domingo, 28 de setembro de 2025

The Walking Dead: Daryl Dixon - The Book of Carol [segunda temporada]

[não contém spoilers relevantes]

Em França, Daryl e Isabelle continuam a proteger Laurent de uma dupla ameaça. Carol descobre o paradeiro de Daryl e atravessa o Atlântico de avioneta para ir ter com ele.
Vou ser muito honesta, nunca pensei que Daryl Dixon em França resultasse. A primeira temporada foi surpreendente e, na minha opinião, melhor do que o original estava a ser há muitos anos. Esta segunda temporada não foi tão boa como a primeira (especialmente por causa do enredo de Carol) mas aconteceram muitas coisas interessantes.
Os dois primeiros episódios são mauzinhos. O primeiro episódio é tão mauzinho que me lembrou o pior de "Fear The Walking Dead", que nas últimas temporadas eu só via para rir. O problema era pôr Carol em França, uma vez que era suposto que Carol estivesse nesta spin-off desde o início, mas não foi possível. E a maneira como isto é feito é risível. Carol anda à procura de Daryl. Em questão de dias, encontra quem lhe diga que Daryl foi levado para França e logo de seguida descobre um homem que tem um avião. Este tipo, Ash, não só tem um avião como tem combustível com tanta fartura que se dá ao luxo de dar uma volta de avião de vez em quando, em lazer. Sabemos mais tarde que já passaram 12 anos desde o apocalipse e que Ash tem andado de avião este tempo todo sem que apareça ninguém para o incomodar, num mundo em que as pessoas se matam por meia dúzia de rabanetes...

Mau começo
Carol tem de persuadir Ash a dar-lhe boleia para França, e para isso faz uma coisa terrível. Quando sabe que Ash ainda está a fazer o luto de um filho que perdeu, diz-lhe que a sua filha Sofia estava em França quando o apocalipse aconteceu e que poderá ainda estar viva. Nós já sabemos que Carol mente que se farta, mas uma mãe usar a memória de uma filha morta para manipular alguém, sem ser por razões de vida ou morte, é de uma mãe que não sofre com a memória. Mais tarde, Carol diz que usou a mentira para ser "convincente", mas acho que nem a própria actriz Melissa McBride ficou convencida porque não conseguiu convencer-nos. Isto foi muito mal feito. Por outro lado, e isto já foi mais bem feito, durante esta temporada Carol tem de confrontar-se com o trauma de perder Sofia. Pode parecer tarde, tantos anos passados, mas faz sentido. Carol é o tipo de pessoa que enfia a cabeça na areia em vez de lidar com os problemas e que, de certa forma, mente também a si própria. É natural que o trauma aparecesse para a assombrar mais tarde ou mais cedo. Eu admito que isto me trouxe lágrimas aos olhos. A morte de Sofia foi um dos momentos mais chocantes de "The Walking Dead" e nunca houve oportunidade de lhe fazer o luto como devia ser. Gostei muito que esta temporada tivesse dedicado tempo dramático ao assunto. Carol está a tornar-se uma personagem muito antipática, era altura de lhe devolver a humanidade que foi perdendo.
Mas de volta à acção, Carol e Ash preparam-se para partir. A minha questão foi: como é que aquele chaço velho vai atravessar o Atlântico? Não fui a única a questionar-me e alguém até foi perguntar ao ChatGPT se a viagem seria possível. O ChatGPT é mais optimista do que nós humanos e responde "possível, mas improvável". Nós humanos sabemos o que o ChatGPT não sabe, que tudo o que pode correr mal tende a correr mal. Ash e Carol só fazem uma paragem na Gronelândia (onde acontecem outras coisas interessantes, se bem que um bocadinho absurdas) quando deviam ter parado mais vezes para reabastecer, e isto sem contar com o pormenor de que não fazem ideia de onde reabastecer nem do que os espera. Esta viagem de avião podia ter sido uma aventura épica para ser credível, mas aqui até estou disposta a dar um grande desconto: não era essa a história, era preciso levar Carol para França o mais depressa possível, foram tomadas liberdades. A questão é mais: trazer Carol para a história desta maneira valeu a pena?
Lamento muito dizer isto mas acho que a história estava a correr melhor sem a Carol. Não sei se o problema foi o enredo ter sido planeado para Daryl sozinho (porque Melissa McBride não pôde estar no início) e tiveram que meter a Carol às três pancadas. Pareceu-me tudo muito forçado, começando no momento em que Carol decide ir para França só porque um marmanjo qualquer lhe disse que Daryl estava lá. Tudo o que acontece a partir daí foi "martelado" e conveniente. Basta dizer que Carol encontra Daryl em questão de dias, num continente diferente, durante o apocalipse zombie. Isto foi mauzinho, mas a série melhora bastante passando estes dois primeiros episódios.

Horrores do mundo real
Em França, o exército Pouvoir des Vivants continua a perseguir Laurent, um rapaz considerado por um movimento religioso, a Union de l’Espoir, como um novo messias. Nesta temporada descobrimos que os dirigentes da Union de l’Espoir também não são bons. Laurent é considerado um milagre porque nasceu de uma mãe zombie e é julgado imune ao vírus zombie, não por qualquer motivo científico mas apenas pela fé cega. Na temporada anterior assistimos ao nascimento. A mãe morreu no parto, transformou-se, e o bebé foi-lhe retirado, nada mais que isto. Os líderes da Union de l’Espoir querem submeter Laurent a uma cerimónia onde é mordido por um zombie para provar que é imune e "enviado por Deus". 
(Esta ideia já tinha sido abordada em "Fear The Walking Dead", em que o líder de uma comunidade era reverenciado por ter sobrevivido à dentada de um zombie, mas afinal não era uma dentada de zombie e era tudo uma falácia alimentada pelo próprio para "manter a ordem" no caos.)
Ou seja, Daryl e Isabelle passaram a primeira temporada a levar Laurent para uma armadilha. Agora estão todos dentro da armadilha e o Pouvoir des Vivants também anda atrás deles. Nesta temporada compreendemos melhor as razões do Pouvoir des Vivants, mas se uns são fanáticos religiosos os outros são fascistas. São todos maus e todos querem, no fundo, manter o poder sobre os seguidores. Até há algumas "bocas" políticas sobre a realidade actual que não costumavam aparecer em "The Walking Dead". Gostei, não estava à espera.
Também gostei dos paralelismos entre o Pouvoir des Vivants e os nazis, totalmente explícitos nesta temporada. Há uma cena arrepiante em que os prisioneiros são separados e transportados em camiões diferentes consoante o seu "valor" e o seu "fim". O cenário de França ajuda a invocar estes fantasmas.

Dépaysant
Por falar em cenário de França, uma das palavras de que Daryl gosta muito é "dépaysant", que significa algo como mudança de ares que faz uma pessoa ver as coisas de maneira diferente. Este spin-off teve esse efeito positivo no universo The Walking Dead. Continuo a dizer que "Daryl Dixon" nem precisava de enredo, a gente via só pelos zombies e pelos cenários. Os cenários são tão bons, mas tão bons, que somos levados a perdoar os problemas de realismo como a viagem de Carol. Nesta temporada destaco as cenas no Louvre, que foram mesmo filmadas no Louvre (fui confirmar), e as cenas no Mont Saint Michel e nas catacumbas. Não é todos os dias que vemos zombies no Louvre. Genet, a líder do Pouvoir des Vivants, e sua braço-direito Sabine (que aqui, coitada, tem cara de Estaline, e não inocentemente) eram empregadas de limpeza no museu quando aconteceu o apocalipse. Isto permite-nos ver mais cenas do início do apocalipse, e adorei! Os primeiros zombies, o primeiro pânico, a sociedade a colapsar. O início foi sempre a minha parte preferida e, de certa forma, tenho apreciado ver poucas cenas polvilhadas pelos diferentes spin-offs para não perder o impacto. A Mona Lisa também se torna, de certa maneira, uma personagem, um símbolo de poder. O interesse deste spin-off em França (ou na Europa em geral) sempre foi abordar como diferentes culturas se adaptavam ao apocalipse zombie. Tenho a certeza de que esta interpretação está cheia de clichés e de que nada disto aconteceria assim na vida real, mas admito que está bem pensado da perspectiva de alguém de fora. Eu fiquei muito nervosa com o perigo de acontecer alguma coisa à Mona Lisa. 
Como já disse na análise à primeira temporada, a opção de colocar Daryl em França parecia descabida mas funcionou pelo contraste. Daryl caiu de pára-quedas no ambiente cultural mais sofisticado que ele já tinha visto fora da televisão, sem falar uma palavra de francês, e tem-se aguentado com muito estilo e sem deixar de ser ele próprio. Isto revela características de Daryl que não lhe conhecíamos porque nunca tinha sido preciso mostrá-las: abertura de espírito, adaptabilidade, e um à-vontade que era muitas vezes ofuscado por outros protagonistas mais espalhafatosos. Esta spin-off está a fazer justiça a Daryl Dixon.
Por outro lado, ter Daryl e Carol em França deu azo a momentos de humor muito bem conseguidos e até patuscos, como Daryl a ensinar-lhe francês ou a cara de Carol quando entrou no Demimonde em Paris. O Demimonde é um bar que podia existir nos nossos dias, com dançarinos exóticos, travestis e temas bondage (e que se imagina muito mais excessivo depois do apocalipse zombie, mas para manter a série acessível ao público mais jovem não há verdadeira nudez nem nada do que poderia haver). Carol e Daryl vêm de um meio culturalmente limitado e puritano. Nenhum deles fala no assunto, mas a cara de Carol diz tudo.


Os melhores zombies de Hollywood...
"Daryl Dixon" não desilude neste campo. Os zombies continuam a ser do melhor que há. Destaco os zombies da Gronelândia e do Túnel da Mancha, onde vemos zombies bioluminescentes, fantásticos, devido a um tipo de fungo.
Os super-zombies do Pouvoir des Vivants também estão mais aperfeiçoados. Afinal sempre andavam a tentar criar soldados zombies. Ainda não conseguiram controlá-los (e aposto que nunca irão), mas o soro das experiências está a torná-los mais estáveis e perigosos. Nesta segunda temporada os super-zombies já não explodem, como acontecia na primeira, embora continuem a matar-se uns aos outros, o que não dá grande exército. 
Agora que já vi "The Walking Dead: The Ones Who Live" e "The Walking Dead: World Beyond", a minha teoria de que a CRM (República Cívica) e os cientistas franceses estavam a trabalhar em conjunto ainda faz mais sentido. O universo The Walking Dead tem alimentado este enredo às pinguinhas e, devo admitir, até ficaria muito surpreendida se tudo batesse certo ao longo das diferentes spin-offs, mas a verdade é que pelo menos não se têm contradito.
Se há uma coisa que tem sido topo de gama e consistente na franchise toda, desde o primeiro episódio, é a qualidade dos zombies. Se há outra coisa consistente é a estupidez selectiva dos personagens, que os coloca em maior perigo do que deviam correr.

... e a estupidez selectiva
"The Walking Dead: Daryl Dixon - The Book of Carol" volta a ter um momento de extrema estupidez como já não víamos há muito tempo. Ash fica preso num carro cercado de zombies. Nestes casos, o que Daryl e Carol costumam fazer é atrair os zombies para outro sítio para resgatarem a pessoa. Aqui, estupidamente, enfiam-se no carro também. Ficam os três presos dentro do carro, cercados por zombies. Isto é um erro de iniciantes do apocalipse que Carol e Daryl já não cometeriam. Mas a série quis mostrar um ambiente claustrofóbico e tenso de dentro do carro e achou boa ideia sacrificar a inteligência de Daryl e Carol. Nem era preciso. Ash é um bocadinho iniciante, servia para fazer a cena, e ninguém acredita que aconteça alguma coisa a Daryl e Carol devido ao plot armour. Então para que é que aquilo serviu? Porque é que esta série gosta tanto de se auto-sabotar? Não percebo. Este era o tipo de disparate totalmente evitável e desnecessário.

Linha temporal
Em "The Walking Dead: Daryl Dixon - The Book of Carol", Carol diz que Sofia morreu há 12 anos. Isto deixou-me um pouco perplexa porque tinha a ideia de que já tinham passado pelo menos uns 15 anos desde o apocalipse. Em "The Walking Dead: Dead City", o filho de Maggie já tem 15 ou 16 anos, pelo menos, e Hershel já nasceu pelo menos um ano depois do apocalipse. Isto pode significar que "The Walking Dead: Dead City" se passa mais à frente do que "Daryl Dixon", mas vou deixar esta nota aqui para o caso de ser preciso confirmar.

Geralmente os últimos episódios não são brilhantes, mas neste caso destaco o último episódio como um dos melhores. O começo de "Daryl Dixon - The Book of Carol" foi atabalhoado, sim, e a série foi caindo em alguns maus hábitos que a primeira temporada conseguiu disfarçar melhor (como a chegada de Daryl a França, que também não é de recomendar), mas foi melhorando ao longo dos episódios e o final conseguiu resolver o enredo de modo muito satisfatório e abrir espaço para novas aventuras na terceira temporada. Continuo a dizer que o ponto forte desta spin-off foi a mudança para um cenário completamente diferente (o tal dépaysant) e que ia ser muito divertido ver o apocalipse zombie noutros países da Europa e do mundo.
Nem é preciso mais nada. "Daryl Dixon" já é a minha spin-off preferida.

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PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies

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