Foi a primeira vez que li este clássico. O doutor Henry Jekyll, figura respeitável na alta sociedade, tem alguns apetites "desonrosos" que o levam a inventar uma poção que lhe permita transformar o seu corpo físico num outro, Edward Hyde, congeminado somente para satisfazer os desejos mais baixos de Jekyll sem que este sofra consequências legais. No entanto, Jekyll tem a consciência que falta a Hyde e sofre as consequências morais dos actos do seu duplo. Com horror, Jekill percebe que Hyde se está a apossar cada vez mais do seu corpo a ponto de não o conseguir controlar ou expulsar.
Jekyll é o que Stephen King descreveu como um "lobisomem com o pêlo por dentro", mas ao lermos a confissão de Jekyll percebemos até que ponto este lamenta as suas experiências e a existência de Hyde, na sua cegueira de quem não assume a inteira responsabilidade pelos actos do "outro".
Este é um grande clássico, cheio de dilemas filosóficos e análises psicanalíticas. O que Jekyll nunca consegue admitir é que Hyde está a apossar-se de si porque Hyde é o inconsciente reprimido de Jekyll, ou seja, Hyde é Jekyll no seu pior, um pior que Jekyll não consegue assumir sem se dissociar fisicamente de Hyde. Se Hyde acaba por controlá-lo, é porque Jekyll, inconscientemente, assim o deseja.
"The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde" tem, ainda hoje, uma influência que permeia a literatura, o cinema, e todos os géneros da Ficção Científica (a leitura lembrou-me muito de "A Mosca" e de "O Retrato de Dorian Gray"), Terror e Policial, ao mesmo nível de "Drácula" e "Frankenstein". Se acho esta leitura obrigatória? Nos dias de hoje já não, uma vez que o tema já foi muito melhor explorado em histórias mais recentes, mas vai certamente agradar a quem, como eu, se dedica a arqueologia literária.
domingo, 13 de abril de 2025
The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson
terça-feira, 8 de abril de 2025
La Religieuse / A Religiosa (1966)
Os acontecimentos passam-se em França, entre 1757 e 1760. Um casal de classe alta alega já não ter dinheiro para o dote da terceira filha, Suzanne, depois de ter casado as duas irmãs mais velhas. Como tal, Suzanne é obrigada pela família a tomar os votos religiosos, contra a sua vontade expressa e todos os seus protestos. Os pais deixam de lhe falar e fecham-na no quarto como a uma prisioneira, forçando-a a obedecer.
Suzanne torna-se freira mas, logo após a morte dos pais, decide contactar um advogado que a ajude a renunciar aos votos interpondo um processo em tribunal. A determinação de Suzanne não basta e o tribunal dá razão à Igreja, alegando que Suzanne tomou os votos de livre vontade. Entretanto, as outras freiras tornam-lhe a vida num inferno: prendem-na numa cela sem mobília, tiram-lhe a roupa e até os lençóis, põem-na a pão e água, proíbem-na de ir à missa e rezar, confiscam-lhe os livros religiosos e o rosário, e perante os gritos exasperados de Suzanne acusam-na de estar possuída pelo Diabo, chegando a pedir um exorcismo.
Uma vez que Suzanne perde o processo, e que o seu advogado conhece os abusos que ela sofre, é mesmo este quem lhe paga outro dote para a transferir de convento (para entrar também era preciso pagar um dote à Igreja; a mãe de Suzanne pagou-o vendendo as jóias). O primeiro dote nunca é restituído.
Neste outro convento o ambiente parece mais descontraído e alegre, mas depressa Suzanne começa a ser sexualmente assediada pela madre superiora, uma mulher ainda nova, lésbica e predadora. Suzanne confessa-se a um padre que está a par da situação, mas a madre superiora, que é muito bem conectada na sociedade, arranja maneira de se livrar dele.
O novo confessor, por sua vez, confessa a Suzanne que também ele foi obrigado a entrar no sacerdócio e que teve de se resignar. No entanto, ambos combinam fugir juntos e são bem-sucedidos.
Logo na primeira noite de liberdade, porém, numa estalagem, o padre tenta violar Suzanne. Esta consegue escapar e vai parar a uma povoação de camponeses, ficando a trabalhar junto deles. Todavia, ouve as mulheres do campo condenarem a fuga da monja (procurada pelas autoridades) que só tinha de “comer, dormir e rezar”, em vez de trabalhar no duro.
Suzanne tem de fugir de novo e acaba a mendigar na rua. Aí, por ser jovem e bonita (nesta altura Suzanne não tem mais de 20 anos), é descoberta pela Madame de um bordel que a “acolhe” no seu estabelecimento. Na iminência de se prostituir, na virtude da sua virgindade, Suzanne prefere suicidar-se, pede perdão a Deus e atira-se de uma janela.
Nunca tinha visto “La Religieuse”, ou se vi devia ser muito nova e esqueci completamente. Surpreendeu-me, para um filme francês da altura, a dinâmica rápida do enredo, sem perder tempo e eliminando pormenores desnecessários. “La Religieuse” é a adaptação do romance homónimo de Denis Diderot, publicado postumamente em 1796, e é inspirado em pessoas reais. Neste longínquo ano de 1966, o filme “La Religieuse” foi censurado por apresentar uma imagem negra das instituições religiosas, o que é por si só eloquente.
A história de Suzanne é triste e trágica, ainda mais trágica porque a personagem era verdadeiramente devota e virtuosa e o seu único “pecado” era desejar ser livre. Na altura não havia lugar no mundo para uma mulher livre e independente, principalmente uma mulher bem-nascida mas destituída de meios como no caso de Suzanne. Talvez arranjasse um pretendente na sua classe social mas a família deste não concordaria com o casamento sem um dote (e, fosse como fosse, “pertenceria” ao marido e não seria livre). Abaixo da sua classe social, depois do “escândalo” de querer renunciar aos votos, era igualmente ostracizada por uma população religiosa que não admitia tais humores terrenos aos representantes da Igreja. O convento, a mendicidade ou a prostituição eram as únicas opções que a sociedade lhe permitia. Dá que pensar.
Apesar de ser um filme antigo, recomendo a quem ainda não viu.
15 em 20
[Confissão: confesso que gravei este filme mais ou menos por engano num dos canais de cinema. Acontece que o título em inglês é “The Nun” e a sinopse que aparecia no filme era a do filme de terror “A Freira Maldita”. Fiquei intrigada por um filme francês de 1966 ter o mesmo enredo de “The Nun” e decidi gravar para desvendar o mistério. Mistério desvendado e ainda bem que gravei.]
domingo, 6 de abril de 2025
The House of the Devil (2009)
Este filme veio muito bem recomendado, pelo que esperava algo… excepcional. Ainda não foi desta.
“The House of the Devil” foi estreado em 2009 mas a acção passa-se nos anos 80, quando ainda se ouvia música num walkman, quando havia cabines telefónicas, quando só havia telefones fixos e não havia telemóveis.
Samantha é uma estudante universitária a tentar arrendar uma casa (quando os universitários ainda podiam arrendar casas sozinhos) que quer arranjar emprego como baby sitter para pagar a renda. É contactada por um casal interessado e a sua melhor amiga dá-lhe uma boleia para casa deles, uma grande mansão numa floresta no meio do nada.
É recebida por um homem de meia idade que lhe confessa que não vai tomar conta de uma criança mas sim da mãe dele, uma idosa que, ele promete, se remete ao quarto e não dá trabalho nenhum. Segundo ele, colocaram um anúncio de baby sitter porque é difícil encontrar quem queira tomar conta de uma idosa, e oferece o dobro do pagamento pelo trabalho, o que Samantha não está em condições de recusar. O casal de meia idade, o senhor e a senhora Ulman, vão sair para assistir a um eclipse total da Lua, mas prometem voltar pouco depois da meia noite.
Entretanto, Samantha fica sozinha no casarão, mete o nariz em todas as divisões que não estão trancadas (parece que é costume as baby sitters americanas fazerem isso) mas não encontra a tal idosa em lado nenhum embora ouça barulhos no andar superior. A certa altura Samantha sente-se tão à vontade que joga snooker, encomenda uma pizza, vê televisão, e dança à maluca ao som do walkman, fazendo derrubar uma jarra. É então que descobre a fotografia de uma família frente ao Volvo vermelho do casal Ulman (a amiga dela tinha comentado que era um bom carro).
Neste tipo de filmes é costume que os adolescentes façam coisas estúpidas, mas Samantha parece ser mais espertinha do que o comum e tira logo as piores conclusões, indo buscar um facalhão à cozinha. Porquê? Por esta altura do filme nós, os espectadores, já sabemos que ela está em grave perigo, e não é do Diabo, mas ela não sabe. Porque é que ela pensa que precisa do facalhão? Não seria mais normal partir do princípio de que se os Ulman compraram a casa podiam ter comprado o carro também? Nada mais natural. Mas se Samantha está mesmo convencida de que corre perigo, não seria ainda mais lógico dar corda aos sapatos e fugir, mesmo sem a boleia da amiga que não atende o telefone? Parece que ela acaba por colocar de lado os receios (infundados, daquilo que ela sabe) e recebe a pizza. A pizza é entregue por um cúmplice dos Ulman e está drogada. Quando Samantha acorda está amarrada no chão no centro de um pentagrama, os Ulman e o cúmplice rodeiam-na em trajes ritualísticos, e a tal “idosa” é um demónio que lhe dá a beber o próprio sangue. Aqui acontece outra cena bastante irrealista, no meu entender. Samantha não apenas consegue soltar-se das amarras, como apunhala o demónio, esfaqueia os dois membros do casal e degola o cúmplice, um homem forte de uns trinta anos, e foge dali para fora. Wow! A miúda devia andar nas artes marciais e ninguém sabia!
Agora estão a dizer que contei o fim. Nada disso! Na verdade, o final pode explicar esta fuga tão fácil. Basta dizer que o fim deve direitos de autor, e de que maneira.
Mas não quero com isto insinuar que “The House of the Devil” não tem os seus méritos. Samantha pode não saber, mas corre de facto risco de vida e os espectadores passam o filme à espera que algo de terrível aconteça a qualquer momento. O fim é que não é nada original, infelizmente.
13 em 20
terça-feira, 1 de abril de 2025
The Gallows / The Gallows - Maldição do Passado (2015)
Não desgostei completamente deste filme, outro dos tais filmado em estilo found footage tipo “The Blair Witch Project”.
O enredo tem por pano de fundo uma tragédia. Em 1993, numa escola secundária, durante a representação da peça “The Gallows” (“A Forca”), um acidente com os adereços fez com que um dos jovens actores, Charlie Grimille, morresse enforcado em palco à frente de toda a audiência.
Vinte anos depois a escola torna a encenar esta mesma peça. O jovem que tem o papel principal, Reese, pertencia à equipa de futebol e juntou-se ao teatro por estar apaixonado pela estrela da “companhia”, Pfeifer, mas é um péssimo actor. Ao saber disto tudo, o seu melhor amigo do futebol engendra um plano para poupar Reese a uma vergonha: na véspera da estreia, vão entrar na escola através de uma porta que não fecha e destruir o cenário. Assim a peça não acontece e Reese tem a oportunidade de estar junto de Pfeifer para que esta “chore no seu ombro”.
Devo dizer que considerando o tipo de filme esta ideia até não é completamente estúpida, embora egoísta e maquiavélica: pelo menos ninguém se aleija, ninguém acaba enforcado, ninguém se perde na floresta. Duvido que Reese conseguisse conquistar Pfeifer desta maneira, mas isso é outra conversa.
Reese, o amigo e uma cheerleader entram então na escola e começam a destruir o cenário, quando aparece Pfeifer, supostamente porque viu o carro deles no parque de estacionamento. Com o plano gorado, decidem abandonar a ideia, mas quando tentam sair encontram todas as portas trancadas, até aquela que nunca fechava. Como acontece nestas coisas, algo começa a persegui-los e a apanhá-los um a um. Antes disto, no entanto, descobrem um segredo do passado: quem devia ter feito o papel de enforcado na peça original era o pai de Reese, que disse que estava doente nesse dia. Charlie Grimille, o que morreu no acidente, teve de o substituir. Mais sinistro ainda: Charlie Grimille era o carrasco. Aliás, Reese não é o único participante nestes acontecimentos com uma ligação pessoal à peça, o que suscita a dúvida: estão a ser perseguidos por um fantasma vingativo ou por uma pessoa de carne e osso, ou ambos?
O problema deste filme, como todos os filmes do género, para além das câmaras de amador “a tremer” que a certa altura se tornam irritantes, é mesmo a falta de orçamento. Quatro miúdos numa escola às escuras, quase não se percebe onde é que eles estão e quem está a fazer o quê, o enredo é sempre o mesmo.
Não desgostei do filme porque havia todo o aspecto da vingança a explorar, mas um argumento mais trabalhado e uma filmagem normal teriam funcionado muito melhor.
12 em 20
domingo, 30 de março de 2025
Irreversível (2024)
Uma rapariga de 17 anos aparece morta numa praia. Ao mesmo tempo, Rita, jovem ex-toxicodependente, procura a filha bebé que lhe foi levada por uma suposta assistente social que nunca mais deu notícias. A princípio, esta série portuguesa de grande qualidade parece um mistério de crime do tipo "quem matou Laura Palmer", mas, tal como em "Twin Peaks", o importante aqui é o drama que guia e conecta as personagens.
Sobre o crime propriamente dito não posso revelar nada, mas devo confessar que a investigação é muito interessante e que os culpados não são quem imaginaríamos ser. Deste modo recomendo bastante esta série quando a RTP1 decidir repeti-la.
Dito isto, houve algumas coisas que me irritaram, nomeadamente os personagens principais.
Comecemos por Sara, uma adolescente apaixonada pela rapariga que morreu. Não estou a dizer que a culpa é da actriz (nunca tinha visto a actriz em lado nenhum) mas Sara é uma miúda insuportável e egocêntrica, uma autêntica drama queen. Sei que os adolescentes podem ser exagerados, mas nos primeiros episódios só desejei que alguém lhe desse um par de estalos. Felizmente a personagem acalma lá para o meio e torna-se menos visível.
Depois temos Júlia, a psicóloga, uma daquelas pessoas que conhecemos da vida real que se julgam as únicas pessoas equilibradas que existem, e que na verdade costumam é ser as mais desequilibradas de todas. Júlia tem um peixe num aquário e, juro, a certa altura receei que o peixe fosse acabar vivo na frigideira. (Pessoas que fumam tabaco aquecido mas têm a lata de dizer que fumar faz mal a quem fuma cigarros normais são pessoas em extremo estado de negação, o que se aplica aqui como uma luva).
Rita, a ex-toxicodependente, até é uma personagem simpática, mas alguns aspectos irrealistas tiraram-lhe credibilidade. Aliás, aproveito para dizer que se um estrangeiro visse esta série ia pensar que vivemos todos em belas casas suecas com janelas para o mar, que é precisamente o caso de Rita, ex-toxicodependente sem família que trabalha em limpezas. Ora, lamento, mas a bota não bate com a perdigota.
- se Rita é pobre e sem família (como é indicado quando ela vai pedir ajuda ao sogro) e herdou a casa, tanto ela como o pai da filha, igualmente drogado, já teriam vendido a mobília toda, incluindo o frigorífico;
- se Rita pertence a uma família da classe média/média-alta, não acabava a fazer limpezas de certeza; metiam-na num centro de reabilitação (ou vários) ou directamente no conselho de administração de qualquer empresa, drogada ou não, ou, em casos mais modestos, a trabalhar na mercearia dos pais; viver numa tenda no Casal Ventoso é para os desgraçados que nem têm nada para roubar em casa.
A série foi filmada, salvo erro, na zona da Figueira da Foz. Será que a droga é mais barata por lá?... Da minha observação lisboeta, entre os carochos sem-abrigo e os betos da Linha com grandes carrões estacionados à entrada do Casal Ventoso a impedirem a passagem do autocarro 12, Rita vive muito bem para ex-drogada. Como toda a gente nesta série vive muito bem, depreendo que alguém julgue que todos os portugueses vivem mesmo assim e que nem outra coisa lhes passe pela cabeça. Ou, então, isto é de facto uma série para consumo estrangeiro, que não quer mostrar a miséria real do país (embora tenham retratado o antro de droga de forma muito realista, curiosamente). Não percebi esta duplicidade de critérios e acho que Rita teria resultado melhor como personagem se a realidade fosse tida em conta.
Outro problema da série é o actor que faz de detective principal. Não consegui perceber 85% do que ele diz, o que é irritante numa personagem que fala tanto. A certa altura tive de parar de me esforçar por perceber porque era demasiado cansativo. Vou deixar este apontamento como crítica construtiva: o actor precisa mesmo de melhorar a dicção.
Por outro lado, quero dar os parabéns a quem filmou aquele plano do casal Anabela/Henrique na janela, como figuras espectrais e sinistras, o que convinha ao enredo. Por falar nisso, fiquei bastante impressionada com a actuação de Ana Cristina de Oliveira (Anabela), principalmente no último episódio.
Em resumo, gostei da forma como "Irreversível" nos agarrou ao mistério do princípio ao fim, mantendo sempre um nível dramático muito elevado e intenso. Só preferia que a série fosse menos um espectáculo de gente rica para gente pobre ver (como são as telenovelas) e que a realidade do país estivesse mais bem retratada, especialmente no caso de Rita.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, crime, mistério, drama, cinema português
terça-feira, 25 de março de 2025
Nightlight / Nightlight - Jogo Fatal (2015)
A única coisa que é preciso saber sobre “Nightlight” é que é filmado à “The Blair Witch Project”, técnica conhecida como found footage, mas pela perspectiva de uma lanterna e não de uma câmara. (Se parece idiota é porque é, mas se fosse só isso até não era mau de todo.) O filme é mau de todo. Quem costuma ler as minhas críticas já sabe que detesto coisas que não fazem sentido. Este filme não tem pés nem cabeça.
Mas começa bem. Uma rapariga aceita o desafio de se encontrar com outros adolescentes numa floresta à noite para o Jogo das Lanternas e desafios semelhantes. A tensão cria-se logo porque ela leva o cão com ela e eu passei o filme todo com medo do que ia acontecer ao pobre animal. Mas compreendo a protagonista. Ela junta-se à expedição nocturna porque está apaixonada por um dos rapazes, e o amor é louco não façam pouco.
Pergunto-me se os miúdos americanos não têm mesmo nada com que se entreter à noite excepto fazer estas parvoíces. A floresta é conhecida porque muitos jovens vão lá suicidar-se mas nunca se percebe se é porque existe uma assombração/presença maléfica ou, pura e simplesmente, porque a floresta dá lugar a um precipício de onde qualquer pessoa se pode atirar.
O Jogo das Lanternas é apenas um jogo de escondidas, em que um deles é vendado enquanto os outros se escondem. Numa floresta com um precipício. À noite. Há uma razão por que até as missões de resgate e salvamento (com peritos, com meios, com luzes potentes, com GPS, com cães) param à noite: porque se podem desorientar ou aleijar e em vez de salvarem um arriscam-se a perder dois ou mais. Estes meninos começam o jogo e, claro, os disparates começam a acontecer. Um deles cai do precipício. Neste momento aparece um lobo na câmara, isto é, na luz da lanterna (era um cão, mas vamos fingir que era um lobo), e eu tive esperança de que saísse daqui um filme “homem versus natureza” com os adolescentes a serem atacados por uma alcateia. Não aconteceu. Já deviam ter esgotado o orçamento para aluguer de canídeos.
Falando em orçamento, este filme deve ter sido feito com 10 euros e roupa emprestada (e se calhar os cães eram do realizador). E o filme é chato e comprido, quase uma hora em que os miúdos andam na floresta e não se vê a ponta de um…, só ramos e troncos e troncos e ramos. A certa altura, a protagonista entra à toa numa caverna que ela não conhece com uma lanterna que falha constantemente. Felizmente não havia um buraco nem um urso a hibernar. Mas temos sons misteriosos, a insinuação de uma presença, ou talvez fantasmas?… Talvez o fantasma de um amigo dela que se suicidou ali há pouco tempo? O cão fugiu, nunca mais o vimos (e ainda bem, pobre bicho). Por esta altura eu já não estava a perceber nada de nada. Os adolescentes vão parar a uma igreja abandonada, aparentemente um último lugar para os suicidas mudarem de ideias, mas não seria melhor que lá estivesse sempre alguém para falar com eles no momento de crise?…
Lembro-me de ver a protagonista a chorar e a pedir desculpa porque acha que está a ser assombrada pelo melhor amigo que se matou depois de ela ter recusado ir com ele a um baile ou uma patetice qualquer que não justifica suicídio nenhum. Acho que o meu cérebro se apagou como as lanternas porque não assimilei mais nada. Na verdade, nem cheguei a conhecer os personagens porque não havia nada para conhecer, eram só carne para canhão. O lobo nunca mais apareceu. Também não posso cometer spoilers porque o filme não dá respostas. Nem sequer tenho coragem de o voltar a ver para tentar perceber melhor porque já foi uma tortura assistir a esta seca da primeira vez.
Arrisque quem quiser e estiver nostálgico por “The Blair Witch Project” e filmes semelhantes.
11 em 20 (mais um ponto porque o cão foi esperto e fugiu)
domingo, 23 de março de 2025
De Uskyldige / The Innocents (2021)
As crianças são cruéis. Algumas são sociopatas. Uma criança sociopata com poderes sobrenaturais é um terror imparável que ainda não tem medo de consequências e cede a todos os impulsos egoístas.
Há muitos anos que um filme não me perturbava tanto, o que já é dizer bastante. “De Uskyldige” é uma produção norueguesa, falada nessa língua, que vale a pena ver antes que Hollywood faça o remake histérico do costume e estrague tudo.
Ida é uma miúda de 9 anos que se muda com a família para um novo complexo de apartamentos modernos no meio de uma floresta de abetos. Ida tem uma irmã mais velha, Anna, autista profunda, e ressente que os pais tenham de lhe dedicar mais tempo. É verão, e Ida trava conhecimento com um rapaz da sua idade, Ben, que lhe mostra alguns “truques” mágicos que consegue fazer (é telecinesia mas eles não sabem). A princípio ambos se entretêm com brincadeiras estúpidas e cruéis de miúdos que se vão arrepender em adultos. Ida também não é nenhuma inocente. Por exemplo, quando a irmã a aborrece gosta de a beliscar e de lhe meter vidros partidos no sapato porque sabe que Anna não se consegue queixar, e quando tem de a acompanhar ao parque não se importa nada de a deixar sozinha para ir à vida dela. (Ida tem 9 anos e quer brincar, Anna tem o desenvolvimento mental de um bebé de colo.) Mas Ida começa a reparar que as brincadeiras de Ben talvez sejam demasiado violentas. Ben vive com a mãe, que não lhe dá muita atenção, mas nunca se vê abuso físico ou verbal. (Se calhar o mal é esse, porque Ben bem merecia umas lambadas na tromba, e se julgam que estou a ser má para uma criança vejam o filme e depois digam-me.)
Algo muda quando Ida e Ben conhecem Aisha, uma menina que consegue ouvir pensamentos. Junto de Aisha, ou melhor, através de Aisha, Anna volta a falar e a demonstrar raciocínio, para grande felicidade dos pais. Descobre-se que Anna também tem poderes psíquicos que rivalizam com os de Ben, e que também só os consegue manifestar na companhia de Aisha, o que Ben considera uma ameaça.
(Nunca é explicado porque é que os miúdos têm estes poderes, que eles nem reconhecem como anormais ou especiais, mas eu tenho a teoria de que foi aquela abominação arquitectónica de cimento no meio da floresta que despoletou as forças do Inferno. Imaginem Chelas no meio de um pinhal. É pior um pouco, e feia, feia, feia.)
As brincadeiras infantis depressa se transformam numa tensão de cortar à faca, à medida que Ben desenvolve poderes de verdadeiro terror a que nem os adultos escapam. Ida percebe que correm risco de vida e que o perigo se pode estender aos próprios pais, mas que poderá ela fazer contra os dons aparentemente invencíveis de Ben?
Como disse, este é um filme muito perturbador em que cenas horripilantes se passam num subúrbio ensolarado longe dos olhares dos adultos que não se apercebem do horror que acontece nos parques e bosques e nos apartamentos ali ao lado onde os miúdos interagem. “De Uskyldige” é difícil de ver. Estas são crianças em fase de experimentação e interiorização dos seus conceitos individuais do Bem e do Mal, mas a total falta de empatia (algo que as crianças não conhecem teoricamente mas já sentem nestas idades) não se explica com aprendizagens.
Vejam, mas preparem-se para ficar chocados. Este filme devia ser obrigatório para os adultos com memória selectiva que têm saudades da infância.
18 em 20
terça-feira, 18 de março de 2025
The Curse of La Llorona / The Curse Of The Weeping Lady / A Maldição da Mulher que Chora (2019)
La Llorona é um mito americano com origens no México, uma espécie de Papão no feminino, em que uma mulher que chora aparece para raptar crianças. “Sobrenatural” fez pelo menos um episódio com La Llorona, em que os irmãos Winchester lhe deram o sumiço num instante, evidentemente. Segundo sei, La Llorona é usada para assustar criancinhas que se portam mal.
Este filme enganou-me bem enganada. Pelo aspecto retro do guarda-roupa e até da realização, fiquei perfeitamente convencida de que estava a ver um filme antigo, talvez dos anos 90. Qual não foi a minha surpresa ao reconhecer o actor Raymond Cruz no papel de curandero, nada mais nada menos do que o Tuco Salamanca de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”. (Foi difícil reconhecê-lo imediatamente porque de curandero a Tuco Salamanca vai uma diferença abissal.)
O filme é interessante porque conta a história das origens da lenda mexicana, que eu desconhecia de todo. Nesta história, La Llorona dirige as suas intenções a uma mãe viúva de duas crianças, assistente social, que retirou os filhos a outra mãe que os tinha fechados/protegidos após terem sido visados pela La Llorona. Obviamente a assistente social, Anna, não acredita na lenda, até que os seus próprios filhos começam a ser perseguidos. Anna pede ajuda à igreja, mas o padre manda-a falar antes com o curandero. Foi aqui que reconheci o padre, quando ele referiu que outrora também não acreditava em manifestações maléficas até ter um incidente com uma delas. E qual foi o incidente? A nossa amiga Annabelle! Foi então que percebi que este é mais um filme de James Wan (produtor) e passado no mesmo universo de “The Conjuring”. (Mas, sinceramente, tinha ficado a pensar que Annabelle tinha dado o sumiço ao padre, isto é, definitivamente, no último filme, quando ele a tentou levar para uma igreja. Afinal não.) Isto também explica porque é que La Llorona surge aqui tão parecida com “A Freira Maldita”.
Voltando a “The Curse of La Llorona”, Anna pede auxílio ao curandero e o restante do filme é passado a tentarem escapar e derrotar La Llorona.
Tirando a história das origens, “The Curse of La Llorona” não tem grandes pontos de interesse nem nada que meta medo, sendo mais um filme para entreter.
[Nota: No IMDB o filme aparece como “The Curse of La Llorona” mas o filme que eu vi na televisão trazia o título “The Curse Of The Weeping Lady”. Não me perguntem.]
12 em 20
domingo, 16 de março de 2025
Cujo, de Stephen King
Cujo é um nome que já faz parte da cultura geral. Sempre pensei que se tratava de um cão possuído por uma força sobrenatural, mas não. Esta é uma história muito triste. Cujo é um São Bernardo simpático, mansinho e amigo de crianças, até que é mordido por um morcego. Sem vacinas, Cujo apanha raiva, e a partir daqui já sabemos o que lhe acontece.
Mais do que triste, esta história é uma tragédia: a tragédia do cão, uma vítima inocente, a tragédia das vítimas inocentes causadas pela doença do cão. O terror, aqui, não é um monstro, nem uma entidade sobrenatural ou malévola, mas talvez seja o maior terror de todos, o terror existencial de sabermos que podemos perecer a qualquer instante e de qualquer maneira, até só por estarmos no sítio errado à hora errada, sem nexo, sem aviso. Eu gosto de lhe chamar a Crueldade de Deus mas também lhe podemos chamar apenas Natureza.
O drama de Cujo não é o único. Os donos de Cujo são uma família em que o marido bate na mulher. A outra família envolvida nos acontecimentos também se encontra em crise, depois de a esposa ter tido um caso extra-matrimonial. As circunstâncias conspiram para a tragédia final: a dona de Cujo consegue convencer o marido (controlador e abusivo) a deixá-la visitar a irmã, e o marido decide também fazer uma viagem de lazer "de homens" com um amigo e vizinho. Todos embrenhados nos seus dramas pessoais, ninguém, excepto o rapaz dono de Cujo, se apercebe de que este está doente. Cujo fica sozinho, já num estado enlouquecido e assassino, pronto a matar tudo o que apanhar.
Gostei principalmente da perspectiva de Cujo, que nos informa do seu estado mental cada vez mais deteriorado. Sem compreender o que se passa, Cujo culpa as pessoas que lhe aparecem à frente de lhe causarem a dor e o sofrimento que o afligem, e é por isso que as ataca. O que é triste, trágico. As cenas dos ataques são perturbadoras o suficiente, mas só consegui sentir pena do pobre Cujo, das pobres pessoas. Confesso que não consegui chorar, mas chorei por dentro. Não era o que esperava de um livro de Stephen King.
Sei que existe uma adaptação cinematográfica, mas quem é que quer ver um desgraçado animal ficar doente, moribundo e psicótico a atacar pessoas? Não há aqui bons e maus, são todos vítimas.
Stephen King revelou que escreveu "Cujo" em tal estado de embriaguez que não se lembra de o ter escrito. Sinceramente, não acredito. Ou Stephen King estava pedrado noutra coisa ou não temos o mesmo conceito de "embriaguez". O meu conceito de bebedeira é quando já não se consegue escrever, literalmente, nem sequer acertar nas teclas. Logo, Stephen King não podia estar assim tão bêbedo. Talvez estivesse sob outras influências. Seja como for, "Cujo" é um grande livro, se bem que não seja o terror sobrenatural a que King nos habituou, e por mim ele podia embebedar-se mais vezes (a família dele é que não ia gostar nada) e escrever mais livros destes.
terça-feira, 11 de março de 2025
Hereditary / Hereditário (2018)
Vi o filme e não achei grande coisa. Fui ler as críticas e estas cantam louvores a “Hereditary”, incluindo comparando-o a “O Exorcista” e “Rosemary’s Baby”. Como não dei por nada parecido, fui ver o filme outra vez… e continuo a achar que não é grande coisa.
Até resumir o filme é difícil, de tão confuso. Vou tentar simplificar. Steve e Annie são um casal de meia-idade, pais de Charlie, uma miúda de 13 anos, e do seu irmão Peter, um adolescente mais velho. Quando a mãe de Annie morre, depois de doença prolongada e demência, ninguém na família parece abalado nem tem nada de bom a dizer sobre ela. Annie vai a uma reunião de terapia de luto e confessa que a sua mãe sempre foi tóxica, manipuladora e que constantemente a fez sentir culpada. Revela também que a sua família sempre foi afligida por doenças mentais severas: dupla personalidade, esquizofrenia, depressão psicótica.
Algum tempo depois, o irmão mais velho quer ir a uma festa de adolescentes da idade dele. E, bem, aqui é mesmo culpa da mãe, porque obriga o adolescente a levar com ele a pirralha de 13 anos, sabendo perfeitamente que na festa em causa os jovens drogam-se, bebem e tudo o resto. Peter, o irmão, lá leva a miúda com ele. Para se livrar dela enquanto vai fumar erva, manda-a ir comer um bolo de chocolate. Acontece que Charlie tem uma violenta alergia a nozes e não levaram epinefrina com eles. Charlie sofre uma séria reacção anafilática ao bolo e o irmão arranca com ela para o hospital a toda a velocidade. Na estrada, tem um acidente. Charlie morre em circunstâncias CHOCANTES, e digo mesmo chocantes, eu que já assisti a milhentas mortes chocantes. Peter deixa o corpo da irmã na estrada, volta a casa e vai para a cama, deixando aos pais o choque da descoberta. (Nada nesta família é funcional.)
Annie regressa ao grupo de terapia onde conhece uma senhora muito prestável que perdeu o filho e o neto ao mesmo tempo. É esta senhora, Joan, que convence Annie a contactar Charlie através de uma sessão de espiritismo. No momento em que Annie faz isto, o espírito da filha regressa.
Mas, afinal, o que é que é hereditário? Vou deixar-me de rodeios. Joan era amiga da mãe de Annie e ambas pertenciam a um culto/seita que pretende encarnar um dos Reis do Inferno no corpo de Peter.
Já sei o que estão a pensar, que já vos contei o filme todo, mas nada que se pareça. “Hereditary” tem cenas que realmente metem medo (para quem nunca viu melhor, isto é), mas o cerne do filme é tentar perceber o enredo sem nos perdermos. Aqui é que está o problema de “Hereditary”: algumas coisas não fazem nenhum sentido. São literalmente sem pés nem cabeça (principalmente sem cabeça). Por exemplo, nunca percebi o que raio é que é hereditário. De algumas fotografias, interpreto que a mãe de Annie foi escolhida (?) para ser a mãe ou avó do rapaz (só podia ser do sexo masculino) que iria encarnar o demónio, talvez?… Talvez?… Outras pessoas poderão interpretar de modo diferente.
E o que é que aconteceu ao cão? Eu acho que percebi, mas na verdade prefiro não perceber.
As reviravoltas importantes eu não contei aqui, por isso o melhor mesmo é ver para crer. Eu fico na minha: não é grande coisa.
13 em 20 (mais um pontinho por uma das mortes mais chocantes que já vi em filme)
domingo, 9 de março de 2025
Daybreakers / O Último Vampiro (2009)
(Para começar, o título em português não tem nada a ver com o filme. Isto não é a história do “último vampiro”, nem dos “últimos vampiros”, nem sequer dos “últimos humanos”. Fica a clarificação.)
Uma pandemia (alegadamente causada por um morcego) transformou a esmagadora maioria da população mundial em vampiros. Dez anos depois restam apenas 5% de seres humanos, muitos deles mantidos em cativeiro em condições desumanas para extracção de sangue. Os que conseguiram escapar e esconder-se são perseguidos e capturados por um exército de vampiros criado para esse efeito. Mas nem tudo são rosas neste mundo controlado por vampiros. Com a diminuição dos seres humanos vem também a escassez de sangue, que se torna cada vez mais caro. “Daybreakers” não é exactamente um “filme sério” mas existe espaço para a crítica social: nesta distopia, muito semelhante à nossa sociedade, os mais pobres não conseguem acompanhar o preço do sangue. Isto tem consequências graves, uma vez que os vampiros não alimentados se transformam em “nosferatus” (a palavra é minha) de orelhas pontiagudas, asas de morcego, monstros sem emoções nem racionalidade que inclusivamente atacam outros vampiros. Por esta razão, os vampiros que ainda conservam características humanas são os próprios a tentar exterminar esta raça de desprivilegiados (que tiveram o azar de ser pobres).
Um hematologista, Edward, e a sua equipa de uma indústria farmacêutica (de vampiros), trabalha para conseguir fabricar um substituto para o sangue humano, sem grande sucesso. Edward sente compaixão pelos seres humanos aprisionados (recusando beber sangue humano e sobrevivendo de uma dieta de sangue de porco) e tenciona antes encontrar uma cura para o vampirismo. Já o seu chefe nem quer ouvir falar de tal coisa porque tinha cancro antes de ser vampiro e considera que o vampirismo é a cura para a morte.
No entanto, quando Edward já está em risco de se tornar ele próprio num “nosferatu”, um encontro fortuito com um grupo de humanos fugitivos leva-o a apurar que a cura foi acidentalmente descoberta por um deles. Edward submete-se à mesma cura em ambiente controlado e funciona: torna a ser humano. Mas antes de conseguir espalhar a notícia é traído por um colega da farmacêutica que afirma já ter conseguido criar um substituto para o sangue humano. Contudo, é tarde demais. A escassez está a tornar a maior parte dos vampiros em monstros e já nem há rações de sangue suficientes para o exército, o que significa que os militares se estão a transformar em “nosferatus” também. Um aspecto inesperado da “cura” acaba numa carnificina entre vampiros, a melhor cena do filme.
Não sei como é que “Daybreakers” me escapou este tempo todo, mas devo confessar que nem os vampiros me conseguiram aquecer nem arrefecer. “Daybreakers” é demasiado filme de acção para o meu gosto (tiros/setas, perseguições, militares) e os personagens demasiado bidimensionais para me lembrar deles depois de o filme acabar. Serve para entreter e fazer pensar um bocadinho, mas só isso.
Nota curiosa: estes vampiros são em tudo o vampiro clássico que só pode ser morto com uma estaca no coração, tem caninos salientes, arde ao sol e essa lenda toda, incluindo não se reflectir ao espelho. No entanto, conseguem ser filmados em câmaras digitais. Eu sempre pensei que o princípio do espelho se aplicava também a filmagens (e fotografias), mas se calhar estou muito enganada.
12 em 20
terça-feira, 4 de março de 2025
Malevolent / Hush - Malévolo (2018)
Um grupo de “caça-fantasmas” embusteiros ganha a vida a aproveitar-se da credulidade de pessoas que julgam ter a casa assombrada, vendendo um serviço que “limpa” assombrações. Inclusivamente, o grupo utiliza meios tecnológicos como câmaras e gravadores para criar ruídos e vozes de modo a convencer os clientes de presenças sobrenaturais. Angela, irmã do líder da “quadrilha”, tem de facto dons mediúnicos, e o irmão Jackson também os tem em menor grau porque os herdaram da mãe.
Quando Angela recebe uma chamada de uma senhora a pedir-lhes que a livrem de uma assombração (“As meninas não param de gritar!”) instintivamente recusa o trabalho, mas o irmão Jackson, sabendo que é gente rica, não está disposto a dispensar um cheque chorudo. Angela faz uma pesquisa e descobre que a casa em questão era um lar de acolhimento de três meninas que foram assassinadas pelo filho da dona da casa. Mais uma vez Angela adverte que não se quer meter no assunto mas Jackson acaba por convencer a irmã.
A dona da casa recebe-os numa grande mansão e volta a queixar-se das meninas a gritarem, no entanto não fica muito convencida com actuação da equipa. Por outro lado, insiste em dizer que o seu filho (o que assassinou as crianças) era um bom menino, o que igualmente perturba Jackson. Assim que chega, Angela começa a ver os fantasmas das meninas, e todas elas têm a boca cosida.
“Malevolent” foi um filme que me surpreendeu. Todos pensamos que a equipa de embusteiros vai ter o que merece “às mãos” de fantasmas a sério, mas o que eles encontram são monstros humanos de carne e osso. A reviravolta não tira nada ao terror, que é bastante arrepiante em algumas partes. A fuga desnorteada, de carro, de um dos membros da equipa, lembrou-me muito a cena semelhante de “The Haunting”.
Apesar do orçamento limitado, este é um filme que convence e que recomendo.
13 em 20
domingo, 2 de março de 2025
Evil (2019 - 2024)
Um seminarista em crise de fé, uma psicóloga agnóstica e um cientista muçulmano investigam fenómenos paranormais ao serviço da Igreja Católica. Trabalhando contra eles, Leland Townsend, psiquiatra forense e satânico, lidera uma organização demoníaca que pretende dar origem ao Anticristo.
Dito assim, isto parece os "Ficheiros Secretos" com demónios em vez de extraterrestres, mas a semelhança com os "X-Files" termina antes de começar.
Confesso que vi "Evil" de queixo caído, não por achar a série fantástica mas por me questionar continuamente a quem é que a série era dirigida. Kristen Bouchard, a psicóloga, tem quatro filhas entre os 10 e os 15 anos. Os demónios são fofinhos ou engraçados, nunca assustadores. Seria uma série de "terror para crianças"? Mas ao mesmo tempo, depois da primeira temporada, "Evil" enveredou também por cenas de sexo tão maradas que não podia ser para crianças. À semelhança de "Ficheiros Secretos", alguns casos investigados têm explicação científica, outros não. Muitas das conclusões podem parecer demasiado "beatas" para alguns gostos e quanto às respostas científicas não consigo opinar, mas muitas coisas pareceram-me mais ficção científica do que realidade.
O enredo é completamente desvairado. David Acosta, o futuro padre, tem visões do Céu, do Inferno, de anjos e de santos. Tem também uma atracção por Kristen, e durante algumas temporadas David não consegue decidir entre ela e Deus, sendo atormentado por demónios na forma de Kristen que o tentam sexualmente. Kristen corresponde à paixão de David, apesar de casada, e ao longo da série torna-se cada vez mais destravada e arrogante, a ponto de matar um homem e safar-se porque tem uma amiga na polícia que a encobre. Na verdade, detestei a personagem por uma batelada de razões, mas a principal é que ela tem a mania de que é boa. Nisso sai à mãe, Sheryl Luria, que não olha a meios para conseguir os fins e que também pertence à organização de Leland. A filha mais velha de Kristen, de 15 anos, tem mais juízo do que as duas juntas. O personagem mais simpático é mesmo Ben, o cientista, sempre muito pragmático e leal, que não se deixa levar por superstições e contos do vigário.
Entre os elementos alucinados de "Evil", temos também uma freira que vê demónios e que os mata com o sapato (quando são pequenos e fofinhos, o que até dá pena deles); uma app que as miúdas usam para "detectar" demónios, e que evidentemente os "detecta" para que os utilizadores não deixem de a usar, o que as leva a exigir um "exorcismo porque a casa está cheia de demónios"; demónios peludos e chifrudos na posição de CEOs de empresas e organizações cotadas em bolsa (nisto eu acredito!); lendas urbanas que dizem que durante um furacão os demónios caminham na terra; a freira a dizer que os furacões são obra do Diabo e apenas Ben a explicar que são consequência das alterações climáticas; um demónio numa reunião remota por Zoom que quer falar mas está em mute e têm de o ensinar onde activar o microfone.
Então, o que é "Evil"? Comédia? Se é, eu não achei graça nenhuma. Drama? Demasiado ligeiro. Terror? Só se for para criancinhas, porque não mete medo nenhum. Depois de ver a série toda a tentar perceber o que ia sair dali, concluo que "Evil" é um comentário social que explora os conceitos do que é o Mal, desde o Mal clássico e personificado por diabos chifrudos (pobre deus Pan não tem culpa de nada disto!) aos novos males que podem ser colocados pela ciência, pela tecnologia, pela Inteligência Artificial, pela internet.
Não gostei da maior parte dos episódios, mas um dos meus preferidos foi sobre um programa que, usando Inteligência Artificial e informação de emails, voice mails e redes sociais, permitia manter uma conversa/relação com um falecido, incluindo conversas usando a voz deste. O programa também permitia conversar com figuras históricas e pessoas conhecidas, ou até manter um flirt com uma paixão proibida. Eu já tinha ouvido falar nestes programas e, sinceramente, acho que a possibilidade de continuar a "falar" com um falecido através de Inteligência Artificial é algo arrepiante, já para não dizer que impede a pessoa de fazer completamente o luto. Eis um bom exemplo de uma tecnologia que questiona os nossos princípios éticos e até as nossas noções do que é moral.
A melhor razão para ver "Evil", no entanto, é mesmo Michael Emerson, o enigmático Ben Linus de "Lost", no papel de Leland Townsend. Michael Emerson é uma boa razão para ver tudo, até uma telenovela mexicana. Este é um daqueles actores grandiosos que enchem o écran sem precisarem de dar muito nas vistas, e Michael Emerson parece que nasceu para fazer papéis maléficos. Deste modo, "Evil" assenta-lhe como uma luva.
Curiosity note: our friend George Grant from Black Rose Burning worked as a grip in "Evil".
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PARA QUEM GOSTA DE: Os Ficheiros Secretos, The X-Files, exorcismos, paranormal, ciência, ficção científica, sexo marado, Michael Emerson (Lost)
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
Heist / Autocarro 567 (2015)
Quem conhece este blog sabe que geralmente não vejo nem gosto de filmes de acção, mas este tem um pano de fundo dramático. E, para começar, há duas grandes razões para o ver: Jeffrey Dean Morgan e Robert De Niro.
Jeffrey Dean Morgan (John Winchester, Negan) é Vaughn, funcionário de casino, que tem uma filha a precisar urgentemente de uma operação que o pai não consegue pagar. Em desespero de causa, vai pedir um empréstimo ao patrão, Robert De Niro, que lhe diz que o casino é um negócio e não uma caridade. Pior um pouco. Quando Vaughn se exalta, apelando à lealdade que sempre demonstrou no seu emprego, o patrão despede-o. Robert De Niro faz o papel de um mafioso do piorio a quem chamam The Pope (papel que De Niro faz de perna às costas, há que dizê-lo) que usa o casino para lavar dinheiro (para que outra coisa serve um casino?).
Sabendo disto, Vaughn e alguns colegas decidem roubar o casino, no que seria um trabalho fácil e “interno”, mas as coisas correm mal e os assaltantes têm de fugir sequestrando um autocarro que ia a passar e todos os seus passageiros. (No fim questionamos se o aparecimento deste autocarro foi mesmo uma coincidência ou se fazia parte do plano mas… spoiler.)
Perseguidos pela polícia e pelos capangas do casino, bem como por um polícia corrupto a soldo de Pope, um dos assaltantes quer começar a matar reféns, no que é detido por Vaughn, a voz da calma e da razão. Afinal, ele precisa mesmo de sair dali com o dinheiro para salvar a vida da filha.
“Heist” não é uma obra-prima (apesar da presença do peso-pesado Robert De Niro) e muitas vezes parece demasiado “Velocidade Furiosa” para o meu gosto, mas é interessante e vê-se bem. Quando dão diálogos de jeito aos actores, tanto Jeffrey Dean Morgan como Robert De Niro mostram o que valem. Achei o final um pouco irrealista e “conto de fadas”, mas ninguém quer ver o herói fracassar, pois não?
12 em 20
domingo, 23 de fevereiro de 2025
Halloween (2018)
1) Michael Myers está há 40 anos internado num hospital psiquiátrico de alta segurança; mas ele não tinha morrido numa das sequelas, ou não era uma entidade sobrenatural que não morria?
2) o filme refere-se sempre “àquela noite” (a primeira noite em que Michael Myers fez a sua aparição e respectivos assassinatos); então e os outros “Halloweens” todos?
Só ao ler as críticas fiquei informada. Este filme simplesmente ignora todas as outras sequelas, intitulando-se a única sequela depois do filme original de 1978.
Portanto esqueçam tudo o que viram na catrefada de sequelas de “Halloween”. Para este filme, nada disso aconteceu.
De acordo com esta narrativa, a seguir aos acontecimentos de 1978, Michael Myers foi internado num hospital psiquiátrico para ser estudado, onde permaneceu durante 40 anos sem dizer uma palavra.
Por outro lado, Laurie Strode utilizou esse tempo para se preparar para o regresso de Myers, tipo Sarah Connor no “Exterminador Implacável”: vive numa casa cercada de vedação e vigilância electrónica, tem uns sete ferrolhos na porta e uma cave a abarrotar de armas e munições. Mas Laurie é uma mulher traumatizada, divorciada duas vezes, com uma má relação com a única filha que a acusa de lhe ter destruído a infância a tentar treiná-la e prepará-la para enfrentar Myers. Actualmente a filha quase não lhe fala, mas a neta Allyson não cortou os laços com a avó.
Entretanto, no hospital psiquiátrico, dois jornalistas/podcasters visitam Michael Myers (completamente acorrentado e isolado) e o seu médico, no intuito de escreverem um artigo sobre ele, no que parece um piscar de olho a “O Silêncio dos Inocentes”. O médico informa-os de que o Estado já desistiu de estudar Myers devido à sua falta de cooperação e que o vão transferir para instalações muito piores. Ora, acontece que decidem transferi-lo precisamente no dia de Halloween. Michael Myers consegue escapar durante a transferência e dirige-se direitinho na direcção de Laurie e da sua família.
Fiquei um bocado chocada ao ler críticas a queixar-se de que o filme não é assustador o suficiente. Bem, não se podia esperar o impacto do original, pois não? Mas quanto a violência, não me lembro de um “Halloween” tão gratuitamente violento como este. Myers mata os jornalistas que o visitaram, e depreendo que o faça porque estes o provocaram com a máscara para tentar obter uma reacção. Pelo caminho mata indiscriminadamente e aparentemente sem razão, inclusive uma criança a quem parte o pescoço e a quem não precisava de matar. É difícil ver essa cena, admito. Mesmo que o miúdo fosse uma testemunha, por aquela altura já toda a gente sabia que Myers tinha escapado e que carro tinha usado na fuga porque ele acabara de matar o dono do veículo também. Logo, o miúdo foi uma morte escusada, como muitas outras que se seguirão. Myers está mais perigoso do que nunca. Se é assustador? A nível de surpresa, ou até mesmo a nível de uma hipotética possibilidade sobrenatural, não. Mas a nível de pensarmos que um psicopata qualquer nos pode entrar em casa e matar-nos (sem qualquer motivo) com uma faca da nossa própria cozinha, sim. Mas obviamente que o objectivo último de Myers é Laurie, e de preferência a família dela também, como bónus, e Laurie está à espera dele. Na verdade, esteve à espera dele durante 40 anos, a ponto de se encontrar igualmente bastante neurótica.
Gostei deste aprofundamento da personagem de Laurie como uma mulher marcada e traumatizada que vive em função do que lhe aconteceu e não o consegue ultrapassar, mas admito que não gostei que o mesmo não fosse feito também com Michael Myers. Esta sequela é mais séria a nível psicológico do que todas as outras (incluindo o original), mas Michael Myers continua a não ter personalidade excepto a máscara e a faca. Até o Exterminador Implacável tinha mais personalidade do que Myers. Tal como vimos uma evolução em Laurie, eu gostaria de ter visto uma evolução igual em Myers.
Aliás, o filme continua a não conseguir decidir se Myers é uma entidade sobrenatural ou não. A princípio é-nos apresentado como apenas mais um serial killer, mas ao longo do filme, como já acontecia nas sequelas, Myers sofre ferimentos a que nenhum ser humano sobreviveria, muito menos continuar a andar e a matar, já para não falar da grande força muscular que ele apresenta. Há uma cena em especial, no hospital psiquiátrico, em que um dos jornalistas tenta aliciar Myers a falar mostrando-lhe a máscara, e no momento em que a máscara é exibida os outros pacientes ficam muito agitados e até os cães de guarda desatam a uivar. Ora, isto são reacções que sugerem uma máscara com poderes sobrenaturais, mas todo o filme nos tenta convencer de que Myers é o puro Mal, mas um Mal humano, não sobrenatural. No entanto, uma pessoa má e uma máscara velha não fazem cães uivar de medo. Então, em que é que ficamos? Myers não pode ser apenas humano às 2ªs, 4ªs e sábados e sobrenatural às 3ªs, 5ªs e domingos, conforme dá jeito. O filme anda por ali na corda bamba e muitas vezes, na minha opinião, estatela-se no chão.
Por outro lado, Laurie Strode é muito humana, especialmente nesta sua encarnação como mulher madura, mãe e avó. Como humana que é, e retratada como durona, comete erros. Eu não esperava de uma civil a perícia de uma Clarice Sterling agente do FBI, mas são mesmo erros de palmatória. Quando nos dizem que ela tem uma casa blindada e uma cave segura, pensei mediatamente num bunker de cimento. Mas não. É apenas uma cave com tecto de madeira, e com tais frestas no tecto que se consegue ver o andar acima. Isto não é uma cave segura. Se Michael Myers não fosse tão obcecado por facalhões poderia muito bem incendiar a cave com toda a gente lá dentro (o que vai ser importante mais à frente).
Outro erro crasso de Laurie é andar à procura de Myers dentro de casa com uma espingarda enorme, em espaços apertados e escuros. Se ele lá estivesse poderia subjugá-la facilmente, de surpresa, agarrando-lhe o cano da espingarda. O que se precisava aqui era de uma pistola. Enfim, Laurie Strode não é nenhuma Clarice Sterling e muito menos uma Sarah Connor, excepto pela paranóia.
No geral gostei do filme, mas achei que ficou muita coisa interessante por explorar.
14 em 20
terça-feira, 18 de fevereiro de 2025
The Conjuring 2 / A Evocação (2016)
Este foi o tal filme que eu perdi entre “The Conjuring” e “The Nun”, mas afinal não perdi grande coisa. “The Conjuring 2” é uma sequela menos interessante do que o original, completamente esquecível e cheia de clichés, para não dizer mesmo cópias. Se “The Conjuring” era um remake fingido de “Amityville”, “The Conjuring 2” é uma imitação pobrezinha de “O Exorcista”. Tudo baseado em factos verídicos, dizem eles.
Falando de Amytiville, é lá que o filme começa. O casal de investigadores do paranormal Ed e Lorraine Warren são chamados à mansão para tentarem corroborar as alegações da família Lutz (os que lá moraram depois dos assassinatos de Ron Defeo) de que a casa estava assombrada. Sobre isto não nos é dada uma resposta, mas, enquanto lá está, Lorraine tem uma visão da Freira Maldita (“The Nun”) e uma premonição da morte de Ed que a faz desejar afastar-se do mundo do paranormal “por uns tempos”.
Entretanto, em Londres, uma mãe divorciada com quatro filhos e dificuldades financeiras (isto é verdadeiro terror!) começa a acreditar nos relatos dos filhos de que algo de sobrenatural se passa na casa: pancadas nas paredes, camas a tremer, objectos que se movem sozinhos. A mais afligida é a filha de 11 anos, Janet, que curiosamente andou a tentar contactar espíritos com uma Ouija Board improvisada (olá Regan de “O Exorcista”!). Janet começa por ser assombrada por um espírito da casa e acaba a levitar no tecto.
E quem é este espírito? Um velho de 72 anos que diz aos miúdos “vão-se embora, a casa é minha” e que muda o canal de televisão para ver a Margaret Thatcher (não inventei, juro, mas é terror do mais assustador!). Isto passa-se durante a primeira hora do filme. Por esta altura eu já me perguntava se isto era uma comédia disfarçada de filme de terror, até porque já não é a primeira vez que me rio com um filme de James Wan. (Será que ele faz de propósito para nos fazer rir? Pelo menos desta vez não apareceu o diabo chifrudo, o que já é um progresso.)
A família pede ajuda à igreja, que pede ajuda aos Warren para irem a Londres investigar o caso. Lorraine não quer ir, devido ao tal aviso, mas acaba por ceder ao sentido de dever para com a família atormentada. Quando lá chegam, a miúda de 11 anos parece estar possuída pelo velho (porcalhão!) que fala pela boca dela com a voz dele. É ele quem nos conta que costumava viver ali antes de morrer e que por isso assombra a família.
De repente, uma reviravolta. Afinal não é o velho que atormenta a família. O velho está sob controlo do demónio Valak que se apresenta na figura da Freira Maldita por motivos que só vamos perceber em “The Nun”. Isto já não é uma série de sequelas, é uma telenovela.
Cada vez percebo menos o apelo dos filmes de James Wan, cada vez mais imitações/decalques dos verdadeiros clássicos. “The Conjuring 2” não teve nada que me fizesse interessar, muito menos ter medo. O fantasma do velho era ridículo. Até a Freira Maldita, olho para ela e só consigo ver o Marilyn Manson com mais maquilhagem. E o filme é enorme, umas duas horas e meia para imitar (mal) “O Exorcista”. Se calhar a culpa é minha. Já vi demasiados filmes de terror de qualidade para me deixar impressionar por esta pobreza de ideias.
Por falar em exorcista, a única cena verdadeiramente empolgante é o exorcismo de emergência que Lorraine Warren (a poderosa Vera Farmiga) tem de improvisar e que conseguiu correr efectivamente com o demónio Valak. Isto é, até à próxima sequela, presumo.
12 em 20
domingo, 16 de fevereiro de 2025
The Last Kingdom (2015 - 2022) [primeira temporada]
Aos 11 anos, Uhtred, filho de um nobre da Northumbria, é raptado por vikings durante um raide e criado como dinamarquês. Earl Ragnar, o seu amo, reconhece-o mais tarde como filho adoptivo. No entanto, quando Ragnar é vítima de traição e toda a família é assassinada, Uhtred regressa ao mundo saxão na tentativa de reconquistar as suas terras e o seu título usurpado pelo tio. Para tal, tem de abandonar os costumes vikings e conquistar o favor do rei Alfred de Wessex. Por esta altura, os vikings (a quem os saxões chamam, indiscriminadamente, dinamarqueses) já tinham invadido toda a Bretanha excepto Wessex, o "último reino".
Entrar no mundo de "The Last Kingdom" pode ser confuso para quem viu (sofreu) "Vikings" até ao fim. Acredito que quem viu "Vikings" primeiro, como eu, passe o primeiro episódio inteiro à procura de Ragnar Lothbrok. E de facto existe um Earl Ragnar, e o seu filho Ragnar Lothbrokson, e existe um Ubba irmão de Ivar (esse, sim, o mesmo Ivar o Sem Ossos de "Vikings" que historicamente morreu na Irlanda, se bem que aqui nem o cheguemos a ver), mas nenhuma destas personagens é o lendário Ragnar Lothbrock ou sequer parente dele (embora Ubba e Ivar fossem, mitologicamente, filhos de Ragnar e parte do Grande Exército Pagão que invadiu a Bretanha para vingar a morte dele num poço de víboras). E também existe um rei Egbert, e um rei Alfred, e um rei Athelred, mas nenhum deles se assemelha aos de "Vikings", apesar de Alfred ser efectivamente o mesmo, Alfredo o Grande.
Ao ler críticas a "Vikings", muitas vezes encontrei comentários a dizer que "The Last Kingdom" é uma série melhor. Na minha opinião não é melhor nem pior, é apenas diferente. Embora ambas as séries se refiram ao mesmo período histórico, a invasão/conquista da Bretanha pelos vikings, "Vikings" centra-se na perspectiva viking enquanto que "The Last Kingdom" se centra na perspectiva saxã. Como tal, uma vez que estes acontecimentos foram registados por cronistas britânicos, The Last Kingdom" é também uma série mais histórica. "Vikings" é a história de Ragnar Lothbrok e seus filhos, todos eles envoltos em mitos e lendas, muitas vezes contraditórios entre si, não obstante serem também mencionados nos registos históricos (como no caso de Ivar na Irlanda, por exemplo). Em suma, o que realmente sabemos de Ragnar e seus filhos é o que se encontra nos registos saxões, pela pena dos seus inimigos, o que também não garante imparcialidade.
Comparando as duas séries, no entanto, "The Last Kingdom" prova que é possível fazer uma série de vikings com cabeça, tronco e membros, com personagens fortes e carismáticas, com a brutalidade e a carnificina que o tema exige (cabeças cortadas, violações, inimigos mortos pregados a estacas, etc), com drama e humor, mas sem a porno-tortura de Michael Hirst que tornava "Vikings" intragável. Não digo que "Vikings" fosse uma série má, digo que a porno-tortura era dispensável. Depois do sadismo de "Vikings", "The Last Kingdom" até parece uma série "levezinha".
Voltando pois a "The Last Kingdom", é significativo que o protagonista se chame Uhtred, um nome portentoso. Uhtred foi o pai do rei Arthur. Criado como viking, Uhtred nunca se esqueceu das suas raízes saxãs, mas estará para sempre dividido entre os dois mundos, visto como viking pelos saxões e como saxão pelos vikings. Determinado, impulsivo, impaciente, Uhtred não é completamente simpático como protagonista e às vezes irrita-nos (e às mulheres dele) com as escolhas que toma e que não o beneficiam nada, pelo contrário, só o afastam mais dos seus objectivos, e tudo devido à sua teimosia e orgulho de viking. Por outro lado, Alfred, um rei inteligente, reconhece nele o trunfo de ter ao seu lado um guerreiro que compreende o inimigo, um conhecimento inestimável à altura.
Gostei desta temporada principalmente porque se nota um grande cuidado na caracterização histórica, desde o guarda-roupa à comida e aos interiores. A grande batalha do último episódio é épica, está muito bem coreografada e percebe-se.
Por falar nisso, muita gente comparou esta série, no início, a "Guerra dos Tronos", mas eu notei mais semelhanças com "O Senhor dos Anéis". Ou melhor, dando a volta toda até ao princípio, estes acontecimentos históricos é que inspiraram Tolkien, que por sua vez inspirou George R. R. Martin e todos os autores de Fantasia, assim é que está certo.
"The Last Kingdom" vale mesmo a pena ver por todos os amantes de História e do período viking em particular. Voltarei a esta série quando terminar de vê-la, se se justificar.
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PARA QUEM GOSTA DE: Vikings, drama histórico
terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
The Rental / O Segredo do Refúgio (2020)
Dois casais decidem alugar uma mansão à beira-mar para um fim-de-semana relaxante (do tipo “alojamento local” de luxo). O enredo que se segue podia ser um daqueles filmes de matar adolescentes mas acho que foi uma ideia inteligente fazê-lo com pessoas perto dos 30 anos, que já têm muito a perder.
Charlie e Mina são sócios e muito chegados, tão chegados que a princípio dá a entender que são um casal. Na verdade, Charlie vive com Michelle e Mina namora com o irmão de Charlie, Josh. Na sequência de um grande sucesso profissional, Charlie e Mina têm a tal ideia de um fim-de-semana de luxo. Assim que chegam ao local, são confrontados por um caseiro (que se diz irmão do proprietário) que lhes entrega as chaves e faz alguns comentários racistas sobre Mina por esta ter um nome árabe. Este caseiro presta-se em tudo para ser o vilão da história, mas será que é mesmo?
Na primeira noite, enquanto Michelle dorme depois de uma semana cansativa e Josh desmaia de bêbedo no sofá, Charlie e Mina, os sócios, acabam mesmo por fazer sexo no duche, um “erro” reconhecido por ambos que nenhum quer repetir. No entanto, no dia seguinte, Mina descobre uma câmara escondida no chuveiro e muitas mais pela casa toda. Obviamente não querem chamar a polícia para que os respectivos cônjuges não vejam o que se passou no duche, mas não conseguem evitar revelar a presença das câmaras escondidas pela casa. Decidem, em vez disso, ir-se embora.
Josh, namorado de Mina, que já tinha cadastro criminal por agressão, apanha o tal caseiro, a quem julga o voyer, e dá-lhe tantos murros que o mata mais ou menos acidentalmente. Agora os casais tentam livrar-se do corpo, com a única oposição de Michelle. Mas será que mataram o homem certo e que o perigo acabou? Não.
“The Rental” é um bom filme sobre consequências, dentro do género, e por isso gostei que as decisões não caíssem nos ombros de adolescentes mas de adultos que deviam saber o que fazem.
O final promete uma sequela mas não estou muito entusiasmada quanto a isso.
13 em 20
domingo, 9 de fevereiro de 2025
Red: Werewolf Hunter / Red: Caçadora de Lobisomens (2010)
Este filme é como ver um episódio de “Sobrenatural” com Felicia Day (Charlie) e tudo, mas sem Sam e Dean e Castiel. O que podia não ser mau, especialmente agora que “Sobrenatural” chegou ao fim, se o filme conseguisse estar à altura, mas infelizmente é só o aproveitamento da ideia para fazer dinheiro nem nenhum do peso ou impacto do original. Não é por nada que os criadores de “Sobrenatural” tentaram pelo menos duas spin-offs, “Bloodlines” e “Wayward Girls”, sem que nunca tenham passado do episódio piloto. Faltava a magia, o peso, o drama dos Winchesters.
Mas vamos lá ao enredo.
Charlie… desculpem, Red, faz parte de uma família de caçadores de lobisomens. Estes caçadores, em métodos e cultura, são exactamente os mesmos de “Sobrenatural”. Aliás, quem vir este filme sem o contexto de “Sobrenatural” vai pensar que a família de Red são todos uns assassinos sem coração que não têm qualquer escrúpulo em matar um deles se este estiver em risco de se transformar em lobisomem, espécie com a qual têm uma trégua temporária. Foi assim que a série os retratou, desde Red à avó de família. Red vai a casa apresentar o namorado. Assim que este é mordido por um lobisomem, ela mata-o, kaput. Um grande amor, sem dúvida. Ora, se pensarmos na quantidade de vezes que Sam e Dean fizeram pactos com demónios e foram literalmente ao inferno para se salvarem um ao outro, podemos ver a diferença.
Felicia Day, filha, sei que todos temos de ganhar a vida, mas foi por isto que Charlie teve de morrer abrupta e estupidamente em “Sobrenatural”, para fazer filmes destes?
Como fã de “Sobrenatural”, confesso, fiquei irritada. Quem vir apenas este filme vai ficar com uma ideia completamente errada da série. “Red: Werewolf Hunter” limita-se a copiá-la (e mal) e a capitalizar à custa de “Sobrenatural”. Não gostei de todo.
10 em 20 (por causa de Felicia Day, isto é, Charlie)
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
Shark Night 3D / Medo Profundo (2011)
Estava eu aqui a queixar-me no outro dia que os filmes de tubarões parecem todos iguais quando este aparece com uma reviravolta.
Mas não nos entusiasmemos. “Shark Night 3D” é muito mau, incrivelmente mau. Nos primeiros 30 minutos eu estava a pensar que este filme não devia ter sido feito em 1D, nem em 2D e muito menos em 3D.
“Shark Night 3D” começa como todos os outros filmes do género: meia dúzia de adolescentes vão passar um fim-de-semana à casa de campo de uma colega/amiga no Luisiana, à beira de um lago de água salgada, no intuito de beber, fornicar e tomar drogas, mas o lago tem tubarões e um dos jovens é prontamente atacado. Aqui começa logo a estupidez. O rapaz perde um braço mas não podem chamar uma ambulância porque os telemóveis não apanham rede (o que eles já sabiam) e a casa isolada (que é uma casa de família dos pais da rapariga, outra geração, portanto) não tem um telefone fixo? Nem sequer um rádio para as emergências? Custa-me a crer.
De seguida, o rapaz que perdeu o braço decide voltar à água para se vingar do tubarão, porque no bairro dele paga-se “olho por olho”, como se o tubarão fosse um grande gangsta de esquina. Escusado será dizer que o rapaz acaba por perder mais do que um braço...
Como é que os tubarões apareceram no lago, tão longe do mar? Uma das teorias dos adolescentes é que foram transportados para lá por uma inundação num dos últimos furacões. E é aqui que o filme de tubarões se torna numa espécie de “Deliverance” (quem não viu “Deliverance”, filme de 1972 com Jon Voight, Burt Reynolds e Ned Beatty, vá já correr a ver, até por uma questão de cultura geral para além da cinematográfica).
Basicamente, um grupo de pacóvios racistas e ressentidos descobriram nos tubarões uma maneira de se “vingarem” dos miúdos privilegiados da cidade. Pronto, era a reviravolta e eu queria falar de “Deliverance”, mas não há muito mais a dizer.
11 em 20 (porque não mataram o cão, desculpem o spoiler)
domingo, 2 de fevereiro de 2025
1899 (2022)
O navio Kerberos, à semelhança do Titanic, viaja para a América com passageiros de primeira e segunda classe. Entre eles Maura Franklin, médica inglesa a quem não é permitido exercer a profissão por ser mulher. Depressa percebemos que todas as personagens principais, tal como Maura, têm segredos no seu passado, e que todos receberam um estranho envelope com a promessa "o que se perdeu será (re)encontrado".
A meio da viagem, o Kerberos recebe um telegrama com coordenadas que parecem provir do Prometheus, um outro navio da mesma companhia desaparecido no mar há quatro meses. Quando o Kerberos o aborda, o Prometheus é um navio fantasma, sem passageiros nem tripulação excepto um rapaz que se recusa a falar. O telégrafo foi destruído, então quem é que estava a mandar as mensagens?
Não é um spoiler dizer que neste navio nada é o que parece. Percebemos logo, desde os primeiros minutos, que algo de muito bizarro se passa a bordo. O próprio som de fundo, que por vezes nos chega distorcido como uma má transmissão de rádio, nos alerta para esta estranheza. Por todo o lado, no navio, encontramos triângulos: invertidos, sobrepostos, em pirâmide. Um personagem chega a bordo sem sabermos bem como, trazendo com ele uns besouros metálicos que, tudo indica, começam a provocar mortes entre passageiros e tripulação. Segue-se um motim e uma passagem sinistra em que as pessoas se atiram borda fora como se algo as controlasse. O capitão e outros passageiros vêem fantasmas de pessoas já falecidas. O que se passa?
O meu primeiro palpite foi que o Kerberos estava sob controlo de extraterrestres a fazerem uma experiência, ou que eram todos pacientes de um hospital psiquiátrico e que um deles estava a "fabricar" a viagem na sua mente, ou, a solução à "Lost", que estavam todos mortos e não sabiam. A resposta é mais elaborada do que isso, mas não esclarece todas as perguntas.
Spoilers
"1899" é dos mesmos criadores de "Dark", uma das melhores séries que já vi na vida, e já se esperava daqui um mistério complexo que nos fizesse dar voltas à cabeça e que nunca seria para espectadores impacientes. Mas, para não decepcionar ninguém, vou dizer desde já que a série foi cancelada depois da primeira temporada e que deixou os fãs frustrados e com muitas dúvidas por responder. Vou revelar que o que se passava era uma simulação, o que na minha opinião nem chega a ser um spoiler porque não explica nada. Se a simulação era para Maura, qual é o papel das outras personagens, algumas das quais com histórias dramáticas e passados traumáticos? Como é que elas foram parar à simulação? Quem é que faria de propósito uma simulação tão sádica? Eu tenho fé, depois de ver "Dark", que os criadores iriam explicar isto tudo nas temporadas seguintes.
O que me leva ao maior mistério de todos: como é que uma série é aprovada, aparentemente sem que os executivos saibam previamente o final e/ou acreditem na história, a ponto de a cancelarem após uma única temporada? Bem, no caso de "Lost", como os próprios criadores da série admitiram, ninguém sabia onde é que aquilo ia dar. Estando tanto dinheiro em jogo, já para não falar no desagrado dos fãs, estas coisas não me entram na cabeça.
Se mesmo assim vale a pena ver "1899"? Eu gostei bastante, pelo cenário de época, pelo ambiente sombrio, pelas histórias contadas, pelas personagens, pelo mistério criado. Só faltou integrar todos estes elementos num todo coerente, mas acredito que isso seria conseguido. Deste modo, mesmo inacabado, aconselho a todos os fãs de mistério e ficção científica.
Uma curiosidade, um dos actores é José Pimentão no papel de Ramiro, português de gema, a falar português de gema, antes de a Netflix ter decidido dobrar todas as falas em inglês.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Lost, Dark, ficção científica, mistério, drama
terça-feira, 28 de janeiro de 2025
Sea Fever / No Abismo do Mar (2019)
Uma traineira irlandesa parte para o mar levando a bordo como passageira uma estudante de biologia marinha que precisa de recolher dados para a sua investigação. Os donos do barco não têm tido sorte e estão quase a perder a embarcação se não conseguirem uma boa pescaria. Finalmente identificam um grande cardume mas este está numa zona de exclusão (onde é proibido pescar e onde existem baleias protegidas com crias). O dono do barco decide ignorar a proibição, sem dizer a ninguém, e de facto conseguem uma boa pescaria. Mas subitamente o barco é agarrado por alguma coisa que não o deixa mover-se. Um mergulho revela que é uma espécie de alforreca gigante e desconhecida que o prendeu nos seus tentáculos e está prestes a causar buracos no casco segregando uma substância gelatinosa que supostamente devia servir para atordoar uma presa grande (como uma baleia).
O animal acaba por se ir embora e libertar o barco, percebendo que não serve para comer, mas a substância viscosa já está no barco todo, incluindo no reservatório de água. Depressa, um a um dos tripulantes começam a apresentar comportamentos estranhos, seguidos de febre e cegueira. A estudante consegue isolar o motivo: a matéria viscosa contém ovos que entram na corrente sanguínea e se transformam em larvas, matando o hospedeiro. Uma vez que muitos tripulantes já estão infectados e que não conseguem descobrir uma cura, a estudante insiste numa quarentena em alto mar com que ninguém concorda. Sinceramente, eu também não concordaria. Primeiro deviam atracar em segurança, avisar as autoridades e então, sim, ficar em quarentena num sítio onde pudessem ter acesso a cuidados de saúde (se houvesse alguma coisa a fazer). A estudante acaba por decidir por todos e incapacitar o barco. Agora toda a gente fica impossibilitada de regressar a terra e de tentar encontrar uma cura. A estudante acha que fez um grande favor à humanidade, eu acho que ela não tinha o direito de se armar em deus.
“Sea Fever” é um filme na linha de “Alien” ou “The Thing” com um monstro marinho, que consegue manter a tensão do princípio ao fim. Mais uma vez é a ganância e o desrespeito pela natureza que coloca os pescadores em perigo e é a cegueira (passe o trocadilho) da arrogância que transforma uma situação péssima numa situação desesperada.
13 em 20
domingo, 26 de janeiro de 2025
Wolf Creek (2016 - 2017)
“Wolf Creek” é uma série de duas temporadas baseada nos filmes homónimos. Eu não vi os filmes e não sabia o que estava a perder. Porque a série, forçosamente, contém spoilers, aconselho a ver os filmes primeiro.
Primeira temporada
Uma família americana está a acampar na Austrália junto a um rio. O miúdo mais novo vai andar de colchão de água e é atacado por um crocodilo. Surgido do nada, um caçador mata o crocodilo com um único tiro. À noite, ao jantar com a família, o estranho mata o pai e a mãe com uma faca de mato e o miúdo com uma espingarda. Resta a filha adolescente, Eve, que é alvejada mas consegue escapar.
Este estranho é Mick Taylor, um serial killer que odeia turistas e que há décadas colecciona vítimas no grande Outback australiano. Mick é um verdadeiro “personagem”, de meia idade mas mais alto e mais forte do que parece, um chapéu à Freddy Krueger, umas patilhas grisalhas e um risinho irritante ainda antes de se tornar sinistro, e tão sujo e transpirado que o cheiro nos chega através do écran. Mick Taylor também tem por hábito fazer piadas sem graça nenhuma, ofensivas a tudo e todos. Psicopata dos piores, sádico sem escrúpulos e desprovido de empatia, Mick mata indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, como quem elimina uma espécie invasora (aliás, como ele se refere aos turistas). Na verdade, Mick não mata apenas turistas, mas estes são os mais fáceis de fazer desaparecer, não têm família ou conhecidos no país e só se dá por falta deles passado algum tempo. É sugerido, em algumas cenas, que Mick queira também aproveitar-se sexualmente das mulheres que captura, mas percebe-se que esse é um interesse secundário, se é que chega a ser um interesse. O que ele quer mesmo é matar, e em alguns casos torturar antes de matar. Porque é que a polícia ainda não o identificou? Porque Mick não deixa pistas no local do crime e não faltam sítios na vastidão do mato, rios e deserto australiano onde fazer desaparecer um corpo, seja por cortá-lo aos pedaços e dá-lo aos crocodilos ou simplesmente deixá-lo ficar no fundo de uma ravina onde ninguém vai sem motivo. Mick aparenta “aparecer e desaparecer” do nada, quase fantasmagórico, porque conhece o terreno a fundo e usa toda a sua experiência e auto-confiança para surpreender as vítimas. A polícia sabe dos inúmeros casos de turistas desaparecidos mas não tem qualquer indício que aponte para homicídio.
Isto muda quando Eve sobrevive e relata à polícia o que aconteceu, fornecendo mesmo uma descrição de Mick e da sua carrinha azul-clara. Nem todos os polícias acreditam na versão de Eve, considerando que o caso possa ter sido um homicídio-suicídio, mas o detective Sullivan Hill (Dustin Clare, o Gannicus de “Spartacus”, alguns anos mais velho mas ainda com figura de gladiador), que há muito tempo estuda os desaparecimentos, leva-a a sério.
Eve não é uma adolescente vulgar. É uma atleta de pentatlo olímpico, em plena forma mas com uma adicção a analgésicos, que se culpa pela morte dos pais e do irmão uma vez que estavam a fazer aquela viagem por causa do seu problema. Quando Sullivan lhe diz que localizar e prender Mick vai ser muito improvável, já para não falar da dificuldade em condená-lo sem provas para além do testemunho dela (os corpos nunca são encontrados e o veículo da família aparece queimado), Eve decide não voltar a casa e pôr-se ela própria à procura de Mick. Os pais de Eve eram polícias e ela tem conhecimentos de investigação criminal. Para começar, consegue roubar o dossier de Sullivan com os casos dos desaparecidos e dirige-se aos locais onde estes foram vistos pela última vez.
No caminho, numa carrinha muito velha (e esconderijo de droga sem que ela saiba), Eve tem o azar de chocar contra um carro de polícia. Isto leva-a à esquadra, onde entra em contacto com traficantes de droga. Uma vez que a polícia lhe apreendeu o passaporte e o dinheiro, Eve foge da prisão e rouba os traficantes, que imediatamente a perseguem também.
A princípio Eve tem o benefício de seguir Mick sem que ele saiba que ela sobreviveu, mas, à medida que ela vai questionando pessoas por onde passa, alguém acaba por informá-lo de que andam à sua procura. Começa um jogo perigoso do gato e do rato em que Mick tem toda a vantagem.
“Wolf Creek” tem outra personagem sempre presente: a Austrália e as suas paisagens inóspitas, desérticas, belas e perigosas. Vale a pena ver a série só pelos cenários e pelos ambientes tensos que se vivem nesses ermos. Sullivan diz que as pessoas vão para “O Território” (norte da Austrália) para desaparecer, e isso explica a sua relutância em falar quando se nota claramente que sabem mais do que dizem. Nesta cultura de silêncio ninguém se quer meter na vida alheia, especialmente a dos estranhos de passagem, o que joga igualmente em favor de Mick.
A série pode ter sido um bocadinho exagerada na maneira em que retrata os personagens masculinos. Dos homens que cruzam o caminho de Eve, dois querem violá-la (um deles à troglodita: “preciso de uma mulher, dá-me filhos”), Mick quer matá-la (e possivelmente torturá-la também) e apenas um se aproveita como pessoa decente. Não conto o polícia porque era só o que faltava que o polícia não a tratasse com profissionalismo. Ora, eu sei que os homens não são santos, mas esta estatística está um bocadinho deturpada. Por outro lado, os predadores seguem as vítimas aos locais onde elas estão mais vulneráveis, e Eve não podia estar mais vulnerável do que no deserto.
Falando da polícia, não é injusto dizer que as autoridades não fizeram o trabalho que deviam e ficam muito mal na fotografia. Não sei se é mesmo assim na Austrália, mas um dos carros de uma vítima, cheio de sangue e tudo, logo, uma cena de crime, foi deixado à beira da estrada onde o encontraram, nem sequer o levaram para análises forenses. Isto é facilitar a vida a Mick.
Eve comete dois erros típicos de filme de terror. A dado passo, quando já é Mick quem anda à caça dela, este mata o único polícia de serviço numa esquadra de interior. É a primeira vez que o vimos deixar um corpo. Eve tem ali a prova tangível de que precisava mas não aproveita a ocasião para chamar ajuda. Verdade seja dita, por esta altura ela já não está a agir com racionalidade, já não quer apenas que Mick seja apanhado, quer matá-lo ela própria. E finalmente, quando tem a oportunidade, comete o erro do costume de presumir que ele já está morto em vez de o matar de vez e bem morto. Obviamente, Mick não está morto porque há uma segunda temporada.
Não vou dizer o que acontece a Eve. Se por um lado ela não o conseguiu matar, por outro foi a primeira vez que Mick foi exposto às autoridades como assassino, com descrição e tudo. Agora Mick já não é invisível, é um homem procurado.
Segunda temporada
Mick tem perfeita consciência de que é um homem procurado e já nem se desloca na sua carrinha azul-clara quando tem de ir à “civilização”. O primeiro episódio mostra-nos a que ponto ele está irritado por saber que já o toparam. Mas entre saber que ele existe e saber onde ele está, num “deserto do tamanho do Texas”, como ele diz, vai uma grande diferença. Como se descobriu na temporada anterior, Mick tem a sua base de operações em Wolf Creek, uma cratera causada pela queda de um meteorito (que existe na realidade). Em tal ermo, a 500km da civilização, nada o impede de continuar a matar impunemente.
Desta vez, Mick descobre um autocarro cheio de turistas que vai visitar o Outback australiano. Depois de uma troca de palavras com o motorista, em que Mick se sente ofendido mas na verdade é uma desculpa, Mick mata o motorista, toma o lugar dele e desvia o autocarro para o deserto. De seguida deixa os turistas abandonados para começar a “caça”.
Gostei que o primeiro episódio se focasse especialmente nos personagens, para termos tempo de os conhecer e conseguirmos preocupar-nos com eles antes de começarem a morrer, como já sabemos que vai acontecer. Um dos passageiros é um geek que só fala de carros, coitado, e que é uma seca ambulante. Tive logo pena dele, porque a não ser que a série nos surpreendesse muito ele seria dos primeiros a ir. Não esperei é que fosse tão depressa, mas o desgraçado tem o azar de dar uma seca a Mick a falar dos melhores veículos para o deserto, e se o coitado é capaz de torrar a paciência a um santo, Mick não é nenhum santo. Visto assim, até foi cómico, mas tive pena do infeliz.
Os turistas são muito diversos: uma família alemã com uma filha adolescente, um casal gay, outro casal a tentar salvar o casamento, duas amigas canadianas, um veterano de guerra americano, um blogger de sucesso (que inveja), um psiquiatra forense especialista em assassinos. Quando se encontram abandonados no deserto, as opiniões dividem-se quanto ao que fazer. Dois deles, o marido de Rebecca e o parceiro de Steve, os mais aptos para caminhadas, decidem ir investigar o terreno e procurar Mick, que julgam o motorista substituto. Entretanto, no autocarro, os restantes encontram o corpo do motorista escondido no vagão refrigerador, e instala-se o pânico. Agora é uma questão de colocarmos as nossas apostas. Quem se vai safar? Eu tinha fé no veterano de guerra, o único com as competências necessárias para travar uma verdadeira batalha contra um inimigo armado que domina o terreno, ou em Brian, o psiquiatra forense, ou em Rebecca, que é sempre mostrada como uma mulher de acção e iniciativa, principalmente quando o marido nunca regressa da exploração (porque deu de caras com Mick).
A situação dos turistas é mais desesperada e impotente do que na primeira temporada. Perdidos no deserto, expostos ao sol escaldante e às tempestades nocturnas, sem telemóveis, sem comida e sem água, Mick só tem de os caçar um por um antes que eles se matem a eles próprios. Nina, a alemã de meia-idade, consegue a proeza de deslocar um ombro e ser mordida por uma cobra venenosa em menos de 24 horas. Brian, que também reconhece em Rebecca maiores hipóteses de escapar, sugere-lhe que deixem os outros para trás, e tem esta conversa de abandonar os mais fracos tantas vezes que a certa altura desconfiamos se ele não é um psicopata também. Brian argumenta que naquela situação limite vale a lei da sobrevivência do mais forte, ao que Rebecca retorque que o ser humano não age pela sobrevivência individual mas antes pela preservação da espécie como um todo. Mas, se é para filosofar, Rebecca está a ser hipócrita e Brian tem razão. Para o grupo ter mais probabilidades de sobreviver, um dos mais fortes teria de tentar fugir sozinho e pedir ajuda, aliás, como a própria Rebecca reconhece no fim, já para não falar em denunciar Mick para benefício de toda a humanidade. Rebecca não está a pensar no melhor para todos coisa nenhuma, está somente fixada em encontrar o marido se este ainda estiver vivo. O que é compreensível, mas não tem nada a ver com a sobrevivência da espécie.
A segunda temporada inclina-se um bocadinho para o sobrenatural. A certa altura os sobreviventes encontram um outro habitante da zona de Wolf Creek que lhes diz que ainda lá vive porque a cratera emite um zumbido, um chamamento, que o mantém lá, e que ele responsabiliza por ter sido a causa do encerramento da mina onde ele trabalhava. Em suma, a zona da cratera é maligna.
O mesmo pensam dois nativos que cruzam o caminho de Steve quando este se perde do grupo. A princípio querem-no ajudar, até ouvirem falar de Mick, a quem um deles chama o Homem-Espírito. O outro não acredita nessas superstições mas a verdade é que também já conhece a reputação de Mick e das “coisas más” que acontecem quando ele aparece, e insiste em ir buscar ajuda antes de o confrontar (o que é inteligente). O episódio dos nativos é dos mais interessantes em termos culturais. Quando um deles é esfaqueado, um dos mais velhos começa a entoar um cântico/feitiço contra Mick, uma espécie de vudu, e o certo é que funciona e que Mick se sente doente. Uma vez que o vudu, aparentemente, actua por auto-sugestão, e que Mick não tinha maneira de saber o que eles estavam a fazer, a insinuação é de que o vudu nativo resulta ou de que existe algo de sobrenatural no próprio Mick. Eu gosto muito de sobrenatural mas, neste caso, preferia um assassino de carne e osso, com as suas forças e fraquezas, como Dexter. Não precisamos de outro Michael Myers.
A primeira temporada é sangrenta que baste, mas a segunda supera-se. Existem muitas cenas susceptíveis de perturbar os mais sensíveis. Já os outros, aqueles que gostam de um bom thriller de terror e serial killers, se ainda não conhecem Mick Taylor não sabem o que estão a perder.
“Wolf Creek” teve apenas duas temporadas mas John Jarratt, o excelente actor que dá vida ao infame Mick Taylor, revelou que se fala numa terceira. Não sei até que ponto a coisa foi para a frente, mas ainda há muito para explorar nesta história que eu gostaria de ver.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Dexter, Mentes Criminosas, Hannibal, serial killers