdade. Como se não bastasse, um dia Elise é enganada por um demónio a abrir uma porta, o que resultou na morte violenta da sua mãe e no aumento da brutalidade do seu pai. Por fim, não são os demónios quem expulsa Elise de casa, é ela própria, já adolescente, que foge da violência a que o pai a sujeita.
Muitas décadas depois, quando Elise já tem a companhia dos dois caça-fantasmas Tucker e Specs (que neste filme não são tão embirrantes como nos anteriores mas continuo a não lhes achar graça nenhuma), Elise recebe o pedido de ajuda de um dono de casa desesperado que é atormentado por fenómenos sobrenaturais. A casa onde ele reside é precisamente a mesma onde Elise cresceu, mas apesar do passado traumático ela não hesita em ir lá.
Aqui começa a parte do filme de que os espectadores mais impacientes não vão gostar. Durante uma boa meia hora Elise e os caça-fantasmas não fazem outra coisa senão andar pela casa a detectar presenças. Estas cenas de "detecção" costumam ser as minhas preferidas, porque já sabemos que eles vão encontrar qualquer coisa. Mas, desta vez, o que eles encontram é tão inesperado e perturbador que me fez cair o queixo, e já considero este o melhor "Insidous" que já vi. Segue-se uma morte não sobrenatural e realista, e juro que nunca mais vou olhar para um armário da mesma maneira.
Mas para quem pense que "Insidious: The Last Key" é só drama da vida real, o último terço do filme leva-nos para território mais "familiar", em que Elise tem de ir mais uma vez ao "Longínquo" para enfrentar o demónio que, aparentemente, lhe matou a mãe e que foi responsável pela violência do seu pai. Este demónio tem chaves em vez de dedos, o que podia ser simbólico das chaves que abrem as portas aos demónios de infância.
Na verdade, este podia ter sido um grande filme se esta faceta dos demónios/chaves/traumas de infância tivesse sido explorada como deve ser, mas a partir deste momento "Insidious: The Last Key" cai na mesma lengalenga dos "Insidious" anteriores: demónios monstruosos, sustos, Elise como super-heroína no plano astral. Que pena. Eu até estava a gostar.
Mesmo assim, como já disse, este pode muito bem ter sido o melhor filme do franchise todo e estabelece Elise Rainier como a personagem principal da saga, sem sombra de dúvidas.
13 em 20
sábado, 8 de novembro de 2025
Crítica ao livro "Lethes", de D. D. Maio - por book.serotonin (Instagram)
terça-feira, 4 de novembro de 2025
Yesterday (2019)
Jack Malik é um músico a tentar iniciar uma carreira, mas sem sucesso. Depois de um apagão global de 12 segundos, Jack acorda para um mundo onde os Beatles nunca existiram. Jack é a única pessoa que se lembra das canções e não resiste à tentação de começar a tocá-las como se fossem suas. Para sua surpresa, a reacção dos ouvintes não é tão efusiva como seria de esperar. Isto muda quando Jack obtém a atenção de Ed Sheeran (no papel dele próprio), que o convida para fazer a primeira parte dos seus concertos. O êxito das canções dos Beatles é de tal ordem que Jack Malik é logo abordado por uma manager da indústria discográfica e em questão de meses é admirado e famoso... mas sente-se culpado por estar a receber os louros de um trabalho que não é seu. No entanto, e ao mesmo tempo, Jack sente-se na obrigação de não deixar o mundo perder a música dos Beatles.
"Yesterday" é claramente um filme sobre os Beatles, não tanto sobre como seria o impacto provocado pela sua falta no panorama musical (a não ser que o filme diz que os Oasis também nunca existiram) mas mais sobre como as pessoas reagiriam à música dos Beatles se a ouvissem pela primeira vez nos dias de hoje. Segundo o filme, as reacções variam entre o fascínio e a indiferença quando Jack as interpreta perante família ou amigos, e só são verdadeiramente apreciadas quando Jack se torna um fenómeno mundial com a ajuda mediática. O que nos leva à mesma pergunta, até que ponto é que os Beatles seriam relevantes hoje em dia, e seriam um fenómeno da mesma dimensão que atingiram nos anos 60? Eu nunca fui fã dos Beatles. É um tipo de pop demasiado ligeira, alegre e optimista para o meu gosto (quando na minha opinião a única coisa musical saída dos anos 60 que se aproveita são os Doors, exactamente por serem pesados, depressivos e pessimistas), mas por outro lado acredito que os Beatles não fariam música da mesma maneira se tivessem existido hoje, logo, quem sabe? O que é inegável é o legado e influência que tiveram na música em geral, e não é preciso ser-se fã para reconhecer isso.
É claro que eu já estava à espera de uma injecção de música dos Beatles neste filme (e, para quem gosta, "Yesterday" assegura quase todos os êxitos), o que não esperava era uma injecção de Ed Sheeran, pessoa que conheço da "Guerra dos Tronos" e que prefiro não conhecer de mais lado nenhum, apresentado aqui como o melhor compositor do mundo a seguir aos Beatles, o que me informa de que os realizadores do filme não conhecem Nick Cave (já para não falar de Leonard Cohen). Nem vou dizer que têm mau gosto porque os gostos não se discutem, lamentam-se, e o panorama da música ligeira de massas sempre foi para lamentar desde o tempo de Elvis Presley até hoje, pelo que é fácil perceber onde eu me situo nesta questão.
"Yesterday" também é uma suposta comédia romântica (que não tem graça nenhuma) entre Jack e uma amiga de infância, Ellie, que sempre foi a sua maior fã. Incompreensivelmente, Jack só percebe que ela gosta dele quando Ellie já desistiu e já tem outro namorado, e Jack faz a grande canalhice de se declarar em público e em directo durante um concerto de estádio, sem se ralar nada com os sentimentos do desgraçado do namorado que ficou ali todo encavacado. Isto comigo, se fosse a Ellie, era razão para nunca mais falar a Jack, só pela falta de delicadeza se não por mais razões, mas, como isto é uma comédia romântica, Ellie não apenas adora a declaração de amor como larga o namorado logo ali. O manso do namorado até aceita tudo muito bem, dizendo que sempre soube que era a segunda escolha. Coitado, é de ter pena.
Por causa desta rom com o filme é muito levezinho, mas há uma passagem com um personagem inesperado perto do final que me impressionou bastante, e que pode emocionar grandemente os fãs dos Beatles. De resto, "Yesterday" nunca aprofunda a premissa de nos mostrar um mundo sem os Beatles e, na minha opinião, vale pelas canções e por alguns momentos humorísticos, mas nada por aí além.
13 em 20
domingo, 2 de novembro de 2025
Espias (2025)
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Portugal neutro é um palco ideal para a espionagem. "Espias" é uma história de espionagem no feminino com agentes inglesas e alemãs e polícias da PVDE.
Primeiro que tudo, deixo um disclaimer. Não sou fã de espionagem, especialmente a espionagem "pura e dura". Nem sequer tenho paciência para o 007. Só vi esta série porque é portuguesa e porque gosto de ir acompanhando a produção nacional. Posto isto, não sei mesmo avaliar se a série é boa dentro de um género que, pessoalmente, acho chato.
No entanto, as poucas coisas de espionagem que eu vi e que me interessaram focaram-se mais no drama pessoal de uma personagem em que a espionagem propriamente dita ficava quase em segundo plano. Estou a pensar, por exemplo, em "Das Boot", em que os personagens que se viam envolvidos em espionagem lá iam parar um pouco por acidente ou necessidade, mas o foco de interesse era mesmo o drama humano. Em "Espias" temos aquilo a que eu chamo espionagem "pura e dura", em que o drama humano é secundário. É verdade que Bárbara, falsificadora portuguesa que se torna agente dupla porque é apanhada entre ingleses, alemães e a PVDE, tem um irmão preso no Tarrafal e faz tudo isto na tentativa de o ajudar. Mas nunca vemos este irmão nem a relação entre os dois, é apenas uma motivação que nos é informada. A série passa-se sobretudo na acção da espionagem em si, isto é, planos, códigos, encontros, fotografias, mapas, correspondência com tinta invisível, falsificações, seduções, e todo esse etcétera, que é precisamente o etcétera que pessoalmente me desinteressa do género. Se calhar os fãs de espionagem vão achar o contrário, não imagino.
Outra coisa que me entusiasmou minimamente nos (relativamente) poucos filmes e séries do género que vi, é quando todo enredo culmina num propósito maior, seja esse propósito engraçado (como roubar a "Fallen Madonna With The Big Boobies" em "Alô Alô") ou grandioso (como obter informações que podem alterar o curso da guerra em "Das Boot") ou egoísta (como um personagem simpático que só quer safar a pele). Achei que "Espias" se focou principalmente nos pormenores das missões e utilizou muita informação e personagens off-screen que nem chegamos a conhecer, e só conseguiu este efeito de propósito maior no último episódio. Mas isto é a opinião de quem não gosta particularmente de espionagem como género, logo teria de haver outra coisa qualquer para me agarrar.
O que aprecio são produções de época, e gostei bastante do que vi. Só achei estranho tantas mulheres de calças naquela altura, mas por outro lado eram mulheres estrangeiras e da alta sociedade. Pode ser que muita coisa tenha mudado entre os anos 40 e os anos 70, mas ainda nos anos 70 não era bem visto que uma senhora "de respeito" usasse calças, e muitas velhotas que conheço nunca usaram calças na vida nem se sentiriam bem a usar. Era considerado "vergonha". Uma senhora não andava por aí a mostrar as formas, tinha de usar saia, e que não fosse muito justa.
O que me leva ao que gostei mais nesta série, os Pevides, a parte que senti mais portuguesa e próxima daquilo que será o meu imaginário no que toca à altura. Para começar, aprendi que a sigla que antecedeu a PIDE até 1945 era PVDE. Eu sabia que tinha mudado de nome mas não conhecia a designação exacta. Agora não me vou esquecer por causa dos Pevides. Também já tinha ouvido a expressão "pevide", mas sempre pensei que era a gozar com PIDE. Afinal nem era gozo, estava mesmo lá: PeViDE.
Brincadeiras à parte, gostei de ver as coisas um bocadinho pela perspectiva dos agentes da PVDE, por vilões que sejam. Até seria interessante, na minha opinião, termos mais ficção nesta perspectiva. Passados 51 anos do 25 de Abril, talvez já fosse tempo? Talvez ainda seja muito cedo? Pergunto-me. Mas seria interessante.
"Espias" é uma espécie de sequela de outra série que eu perdi, "A Espia". Não me pareceu que não ter visto a série anterior tenha prejudicado a minha avaliação, mas não posso ter a certeza. Aconselho o visionamento aos apreciadores de séries de época e, é claro, de espionagem.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: séries de época, espionagem, História
terça-feira, 28 de outubro de 2025
The Boy / Segue As Regras (2016)
Por todas as razões, não gosto de ver o original depois da sequela, mas desta vez aconteceu. Sorte minha, as histórias são tão diferentes que a sequela, tirando o boneco sinistro, nem parece a continuação do original.
Greta Evans (Lauren Cohan, a Maggie de "The Walking Dead") é uma jovem americana contratada por um casal britânico como ama de um rapaz de 8 anos. Qual não é a sua incredulidade e espanto ao descobrir que "o rapaz" é um boneco sinistro de porcelana a quem o casal já idoso trata como se estivesse vivo. Aqui é o momento em que qualquer pessoa se questionaria se queria mesmo trabalhar neste ambiente tresloucado, mas é óbvio que o casal age assim por qualquer razão traumática. Mais tarde Greta descobre que o filho dos Heelshire (o casal) morreu num incêndio há 20 anos e que, progressivamente, os pais enlutados começaram a tomar o boneco pelo filho. Tirando este motivo de compaixão, Greta precisa do dinheiro e precisa sobretudo de escapar a um ex abusivo que ficou na América.
Os Heelshire partem em viagem e deixam Greta na grande mansão onde vivem, com um conjunto de regras para cuidar de Brahms, o boneco. Por exemplo, é proibido receber visitas e Brahms tem de "comer" sempre à mesa, "assiste" a aulas diárias e exige um beijo de boas noites. Obviamente, assim que o casal sai, Greta ignora as regras e põe Brahms a um canto como boneco que é.
É então que começam a acontecer coisas estranhas: Brahms parece mudar de posição, aparece noutra divisão da casa, Greta ouve uma voz que soa como uma criança. A pouco e pouco, Greta começa a convencer-se de que o espírito ou fantasma do rapaz morto está presente na casa, ou até mesmo a possuir o boneco, e passa, ela também, a tratar Brahms como se estivesse vivo.
Acredito que "The Boy" faça um bom filme de terror para quem não saiba previamente o fim (como foi o meu caso). Tudo nos leva a crer que vai ser a história de um boneco assombrado quando uma surpresa nos troca as voltas.
Na minha opinião, o aspecto mais bem alcançado de "The Boy" foi conseguir convencer-nos de como o casal a sofrer a perda de um filho podia muito bem tê-lo substituído pelo boneco, e de como Greta, por outras razões, chega a acreditar que o boneco está vivo. Sem dúvida que a expressão impassível de Brahms, com o seu rosto realista e olhos que parecem estar sempre a olhar para nós, no ambiente de uma mansão antiga e escura, se pode tornar inquietante. A reviravolta final poderá parecer um pouco abrupta, no meu entender, e Brahms foi mais bem aproveitado na sequela.
E continuo a dizer que Brahms daria um excelente namorado para Annabelle.
13 em 20
PS: Na série de televisão "Chucky", Chucky vê este filme e não fica nada contente com a concorrência.
domingo, 26 de outubro de 2025
1917 (2019)
1917, França, linha da frente da Primeira Guerra Mundial. Na sequência de uma retirada dos alemães, os jovens cabos Blake e Schofield são incumbidos da difícil missão de avisar um batalhão britânico que pretende avançar e atacar de que a retirada é uma armadilha que resultará num massacre de 1600 mil homens, um deles o irmão mais velho de Blake. O cabo Blake terá sido escolhido exactamente por este motivo e não podia estar mais motivado, mas o seu companheiro, Schofield, tem sérias dúvidas quanto à missão que os obrigará a atravessar a terra-de-ninguém entre os dois exércitos, e isto durante o dia para chegarem a tempo. (As semelhanças deste enredo com "Saving Private Ryan" são óbvias, mas terminam por aqui.)
Do que li, o que mais impressionou os críticos foi a maneira como o filme foi filmado, aparentemente num único take (não foi, mas parece) que segue os dois protagonistas e nos dá a sensação de os acompanhar desde as trincheiras aos campos bombardeados onde os corpos se amontoam, em crateras de lama, comidos pelos ratos e os corvos.
"1917" é um drama de guerra, mas o que me impressionou mais, pessoalmente, é que é filmado como se fosse um filme de terror. Por exemplo, quando eles entram nas trincheiras alemãs abandonadas mas ainda encontram brasas acesas, ou quando chegam a uma quinta deserta e descobrem um balde de leite acabado de ordenhar, como se toda a gente tivesse fugido à pressa, deixando para trás até os víveres mais preciosos. Todo este cenário de "abandono à pressa" é típico de filmes de terror em que um grupo inimigo foge de algo ainda pior que aguarda os protagonistas mais à frente (por exemplo, "Predador"). Houve momentos em que não me admiraria, sinceramente, que acontecesse algo de sobrenatural ou que surgisse um monstro alienígena que tivesse afugentado os alemães. Noutra cena, numa aldeia bombardeada e em chamas, um soldado alemão aparece de uma nuvem de fumo, mas, palavra de honra, parecia antes um Freddy Krueger a perseguir o protagonista que teve de fugir a correr pelas ruas desertas (por esta altura ele já estava desarmado), ou, noutra cena em que Schofield cai ao rio e tem de nadar e subir por cima de cadáveres inchados entre ele e uma represa, não me espantaria nada que estes fossem zombies. Duvido muito que fosse essa a intenção do realizador, mas foi o que o filme me sugeriu: um filme de guerra filmado como se fosse um filme de terror, e de igual modo arrepiante.
Mas perguntar-me-ão: um filme de guerra, por si só, não retrata o terror? Sim, a guerra é o pior terror que as pessoas inventaram para fazer mal umas às outras, mas não falo das metralhadoras, das granadas, das trincheiras enlameadas, da fome, das doenças, dos milhões de mortos. Isso são terrores naturais. A sensação que tive ao ver "1917" foi a de que, a qualquer momento, o género ia transformar-se de drama de guerra em puro terror, e se calhar foi por isso que gostei tanto, e que também fiquei um bocadinho desiludida por ser só guerra.
Mas tenho a certeza de que isto só sou eu, consumidora massiva de filmes de terror que de vez em quando vê uns dramas de guerra como este, um filme realista que nos mostra os vários cenários da Primeira Guerra Mundial como eles eram, mas com um misto de horror e beleza cinematográfica impossível de descrever, e que, apesar da cinematografia deslumbrante, cria uma tensão em crescendo que nos inquieta e que vai ser difícil de esquecer.
15 em 20
terça-feira, 21 de outubro de 2025
The Rite / O Ritual (2011)
Já tinha visto este filme mas por alguma razão a crítica ficou por fazer. "The Rite" é um dos filmes de exorcismos mais verosímeis que já vi na vida.
Michael Kovak é filho de um agente mortuário e destinado a herdar o negócio de família quando decide antes entrar num seminário para ter a educação que não consegue pagar. Quase a ponto de ser ordenado padre, desiste por falta de vocação, mas o seu mentor prefere enviá-lo para Roma para tirar um curso sobre exorcismos.
Em Roma, Michael é enviado ao padre Lucas (Anthony Hopkins), um reputado exorcista conhecido pelos seus métodos "pouco ortodoxos". Lucas encontra-se precisamente a exorcizar uma jovem grávida de 16 anos que aparenta sintomas de possessão. Michael é céptico e tem motivos para acreditar que a rapariga foi violada pelo pai e que precisa de um psiquiatra e não de um exorcista, mas nem ele consegue explicar certas capacidades que ela demonstra durante o exorcismo. O padre Lucas explica-lhe que um exorcismo não se resolve de uma só vez, podendo exigir semanas, meses ou anos de sessões antes de libertar o possuído. Aqui não há cabeças a girar nem arremesso de vómito, mas a possuída não deixa de se contorcer e de falar em línguas que desconhece durante o exorcismo.
Assistir a isto abala Michael e a sua fé na ciência, mas não o faz perder o cepticismo, nomeadamente quando o padre Lucas visita a casa de uma criança que tem sonhos com o demónio e Lucas desencanta um sapo da sua mala a quem chama o Diabo, para mostrar à criança que já o "apanhou" e que o miúdo já não deve tornar a ser incomodado por ele.
Michael só fica convencido quando acontece aquilo que um exorcista mais deve temer acima de tudo, ficar possuído também, o que é o caso do padre Lucas. (Eu devo ter sido melhor aluna do que Michael no tal curso de exorcismos porque percebi primeiro do que ele que Lucas estava a demonstrar sinais de possessão.) Digo que é o pior que um exorcista pode temer porque é essa a faceta mais tenebrosa da possessão: não há motivo. Se Anthony Hopkins já é assustador "ao natural", um Anthony Hopkins possuído é aterrador. Aqui nem foram precisos muitos efeitos especiais, bastou alguma maquilhagem e Hopkins fez o resto.
"The Rite" não é daqueles filmes em que as camas levitam e as Bíblias voam pelo ar. O momento mais arrepiante é uma certa conversa entre Michael e o seu pai (seria o seu pai?...). Mas "The Rite" cria a atmosfera sombria e tensa que o filme exige, e recomendo a todos os amantes de exorcismos e de Anthony Hopkins.
16 em 20
domingo, 19 de outubro de 2025
Z For Zachariah / Os Últimos Na Terra (2015)
Depois de uma guerra nuclear, Ann, uma mulher jovem, mora sozinha com o seu cão na quinta que os pais lhe deixaram, num vale onde as radiações não conseguem entrar. Fora do vale, a contaminação matou todas as pessoas. Ann julga que está sozinha no mundo, cuidando da quinta, tocando órgão na pequena capela de madeira que o seu pai construiu, quando encontra John, na estrada, muito doente de radiação. John recupera e uma das primeiras coisas de que falam é da ausência de radiação no vale. John, um cientista que sobreviveu num bunker, atribui o fenómeno ao microclima no vale; Ann atribui-o à protecção divina. John encontra, entre muitos livros bíblicos na estante, um que se chama precisamente: "A is for Adam". Quando John sugere construírem um moinho de água numa cascata próxima de modo a produzirem electricidade para o inverno, usando a madeira da igreja, Ann fica muito dividida, a princípio, mas acaba por concordar por ser a única maneira de sobreviverem.
Com o tempo, Ann e John desenvolvem sentimentos românticos, mas John não lhes cede porque é mais velho do que Ann e pensa que têm muito tempo para se conhecerem melhor. Esta dinâmica é abalada quando surge outro sobrevivente, Caleb, que estava a trabalhar numa mina ali perto quando o desastre nuclear aconteceu. Caleb é um homem atraente, branco, com a mesma cultura de Ann e religioso como ela, um vizinho de uma povoação próxima, daqueles com quem Ann poderia vir a casar noutras circunstâncias. John é negro, ateu, mais velho, alguém que não tem nada em comum com Ann. E, de facto, enquanto os três trabalham no moinho de água, John repara que Ann e Caleb começam a aproximar-se. John diz que não se importa, mas não é bem assim. Ann pode ser a única mulher no mundo, e uma mulher bonita, e tanto Caleb como John a cobiçam numa tensão crescentemente mais declarada. O que poderá correr mal?
Os paralelos deste vale protegido com o Jardim do Éden são evidentes. O título "Z For Zachariah" nunca é explicado, mas se Adam foi o primeiro homem, Zacariah será o último. Só que, ao contrário do que Ann pensa ao conhecer John, este não era o último homem.
Muito diferente dos filmes pós-apocalíticos que conhecemos, "Z For Zachariah" aproveita este triângulo romântico para fazer um estudo da natureza e da moral humana. O filme não está muito preocupado em mostrar cenários de destruição, pelo contrário, o vale é idílico, até um pouco demais: todos parecem mais bem alimentados do que deviam (só têm legumes, couves, ovos de meia dúzia de galinhas que não podem comer por causa dos ovos, e alguns perus selvagens que conseguem caçar), não sei até que ponto o moinho de água conseguiria produzir electricidade para abastecer a casa toda e as arcas frigoríficas, e também tenho dúvidas de que John conseguisse recuperar do envenenamento por radiação no estado em que ele estava ao chegar.
Tudo parece decorrer, mesmo assim, num ambiente de harmonia e respeito, até ao final. O final, confesso, chocou-me. Não esperava aquilo.
Recomendo a toda a gente que se interessa pela natureza humana numa situação limite.
14 em 20
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Dar rosto a uma personagem com Inteligência Artificial - Reena, em "Lethes"
Um amigo começou a brincar com isto e eu fiquei tentada. O meu primeiro impulso foi dar rosto à personagem principal da série iniciada com "Nepenthos", Reena. As seguintes criações em Inteligência Artificial já são baseadas no livro "Lethes", mas a prompt foi feita de propósito para este fim e não corresponde a nenhuma cena em particular.
Como escritora, algo que me intriga muito é a imagem que os leitores fazem de uma personagem. O género literário implica uma descrição básica das características físicas e do tipo de roupa que a personagem usa, mas, tirando isso, nunca gostei de fornecer demasiados pormenores porque prefiro que o leitor crie uma imagem na sua mente, imagem essa que pode variar de acordo com a imaginação e a preferência, e é muito bom que assim seja.
Obviamente, eu também tenho uma imagem da personagem na minha cabeça. Foi um exercício muito interessante submeter essa imagem a diferentes modelos de IA e ver os resultados. Para variar, não vou precisar de descrever a personagem em palavras, basta olhar para as semelhanças entre os resultados para fazer uma ideia geral e até para adivinhar o que foi pedido na prompt.
Trabalhei com modelos de IA em versão gratuita ou Free Trial, que não permitem editar nem melhorar. Uma vez que gastei todos os poucos créditos oferecidos nas versões Free Trial, não posso fazer isto para mais personagens.
O mais importante, contudo, é que usei sempre a mesma prompt para poder comparar os resultados. Quase todos os modelos acertaram nas características principais, mas algumas versões não respeitaram inteiramente a prompt. Saliento que são versões Free Trial, não imagino o que as versões pagas conseguem fazer.
Higgsfield
Este foi o modelo que se aproximou mais da imagem na minha cabeça, nomeadamente a expressão facial descrita na prompt. Digamos que esta é uma Reena com um penteado dos anos 80 e alguns traços asiáticos, mas a expressão de inquietude está lá.
Fiquei muito impressionada por este modelo ter português perfeito de Portugal. Esta personagem é demasiado confiante para ser Reena, mas pelo menos fala em português. A animação da imagem é que não está muito bem feita mas, recordo, a versão Trial não permite melhorar.
Canva
O Canva não permite criar vídeos gratuitamente mas as imagens não são más. No entanto, nenhuma das imagens conseguiu interpretar a prompt.
OpenArt
Gostei muito dos resultados do OpenArt, mas não respeitam a prompt.
Aqui, Reena é loura.
Aqui, ignoraram completamente a expressão melancólica que a personagem devia ter segundo a prompt. Também não têm português, mas o resultado é este em inglês:
Acho que o OpenArt é um modelo extraordinário se eles tiverem o que a promt pede.
Creatify
Adoro o realismo. A personagem aqui representada daria uma boa Etha, outra personagem de "Lethes" e da série "Nepenthos" em geral, mas não é assim que eu imagino Reena. Por outro lado, os leitores estão à vontade para imaginarem o que quiserem.
Pollo
Tal como disse para o OpenArt, o resultado é muito bom se o modelo de IA tiver o que se pretende, o que não é o caso.
HeyGen
Este modelo tem potencial e tem português de Portugal, mas Reena tem um livro em cada mão e funde os dois livros num só. Isto é muito engraçado e típico da Inteligência Artificial, mas não respeitou a prompt. A personagem tem olhos azuis em vez de castanhos, e, apesar de expressiva e realista, está demasiado entusiasmada. Mais um resultado que pode ser bom se o modelo de IA tiver o que a prompt pede.
ChatGPT
Também não permite criar vídeos gratuitamente. Penso que o ChatGPT quis criar uma imagem mais clássica, quase como se fosse um retrato de Leonardo Da Vinci. É bonito, mas não é o que se pretende.
Gemini
Também não permite criar vídeos gratuitamente, mas colocou a legenda em português, em letra medieval, sem que eu lhe pedisse. E, a partir da mesma prompt que usei em todos, também capturou a expressão de inquietude da personagem. Numa comparação ChatGPT vs Gemini, diria mesmo que o Gemini compreendeu que a prompt se destinava a um imaginário de Fantasia literária e que o ChatGPT quis fazer uma coisa num contexto mais histórico.
Para mim, e neste caso em particular, o Gemini ganhou.
Nenhuma destas representações da personagem Reena corresponde à minha imagem dela na minha cabeça, o que é normal, uma vez que a Inteligência Artificial (ainda) não lê pensamentos, mas podiam ser as representações que os leitores fazem da personagem. Foi muito interessante ver várias interpretações das mesmíssimas palavras.
Acho mesmo que a única maneira de mostrar a Reena que existe na minha cabeça seria desenhá-la ou pintá-la, se eu tivesse talento para isso, mas como não tenho vou ficar pela escrita que é melhor.
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Black Rose Burning - "The Fear Machine" (2025)
"The Fear Machine" is the fourth album from New York band Black Rose Burning, following "The Year Of The Scorpion", "The Wheel" and "Ad Astra". While the motto of the lyrics is still Love Won, Love Lost and Outer Space, this time there's a social/political commentary on current events. I especially like "Beautiful Disaster", which I myself would have named American Disaster but maybe that's not a smart idea in nowadays United States.
The album explores a sci-fi concept that has always intrigued vocalist George Grant, the existence of a secret, unseen machine that is powered by people's fear. (It's called inequality, George.)
"The Fear Machine" continues to provide the present-day post-punk loveliness we're used to, along with the charismatic voice of our friend George Grant.
I recommend: "Into The Black", "Beautiful Disaster", "Retro"
https://blackroseburning.bandcamp.com/album/the-fear-machine












