domingo, 2 de agosto de 2015

Wayward Pines

***** spoiler alert! spoiler alert! spoiler alert! *****

Atenção, muita atenção! A série de 10 episódios já foi exibida na Fox e vou comentar a sua totalidade, revelando também o fim. A quem ainda não viu, mas pretende ver, aconselho que pare de ler agora e volte mais tarde. O post ainda cá vai estar, se Blogger quiser. :)



‘Wayward Pines’ foi anunciado envolto em mistério. Da sinopse, e da gritante semelhança de títulos, foi imediatamente comparado a ‘Twin Peaks’ (para quem ainda se lembra), mas indevidamente, afinal. Um agente governamental (CIA ou similar) vai investigar o desaparecimento de dois outros agentes na recôndita cidadezinha de Twin... desculpem, Wayward Pines. É neste enredo inicial, e nos títulos parecidos, que as semelhanças começam e acabam. Direi apenas, para quem não sabe mesmo do que está à espera, que o início é mais ‘Under the Dome’ e menos ‘Twin Peaks’.

E agora é mesmo a sério. Quem não quiser perder a experiência de suspense deve parar de ler AQUI.
Porque cá vêm os spoilers!

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É o futuro e os fascistas ganharam!

Muita polémica andou à volta de um dos realizadores/produtores da série, o sr. M. Night Shyamalan. É o mesmo senhor de ‘O Sexto Sentido’, e de ‘Lady in the Water’, e ‘The Happening’, e segundo alguns não fez nada de jeito desde ‘The Village’ (por acaso, concordo). Mas ‘Wayward Pines’ é também uma trilogia de romances de ficção científica do autor Blake Crouch, pelo que as culpas têm muito por onde se espraiar. Não li os livros (não aprecio ficção científica), e depois disto não vou mesmo ler.
Não gosto da maneira como a história se desenvolve. Até ao último episódio, fica sempre em aberto a hipótese de que a cidade de Wayward Pines é uma experiência governamental (e ainda não estou convencida de que não seja!). Enquanto o agente Ethan Burke se dirige a Wayward Pines, e por lá fica aprisionado, o espectador assiste aos esforços da família e da agência para o encontrar, em 2014 (embora a “agência” esteja feita com Wayward Pines, mas nós não sabemos). Ora, não se percebe, de modo algum, no decurso da narrativa, que estas cenas são flashbacks. Eu descobri, sem querer, nos fóruns sobre a série. Malditos spoilers, porque agora não consigo dizer se o episódio em que se explica esta aparente ubiquidade de pessoas em 2014 e 4014 é eficiente. Muita gente ficou confusa, e não é para menos. De propósito? Para manter em aberto a tal hipótese da experiência governamental, uma vez que o chefe do agente Burke sabia de certeza para onde o mandava? O tempo e os episódios que se perderam neste é/não é, a meu ver, introduziram a dúvida e roubaram à série o efeito de choque que se pretendia.
Entretanto, a família do agente Burke vai à procura dele e é raptada também, com a conivência da agência. Passados 5 ou 6 episódios a viverem numa cidade totalitária em que são obrigados a assumir novas identidades e onde quem fala do passado é degolado em praça pública (literalmente), rebenta então a “bomba”. Ou bombinha, para quem não acredita numa palavra do que está a ser dito. O ano é 4014 (por aí). Wayward Pines é o que resta da humanidade. Os seres humanos, não percebi exactamente porquê, transformaram-se em aberrações animalescas (e nuas) com grandes dentes e garras, que ameaçam comer qualquer incauto que se arrisque a ultrapassar a vedação electrificada. Mas é curioso, porque o Ethan faz exactamente isso, passa por lá a noite, e sobrevive para contar a história, logo, não há assim tantos abis (aberrações) à volta da vedação como mais tarde a série nos quer convencer.
Em suma, Under the Dome encontra The Village: não vão lá para fora porque há monstros, mas mesmo que queiram ir nós não deixamos. Este “nós” é o “eles” que vigia Wayward Pines. Alguém que decidiu que os adultos não eram capazes de lidar com a verdade e que apenas os adolescentes de 14 anos ou menos podiam ser informados e preparados (moldados, endoutrinados e submetidos à lavagem cerebral totalitária) para chefiarem o último reduto da Humanidade. Heil!

 Como endoutrinar criancinhas em Wayward Pines.


Este alguém é o dr. Pilcher, cientista visionário que nas suas boas intenções (?) decide raptar gente à fartazana, congelá-los todos e descongelá-los mais tarde (ele próprio incluído, e um grupo de “eles”, voluntários, que de bom grado vigiam tudo o que as cobaias de Wayward Pines dizem e fazem). E é só isto que o visionário visiona, aparentemente. Uma cidadezinha suburbana, uma vedação electrificada à volta, um recreio onde colocar os bonequinhos e brincar com eles, nada mais.
E os monstros, as aberrações? E acabar com eles? E conquistar mais território para o que resta da raça humana? Até não seria muito difícil, porque os abis são feios, e maus, e comilões, mas não parecem nada inteligentes. Involuíram. Um cientista capaz de arranjar os fundos para criogenar tanta gente também tratava de arranjar armas para os combater, certo? Errado. Não está nos planos. Talvez o cientista não soubesse que seriam tantos, talvez esperasse que já estivessem extintos passados 2000 anos, mas isto tudo sou eu a especular. A série não diz. E para quê, na verdade, acabar com eles?, se estamos aqui tão bem, na nossa cidadezinha de faz-de-conta onde eu sou o único ditador, o visionário, o salvador? É verdade, de vez em quando aparecem por aí uns terroristas a criar ondas porque não percebem as minhas boas intenções mas a gente dá-lhes o sumiço.

 Um espécime das aberrações (abis) de Wayward Pines. Medo, disto?! Conheço gajos muito mais feios.


É tudo tão inverosímil que a hipótese de experiência governamental em controlo mental parece cada vez mais apetecível. Mas não. Chegando ao último episódio estamos mesmo no futuro e os fascistas ganharam!
Voltamos a um tema recorrente no sr. M. Night Shyamalan: como endoutrinar crianças. Em ‘Wayward Pines’, na versão de receita para criar fascistas: rega-se com ideologia desde pequeninos, adiciona-se medo e muita noção de uma casta superior, e voilà!, a Primeira Geração de Nazis do Quinto Milénio! (Podiam limpar as mãozinhas à parede pela grande merda que faziam.)
O problema, aqui, são muitos problemas. As pessoas não são plantas. Não se regam, não se criam. Não adianta o que se lhes ensina na escola, nem em casa. Não são vasos vazios onde se despeja doutrina. Muito jovens, muito fanáticos, mas os jovens crescem, e toda a teoria do dr. Pilcher, que afinal não é assim tão inteligente, cai por terra. Como cairá a sua estátua, como caíram já muitas estátuas.
O maior mérito da série será, talvez, o de agarrar gente que nunca pensa nestas coisas e obrigá-los a ver a ascensão de um regime fascista. Criogená-los, através do suspense, e endoutriná-los sem que dêem por isso. Mas estes são os vasos vazios. Aos outros, aos que já leram isto tudo nos livros da História (com enredos bem mais interessantes, na minha opinião), resta o entretenimento e pouco mais. Nem os abis se aproveitam.

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