domingo, 11 de fevereiro de 2024

Black Mirror (2011 -?)

Li muitas críticas que mencionavam esta série que já cá anda desde 2011 antes de me resolver a vê-la. “Black Mirror” é uma antologia de histórias que têm em comum a tecnologia, desde o poder das redes sociais à inteligência artificial, até à ficção científica mais avançada como o upload de consciências humanas como se fossem software para dispositivos de hardware.
Nunca é dito claramente, mas este “black mirror” tem todo o aspecto de ser o écran dos nossos telemóveis, portáteis, computadores, interfaces em geral, que nos podem vir a mostrar o espelho negro de nós próprios se deixarmos demasiada tecnologia reger as nossas vidas.
Os episódios são muito díspares e abordam vários temas, podendo ir do mais puro terror (“Playtest”, “Metalhead”, “Black Museum”), à comédia romântica e não romântica (“Demon 79”, “Joan Is Awful”, “Rachel, Jack and Ashley Too”, “Striking Vipers”) ou ao drama mais pesado (“Beyond the Sea”). Vou apenas referir os meus preferidos ou os que me atingiram mais.

The National Anthem
Este é um episódio inesquecível pelo seu fim perturbador e repugnante. Uma princesa muito popular da família real britânica é raptada e a exigência em troca da sua libertação é a de que o primeiro-ministro faça sexo com um animal em directo na televisão. A princípio a opinião pública fica escandalizada mas, quando o raptor envia à polícia um dedo cortado, as sondagens indicam que o primeiro-ministro se deve sacrificar pela vida da princesa.
O episódio é particularmente chocante na medida em que explora o voyerismo colectivo alimentado pelas redes sociais.
Achei o episódio demasiado desagradável (e não gostei que a brutalidade para com o animal não tivesse sido sequer considerada) e comecei a apreciar muito mais a série quando esta passou para a Netflix.

Nosedive
Imaginem se a vossa vida social e profissional dependesse dos likes recebidos nas redes sociais, a ponto de terem influência no preço de uma casa que pretendam arrendar? É o caso de Lacey, cuja média de likes está nos 4,2 e precisa de subir para 4,5 para arrendar uma casa num bairro só de 4,5s, isto é, de pessoas com avaliações acima de 4,5. Lacey tem uma amiga de infância que é um 4 muito elevado e quando é convidada para o casamento dela vê aí a sua oportunidade de subir as suas avaliações e tornar-se mais popular. Mas uma série de azares fazem com que a avaliação de Lacey desça para os 2 e qualquer coisa e agora a “amiga” não a quer no casamento.
Um episódio para nos fazer pensar na importância (ou não) e sinceridade dos likes que recebemos nas redes sociais.

Hated in the Nation
Garanto que ninguém se vai esquecer deste episódio, o episódio das abelhas. Foi o que me recordou mais dos “X-Files”.
Após a extinção das abelhas estas são substituídas por drones mecânicos para efeitos de polinização, até que todo o sistema cai nas mãos erradas. As abelhas começam a ser utilizadas para assassinar pessoas que têm sido alvo de ódio na internet. Mais um episódio para nos fazer pensar até que ponto queremos inteligência artificial nas nossas vidas e até que ponto a indignação “atrás de um écran” não é uma grande cobardia.

USS Callister
Os “trekkies” vão detestar este episódio em que um nerd, fanático de uma série de culto muito igual a “Star Trek”, desenvolve um jogo a partir do programa. Só que, para tripular a nave, este “Capitão Kirk” utiliza o upload das consciências de toda a gente que o chateou na empresa onde é sócio-proprietário, quer estes queiram quer não, tornando-se num tirano sádico que os maltrata e aterroriza. Muita ficção científica para o meu gosto, mas os “trekkies” (não) vão apreciar o humor.

Striking Vipers
Este foi dos episódios mais engraçados de todos. Dois amigos de longos anos, muito hetero ambos, começam a jogar “Striking Vipers”, como jogavam nos dias da faculdade, mas agora em realidade ultra-virtual. Um deles joga com uma personagem feminina e o outro com uma personagem masculina, e em vez de se porem à porrada, como dantes, começam uma relação sexual e tórrida no espaço virtual. Isto deixa-os bastante confusos porque não sentem qualquer atracção física um pelo outro na vida real (inclusive até tentam beijar-se para tirar a coisa a limpo) mas o affair no mundo virtual é o melhor sexo que já experimentaram na vida toda. Agora têm de decidir se devem continuar (até porque o jogo já começa a causar problemas no casamento de um deles) ou parar completamente.

Rachel, Jack and Ashley Too
O episódio mais engraçado de todos. Tal como disse aqui sobre Lady Gaga, esta foi a primeira vez que vi Miley Cyrus a sério e nem a reconheci. Miley Cyrus faz o papel de Ashley O, uma cantora pop com uma audiência muito jovem e mensagens muito positivas. O que eu conheci imediatamente foi o refrão de “Head Like a Hole” dos Nine Inch Nails, aqui transformado com as letras “I’m full of ambition and verve, I’m gonna get what I deserve”. “Black Mirror” tornou-se uma série tão importante que um agradecimento a Trent Reznor até aparece nos créditos.
Ashley O é dominada por uma manager (e tia) malvada que a põe em coma quando ela começa a desejar mudar o repertório para algo mais adulto e pessimista. Ashley O, como os fãs a conhecem, é a galinha dos ovos de ouro e a tia não vai permitir que isso mude. Para continuar a ganhar dinheiro com ela, transforma-a num holograma que pode actuar em muitos sítios ao mesmo tempo e mais outras vantagens.
Ashley O é salva por duas fãs miúdas (em sequências hilariantes) e acaba a cantar uma versão espectacular de “Head Like a Hole” (com as letras verdadeiras). Fabuloso! Adorei!

Joan Is Awful
Outro episódio engraçado que não teria graça nenhuma se fosse connosco. Joan é uma pessoa comum, chefe de departamento numa empresa tecnológica, a viver com o noivo mas ainda apaixonada pelo ex, que frequenta o psiquiatra. Qual não é o seu espanto quando encontra uma série numa espécie de Netflix ficcional que retrata toda a sua vida. Consequência, todos os seus segredos são expostos: perde o emprego e o noivo, e até o ex. E porquê? Porque deu permissão, naquelas letras pequeninas das licenças de software, que todas as suas conversas fossem gravadas sem ela saber, o que originou o enredo da série. Para agravar as coisas, a série não é filmada com actores verdadeiros mas antes criada por CGI, o que permite que seja feita em tempo real, isto é, ao fim do dia o episódio é sobre o que se passou nesse mesmo dia. A fazer o papel de Joan (na série ficcional) está Salma Hayek, que igualmente deu permissão para usarem a sua imagem em CGI e que não está nada contente com o papel que a põem a fazer. Há toda uma sequência hilariante numa igreja quando Joan tenta pôr fim à série sobre a sua vida, mas o melhor mesmo é ver.

Loch Henry
Este podia ser qualquer episódio de uma série de crime. A ligação à tecnologia acontece através das câmaras de filmar. Um estudante de cinema e a namorada visitam a casa da mãe dele na Escócia. A princípio ambos têm a intenção de fazer um documentário sobre um protector da natureza quando a namorada descobre que a pitoresca vila, toda rodeada de montanhas e lagos, foi cenário para um serial killer local que raptava, torturava e matava as vítimas de forma particularmente cruel. À medida que investigam, o estudante vai descobrir coisas sobre a sua família que preferia nunca ter chegado a saber.

Beyond the Sea

Dois astronautas estão no espaço mas têm réplicas mecânicas/sintéticas na Terra junto das suas famílias (estas réplicas contêm o upload das consciências dos astronautas). Todo o episódio é filmado num ambiente retro que nos remete para os anos 60/70. Neste contexto, um culto fanático entra em casa de um dos astronautas e mata a família toda, crianças e tudo, alegando que o que lá se passa é anti-natural. Este crime chocante foi claramente inspirado nos assassinatos a mando de Charles Manson e é difícil de assistir. Entretanto, no espaço, o astronauta toma conhecimento do que aconteceu à sua família. Para o animar, o colega deixa-o usar a sua réplica na Terra. “Beyond the Sea” é um episódio trágico do princípio ao fim, protagonizado por Aaron Paul (Jesse Pinkman em “Breaking Bad”) que também já tinha contribuído com a voz em “Black Mirror” numa passagem de “USS Callister”.

Mazey Day
“Mazey Day” parece um episódio banal sobre uma estrela de cinema em reabilitação perseguida por paparazzis, mas o fim é tão inesperado que não vou contar mais nada. 


 

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