Num futuro próximo, Lucy acorda sem recordar nada do seu passado e depressa descobre que foi imprimida (por uma impressora) numa empresa que imprime órgãos humanos para transplante. Lucy foge mas é perseguida por forças que não a querem à solta porque ela é o resultado de uma experiência ilegal e sem ética. Tentando perceber quem a persegue, Lucy encontra outras "impressões" como ela, pessoas que não sabem que foram manufacturadas numa impressora.
"Orphan Black: Echoes" é baseada na série original "Orphan Black" (2013-2017), que eu não vi mas que teve boas críticas. Basicamente, é uma história de clones à procura de identidade própria.
Não quero contar mais nada porque este é daqueles enredos que vivem do suspense, mas vou adiantar isto: tal como em "Pet Sematary", quem é que, podendo, não traria de volta os entes queridos que morreram, seja de que forma for? "Orphan Black: Echoes" é uma série mediana, nada de espectacular, mas tem momentos em que aborda grandes conceitos filosóficos como este. Por muitas réplicas que sejam feitas da mesma pessoa, nenhuma é igual.
Não fiquei maravilhada, mas gostei da maneira com que o enredo me surpreendeu. No início pensava que ia ver uma coisa e afinal vi algo de diferente. Se calhar este efeito não teria acontecido se tivesse visto a série original, mas não faço ideia.
Mesmo assim, "Orphan Black: Echoes" foi cancelada embora acabe num cliffhanger. Não posso dizer que não percebo porque é que foi cancelada sem revelar mais sobre o enredo, mas, em suma, já era esgravatar demais no esgravatado. Também me pareceu que houve plot holes demasiado óbvios para considerar a série bem escrita. Vou dar apenas o exemplo que me aborreceu mais. Este é um mundo em que é possível imprimir órgãos. Existe um génio milionário (o vilão) que até patrocina a clonagem de seres humanos. A certa altura os "bons da fita" decidem fingir a morte de uma pessoa num carro incendiado colocando lá uma mandíbula da "pessoa" em causa, e o vilão nem sequer desconfia de que é um órgão imprimido? Eu penso que por esta altura já nem a polícia deveria confiar em registos dentários para provar um óbito. Achei mal escrito, e foi pena porque de resto a série tem muitas qualidades. Nada de extraordinário, mas interessante.
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domingo, 8 de junho de 2025
Orphan Black: Echoes (2023)
domingo, 18 de maio de 2025
Solum (2019)
Realizado por Diogo Morgado, “Solum” é um filme português que se aventura por um género pouco (ou nada?) explorado entre nós, a ficção científica. Os actores são portugueses mas o filme é falado em inglês (se não os consegues vencer junta-te a eles…), o que me leva a concluir que havia ambições de singrar no estrangeiro. Li algumas críticas de “cá” que não são muito favoráveis, mas eu não achei o filme assim tão mau, se calhar porque estou habituada a muito pior no canal Syfy e “Solum”, apesar do orçamento reduzido, até não se safa muito mal.
Mas vamos ao enredo, que é o que interessa. Oito concorrentes participam num reality show numa ilha deserta (as paisagens são dos Açores). O último a desistir é o vencedor do concurso. (Muita gente comparou esta premissa aos “Hunger Games”, mas eu ainda me lembro de um concurso semelhante chamado “Survivor” nos anos 90 e acho que os “Hunger Games” não são para aqui chamados.) Depressa os concorrentes percebem que de facto estão ali para sobreviver, e com mais gravidade do que pensavam. Entretanto, dois deles parecem saber mais do que os outros, e um deles decide mesmo eliminar a competição com um arco e flechas. Este pode parecer tresloucado, mas no fim acaba por dar uma explicação plausível, concorde-se ou não.
A parte que os concorrentes não sabem (e que nós também não compreendemos muito bem) é que o planeta Terra foi destruído (vemos muito ao de longe uma bomba nuclear (?) cair na Europa) e que o jogo está a ser organizado por extraterrestres que estão a “seleccionar” os melhores espécimes para… levar para o planeta deles?…
Aqui é que o filme se torna realmente confuso. Este “reality show” está mesmo a acontecer na realidade, numa ilha deserta, ou é completamente virtual e os concorrentes estão metidos em pods algures numa nave espacial e não sabem?
“Solum” acaba por resumir-se a uma “moral da história” muito batida, isto é, será que os seres humanos merecem uma segunda oportunidade depois de destruírem o seu próprio planeta? Nesse caso direi que o filme é demasiado optimista. Não vai haver nenhuns extraterrestres para nos salvar. Teria sido uma melhor premissa.
12 em 20
domingo, 2 de março de 2025
Evil (2019 - 2024)
Um seminarista em crise de fé, uma psicóloga agnóstica e um cientista muçulmano investigam fenómenos paranormais ao serviço da Igreja Católica. Trabalhando contra eles, Leland Townsend, psiquiatra forense e satânico, lidera uma organização demoníaca que pretende dar origem ao Anticristo.
Dito assim, isto parece os "Ficheiros Secretos" com demónios em vez de extraterrestres, mas a semelhança com os "X-Files" termina antes de começar.
Confesso que vi "Evil" de queixo caído, não por achar a série fantástica mas por me questionar continuamente a quem é que a série era dirigida. Kristen Bouchard, a psicóloga, tem quatro filhas entre os 10 e os 15 anos. Os demónios são fofinhos ou engraçados, nunca assustadores. Seria uma série de "terror para crianças"? Mas ao mesmo tempo, depois da primeira temporada, "Evil" enveredou também por cenas de sexo tão maradas que não podia ser para crianças. À semelhança de "Ficheiros Secretos", alguns casos investigados têm explicação científica, outros não. Muitas das conclusões podem parecer demasiado "beatas" para alguns gostos e quanto às respostas científicas não consigo opinar, mas muitas coisas pareceram-me mais ficção científica do que realidade.
O enredo é completamente desvairado. David Acosta, o futuro padre, tem visões do Céu, do Inferno, de anjos e de santos. Tem também uma atracção por Kristen, e durante algumas temporadas David não consegue decidir entre ela e Deus, sendo atormentado por demónios na forma de Kristen que o tentam sexualmente. Kristen corresponde à paixão de David, apesar de casada, e ao longo da série torna-se cada vez mais destravada e arrogante, a ponto de matar um homem e safar-se porque tem uma amiga na polícia que a encobre. Na verdade, detestei a personagem por uma batelada de razões, mas a principal é que ela tem a mania de que é boa. Nisso sai à mãe, Sheryl Luria, que não olha a meios para conseguir os fins e que também pertence à organização de Leland. A filha mais velha de Kristen, de 15 anos, tem mais juízo do que as duas juntas. O personagem mais simpático é mesmo Ben, o cientista, sempre muito pragmático e leal, que não se deixa levar por superstições e contos do vigário.
Entre os elementos alucinados de "Evil", temos também uma freira que vê demónios e que os mata com o sapato (quando são pequenos e fofinhos, o que até dá pena deles); uma app que as miúdas usam para "detectar" demónios, e que evidentemente os "detecta" para que os utilizadores não deixem de a usar, o que as leva a exigir um "exorcismo porque a casa está cheia de demónios"; demónios peludos e chifrudos na posição de CEOs de empresas e organizações cotadas em bolsa (nisto eu acredito!); lendas urbanas que dizem que durante um furacão os demónios caminham na terra; a freira a dizer que os furacões são obra do Diabo e apenas Ben a explicar que são consequência das alterações climáticas; um demónio numa reunião remota por Zoom que quer falar mas está em mute e têm de o ensinar onde activar o microfone.
Então, o que é "Evil"? Comédia? Se é, eu não achei graça nenhuma. Drama? Demasiado ligeiro. Terror? Só se for para criancinhas, porque não mete medo nenhum. Depois de ver a série toda a tentar perceber o que ia sair dali, concluo que "Evil" é um comentário social que explora os conceitos do que é o Mal, desde o Mal clássico e personificado por diabos chifrudos (pobre deus Pan não tem culpa de nada disto!) aos novos males que podem ser colocados pela ciência, pela tecnologia, pela Inteligência Artificial, pela internet.
Não gostei da maior parte dos episódios, mas um dos meus preferidos foi sobre um programa que, usando Inteligência Artificial e informação de emails, voice mails e redes sociais, permitia manter uma conversa/relação com um falecido, incluindo conversas usando a voz deste. O programa também permitia conversar com figuras históricas e pessoas conhecidas, ou até manter um flirt com uma paixão proibida. Eu já tinha ouvido falar nestes programas e, sinceramente, acho que a possibilidade de continuar a "falar" com um falecido através de Inteligência Artificial é algo arrepiante, já para não dizer que impede a pessoa de fazer completamente o luto. Eis um bom exemplo de uma tecnologia que questiona os nossos princípios éticos e até as nossas noções do que é moral.
A melhor razão para ver "Evil", no entanto, é mesmo Michael Emerson, o enigmático Ben Linus de "Lost", no papel de Leland Townsend. Michael Emerson é uma boa razão para ver tudo, até uma telenovela mexicana. Este é um daqueles actores grandiosos que enchem o écran sem precisarem de dar muito nas vistas, e Michael Emerson parece que nasceu para fazer papéis maléficos. Deste modo, "Evil" assenta-lhe como uma luva.
Curiosity note: our friend George Grant from Black Rose Burning worked as a grip in "Evil".
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PARA QUEM GOSTA DE: Os Ficheiros Secretos, The X-Files, exorcismos, paranormal, ciência, ficção científica, sexo marado, Michael Emerson (Lost)
domingo, 2 de fevereiro de 2025
1899 (2022)
O navio Kerberos, à semelhança do Titanic, viaja para a América com passageiros de primeira e segunda classe. Entre eles Maura Franklin, médica inglesa a quem não é permitido exercer a profissão por ser mulher. Depressa percebemos que todas as personagens principais, tal como Maura, têm segredos no seu passado, e que todos receberam um estranho envelope com a promessa "o que se perdeu será (re)encontrado".
A meio da viagem, o Kerberos recebe um telegrama com coordenadas que parecem provir do Prometheus, um outro navio da mesma companhia desaparecido no mar há quatro meses. Quando o Kerberos o aborda, o Prometheus é um navio fantasma, sem passageiros nem tripulação excepto um rapaz que se recusa a falar. O telégrafo foi destruído, então quem é que estava a mandar as mensagens?
Não é um spoiler dizer que neste navio nada é o que parece. Percebemos logo, desde os primeiros minutos, que algo de muito bizarro se passa a bordo. O próprio som de fundo, que por vezes nos chega distorcido como uma má transmissão de rádio, nos alerta para esta estranheza. Por todo o lado, no navio, encontramos triângulos: invertidos, sobrepostos, em pirâmide. Um personagem chega a bordo sem sabermos bem como, trazendo com ele uns besouros metálicos que, tudo indica, começam a provocar mortes entre passageiros e tripulação. Segue-se um motim e uma passagem sinistra em que as pessoas se atiram borda fora como se algo as controlasse. O capitão e outros passageiros vêem fantasmas de pessoas já falecidas. O que se passa?
O meu primeiro palpite foi que o Kerberos estava sob controlo de extraterrestres a fazerem uma experiência, ou que eram todos pacientes de um hospital psiquiátrico e que um deles estava a "fabricar" a viagem na sua mente, ou, a solução à "Lost", que estavam todos mortos e não sabiam. A resposta é mais elaborada do que isso, mas não esclarece todas as perguntas.
Spoilers
"1899" é dos mesmos criadores de "Dark", uma das melhores séries que já vi na vida, e já se esperava daqui um mistério complexo que nos fizesse dar voltas à cabeça e que nunca seria para espectadores impacientes. Mas, para não decepcionar ninguém, vou dizer desde já que a série foi cancelada depois da primeira temporada e que deixou os fãs frustrados e com muitas dúvidas por responder. Vou revelar que o que se passava era uma simulação, o que na minha opinião nem chega a ser um spoiler porque não explica nada. Se a simulação era para Maura, qual é o papel das outras personagens, algumas das quais com histórias dramáticas e passados traumáticos? Como é que elas foram parar à simulação? Quem é que faria de propósito uma simulação tão sádica? Eu tenho fé, depois de ver "Dark", que os criadores iriam explicar isto tudo nas temporadas seguintes.
O que me leva ao maior mistério de todos: como é que uma série é aprovada, aparentemente sem que os executivos saibam previamente o final e/ou acreditem na história, a ponto de a cancelarem após uma única temporada? Bem, no caso de "Lost", como os próprios criadores da série admitiram, ninguém sabia onde é que aquilo ia dar. Estando tanto dinheiro em jogo, já para não falar no desagrado dos fãs, estas coisas não me entram na cabeça.
Se mesmo assim vale a pena ver "1899"? Eu gostei bastante, pelo cenário de época, pelo ambiente sombrio, pelas histórias contadas, pelas personagens, pelo mistério criado. Só faltou integrar todos estes elementos num todo coerente, mas acredito que isso seria conseguido. Deste modo, mesmo inacabado, aconselho a todos os fãs de mistério e ficção científica.
Uma curiosidade, um dos actores é José Pimentão no papel de Ramiro, português de gema, a falar português de gema, antes de a Netflix ter decidido dobrar todas as falas em inglês.
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PARA QUEM GOSTA DE: Lost, Dark, ficção científica, mistério, drama
domingo, 24 de novembro de 2024
Limetown (2019)
Em 2004, mais de 300 neurocientistas e suas famílias trabalhavam num projecto secreto na cidade privada (e ficcional) de Limetown. Em três dias, depois de uma chamada aflita para os serviços de emergência, todos os habitantes de Limetown, homens, mulheres e crianças, desapareceram sem deixar rasto. Bem, nem todos. O corpo do líder da comunidade foi descoberto amarrado a um poste e queimado. Um dos desaparecidos era o tio da futura jornalista Lia Haddock. Depois de muitas investigações, as autoridades nunca conseguiram descobrir o que se passou. Entre muita especulação, circulou mesmo a teoria de que foram levados por extraterrestres.
Quinze anos depois, Lia Haddock continua obcecada com o sucedido. Tenta investigar, como jornalista, mas o mistério parece impenetrável até ser contactada por uma alegada sobrevivente de Limetown, que lhe conta tudo o que pode porque sofre de amnésia. Contudo, é o suficiente para que Lia comece a desvendar uma sequência de acontecimentos que culminaram num final horripilante.
“Limetown” é uma série de ficção científica perturbadora, especialmente na parte que envolve os porcos (e não só), e tive dificuldade em ver uma segunda vez. Porém, aviso que os dez episódios de 30 minutos tornam a série viciante e impossível de largar para quem tenha estômago para continuar. Decididamente, não é para todos.
A protagonista tem uma tara sexual curiosa, que não tem nada a ver com a história, e que só foi incluída para efeito de choque. Não me lembro de um momento descontraído em “Limetown”, é só tensão do princípio ao fim.
A série devia ter sido renovada mas não foi. Mesmo assim, vale por si.
Passa no SyFy.
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PARA QUEM GOSTA DE: ficção científica, Ficheiros Secretos/The X-Files
domingo, 3 de novembro de 2024
Glitch (2015 - 2019)
Na pacata noite de Yoorana, uma pequena cidade (ficcional) no interior da Austrália, meia dúzia de pessoas falecidas saem das suas sepulturas. No entanto, não são zombies. Estão nus e na idade em que morreram, cobertos de lama, desorientados e confusos, e sofrem de amnésia. Numa terra em que há apenas dois polícias de serviço, o agente James é chamado ao cemitério e julga que aquilo que está a ver é uma partida ou o resultado de uma bebedeira. Leva-os todos para o consultório da médica Elishia McKellar, igualmente o único da cidade, onde esta lhes faz testes e James os tenta identificar. Lentamente, uns mais devagar do que os outros, os ressuscitados começam a lembrar-se de pequenos pormenores das suas vidas, como por exemplo o nome próprio. Depois do estado de negação, James tem de acreditar nos seus olhos ao reconhecer entre eles a sua esposa Kate, falecida há dois anos de cancro. Mais investigação revela que estas pessoas são mesmo quem estava nas campas, alguns deles mortos há mais de 100 anos.
O que os trouxe de volta? E como? O que têm em comum?
“Glitch” é mais ficção científica do que sobrenatural, embora o sobrenatural também esteja envolvido. Já voltaremos a isso, mas penso mesmo que a melhor maneira de assistir a esta série australiana é focarmos-nos nos personagens que se vêem de volta à vida sem saberem que tinham morrido.
Kate, falecida esposa de James, regressa para descobrir que entretanto ele casou com a melhor amiga dela e que estão à espera de um bebé dentro de semanas, a criança que Kate não conseguiu ter devido ao cancro. James nunca deixou de amá-la, o que o coloca numa situação muito difícil. Acima de tudo por causa de Kate, mas também pelos outros, James e Elishia decidem manter os ressuscitados em segredo antes que cientistas os queiram levar e estudar.
Kirstie Darrow, assassinada aos 19 anos na década de 80, tem apenas vislumbres do que lhe aconteceu até recordar o homicídio e agora só quer encontrar o homem que a matou.
Uma das minhas histórias preferidas é da Charlie P. Thompson, o único soldado da Primeira Guerra Mundial que regressou vivo a Yoorana com o estatuto de herói e mandou erigir uma estátua aos camaradas caídos em batalha, mas acabou por morrer também, muito novo, em circunstâncias desconhecidas. Charlie morreu antes de assumir a sua homossexualidade, uma vez que estava apaixonado por um companheiro de trincheira que foi alvejado à sua frente. Regressado dos mortos, Charlie tem de descobrir o que lhe aconteceu e lidar, finalmente, com a sua sexualidade.
Outra história igualmente interessante é a de Patrick Michael Fitzgerald, primeiro Presidente da Câmara de Yoorana, falecido há mais de 150 anos, que funciona também como comic relief. Patrick construiu a sua fortuna através de expedientes e ilegalidades. Quando regressa dos mortos consegue escapar à vigilância da polícia, dá umas voltas por uma cidade que já não reconhece (excepto a sua própria estátua na praça), assalta uma loja de artigos de caça e vai acampar no mato à moda antiga, com uma fogueira e tudo. Lentamente, Patrick recorda o seu envolvimento com uma criada aborígene da sua casa, de quem teve uma criança. Mais tarde descobre também que os seus descendentes com esta mulher, o amor da sua vida, ainda vivem em Yoorana. Obviamente, o ramo “branco” da família não os reconhece. Patrick embarca numa missão para que a sua fortuna seja também dividida com eles, o que não vai ser fácil devido aos entraves da família legítima.
Nem tudo são rosas para estes regressados da sepultura. Depressa descobrem que estão limitados no espaço por uma barreira invisível que não lhes permite sair de Yoorana, e esta barreira está a encolher cada vez mais. Se tentarem ultrapassá-la, morrem e decompõem-se em segundos, voltando ao estado em que estavam.
E então entra o sobrenatural. Pessoas antes normais começam a ficar “possuídas” com um único propósito: devolver os ressuscitados à sepultura para corrigir a ordem natural das coisas.
Vou cometer um spoiler para se perceber isto (ou não). A série andou às voltas até que por fim admitiu que a ressurreição tinha sido produto de uma experiência científica. Mas estes “exterminadores” ao serviço de uma força inteligente que quer “repor a ordem das coisas” não têm nada de científico. Geralmente não gosto da mistura de ficção científica com sobrenatural, mas aqui até funciona bem. Um dos personagens pergunta a um destes “exterminadores” se ele trabalha para Deus, ao que o outro não responde sim nem não. Mas a natureza não quer saber de moralidades (e não são meia dúzia de ressuscitados que vão implodir o universo), pelo que só pode ser uma força sobrenatural que move os “exterminadores” a “corrigirem” o que a ciência “perturbou”. Isto faria sentido, ciência vs sobrenatural, especialmente se a ciência se aguentasse nas pernas (não aguenta). O problema é quando se tenta misturar ficção científica com sobrenatural, porque nunca bate a bota com a perdigota, e “Glitch” também se tentou meter por aí, embora muito ao de leve e sem se comprometer, o que permite a cada espectador interpretar como quiser. Por exemplo, o romance entre Elishia McKellar e William Blackburn. Das conversas entre ambos tudo indica que se trata de reencarnação (neste caso uma reencarnação “forçada”) e que ambos se conheciam de uma vida passada ou até mesmo do Além, mas a série nunca é suficientemente explícita.
Na verdade, a grande crítica que “Glitch” merece é que nunca se interessa por dar respostas, e cada resposta vem carregada de mais perguntas, ao que eu vou começar a chamar o “Síndrome de Lost”, e ao fim de três temporadas termina cheia de pontas soltas. Vou considerar que este desinteresse foi propositado para que os espectadores se focassem antes nos personagens, porque uma vez que mete ciência até seria MUITO FÁCIL explicar “porquê estes e não outros”. Por exemplo, podiam ter inventado um gene em comum, o mesmo tipo de sangue, um parentesco, e patati-patatá porque não ia fazer sentido à mesma.
Por falar em parentesco, a certa altura Patrick recupera o seu testamento, que tinha deixado num esconderijo secreto, e confronta ambos os ramos da família com ele, apresentando-se como um parente, tentando provar que tinha deixado uma grande propriedade a Kalinda, a criada. Inclusivamente, Patrick contrata um advogado para tratar do caso. Nenhum dos ramos da família acredita nele, mas não seria lógico que alguém sugerisse um teste de ADN para provar o parentesco, o que daria mais credibilidade ao testamento, nem sequer o advogado? Até podia ser interessante porque a doutora Heysen diz que o sangue dos ressuscitados é “invulgar”, o que certamente seria detectado no teste de ADN e abriria uma nova narrativa. Haveria mais exemplos, mas “Glitch” não está interessada em pormenores que desviem a história do enredo principal.
Também não fiquei nada convencida com o fim. Deu-me até a entender que se calhar queriam que a série fosse continuada, mas não foi renovada e tiveram de arranjar alguma coisa à pressa?…
“Glitch” começa em ritmo lento (cada temporada tem apenas 6 episódios), o tempo necessário para que os ressuscitados se adaptem à sua nova situação, recobrem do choque e procurem respostas, mas começa “a abrir” a partir da segunda temporada. Algumas coisas são resolvidas e explicadas, outras são abandonadas. Penso que uma série tão profunda e viciante merecia “pontos mais bem dados”, mas continuo a dizer que vale a pena pelo percurso dos personagens desde que não se olhe muito para o lado e para as questões que não tiveram tempo de ser desenvolvidas.
Nota humorística: quando eles saem das sepulturas, nus e sujos de lama, são levados para um consultório. Em questão de horas todas as mulheres tomam banho e arranjam roupa decente. Dias depois, os homens ainda andam com as orelhas e até o peito sujo de terra, como quem não se lavou como deve ser. Na verdade, só os vi limpinhos na segunda temporada. Não estou a inventar nada, é só ver a série. Achei engraçado.
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PARA QUEM GOSTA DE: ficção científica, sobrenatural, metafísica, Lost
terça-feira, 27 de agosto de 2024
The Host / Nómada (2013)
Histórias sobre body snatchers (alienígenas que possuem um hospedeiro humano) têm sido um manancial para a ficção científica desde que o cinema existe. Em “The Host”, uma espécie invasora de parasitas tomou conta do planeta e apenas um punhado de humanos conseguiu escapar. É o caso da jovem Melanie e do seu irmão mais novo. Mais tarde, Melanie encontra outro sobrevivente, Jared, por quem se apaixona, mas durante uma fuga é capturada e implantada pelos extraterrestres.
Neste tipo de histórias pensamos logo em horror sci-fi, mas e se vos disser que o filme é Young Adult e Ficção Científica Romântica (esta fui eu que inventei)?
Comecei logo a estranhar, porque nestes filmes os parasitas são sempre repugnantes, mas aqui são seres lindíssimos: parecem cristais de luz e até os tentáculos são belos, como um coral ou outro ser marinho; até dá vontade de comprar um.
A entidade que ocupa Melanie chama-se Wanderer (Nómada) e após a resistência inicial Melanie e Nómada criam uma conexão emocional. Nómada ajuda Melanie a escapar para o refúgio no deserto do tio de Melanie, onde esta encontra Jared e o irmão mais novo.
Acontece que esta Nómada é muito boazinha e a pouco e pouco consegue conquistar a confiança dos sobreviventes no refúgio e inclusive fazê-los perceber que Melanie ainda existe dentro do mesmo corpo, apesar de ocupada.
É aqui que começa o Young Adult e a Ficção Científica Romântica. Enquanto Melanie continua apaixonada por Jared, Nómada apaixona-se por Ian, o que é um caso bicudo porque ambas partilham o mesmo corpo para dois apaixonados.
Passei o filme todo à espera de um desenlace mais dramático, mas isto é Young Adult e Ficção Científica Romântica. O filme é muito mais longo do que devia ser e admito que a certa altura comecei a ficar entediada com este triângulo amoroso à “Hunger Games”. Não era o que eu esperava nem me conseguiu interessar.
11 em 20
PS: Ao procurar uma imagem para o post descobri que esta é uma história de Stephenie Meyer, a tal de “Twilight”. Pronto, está tudo explicado.
terça-feira, 13 de agosto de 2024
3022 (2019)
Quatro astronautas estão a cumprir um turno de dez anos na estação espacial Pangea, um entreposto de abastecimento entre o planeta Terra e Europa Um, a primeira colónia estabelecida no espaço. Ao fim de cinco anos, todos eles apresentam os sintomas patológicos do isolamento, especialmente o capitão, o que leva o médico de bordo a recomendar a rendição da equipa. Antes que isso possa acontecer, a estação é atingida por um forte impacto que danifica partes da nave. Mas o pior é que a equipa perde todo o contacto com a Terra e até com a Estação Espacial Internacional. O médico de bordo consegue ter um vislumbre de uma explosão e fica em estado de choque. Tudo leva a crer que o planeta Terra foi destruído.
Mais do que um filme de ficção científica, que evidentemente é, considero “3022” como mais na categoria da sobrevivência pós-apocalíptica. O enredo podia igualmente passar-se nos pólos, no alto mar, ou em qualquer região na Terra totalmente inóspita à vida. Em suma, estes personagens encaram o facto de que podem ser os últimos sobreviventes da raça humana e que estão completamente sozinhos e dependentes de recursos escassos. Nesta situação adiantará ter mais um dia ou dois de oxigénio e rações?
Inesperadamente, aparece ao largo o vaivém da Estação Espacial Internacional com três tripulantes a bordo, todos eles em péssimo estado. Veterana que sou destas coisas dos enredos pós-apocalípticos lembrei-me logo de um outro, “The Walking Dead”, que nos ensinou que depois de um apocalipse a primeira coisa a temer são os sobreviventes, e não augurei nada de bom.
Escusado será dizer que “3022” é um filme tenso e perturbador. A mim perturbou-me muito algo que não posso revelar, mas que tem a ver com o que aconteceu à Terra. As interpretações são excelentes, e tocou-me especialmente a de Kate Walsh (mãe de Hannah em “13 Reasons Why” que aqui também se angustia pela filha que deixou na Terra quando se candidatou ao longo turno na estação espacial).
Este é um grande filme. Lamento dizer que algumas vezes me perdi “espacialmente” e não percebi exactamente em que parte da nave é que a acção estava a acontecer. Também fiquei na dúvida sobre a posição exacta da estação espacial. Dizem que está a três meses da Terra (o que já é alguma coisa), mas será que a distância permitiria ver o acontecimento na Terra de tão longe, à vista desarmada? Até vi o filme duas vezes para tentar perceber melhor. Por outro lado, sendo uma estação espacial de reabastecimento, porque é que há tanto tempo não vivia ninguém em Europa Um, como é dito? Sendo assim, qual é a necessidade de manter uma estação permanentemente tripulada durante anos? Não faz muito sentido. Também me custa a acreditar que a Estação Espacial Internacional (ou o seu vaivém) tenha escapado a um acontecimento daquele calibre, pela sua proximidade.
Mas tudo isto são detalhes que deixo a quem perceba destas coisas. O importante é o impacto psicológico nos personagens que lentamente começam a perder a sanidade, cada um de sua maneira, de tal forma que não consegui decidir se o que acontece no fim é real ou não passa de uma alucinação. O filme dá-nos (mais) motivos para acreditar na segunda hipótese. Seja como for, o resultado é pessimista seja por que prisma for encarado, a lembrar-me o final de “The Road”.
“3022” aborda o tema de seres humanos que têm de lidar com a sua extinção e como isso os afecta psicologicamente. Como tal, afecta-nos a nós também.
16 em 20
domingo, 28 de julho de 2024
Arcadia (2023)
Num futuro pós-apocalíptico, depois de sofrer com as alterações climáticas e com um golpe de Estado que alterou o regime, a sociedade de Arcadia é uma comunidade distópica e fechada, fortemente vigiada no estilo “Big Brother”, onde o lema é “cada um tem o que merece”. Todas as pessoas têm implantado um chip obrigatório e são avaliadas a partir dos 18 anos por uma pontuação baseada na utilidade social, emprego, educação… e saúde.
O casal Hendriks e as suas quatro filhas (algumas deles, outras adoptadas) faz parte da classe mais privilegiada e próxima do governo, usufruindo de todas as regalias disponíveis em Arcadia. No entanto, os Hendriks têm um problema: a filha Luz é uma adulta autista, embora funcional, que mal distingue a bondade da maldade, o que é muito perigoso numa sociedade do tipo “1984”. Oficialmente, Arcadia não pratica a eugenia, mas na prática todos os deficientes são ostracizados através das suas pontuações e a dos seus pais. Ser ostracizado em Arcadia significa, em último caso, ser expulso da sociedade para sobreviver Lá Fora dos muros, na floresta selvagem. É o que acontece ao pai Hendriks quando se descobre que este manipulou as pontuações das suas filhas Hannah e Luz de modo a conseguir-lhes uma posição melhor. Num julgamento sumário, Hendriks é posto no exterior com uma mochila e a roupa do corpo, onde não tem qualquer hipótese de subsistir. Toda a família é igualmente castigada, quer soubessem da fraude ou não, perdendo 2 pontos cada um.
As classes menos privilegiadas têm ainda pior sorte. Sem a pontuação necessária não têm direito a uma boa alimentação (por exemplo, leite verdadeiro) nem aos cuidados médicos ou remédios de que precisam (onde é que eu já vi isto?). Quem fica doente perde o emprego, e quem perde o emprego perde pontuação porque não se considera que a pessoa valha o custo-benefício de a manter. Com a pontuação cada vez mais baixa, a pessoa acaba por ser expulsa para Lá Fora, ao que Arcadia chama o eufemismo “exilar”.
Uma das filhas dos Hendrinks, Millie, é uma militar despromovida devido ao processo que atingiu a família e pede transferência para o Serviço de Patrulha Exterior, na esperança de encontrar e ajudar o pai. Graças à ajuda do seu parceiro, Millie descobre que existe uma colónia de sobreviventes na floresta, que subsistem da terra e de tudo o que lhes chega dos exilados de Arcadia, mas subsistem. No entanto, Millie não encontra lá o pai e continua a procurar, arriscando cada vez mais ser descoberta e punida pelos superiores.
Por seu lado, outra das filhas, Alex, polícia igualmente despromovida, é aliciada pelos detractores do pai a envolver-se numa intriga governamental entre facções inimigas na tentativa de ajudar a família que já perdeu a casa e cuja pontuação continua a descer sem explicação (porque o regime também a manipula).
Entretanto, começa a surgir uma Resistência em Arcadia, que desenvolveu uma tecnologia que consegue neutralizar o chip de vigilância. Graças a esta Resistência, por exemplo, pessoas que não teriam direito a um transplante recebem tratamentos clandestinamente. Como enfermeira, Hanna, outra das filhas dos Hendriks, vê-se directamente envolvida nesta tentativa de ajudar as pessoas em necessidade. O lema de Arcadia é “todos têm o que merecem” mas só os ricos e poderosos é que merecem tudo (onde é que eu já vi isto?).
Embora as séries europeias tenham a reputação que têm (muitas vezes injustamente), e ainda pior no canal SyFy, “Arcadia” é uma produção belga/holandesa que vale mesmo a pena ver, embora a língua, a princípio, nos soe bastante estranha (pelo menos a mim pareceu, mas habituei-me rapidamente). O ritmo é rápido, o enredo é tenso, o perigo é real. O final da primeira temporada é um cliffhanger e eu queria muito saber o que vai acontecer a seguir, mas, infelizmente, não me parece que esteja na calha uma segunda temporada. Por outro lado, talvez não seja precisa nenhuma continuação. Neste género de distopias o final acaba por ser um dos dois: a vitória da Resistência, como parece estar a acontecer na versão televisiva de “The Handmaid’s Tale”, ou o assassinato literal ou psicológico de todos os personagens, levados à completa submissão como em “1984”. Mesmo assim, recomendo vivamente.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Distopia, 1984, ficção-científica, sociedades pós-apocalípticas
domingo, 31 de março de 2024
Transcendence / Transcendence: A Nova Inteligência (2014)
Tive de ver este filme duas vezes para perceber porque é que não gostei. A própria premissa não é original: um cientista que tenta fazer com que o seu intelecto sobreviva à morte. Lembro-me de um filme da série B em que tinham o cérebro de um cientista preservado numa redoma a comunicar através de um microfone. Esta é uma história que vem desde… Frankenstein? E só estou a pensar nas histórias modernas. Antes da electricidade e da ciência era tudo explicado com fantasmas.
Em “Transcendence” um casal de cientistas (Will e Evelyn Caster) e um amigo (Max Waters) estão a trabalhar no desenvolvimento de uma Inteligência Artificial quando um grupo de terroristas tenta assassinar Will, bem como a outros pesquisadores de Inteligência Artificial, porque a julgam perigosa. A princípio parece que não conseguem matar Will, mas este foi atingido por uma bala com polónio, o que significa que vai morrer de radiação.
Entretanto, Evelyn tem a ideia de fazer o upload da consciência de Will para um computador antes que ele morra (algo que já teria sido conseguido com a consciência de um macaco). Will aceita. Quando morre, a consciência na máquina, a que eu vou chamar Programa Will, acorda e imediatamente pede acesso à internet e às Bolsas. O primeiro a expressar dúvidas é o amigo Max: “Mas será que é mesmo ele?” Evelyn, a viúva, não tem dúvidas. É mesmo Will.
Mas Will corre perigo de vida (ou, neste caso, de ser destruído por terroristas), por isso convence Evelyn a instalar-se numa cidade quase fantasma onde não há quase nada nem ninguém de modo a construírem ali uma base de segurança.
Não é fácil escrever o resumo do filme porque este é longo (ou assim parece) e cheio de reviravoltas. Dois anos depois, o “casal” conseguiu montar um laboratório informático onde desenvolve experiências com nanotecnologia. Quando um dos trabalhadores é assaltado e espancado e fica às portas da morte, os nanitos salvam-lhe a vida. Mas não é só o que fazem. Também lhe dão uma força sobre-humana e, e aqui é que as coisas começam a dar para o torto, ligam-no ao Programa Will numa espécie de “consciência de colmeia”. Este trabalhador, de seguida, apresenta-se a Evelyn como Will, que lhe diz que agora já encontrou “uma maneira de lhe tocar”. Evelyn fica horrorizada, e é de ficar, mas permanece no laboratório. As imagens na internet da recuperação milagrosa do trabalhador atraem às instalações um corrupio de paralíticos, cegos e doentes incuráveis, todos eles no desejo de serem curados, e todos eles passando a pertencer à mesma “consciência de colmeia” a que o Programa Will chama Híbridos. O governo americano começa a pensar que Will está a criar um exército e decide destruir as instalações, nem que tenha de desligar completamente a internet para que o Programa Will não consiga escapar para outro lado.
No meio disto tudo, o filme também é uma história de amor. A princípio não percebi o que me alienou, mas nem sequer foi a pseudo-ciência. Foi a quantidade de vezes que Evelyn se virou contra o “marido”, e cinco minutos depois o defendeu, e logo a seguir se virou contra ele outra vez, e o defendeu outra vez… É caso de não perceber o que é que ela queria afinal. Nada me desagrada mais do que motivações incoerentes numa personagem, e acabei o filme sem compreender o que ela esperava daquelas experiências (que apoiou e em que participou), ou do próprio casamento. Da mesma forma, também não percebi muito bem se Will queria mesmo curar as pessoas e o planeta, ou se isso era apenas o início para dominar o mundo. Obviamente, como Programa, Will esqueceu que entrar na cabeça de alguém e modificá-la sem pedir autorização viola o livre-arbítrio dessa pessoa. Isto é agir sem escrúpulos, por muito boas intenções que se tenham.
Aconselho outras pessoas a verem por si e tecerem as suas próprias opiniões, porque a minha é muito má.
11 em 20
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Black Mirror (2011 -?)
Li muitas críticas que mencionavam esta série que já cá anda desde 2011 antes de me resolver a vê-la. “Black Mirror” é uma antologia de histórias que têm em comum a tecnologia, desde o poder das redes sociais à inteligência artificial, até à ficção científica mais avançada como o upload de consciências humanas como se fossem software para dispositivos de hardware.
Nunca é dito claramente, mas este “black mirror” tem todo o aspecto de ser o écran dos nossos telemóveis, portáteis, computadores, interfaces em geral, que nos podem vir a mostrar o espelho negro de nós próprios se deixarmos demasiada tecnologia reger as nossas vidas.
Os episódios são muito díspares e abordam vários temas, podendo ir do mais puro terror (“Playtest”, “Metalhead”, “Black Museum”), à comédia romântica e não romântica (“Demon 79”, “Joan Is Awful”, “Rachel, Jack and Ashley Too”, “Striking Vipers”) ou ao drama mais pesado (“Beyond the Sea”). Vou apenas referir os meus preferidos ou os que me atingiram mais.
The National Anthem
Este é um episódio inesquecível pelo seu fim perturbador e repugnante. Uma princesa muito popular da família real britânica é raptada e a exigência em troca da sua libertação é a de que o primeiro-ministro faça sexo com um animal em directo na televisão. A princípio a opinião pública fica escandalizada mas, quando o raptor envia à polícia um dedo cortado, as sondagens indicam que o primeiro-ministro se deve sacrificar pela vida da princesa.
O episódio é particularmente chocante na medida em que explora o voyerismo colectivo alimentado pelas redes sociais.
Achei o episódio demasiado desagradável (e não gostei que a brutalidade para com o animal não tivesse sido sequer considerada) e comecei a apreciar muito mais a série quando esta passou para a Netflix.
Nosedive
Imaginem se a vossa vida social e profissional dependesse dos likes recebidos nas redes sociais, a ponto de terem influência no preço de uma casa que pretendam arrendar? É o caso de Lacey, cuja média de likes está nos 4,2 e precisa de subir para 4,5 para arrendar uma casa num bairro só de 4,5s, isto é, de pessoas com avaliações acima de 4,5. Lacey tem uma amiga de infância que é um 4 muito elevado e quando é convidada para o casamento dela vê aí a sua oportunidade de subir as suas avaliações e tornar-se mais popular. Mas uma série de azares fazem com que a avaliação de Lacey desça para os 2 e qualquer coisa e agora a “amiga” não a quer no casamento.
Um episódio para nos fazer pensar na importância (ou não) e sinceridade dos likes que recebemos nas redes sociais.
Hated in the Nation
Garanto que ninguém se vai esquecer deste episódio, o episódio das abelhas. Foi o que me recordou mais dos “X-Files”.
Após a extinção das abelhas estas são substituídas por drones mecânicos para efeitos de polinização, até que todo o sistema cai nas mãos erradas. As abelhas começam a ser utilizadas para assassinar pessoas que têm sido alvo de ódio na internet. Mais um episódio para nos fazer pensar até que ponto queremos inteligência artificial nas nossas vidas e até que ponto a indignação “atrás de um écran” não é uma grande cobardia.
USS Callister
Os “trekkies” vão detestar este episódio em que um nerd, fanático de uma série de culto muito igual a “Star Trek”, desenvolve um jogo a partir do programa. Só que, para tripular a nave, este “Capitão Kirk” utiliza o upload das consciências de toda a gente que o chateou na empresa onde é sócio-proprietário, quer estes queiram quer não, tornando-se num tirano sádico que os maltrata e aterroriza. Muita ficção científica para o meu gosto, mas os “trekkies” (não) vão apreciar o humor.
Striking Vipers
Este foi dos episódios mais engraçados de todos. Dois amigos de longos anos, muito hetero ambos, começam a jogar “Striking Vipers”, como jogavam nos dias da faculdade, mas agora em realidade ultra-virtual. Um deles joga com uma personagem feminina e o outro com uma personagem masculina, e em vez de se porem à porrada, como dantes, começam uma relação sexual e tórrida no espaço virtual. Isto deixa-os bastante confusos porque não sentem qualquer atracção física um pelo outro na vida real (inclusive até tentam beijar-se para tirar a coisa a limpo) mas o affair no mundo virtual é o melhor sexo que já experimentaram na vida toda. Agora têm de decidir se devem continuar (até porque o jogo já começa a causar problemas no casamento de um deles) ou parar completamente.
Rachel, Jack and Ashley Too
O episódio mais engraçado de todos. Tal como disse aqui sobre Lady Gaga, esta foi a primeira vez que vi Miley Cyrus a sério e nem a reconheci. Miley Cyrus faz o papel de Ashley O, uma cantora pop com uma audiência muito jovem e mensagens muito positivas. O que eu conheci imediatamente foi o refrão de “Head Like a Hole” dos Nine Inch Nails, aqui transformado com as letras “I’m full of ambition and verve, I’m gonna get what I deserve”. “Black Mirror” tornou-se uma série tão importante que um agradecimento a Trent Reznor até aparece nos créditos.
Ashley O é dominada por uma manager (e tia) malvada que a põe em coma quando ela começa a desejar mudar o repertório para algo mais adulto e pessimista. Ashley O, como os fãs a conhecem, é a galinha dos ovos de ouro e a tia não vai permitir que isso mude. Para continuar a ganhar dinheiro com ela, transforma-a num holograma que pode actuar em muitos sítios ao mesmo tempo e mais outras vantagens.
Ashley O é salva por duas fãs miúdas (em sequências hilariantes) e acaba a cantar uma versão espectacular de “Head Like a Hole” (com as letras verdadeiras). Fabuloso! Adorei!
Joan Is Awful
Outro episódio engraçado que não teria graça nenhuma se fosse connosco. Joan é uma pessoa comum, chefe de departamento numa empresa tecnológica, a viver com o noivo mas ainda apaixonada pelo ex, que frequenta o psiquiatra. Qual não é o seu espanto quando encontra uma série numa espécie de Netflix ficcional que retrata toda a sua vida. Consequência, todos os seus segredos são expostos: perde o emprego e o noivo, e até o ex. E porquê? Porque deu permissão, naquelas letras pequeninas das licenças de software, que todas as suas conversas fossem gravadas sem ela saber, o que originou o enredo da série. Para agravar as coisas, a série não é filmada com actores verdadeiros mas antes criada por CGI, o que permite que seja feita em tempo real, isto é, ao fim do dia o episódio é sobre o que se passou nesse mesmo dia. A fazer o papel de Joan (na série ficcional) está Salma Hayek, que igualmente deu permissão para usarem a sua imagem em CGI e que não está nada contente com o papel que a põem a fazer. Há toda uma sequência hilariante numa igreja quando Joan tenta pôr fim à série sobre a sua vida, mas o melhor mesmo é ver.
Loch Henry
Este podia ser qualquer episódio de uma série de crime. A ligação à tecnologia acontece através das câmaras de filmar. Um estudante de cinema e a namorada visitam a casa da mãe dele na Escócia. A princípio ambos têm a intenção de fazer um documentário sobre um protector da natureza quando a namorada descobre que a pitoresca vila, toda rodeada de montanhas e lagos, foi cenário para um serial killer local que raptava, torturava e matava as vítimas de forma particularmente cruel. À medida que investigam, o estudante vai descobrir coisas sobre a sua família que preferia nunca ter chegado a saber.
Beyond the Sea
Dois astronautas estão no espaço mas têm réplicas mecânicas/sintéticas na Terra junto das suas famílias (estas réplicas contêm o upload das consciências dos astronautas). Todo o episódio é filmado num ambiente retro que nos remete para os anos 60/70. Neste contexto, um culto fanático entra em casa de um dos astronautas e mata a família toda, crianças e tudo, alegando que o que lá se passa é anti-natural. Este crime chocante foi claramente inspirado nos assassinatos a mando de Charles Manson e é difícil de assistir. Entretanto, no espaço, o astronauta toma conhecimento do que aconteceu à sua família. Para o animar, o colega deixa-o usar a sua réplica na Terra. “Beyond the Sea” é um episódio trágico do princípio ao fim, protagonizado por Aaron Paul (Jesse Pinkman em “Breaking Bad”) que também já tinha contribuído com a voz em “Black Mirror” numa passagem de “USS Callister”.
Mazey Day
“Mazey Day” parece um episódio banal sobre uma estrela de cinema em reabilitação perseguida por paparazzis, mas o fim é tão inesperado que não vou contar mais nada.
terça-feira, 19 de dezembro de 2023
Life / Vida Inteligente (2017)
Citando o outro, há que dizê-lo com frontalidade: quando vemos um filme qualquer no canal SyFy esperamos uma chachada para entreter e esquecer. Não é o caso de “Life”, uma boa surpresa.
Os astronautas da Estação Internacional recebem uma amostra de solo vindo de Marte com um presente envenenado: uma bactéria dormente, prova de que existiu vida no planeta vermelho. Em condições controladas, os cientistas tentam “despertá-la” com várias experiências. Até que conseguem. E a bactéria começa a crescer, a crescer… Desde pequenina, do tamanho de uma folha de chá, já se notava que queria abocanhar o dedo do cientista. Foi mais fácil crescer o suficiente para devorar o ratinho do laboratório. Imediatamente os astronautas tentam matar o organismo, mas este é inteligente e esconde-se na nave, tentando assimilar os recursos disponíveis: a água, o oxigénio… e a carne. Os astronautas percebem que não podem deixar o organismo chegar à Terra, mas o organismo também percebe que a Estação Internacional não lhe chega. Começa uma batalha desesperada pela sobrevivência. Uma das espécies não vai sair bem disto.
É claro que “Life” é quase uma imitação de “Alien” (embora o organismo me pareça antes o monstro de “Stranger Things”) mas não lhe faltam méritos próprios e uma maior simplicidade. Eu roí as unhas do princípio ao fim. Não estava nada à espera de um filme tão bom. A crítica tem sido feroz (porque, lá está, é quase o “Alien”) mas eu gostei e recomendo aos apreciadores de ficção científica de terror. Até recomendo mais aos apreciadores de terror do que aos de ficção científica, porque terror não falta.
15 em 20
domingo, 3 de setembro de 2023
Dark (2017 – 2020)
[Contém spoilers!!!]
Tal como “The X-Files” e “ Lost” (e não vou colocar aqui “Twin Peaks” e “The Walking Dead” porque são inteiramente outro género), “Dark” é daquelas séries de mistério/ficção científica que só aparecem uma vez por década, se tanto. Desta forma, e sem esquecer os títulos mencionados, “Dark” é das melhores séries que já vi na vida. Paralelismos com “Stranger Things” também têm sido apontados, mais para promover “Dark” do que outra coisa. “Stranger Things” é uma matinée para miúdos; “Dark” é um filme para adultos para se ver depois da meia-noite.
Não existe tradução portuguesa para este “dark”, e se calhar também não existe em alemão, língua falada na série. Não é apenas “escuridão” ou “sombrio”, é um conjunto a que chamaríamos pesado, pessimista, desesperado, trágico, negro, ou mesmo malévolo em certos contextos. Esta série não é para amantes de finais felizes. Aqui as personagens morrem mesmo e para sempre e nós sofremos por elas. Eu chorei no último episódio.
Fazer a crítica a uma série com este nível de mistério é muito complicado. Tudo são spoilers. Mas fica a sinopse: após o desaparecimento de um adolescente, na pequena cidade de Winden aparece o corpo mutilado de um miúdo mais novo em circunstâncias muito estranhas. De seguida, desaparece outro miúdo, o filho de um polícia.
A princípio “Dark” parece um policial e é assim que nos prende a uma “história normal”. A partir do meio da primeira temporada já levantou voo para outros níveis que nem nos passavam pela cabeça e que incluem viagens no tempo, realidades e linhas temporais alternativas, wormholes, campos de Higgs, a Partícula de Deus, e mundos pós-apocalípticos. Acontece que têm desaparecido pessoas na cidade de Winden desde há mais de 100 anos sem que os desaparecimentos tenham sido notados, talvez por se tratarem de adultos que podiam simplesmente ter-se ido embora.
O enredo principal é sólido e consegue desenvencilhar-se sem plot holes, o que é difícil nestes casos. “Dark” é uma série verdadeiramente épica que começa como um drama policial e acaba num paradoxo existencial e apocalíptico antes que nos dêmos conta.
A nível de sinopse fico-me por aqui, mas não sem um alerta: esta série não é para espectadores preguiçosos, e nem sequer me refiro à ciência da coisa (que, estranhamente, acompanhei muito bem embora nunca tenha estudado estes conceitos). A parte realmente difícil prende-se com reconhecer os personagens. Acompanhamos algumas famílias durante várias gerações desde o século XIX a 2053! Cada personagem é interpretada por um actor diferente na infância, na idade adulta e na idade madura. Para compreender a totalidade do enredo é essencial decorar os nomes das personagens, o que é um desafio e peras! A minha estratégia foi ver a primeira temporada duas vezes e fazer um esforço para os fixar. Façam isso. Tomem notas, qualquer coisa. É mesmo necessário. Sim, parece complicado, é um desafio, mas quanto maior o desafio mais saborosa a recompensa.
Último aviso antes dos spoilers: quem quiser ver “Dark”, a melhor série da última década que quase passava ignorada na torrente de produção americana, faça o favor de parar de ler aqui e voltar depois. Não aviso novamente.
[SPOILERS!!!]
Não sem defeitos
“Dark” é uma grande série, mas tem defeitos. Se fosse um filme dava-lhe 18 em 20 porque não poderia dar o máximo. O enredo principal aguenta-se, mas ficaram muitas pontas soltas e situações mal explicadas, como, por exemplo, quando é que a máquina do tempo passa de um personagem para outro. Vi esta série quatro vezes, quatro! Alguns destes pormenores consegui deslindar sozinha. Alguns, e isso é que é trágico, só estão explicados na internet, no site oficial ou por comentários de fãs. Os comentários/teorias dos fãs não me preocupam, o que me irrita é só ficarmos a saber quem é o pai de certa personagem, por exemplo, se formos ao site. Não é assim que a narrativa televisiva/cinematográfica deve funcionar. Um filme ou série deve conter em si todos os elementos (ou pelo menos pistas) para nos dizer tudo o que temos de saber. Era mesmo necessário conhecer quem era o pai desta pessoa? Não, mas isto explicou muita coisa secundária que até aí não estava a fazer sentido para mim. A série tem três temporadas com episódios de uma hora. As duas últimas temporadas têm apenas 8 episódios cada. Talvez não fosse má ideia fazer antes 10 episódios de 40 minutos em que coubessem estas explicações que só existem na internet. (E já agora cortando as canções pop/triste que ninguém devia ter de aturar.)
Outras queixas. Não percebo porque é que o pai de Jonas teve de morrer. Isto não é um spoiler, é a primeira cena da série. Nessa altura ele ainda nem sabia que a mulher andava a dormir com o polícia. (Também não é um spoiler, é a segunda cena.) Não teria feito a mais pequena diferença se o pai de Jonas tivesse simplesmente decidido ir-se embora e deixar tudo para trás, já que, sabendo ou não do affair, aquele casamento estava mais morto do que um cão atropelado há três dias à beira da estrada. Bastava que deixasse uma carta diferente ao filho: “Olá filho, estou farto. Mudei-me para Berlim. Vou pedir o divórcio à tua mãe. Depois mando-te a morada. Um abraço do Papá.” Jonas podia à mesma ter andado a vasculhar a oficina do pai à procura de compreender o divórcio e podia à mesma ter encontrado o mapa das grutas, e tudo seria igual porque afinal ele não descobriu a passagem à procura do pai (que estava morto) mas de Mikkel, o último miúdo a desaparecer (e a quem Jonas foi o último a ver, note-se!). Mas isto não teria o efeito dramático de um gajo a enforcar-se, pois não? Vamos lá enforcar o pai de Jonas para as audiências.
Aliás, ao contrário de muitas outras séries sobre viagens no tempo, algumas personagens vão ao passado na tentativa de mudar as coisas e não alteram nada de relevante para o futuro ou apenas acrescentam um mero apontamento de rodapé. Terá sido uma manobra inteligente para dar que fazer aos actores que de outra maneira não teriam ocupação depois da primeira temporada?
Demasiado off screen
Sei que muito do que estou a dizer não vai ser percebido por quem não viu a série, mas não quero mesmo avançar spoilers e estragar o prazer de descobrir o mistério. Direi que “Dark” é também uma história de amor impossível e trágico. Direi mesmo que todos os personagens, incluindo e especialmente os vilões, agem por amor. Quando percebemos isto temos de compreendê-los, embora não possamos concordar com os seus métodos.
Para além das inúmeras gerações que temos de decorar, “Dark” é complicado a outros níveis. Por exemplo, muitas cenas são-nos mostradas fora de ordem temporal, o que nos exige que as reconstruamos mentalmente. Para complicar ainda mais, a certa altura alguns dos protagonistas mais velhos mentem aos seus Eus-Mais-Jovens para os manipular a fazer o que eles querem. Por exemplo, dizem-lhes que se fizerem X acontecerá Y, mas não acontece. O personagem fica confuso e frustrado. Nós ainda ficamos mais. Tal como os personagens, também nós temos de descobrir em quem confiar (o que me lembra muito de “Lost”). Nem sequer estou a falar de Noah, um dos “jogadores” mais importantes, porque tudo o que sai da boca dele é mentira e fácil de perceber que é mentira. Noah envolve as suas confabulações num discurso religioso que era importante no tempo dele (Deus, o Paraíso, o sacrifício, a salvação, etc) e que não tem nada a ver com aquilo que vemos que ele faz. Mas se eu vos disser que Noah acredita mesmo no que diz? Isto torna-o tridimensional, o que não podemos dizer do vilão principal.
Aqui está a minha maior queixa. O vilão final. Nunca percebemos como é que o personagem mais novo se torna naquele monstro. A transformação acontece off screen, o que nunca é bom. Não vi UMA ÚNICA MOTIVAÇÃO que o tivesse feito dar uma volta de 180º daquela maneira. Aproveito também para me queixar da personagem que aparece com a solução no último episódio. Novamente é tudo descoberto off screen. Sim, temos alguns flashbacks, pouquíssimos, e temos de acreditar no que foi descoberto sem termos o prazer de descobrir também (ou de nos serem dadas pistas para chegarmos lá). Lembrou-me aqueles livros da Agatha Christie em que o detective diz: “Ah,mas eu sei que foi Monsieur X quem matou Madame Y, porque o vi esfaqueá-la repetidamente”. Isto é sempre má escrita, não há volta a dar-lhe. “Dark” merecia melhor. Novamente retorno à ideia de 10 episódios mais curtos. Já agora também não percebi porque é que Regina tinha de morrer. Não de cancro, da outra coisa. A mulher devia ter um ou dois meses de vida, se não semanas ou dias, era mesmo necessário? Penso que é outro caso como o pai de Jonas. Efeito de choque para a audiência.
Já agora, uma outra queixa minha e de muitos fãs: porque raio é que Noah teve de fazer aquelas experiências se ele sabia muito bem como viajar no tempo, de várias maneiras e para a frente e para trás? Não digo que não haja explicação. Tenho a certeza de que há, mas não a vimos. Neste caso era importantíssimo que víssemos e percebêssemos, ou lá se vai a primeira temporada toda.
Mas não se deixem enganar pelas minhas queixas de quem viu a série quatro vezes e analisou isto tudo. “Dark” nem nos dá tempo para pensar nestes pormenores secundários tal é a voragem da velocidade que move a acção.
Direi, finalmente, que as viagens no tempo resultam em famílias sem começo nem fim. Por exemplo, a mãe de uma filha descobre que é filha da sua própria filha, o que a torna avó de si mesma. Isto foi a coisa mais doentia e perturbadora que já vi na vida, e já vi muita coisa doentia e perturbadora.
Como a própria série faz questão de explicar, o enredo baseia-se na simetria passado/presente/futuro/mundo paralelo/linha temporal alternativa. Ninguém diria, ao ver os créditos de abertura da primeira temporada, que é ali que está a origem, mas sei que ninguém me vai perceber se não vir o último episódio.
Por último, deixem-me falar de H.G. Tanhaus e do gato de Schrödinger. Schrödinger é um sádico e nunca percebi aquela experiência intelectual. (Se calhar nunca a encontrei no contexto certo. Era muito mais giro meter o próprio Schrödinger dentro da caixa e teorizar se está morto ou vivo. Era melhor até não voltar a tirá-lo de lá nunca mais, para termos mesmo a certeza de que está morto, morto, morto. Nenhuma verificação necessária.) Mas, enfim, H.G. Tanhaus é um professor, parece-me (não são teorias que qualquer pessoa consiga compreender), que tem um programa de televisão sobre Física Quântica onde expõe a ideia de Schrödinger. “Dark” explicou melhor as linhas temporais alternativas do que Schrödinger alguma vez fez. A certa altura um personagem adulto diz não se lembrar do mundo paralelo porque nunca lá foi quando era novo. E de facto não foi. O que aconteceu foi que enquanto ele estava preso no passado o seu Eu-Futuro viveu e experimentou coisas que o Eu-Passado não experimentou, logo, não pode lembrar. O tempo bifurcou-se. O que era um único homem são agora dois, cada um com experiências e memórias diferentes em linhas temporais separadas.
“Dark” foi feito para nos pôr os neurónios todos a funcionar, até alguns que nem sabíamos que tínhamos. É para ver com urgência e contar aos amigos.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1+(2+3)+1 (ou as vezes necessárias)
PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, The X-Files, Lost, Stranger Things, viagens no tempo, wormholes, realidades paralelas, linhas temporais alternativas
domingo, 6 de agosto de 2023
I Am Legend / Eu Sou a Lenda (2007)
Confesso que começo a ficar farta de ver o mesmo enredo repetidamente, se bem que este filme de 2007 deva ter sido dos primeiros, nos últimos tempos, a usar o único sobrevivente num mundo apocalíptico.
E o filme é basicamente isto: um vírus modificado, inicialmente usado para curar o cancro, transforma as pessoas em monstros raivosos que não suportam o sol, vivem no escuro e comem os não-infectados. (Questiono-me: porque é que não se comem uns aos outros também? Porque é que nestes filmes os infectados querem sempre comer os não-infectados? Mas divago.)
Robert Neville, militar e cientista, é imune e aparentemente o único sobrevivente da cidade. Todos os dias faz emissões de rádio a tentar contactar mais sobreviventes, sem sucesso. Ao mesmo tempo, trabalha incansavelmente a procurar a cura para o vírus a partir das suas células imunes, também sem sucesso.
Entretanto, a cidade é agora uma selva urbana. Veados correm em bandos por entre os carros parados no meio da rua desde há três anos quando as pessoas estavam a tentar fugir da quarentena (só 15 dias, a princípio, prometeram-lhes; onde é que eu já ouvi isto?). De repente, aparece uma leoa que mata um dos veados. O leão e os leõezinhos aparecem logo a seguir. Isto foi muito interessante. De certeza devem ter sido animais fugidos do Jardim Zoológico na falta dos tratadores, ou assim suponho a presença de leões em Manhattan.
Robert Neville tem uma única companheira, a cadela Max. Os cães podem ficar infectados apenas por contacto, mas não por via aérea como as pessoas. É claro que o filme usou o pobre animal para nos partir o coração.
Neste momento aparecem mais sobreviventes, quando Neville já não julgava que existissem.
E depois as coisas tornam-se estranhas. Afinal os seres humanos infectados não ficaram tão imbecis e raivosos como os pintaram, o que arrasa todo o world building feito até então.
Cheguei ao fim do filme sem perceber o que este queria transmitir. As imagens do mundo apocalíptico, desértico e selvagem, são sempre tão arrepiantes quanto fascinantes. Mas depois de vermos uma catrefada de filmes e séries do género já não tem o impacto que deve ter tido em 2007. O enredo não conseguiu aguentar-se nas pernas. Sinceramente não gostei e já vi muito melhor a partir do mesmo material. A melhor cena é mesmo a dos leões. Não estava nada à espera.
13 em 20 (mais um ponto pelos leões)
domingo, 25 de junho de 2023
Extinction / Extinção (2015)
Ora aqui está um filme de pormenores confusos, quase à vontade do freguês para os interpretar. Um vírus (nunca sabemos exatamente o quê nem porquê) está a transformar os seres humanos em monstros. Não exactamente vampiros nem zombies, é mais uma coisa à “Wayward Pines” ou “28 Dias Depois”.
Alguns anos depois (é mesmo assim, sem nada pelo meio) dois homens, sobreviventes não infectados, vivem em casas contíguas sem se falarem. Um deles tem uma filha de uns 8 anos, a confiar na cronologia. Através de flashbacks percebemos que um deles era o marido da mãe da miúda, e o outro o amante. Nunca é dito claramente qual deles era o marido, mas pelo que percebi o marido é quem tem a custódia da miúda e o amante é o pai. Para piorar as coisas, parece que o amante, num estado de embriaguez e depois de uma discussão estúpida, foi o responsável por perder de vista a mãe da miúda, que acabou por ser morta pelos monstros. Obviamente, os dois homens têm-se um ódio de morte mas continuam “juntos” para proteger Lu, a miúda.
Sinceramente, acho que é esta a mensagem do filme, porque é graças a Lu que os dois se reaproximam na medida do possível.
O clima que os rodeia é de neve cerrada o ano todo. Mais uma vez não sabemos porquê. Podem ser as alterações climáticas, mas num filme em que um vírus transforma os seres humanos em monstros até podia ter sido uma colisão com a Lua. Durante todos estes anos, os dois homens e a criança julgaram-se os únicos sobreviventes, mas agora parece que não o são. Os tais monstros evoluíram e adaptaram-se ao frio, mas por outro lado as suas dentadas já não são infecciosas. Curiosamente, começam a ver-se cada vez mais pores-do-sol e o clima a voltar ao normal. Confusos? Eu também. Nada disto é explicado.
Finalmente, os sobreviventes encontram outras pessoas (afinal não são os últimos seres humanos na Terra) e… esperem por ela… a miúda ouve numa transmissão rádio que a maneira de matar os monstros é atingi-los no cérebro.
Assim tal e qual, não sei a copiar quantos filmes ao mesmo tempo. O enredo é este, o filme é este, já o vimos dezenas de vezes, e pergunto-me qual foi o objectivo. Continuo a achar que o objectivo era explorar a relação dos dois homens que têm de cooperar embora se odeiem.
Um filme que se esquece rapidamente e que só serve para entreter. Não há mesmo mais nada a dizer.
Gostei de ver de novo Matthew Fox, o Jack de "Lost", pelo menos até ele cortar o cabelo. Foi o melhor do filme.
12 em 20
domingo, 4 de junho de 2023
Wayward Pines (2015 – 2016)
Alguém se lembra da primeira temporada de “Wayward Pines”, prometida como uma mistura de “X-Files”, "Twin Peaks", ficção científica, distopia e terror? Eu também não. Mesmo assim, decidi ver a segunda e última temporada, só para saber como é que a história acabava.
Se a primeira parte de “Wayward Pines” era toda um jogo mental, entre destrinçar a realidade da mentira, entre descobrir em quem confiar ou não, a segunda parte é muito menos pretensiosa. Aqui já sabemos tudo o que precisamos de saber.
A cidade de Wayward Pines, com cerca de 1500 habitantes mantidos em criogenia até ao ano 4000 e tal, é o último reduto da raça humana. Fora dos seus limites, os seres humanos sofreram mutações genéticas que os transformaram em aberrações, com dentes e garras e tudo, e são donos do mundo. O problema de Wayward Pines é sobreviver.
Se na primeira temporada os dirigentes da cidade nos pareciam fascistas, agora vemos as coisas pelo outro lado. O objectivo é “frutificar”, aumentar o número de sobreviventes para terem alguma hipótese, e assegurar comida para todos. Nestas circunstâncias o que nos parecia fascismo assemelha-se mais a Lei Marcial. O que não quer dizer que não haja atropelos. As meninas são incentivadas a ter filhos assim que têm o período, preparadas ou não. É uma violência. Assegurar a sobrevivência da humanidade não implica cair na desumanidade. A resistência ainda existe, cada vez mais fraca, até ser completamente arrasada. Nesta altura já não há muito a que resistir, diga-se a verdade.
As colheitas estão fora da vedação e é perigoso ir buscá-las. Com os números de sobreviventes a aumentar, é necessário procurar mais locais de plantação. A comida é racionada. Pouca gente se preocupa a sério com este problema.
De repente, todas as aberrações desaparecem de vista e os sobreviventes julgam ter uma oportunidade. Mas subestimaram os novos habitantes da Terra. Quando estes regressam, muito mais inteligentes do que os julgavam, queimam todas as colheitas já existentes. Parece ser o fim da humanidade como a conhecemos.
A segunda temporada de “Wayward Pines” é isto, uma última comunidade de seres humanos a tentar sobreviver numa situação periclitante e cada vez mais improvável. Mesmo assim conseguiram atingir-me directamente nos sentimentos com uma revelação que ninguém esperava.
Penso que a premissa podia ter sido muito mais bem aproveitada mas não tenho a certeza se “Wayward Pines” julgava que ia ser renovada ou não. Todos os sobreviventes da primeira temporada são rapidamente despachados em meia dúzia de episódios, até os principais. O fim é ambíguo e frustrante. Apesar de tudo indicar que alguém tinha um plano infalível para dizimar as aberrações com um cocktail de doenças infecciosas, parece que estes não só sobreviveram mas agora estão a procriar com os seres humanos dando origem a uma nova espécie? Estou a especular, porque não sabemos. O objectivo seria renovar ou era mesmo para acabar assim?
Aconselho esta temporada a quem gosta de distopia e histórias de sobrevivência, sem grandes expectativas.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA : uma vez
domingo, 1 de janeiro de 2023
Oblivion / Esquecido (2013)
O filme é promissor. Depois de uma introdução relativamente longa em voz off, ficamos a saber que uma espécie alienígena tentou apossar-se dos recursos da Terra. No conflito que se seguiu, os humanos responderam com armas nucleares, ganhando a guerra mas destruindo o planeta. Os sobreviventes teriam ido para Titã, uma lua de Júpiter. Na Terra ficou uma equipa, Jack e Victoria, encarregada de recolher os últimos recursos do planeta antes de partir de vez.
É muita informação para o primeiro minuto do filme, mas não fica por aqui. Jack tem reminiscências, ou sonhos, ou flashbacks, com uma mulher e com o planeta antes de ser destruído, mas não consegue lembrar-se de muita coisa uma vez que as memórias de ambos (de Jack e de Victoria) foram apagadas no interesse da missão. (Quem leu “1984” de George Orwell começa logo a desconfiar. Memórias apagadas? Cheira a esturro.) Mas numa inspecção de rotina Jack encontra um livro (e lembramo-nos de “Fahrenheit 451”), que guarda carinhosamente.
Mais tarde percebemos que Jack e Victoria não são apenas uma equipa mas também um casal em crise. Ela quer partir para Titã, ele preferia ficar na Terra, apesar do estado do planeta, com a radiação e tudo. Na verdade, ele já encontrou um refúgio num lugar seguro, onde tem uma cabana à beira de um lago e onde guarda mais livros e discos e memórias de uma civilização que já não existe. (Entre os discos, para meu deleite, o álbum “Rio” dos Duran Duran). Jack quer partilhar tudo isto com Victoria, mas ela recusa sair da base de operações e descer ao terreno.
Há outra coisa que não bate certo neste “paraíso” tão rotineiro. Os humanos ganharam a guerra e estão a retirar toda a água do planeta para levar para Titã, mas os Saqueadores (nome que dão aos alienígenas) continuam na Terra e continuam a atacar Jack. Porquê? Jack também se questiona sobre isto. Não faz sentido.
Toda aquela introdução em voz off serviu para nos enganar pela perspectiva de Jack, mas, por esta altura, com tantas pistas já lançadas, o espectador começa a perceber que algo está muito errado, e começa igualmente a desconfiar da verdadeira identidade destes “Saqueadores” que se escondem nos destroços. Eu adivinhei o fim nos primeiros 10 minutos do filme, coisa que não costuma acontecer porque não gosto de me pôr a especular. Não foi preciso especular, era demasiado óbvio.
O que não torna o filme exactamente previsível, devido a muitas reviravoltas pelo meio. De facto, tantas reviravoltas que a história se tornou um pouco confusa e difícil de seguir. Também não acredito muito no fim romântico porque não tem grande fundamentação.
“Oblivion” é daqueles filmes promissores que podiam ter cumprido a promessa se não se tivessem tornado numa manta de retalhos. Foi a sensação que tive ao ver o filme: uma coisinha daqui, uma coisinha dali, uns cheirinhos a distopia, e na tentativa de ser original tornou-se em vez disso rebuscado (e nem por isso original). Podia ter sido um filme muito bom, mas penso que a longo prazo vai ser mesmo esquecido. Fica o trocadilho.
13 em 20
domingo, 7 de agosto de 2022
The Meg / Meg: Tubarão Gigante (2018)
Há muito tempo que eu andava a tentar pescar este filme. Não é todos os dias que se vê um megalodonte sem ser em fóssil. “The Meg” é um Jurassic Park com um gigantesco tubarão extinto.
Começa como estas coisas começam sempre: uma expedição de biólogos marinhos na Fossa das Marianas descobre, a mais de 11 mil metros de profundidade, um novo ecossistema virgem, pré-histórico e até aqui desconhecido. É tudo muito bonito até um dos submarinos ser atacado por uma lula gigante, lula esta que foge muito depressa à aproximação de algo ainda maior… Muito mau sinal!
Eis que ele aparece, o megalodonte (o CGI é muito bom), e os submarinos têm de se pôr a milhas a toda a pressa. Mas, como sempre acontece nestas coisas, o megalodonte segue-os até à superfície onde encontra um novo território de caça sem predadores à altura. O megalodonte consegue partir uma baleia em duas!
O resto já se adivinha e não é preciso contar. Saliento apenas o momento de reflexão: “descobrimos, destruímos”. Neste caso, sem tempo para mais, não havia grande alternativa.
Há muitas caras conhecidas neste filme, das quais destaco Cliff Curtis (o Travis Manawa de “Fear the Walking Dead”). Mas o meu preferido mesmo é Rainn Wilson (o Dwight Schrute de “The Office”) e quem viu de “The Office “ sabe que vale a pena ver Rainn Wilson nem que seja a descascar batatas (ou beterrabas, neste caso).
Este é um filme excelente para se ver antes de ir à praia, ou mesmo na praia, ou mesmo numa bóia, a vogar, de pés na água. Banhos felizes!
14 em 20
domingo, 5 de junho de 2022
Ex Machina (2014)
Um jovem engenheiro promissor, a trabalhar numa grande empresa tipo Google, é convidado a passar uns dias na casa do seu patrão milionário de modo a testar a última criação deste último: uma Inteligência Artificial altamente evoluída. O objectivo do teste é avaliar se esta máquina é capaz de passar por humana, isto é, se desenvolveu consciência de si própria (Teste de Turing).
Este patrão vive num bunker isolado do mundo, onde se dedica à tecnologia, mas não é nenhum nerd. Pelo contrário, é um tipo machão e asqueroso que só pensa em beber e fazer coisas de macho, como caminhadas cascata acima, praticar boxe e fornicar.
A Inteligência Artificial, chamada Ava, tem forma de mulher, pese embora o seu corpo transparente de circuitos azuis e o seu crânio metálico. Depressa o jovem engenheiro conclui que de facto esta criação do seu patrão passa o Teste de Turing. Ava parece ter uma consciência própria, de tal forma que está preocupada com o que lhe vai acontecer quando o seu criador a desligar para trabalhar num modelo superior.
Entretanto, ao passear sozinho pela casa deserta enquanto o patrão está bêbedo, o engenheiro descobre o que acontece aos modelos antigos: todas elas bonecas sexuais de diversos tipos, estão fechadas no quarto do dono da casa, numa espécie de roupeiro. É aqui que o engenheiro comete um grande erro de discernimento, ao ser tomado de empatia como se estas bonecas fossem mulheres de verdade. É certo que tudo isto dá um aspecto de psicopata assassino ao patrão, mas é preciso não esquecer que estas criações não são humanas. O engenheiro esquece, deixa-se levar pelas emoções, e paga caro por isso. Não posso dizer mais nada sem entrar em spoilers.
Este é mais um filme que nos adverte do que nos separa da Inteligência Artificial, por muito bem concebida que esta seja: os seres humanos possuem empatia; as máquinas não. Os seres humanos são capazes de ter pena de uma pedra à chuva; as máquinas não têm pena de nada.
“Ex Machina” é um bom filme para nos fazer pensar, se bem que não acredito que tenha qualquer influência nos cientistas entusiasmados com a Inteligência Artificial. Às vezes não é aconselhável criar uma coisa só porque se “pode”.
A ideia não é original, mas para uma premissa tão simples o filme está cheio de uma tensão de cortar à faca. Quem é o verdadeiro vilão, afinal? Por quem é que apetece torcer? Vale muito a pena ver “Ex Machina”.
14 em 20
domingo, 8 de maio de 2022
Passengers / Passageiros (2016)
Não sei se existe um género chamado ficção científica romântica, mas, se não há, passa a haver. Este filme não é outra coisa, se bem que o princípio nos remeta para a ficção científica clássica e um espectador incauto pode ser levado a esperar daqui um filme de acção ou de terror tão típicos do género.
A nave de luxo Avalon dirige-se para uma colónia num planeta distante da Terra com 5 mil passageiros a bordo, todos em estase, bem como a própria tripulação, quando embate num meteorito de alguma dimensão. A princípio a nave não parece danificada, mas uma das cápsulas de estase abre-se sozinha. O seu ocupante, Jim, acorda para descobrir que ainda lhe faltam 90 anos para chegar ao fim da viagem que o levaria à colónia distante. Sendo engenheiro mecânico, faz tudo por pedir ajuda e tentar acordar a tripulação, sem sucesso. Ou seja, tem de se resignar de que vai morrer de velhice muito antes de chegar ao destino. A sua única companhia é um andróide bartender que proporciona alguma conversa. (Por falar neste bartender, recordei-me muito das cenas de “The Shinning” em que Jack Torrance conversa com o bartender imaginário/assombrado.) Parece a típica história do náufrago na ilha deserta, do homem privado de companhia humana que quase perde a cabeça e alguns meses depois começa a contemplar o suicídio, mas com uma reviravolta.
Jim apaixona-se por uma passageira ainda em estase, Aurora, bonita e inteligente (ele tem acesso a gravações feitas por ela), e começa a considerar acordá-la. Isto coloca uma questão ética. Jim sabe que por estar condenado (nunca chegará ao destino e morrerá sozinho) não tem o direito de ser egoísta a ponto de sentenciar outra pessoa à mesma solidão, roubando-a também da vida nova que esta almeja na colónia para onde a nave se dirige. Jim resiste o mais que pode, mas acaba mesmo por acordá-la. No momento em que o faz, arrepende-se, envergonha-se e esconde-se. Nunca tem a coragem de lhe confessar que a acordou porque estava sozinho e apaixonado.
Começa aqui a história romântica. Aurora apaixona-se também por Jim, nesta ignorância, e vivem o melhor romance que se pode experimentar nestas circunstâncias. Mas até quando é que Jim vai conseguir manter o segredo? E se contar, não a perderá?
Mas o filme é ficção científica, afinal, e a nave começa a dar problemas. A princípio quase imperceptíveis, depressa se agravam. Tal como no caso do Titanic (que era “insubmergível), a companhia que desenhou a nave cometeu a arrogância de pensar que a inteligência artificial dos sistemas de navegação bastaria e que os tripulantes humanos não seriam necessários à viagem. Acontece, com a degradação progressiva causada pelo embate com o meteorito, que a nave se encontra prestes a explodir.
Mais do que a acção (necessária para que os passageiros salvem as vidas e a nave), o importante no filme continua a ser a vertente romântica: desesperado, arrependido, Jim quer acima de tudo provar que é “merecedor” do sacrifício que impôs a Aurora, arriscando a vida sem pensar duas vezes. Mas será mesmo merecedor? Poderá Aurora perdoá-lo? E deverá?
Não são questões que se esperem de um filme de ficção científica e os amantes do género talvez não apreciem muito esta telenovela espacial. Mas o filme é o que é, quase todos os clichés dos filmes românticos por aqui desfilam, e é preciso ter isto em consideração.
Por causa desta misturada de temas (o náufrago, a nave espacial que precisa de ser salva por amadores, os clichés românticos) eu fiquei com a sensação de não ter visto nada de original. Já vi muito melhor em todos os temas mencionados.
13 em 20