Citando o outro, há que dizê-lo com frontalidade: quando vemos um filme qualquer no canal SyFy esperamos uma chachada para entreter e esquecer. Não é o caso de “Life”, uma boa surpresa.
Os astronautas da Estação Internacional recebem uma amostra de solo vindo de Marte com um presente envenenado: uma bactéria dormente, prova de que existiu vida no planeta vermelho. Em condições controladas, os cientistas tentam “despertá-la” com várias experiências. Até que conseguem. E a bactéria começa a crescer, a crescer… Desde pequenina, do tamanho de uma folha de chá, já se notava que queria abocanhar o dedo do cientista. Foi mais fácil crescer o suficiente para devorar o ratinho do laboratório. Imediatamente os astronautas tentam matar o organismo, mas este é inteligente e esconde-se na nave, tentando assimilar os recursos disponíveis: a água, o oxigénio… e a carne. Os astronautas percebem que não podem deixar o organismo chegar à Terra, mas o organismo também percebe que a Estação Internacional não lhe chega. Começa uma batalha desesperada pela sobrevivência. Uma das espécies não vai sair bem disto.
É claro que “Life” é quase uma imitação de “Alien” (embora o organismo me pareça antes o monstro de “Stranger Things”) mas não lhe faltam méritos próprios e uma maior simplicidade. Eu roí as unhas do princípio ao fim. Não estava nada à espera de um filme tão bom. A crítica tem sido feroz (porque, lá está, é quase o “Alien”) mas eu gostei e recomendo aos apreciadores de ficção científica de terror. Até recomendo mais aos apreciadores de terror do que aos de ficção científica, porque terror não falta.
15 em 20
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terça-feira, 19 de dezembro de 2023
Life / Vida Inteligente (2017)
domingo, 3 de setembro de 2023
Dark (2017 – 2020)
[Contém spoilers!!!]
Tal como “The X-Files” e “ Lost” (e não vou colocar aqui “Twin Peaks” e “The Walking Dead” porque são inteiramente outro género), “Dark” é daquelas séries de mistério/ficção científica que só aparecem uma vez por década, se tanto. Desta forma, e sem esquecer os títulos mencionados, “Dark” é das melhores séries que já vi na vida. Paralelismos com “Stranger Things” também têm sido apontados, mais para promover “Dark” do que outra coisa. “Stranger Things” é uma matinée para miúdos; “Dark” é um filme para adultos para se ver depois da meia-noite.
Não existe tradução portuguesa para este “dark”, e se calhar também não existe em alemão, língua falada na série. Não é apenas “escuridão” ou “sombrio”, é um conjunto a que chamaríamos pesado, pessimista, desesperado, trágico, negro, ou mesmo malévolo em certos contextos. Esta série não é para amantes de finais felizes. Aqui as personagens morrem mesmo e para sempre e nós sofremos por elas. Eu chorei no último episódio.
Fazer a crítica a uma série com este nível de mistério é muito complicado. Tudo são spoilers. Mas fica a sinopse: após o desaparecimento de um adolescente, na pequena cidade de Winden aparece o corpo mutilado de um miúdo mais novo em circunstâncias muito estranhas. De seguida, desaparece outro miúdo, o filho de um polícia.
A princípio “Dark” parece um policial e é assim que nos prende a uma “história normal”. A partir do meio da primeira temporada já levantou voo para outros níveis que nem nos passavam pela cabeça e que incluem viagens no tempo, realidades e linhas temporais alternativas, wormholes, campos de Higgs, a Partícula de Deus, e mundos pós-apocalípticos. Acontece que têm desaparecido pessoas na cidade de Winden desde há mais de 100 anos sem que os desaparecimentos tenham sido notados, talvez por se tratarem de adultos que podiam simplesmente ter-se ido embora.
O enredo principal é sólido e consegue desenvencilhar-se sem plot holes, o que é difícil nestes casos. “Dark” é uma série verdadeiramente épica que começa como um drama policial e acaba num paradoxo existencial e apocalíptico antes que nos dêmos conta.
A nível de sinopse fico-me por aqui, mas não sem um alerta: esta série não é para espectadores preguiçosos, e nem sequer me refiro à ciência da coisa (que, estranhamente, acompanhei muito bem embora nunca tenha estudado estes conceitos). A parte realmente difícil prende-se com reconhecer os personagens. Acompanhamos algumas famílias durante várias gerações desde o século XIX a 2053! Cada personagem é interpretada por um actor diferente na infância, na idade adulta e na idade madura. Para compreender a totalidade do enredo é essencial decorar os nomes das personagens, o que é um desafio e peras! A minha estratégia foi ver a primeira temporada duas vezes e fazer um esforço para os fixar. Façam isso. Tomem notas, qualquer coisa. É mesmo necessário. Sim, parece complicado, é um desafio, mas quanto maior o desafio mais saborosa a recompensa.
Último aviso antes dos spoilers: quem quiser ver “Dark”, a melhor série da última década que quase passava ignorada na torrente de produção americana, faça o favor de parar de ler aqui e voltar depois. Não aviso novamente.
[SPOILERS!!!]
Não sem defeitos
“Dark” é uma grande série, mas tem defeitos. Se fosse um filme dava-lhe 18 em 20 porque não poderia dar o máximo. O enredo principal aguenta-se, mas ficaram muitas pontas soltas e situações mal explicadas, como, por exemplo, quando é que a máquina do tempo passa de um personagem para outro. Vi esta série quatro vezes, quatro! Alguns destes pormenores consegui deslindar sozinha. Alguns, e isso é que é trágico, só estão explicados na internet, no site oficial ou por comentários de fãs. Os comentários/teorias dos fãs não me preocupam, o que me irrita é só ficarmos a saber quem é o pai de certa personagem, por exemplo, se formos ao site. Não é assim que a narrativa televisiva/cinematográfica deve funcionar. Um filme ou série deve conter em si todos os elementos (ou pelo menos pistas) para nos dizer tudo o que temos de saber. Era mesmo necessário conhecer quem era o pai desta pessoa? Não, mas isto explicou muita coisa secundária que até aí não estava a fazer sentido para mim. A série tem três temporadas com episódios de uma hora. As duas últimas temporadas têm apenas 8 episódios cada. Talvez não fosse má ideia fazer antes 10 episódios de 40 minutos em que coubessem estas explicações que só existem na internet. (E já agora cortando as canções pop/triste que ninguém devia ter de aturar.)
Outras queixas. Não percebo porque é que o pai de Jonas teve de morrer. Isto não é um spoiler, é a primeira cena da série. Nessa altura ele ainda nem sabia que a mulher andava a dormir com o polícia. (Também não é um spoiler, é a segunda cena.) Não teria feito a mais pequena diferença se o pai de Jonas tivesse simplesmente decidido ir-se embora e deixar tudo para trás, já que, sabendo ou não do affair, aquele casamento estava mais morto do que um cão atropelado há três dias à beira da estrada. Bastava que deixasse uma carta diferente ao filho: “Olá filho, estou farto. Mudei-me para Berlim. Vou pedir o divórcio à tua mãe. Depois mando-te a morada. Um abraço do Papá.” Jonas podia à mesma ter andado a vasculhar a oficina do pai à procura de compreender o divórcio e podia à mesma ter encontrado o mapa das grutas, e tudo seria igual porque afinal ele não descobriu a passagem à procura do pai (que estava morto) mas de Mikkel, o último miúdo a desaparecer (e a quem Jonas foi o último a ver, note-se!). Mas isto não teria o efeito dramático de um gajo a enforcar-se, pois não? Vamos lá enforcar o pai de Jonas para as audiências.
Aliás, ao contrário de muitas outras séries sobre viagens no tempo, algumas personagens vão ao passado na tentativa de mudar as coisas e não alteram nada de relevante para o futuro ou apenas acrescentam um mero apontamento de rodapé. Terá sido uma manobra inteligente para dar que fazer aos actores que de outra maneira não teriam ocupação depois da primeira temporada?
Demasiado off screen
Sei que muito do que estou a dizer não vai ser percebido por quem não viu a série, mas não quero mesmo avançar spoilers e estragar o prazer de descobrir o mistério. Direi que “Dark” é também uma história de amor impossível e trágico. Direi mesmo que todos os personagens, incluindo e especialmente os vilões, agem por amor. Quando percebemos isto temos de compreendê-los, embora não possamos concordar com os seus métodos.
Para além das inúmeras gerações que temos de decorar, “Dark” é complicado a outros níveis. Por exemplo, muitas cenas são-nos mostradas fora de ordem temporal, o que nos exige que as reconstruamos mentalmente. Para complicar ainda mais, a certa altura alguns dos protagonistas mais velhos mentem aos seus Eus-Mais-Jovens para os manipular a fazer o que eles querem. Por exemplo, dizem-lhes que se fizerem X acontecerá Y, mas não acontece. O personagem fica confuso e frustrado. Nós ainda ficamos mais. Tal como os personagens, também nós temos de descobrir em quem confiar (o que me lembra muito de “Lost”). Nem sequer estou a falar de Noah, um dos “jogadores” mais importantes, porque tudo o que sai da boca dele é mentira e fácil de perceber que é mentira. Noah envolve as suas confabulações num discurso religioso que era importante no tempo dele (Deus, o Paraíso, o sacrifício, a salvação, etc) e que não tem nada a ver com aquilo que vemos que ele faz. Mas se eu vos disser que Noah acredita mesmo no que diz? Isto torna-o tridimensional, o que não podemos dizer do vilão principal.
Aqui está a minha maior queixa. O vilão final. Nunca percebemos como é que o personagem mais novo se torna naquele monstro. A transformação acontece off screen, o que nunca é bom. Não vi UMA ÚNICA MOTIVAÇÃO que o tivesse feito dar uma volta de 180º daquela maneira. Aproveito também para me queixar da personagem que aparece com a solução no último episódio. Novamente é tudo descoberto off screen. Sim, temos alguns flashbacks, pouquíssimos, e temos de acreditar no que foi descoberto sem termos o prazer de descobrir também (ou de nos serem dadas pistas para chegarmos lá). Lembrou-me aqueles livros da Agatha Christie em que o detective diz: “Ah,mas eu sei que foi Monsieur X quem matou Madame Y, porque o vi esfaqueá-la repetidamente”. Isto é sempre má escrita, não há volta a dar-lhe. “Dark” merecia melhor. Novamente retorno à ideia de 10 episódios mais curtos. Já agora também não percebi porque é que Regina tinha de morrer. Não de cancro, da outra coisa. A mulher devia ter um ou dois meses de vida, se não semanas ou dias, era mesmo necessário? Penso que é outro caso como o pai de Jonas. Efeito de choque para a audiência.
Já agora, uma outra queixa minha e de muitos fãs: porque raio é que Noah teve de fazer aquelas experiências se ele sabia muito bem como viajar no tempo, de várias maneiras e para a frente e para trás? Não digo que não haja explicação. Tenho a certeza de que há, mas não a vimos. Neste caso era importantíssimo que víssemos e percebêssemos, ou lá se vai a primeira temporada toda.
Mas não se deixem enganar pelas minhas queixas de quem viu a série quatro vezes e analisou isto tudo. “Dark” nem nos dá tempo para pensar nestes pormenores secundários tal é a voragem da velocidade que move a acção.
Direi, finalmente, que as viagens no tempo resultam em famílias sem começo nem fim. Por exemplo, a mãe de uma filha descobre que é filha da sua própria filha, o que a torna avó de si mesma. Isto foi a coisa mais doentia e perturbadora que já vi na vida, e já vi muita coisa doentia e perturbadora.
Como a própria série faz questão de explicar, o enredo baseia-se na simetria passado/presente/futuro/mundo paralelo/linha temporal alternativa. Ninguém diria, ao ver os créditos de abertura da primeira temporada, que é ali que está a origem, mas sei que ninguém me vai perceber se não vir o último episódio.
Por último, deixem-me falar de H.G. Tanhaus e do gato de Schrödinger. Schrödinger é um sádico e nunca percebi aquela experiência intelectual. (Se calhar nunca a encontrei no contexto certo. Era muito mais giro meter o próprio Schrödinger dentro da caixa e teorizar se está morto ou vivo. Era melhor até não voltar a tirá-lo de lá nunca mais, para termos mesmo a certeza de que está morto, morto, morto. Nenhuma verificação necessária.) Mas, enfim, H.G. Tanhaus é um professor, parece-me (não são teorias que qualquer pessoa consiga compreender), que tem um programa de televisão sobre Física Quântica onde expõe a ideia de Schrödinger. “Dark” explicou melhor as linhas temporais alternativas do que Schrödinger alguma vez fez. A certa altura um personagem adulto diz não se lembrar do mundo paralelo porque nunca lá foi quando era novo. E de facto não foi. O que aconteceu foi que enquanto ele estava preso no passado o seu Eu-Futuro viveu e experimentou coisas que o Eu-Passado não experimentou, logo, não pode lembrar. O tempo bifurcou-se. O que era um único homem são agora dois, cada um com experiências e memórias diferentes em linhas temporais separadas.
“Dark” foi feito para nos pôr os neurónios todos a funcionar, até alguns que nem sabíamos que tínhamos. É para ver com urgência e contar aos amigos.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1+(2+3)+1 (ou as vezes necessárias)
PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, The X-Files, Lost, Stranger Things, viagens no tempo, wormholes, realidades paralelas, linhas temporais alternativas
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domingo, 19 de julho de 2020
Stranger Things
[crítica à segunda e terceira temporadas; não revela o fim]
Confesso que passei a segunda temporada de “Stranger Things” com um encolher de ombros. Os autores prometeram que a história se ia tornar mais negra, mas afinal foi mais do mesmo e já sem o impacto da novidade da temporada inicial. A fórmula funcionou e apenas se repetiu a fórmula, mais monstros, os miúdos a caçar os monstros, muita nostalgia, música dos anos 80 (e não a melhor música nem a mais conhecida, ainda por cima. Neste aspecto a última temporada de “American Horror Story: 1984” esteve muito melhor e realmente passava as músicas que eu me lembro de ouvir em todo o lado e a toda a hora na rádio e na TV).
Mas há que admitir, os autores de “Stranger Things” são exímios contadores de histórias, gente que sabe tudo o que funciona para nos viciar. E para nos manipular. Se há coisa em que são ainda mais peritos é em manipular as nossas emoções. E o pior é que nós sabemos que estamos a ser manipulados e já vamos para lá à espera dos altos e baixos emocionais, como quem compra um bilhete para a montanha russa da última temporada, que tanto nos fazem rir como nos fazem chorar. Mesmo que às vezes haja batota pelo meio.
Por exemplo, na segunda temporada Dustin encontra um bichinho estranho e em forma de lesma que parece um girino, mas ao mesmo tempo não é nada como ele alguma vez tenha visto, e nós todos já estamos fartos de saber que aquilo veio do Upside Down e não vai acabar bem. Dustin também teria obrigação de saber, porque Dustin é tudo menos parvo, mas aqui fazem que ele esqueça o que passaram todos a lutar contra o Demogorgon. Leva o bichinho para casa, mete-o no terrário da tartaruga, e começa a alimentá-lo. Há quem discorde, mas a verdade é que até eu achei o bicho fofinho. Especialmente quando certa vez este acorda e se espreguiça, e estica as patinhas de trás à gato. Sim, claro que foi à gato para nos manipular, para ficarmos viciados no bichinho. Só que depois o bicho cresce e transforma-se numa espécie de Demogorgon e mesmo assim não paramos de ser manipulados. Há uma cena em que o bicho, já crescido, anda atrás de Dustin, mas nunca o vemos tentar atacá-lo. O bicho anda atrás de Dustin como qualquer animal de estimação anda atrás do seu cuidador. Isto é mesmo para nos partir o coração, porque já sabemos qual vai ser o destino deste pobre monstro que se calhar até gostava de Dustin. Os autores são ainda mais espertos, porque vemos uma última cena ternurenta no penúltimo ou último episódio, mas nunca vemos o que acontece realmente ao pet de Dustin, porque senão ficávamos todos com um grande amargo de boca. Dustin levou o bichinho para casa, tomou conta dele, e quando ele cresceu e se tornou perigoso expulsou-o, primeiro, e deixou que o matassem depois. Não queríamos pensar isto de Dustin, por isso a série fez batota e não nos deixa ver o que aconteceu ao Demogorgon domesticado que apesar de adulto ainda comia à mão de Dustin.
Outras manipulações são mais corriqueiras. Quando, por exemplo, nos apresentam um personagem novo que não faz parte do cast central, e passamos algum tempo com ele até nos importarmos com o que lhe acontece. E já sabemos o que isso significa, não sabemos? É claro que vai ser ele/ela a morrer para não ser preciso matar nenhum dos protagonistas. “Stranger Things” sabe-a toda e nós fingimos que não percebemos porque também queremos ser entretidos e também não queremos que nenhum dos protagonistas morra. Mas, no reverso da medalha, a certa altura todo o perigo que eles enfrentam perde as consequências porque já sabemos que não lhes vai acontecer nada. Isto priva-nos do nervosismo de roermos as unhas e sentirmos o coração apertado sempre que um dos protagonistas está em grandes apuros. A série pode agradar mais assim a certos espectadores, mas não a todos, e o que ganha em leveza perde em dramatismo.
Não há muita história nova para contar nestas duas temporadas. Os monstros do Upside Down continuam a conseguir passar-se para o nosso lado e os nossos heróis continuam a conseguir derrotá-los com muito custo e sacrifício (mas nunca o sacrifício deles).
Mas na terceira temporada, finalmente, os miúdos deixaram de ser tão infantis e começaram a entrar na puberdade. E a puberdade é muito gira, desde que não sejamos nós a passar por ela. Will, pobre puto, ainda quer jogar ao Dungeon & Dragons, mas os amigos entretanto encontraram um interesse que arruma qualquer jogo a um canto: agora têm namoradas! Will ainda não partilha esse tipo de interesse e sente-se posto de lado. Mas Mike e Lucas também só começaram a jogar este novo “jogo” há poucos meses, e sentem-se uns peixes fora de água. Alguns dos diálogos são hilariantes e lembram-me coisas que nós dizíamos uns aos outros quando éramos da idade deles. “Não sabes que as mulheres são uma espécie diferente?”, pergunta Lucas a Mike, quando Eleven cortou com Mike mas Mike quer reatar, e Lucas fala como se já soubesse tudo sobre as mulheres porque tem mais um ou dois meses de experiência, o que já o torna algo perito no assunto: “As mulheres não são racionais. Eu já deixei de andar com a Max uma meia dúzia de vezes e sempre consegui que ela fizesse as pazes comigo. Queres saber como voltar para ela? Quanto dinheiro tens? Tens de comprar-lhe um presente.” Confesso que ri às gargalhadas com as certezas deste miúdo, quando tudo era tão simples e fácil de resolver.
Mas não é, que o digam Joyce e Hopper, os adultos com a experiência toda que nem mesmo assim conseguem entender-se numa relação romântica. “Oh, poupem-me! Parem de discutir e vão fazer sexo, já, porque já ninguém vos atura!”, diz-lhes alguém, e foi a cena em que mais me ri. Não foi só isto que me fez rir, há todo um contexto que não interessa contar porque não há nada como ver.
Mas do que gostei mesmo, mesmo, foi da relação que se estabeleceu entre Hopper e Eleven, desde que ele a acolheu em segredo no fim da primeira temporada. Eleven pode ser uma miúda com super poderes, mas não passa de uma miúda que precisa de uma figura paternal, e Hopper pode ser um polícia empedernido e durão, mas é também o homem que perdeu uma filha. Quando, na segunda temporada, Eleven chega a casa já de noite, depois de sair sem dizer (ela tem doze anos, afinal, tem de pedir permissão), e vê ao longe, no alpendre, a luz do cigarro de Hopper, sentado no escuro, a fazer-lhe uma espera para lhe dar o arroz, e Eleven se sente comprometida como se nem fosse super-poderosa, é já uma dinâmica pai/filha que está a acontecer. Uma dinâmica nascida não de relações de sangue, mas mais forte ainda do que estas porque é uma dinâmica que surge do amor, da vulnerabilidade de um e de outro, ambos tão fortes e senhores de si e ambos tão necessitados da relação familiar que nunca tiveram ou que foi interrompida cedo demais.
Na terceira temporada, Hopper já age como um pai de facto, um pai à antiga, e um pai atarantado porque agora tem uma filha que namora com um rapaz (um rapaz, sozinhos no quarto dela!), e Hopper impõe regras e regras que Eleven, como qualquer miúda da sua idade, faz questão de não cumprir, e tudo isto o coloca à beira de um ataque de nervos de fumar cigarros um atrás do outro e arrancar os cabelos.
Esta série tem nostalgia que baste para todos, mas esta foi a relação que mais me interessou, uma relação entre pai e filha que é verdadeiramente original porque Eleven não é uma miúda qualquer. Este pai adoptou uma filha na mesma medida em que a filha adoptou um pai.
E por falar em nostalgia, aquela conversa entre os adolescentes Steve e Robin no chão da casa de banho do centro comercial, ambos completamente pedrados, que começa numa discussão filosófica sobre o filme “Regresso ao Futuro” e acaba com ela a confessar que gosta de miúdas, quando Steve já estava a avançar para outras águas que não as da amizade. Isto sim, trouxe-me memórias, de outras casas de banho, de outras conversas, de outras pedradas, de outras confissões.
E é assim que “Stranger Things” nos agarra. Há ali algo para todos, como na feira popular da terceira temporada, e nem começo a contar-vos a nostalgia que me bateu ao lembrar a nossa velhinha Feira Popular, onde toda a gente ia e onde toda a gente se divertia, e as saudades que eu tenho dela nas noites de verão…
“Stranger Things” vai provocar-nos no âmago das nossas recordações e são as nossas recordações, nem mais nem menos, que fazem o sucesso desta série. A fórmula resulta e não faço a mínima ideia de quanto mais tempo possa durar.
Na terceira temporada, referências e homenagens a “Terminator” (não era um Terminator, mas que parecia, parecia), a Parque Jurássico e a Alien. Fora as outras todas que eu não apanhei ou que nunca vi porque não eram o meu género.
sexta-feira, 31 de agosto de 2018
Stranger Things
(crítica à primeira temporada)
!! CONTÉM ALGUNS SPOILERS, NÃO REVELA O FINAL !!
Às vezes temos surpresas. Quando uma série nos chega muito bem recomendada como uma das melhores da década, senão de sempre, criamos expectativas que por vezes nos desiludem. Ou não. Breaking Bad foi-me apresentada como uma série extraordinária e imperdível, e confesso que não fiquei entusiasmada. Drogados a vender speed? Achei que não era para mim. E no entanto adorei. Também Stranger Things me chegou altamente recomendada e despertou-me logo o interesse. Ambiente e música dos anos 80, um monstro, uma miúda com poderes especiais, experiências ultra-secretas em instalações militares. Isto é mesmo para mim. Ou assim pensei. Infelizmente, a série não me encheu as medidas.
Fiquei desiludida, mas a culpa não é da série. Pensei que era uma história sobre um monstro que por acaso envolvia miúdos. Afinal, é uma história sobre miúdos que por acaso envolve um monstro. Fica o alerta. Isto não é puro terror. Podia ter sido, mas tirando algumas cenas perturbadoras (e muito breves) pode perfeitamente passar como série para ver em família. Seriam mais problemáticas, neste aspecto, algumas passagens de “quase-sexo” entre adolescentes do que o aparecimento do próprio monstro.
Percebe-se melhor quando se sabe que Stranger Things é feita de homenagens. Nem falo de influências, são mesmo homenagens descaradas. A mais evidente de todas é o grupo de miúdos com bicicletas que escondem a miúda com poderes especiais. (E.T.) Muitas das referências são a Spielberg, incluindo “Tubarão” por estranho que pareça. Não sou grande apreciadora de Spielberg, o que explica perfeitamente a minha reacção de enfado. Aliás, é bastante interessante que uma série com tantos momentos de enfado consiga mesmo assim ser viciante. Não vou negar, viciou-me. É um produto feito para binge watching e resulta. É preciso muito auto-controlo para não ver os oito episódios de enfiada.
Mas é curioso, porque achei os dois primeiros episódios aborrecidos e o facto de serem longos (50 minutos ou mais) também não ajuda. Mas depois de ver o segundo episódio só consegui parar ao sexto.
É difícil escrever sobre uma série que vive do suspense para agarrar o espectador sem revelar spoilers, e tentarei não o fazer. Logo no primeiro episódio, um monstro escapa do que parece ser um laboratório militar. Nesse mesmo dia, do mesmo laboratório, escapa também a miúda com poderes especiais. Nesse mesmo dia, um dos miúdos do grupo das bicicletas desaparece misteriosamente. A partir daqui tudo é spoiler.
Os colegas que toda a gente teve
Como não quero revelar spoilers, vou falar antes das personagens. O maior problema para mim, nesta série, é mesmo a incapacidade de me interessar por elas. O que torna a maior parte do primeiro episódio numa seca só entrecortada pelas breves cenas do laboratório e de Eleven (a miúda com poderes). Os miúdos são normais. Sim, são um bocadinho geeks, mas são completamente normais. Vidas normais, pais normais, bicicletas normais, jogos de Dungeons&Dragons normais. Ver estes miúdos 15 minutos seguidos é demais para mim.
Depois temos uma sub-história de adolescentes igualmente normais. Nancy (irmã mais velha do protagonista Mike) namora com um miúdo popular, Steve, que quer ir para a cama com ela. Nancy não quer, mas depois já quer, e depois convida uma amiga (Barbara) para fazer de pau-de-cabeleira numa festa na casa de Steve, mas a meio da festa manda Barbara embora para poder ir para a cama com Steve. Oh Céus, poupem-me! Sei que isto que vou dizer não vai ser consensual porque Nancy se tornou numa das personagens preferidas de muitos fãs, mas eu DETESTO esta sonsa! Nem três dias depois de perder a virgindade com o tal Steve já estava mais interessada no Jonathan (irmão mais velho do miúdo que desapareceu). Ninguém diria ao olhar para ela, com aquela roupinha foleira de menina queque, muito certinha, que não parte um prato. Toda a gente teve uma colega assim naquele tempo, e irra, detesto sonsas. Mas há algo também na actriz. Se calhar até a cara dela me irrita.
A personagem Barbara foi muito maltratada pela série. Talvez nem os próprios criadores tivessem noção do impacto que ela ia ter. Barbara era a típica adolescente dos anos 80 que ainda não se sabia valorizar. Óculos grossos, peso a mais, vestida como se tivesse o dobro da idade. Mas a aparência física é irrelevante fora do mundo juvenil do liceu. Barbara é responsável, sensata, e acima de tudo é uma boa amiga. Uma amiga que não merecia ser tratada como Nancy a tratou. Tudo nela a torna uma personagem simpática de quem conseguimos gostar. Sem querer desvendar muito, Barbara mal apareceu na série e deixou uma impressão inesquecível. Se calhar porque toda a gente também teve uma colega assim e o efeito nostálgico é mais forte.
Mas Jonathan é o adolescente mais interessante. Habituado a uma vida complicada, é o único que transcende a vulgaridade da terrinha em que vive. Jonathan é o tal que ouve Joy Division e que traz a música alternativa para a série. Pena que goste da sonsa da Nancy. Mas é preciso dar tempo ao tempo. O puto só deve ter 18 anos e horizontes ainda muito limitados àquilo que conhece. Merece melhor, mas vai ter de procurar fora daquele buraco de banalidade. Também tive colegas assim. A maioria saiu do buraco.
Os adultos, felizmente, não são aborrecidos. Quando já me estava a passar com tanto drama (e marmelada) adolescente, as cenas com os adultos salvaram-me do tédio total. Os dois protagonistas, a mãe do miúdo desaparecido e o xerife da terra, são personagens profundas e cativantes, com muito passado e bagagem emocional. Por mim, podiam desaparecer todos os adolescentes (menos o Jonathan, para ouvirmos Joy Division) e os miúdos, e a série podia ficar só com adultos. E mais dramática e com terror a sério.
Por esta altura devem estar a perguntar: mas e o monstro? Porque é que estamos a falar desta gente quando há um monstro? Era isto exactamente que eu dizia no início. A série é sobre esta gente e por acaso há um monstro. E como também já estou a bocejar outra vez só de falar nesta gente, vamos mas é falar do monstro.
O monstro
O monstro não me convenceu. Não é um grande spoiler revelar que é uma criatura de outra dimensão. Também fica imediatamente estabelecido, logo no primeiro episódio, que existe uma ligação entre o monstro e Eleven. Não pode ser por acaso que escaparam os dois no mesmo dia. (Eu tenho as minhas teorias quanto a isso, mas este é um mistério que continua na segunda temporada e não me cheira que a série siga pelos caminhos que estou a imaginar. Pode ser que me surpreendam.) A cena inicial, no laboratório, é bastante explícita quanto à natureza predatória da criatura. Mas há uma falha de lógica ainda não explicada que rouba credibilidade a este monstro. Aparentemente, na outra dimensão não existe nada para comer. Absolutamente nada. Se este é um monstro animalesco que precisa de comer, como é que sobrevivia no “outro lado”? E estava lá sozinho? Não havia mais monstros? Pensei, a princípio, que seria antes um “monstro de energia” fabricado pelos militares. Descobrir que era só um monstro “animal” desapontou-me. E como é que descobriu, assim que chegou a este lado, que as criancinhas são saborosas? E como é que aprendeu a farejar sangue à distância, como um tubarão (por causa da tal homenagem, só pode)? Há mais inconsistências destas que nunca são explicadas. Para uma espectadora como eu, que não está a ver a série por causa da nostalgia dos anos 80, as inconsistências foram-se avolumando a ponto de me desiludir. A primeira regra do terror é que tem de nos convencer para meter medo. Se algo mina a credibilidade começamos a desligar as emoções e o efeito perde-se. Não é por acaso que a única cena que me arrepiou foi aquela em que a homenagem é a Alien. Fiquei tensa na cadeira, abri mais os olhos, cheguei-me para a frente. Parei de respirar. Porque o extraterrestre de Alien, o filme original de Ridley Scott, é completamente credível e aterrador. À menor alusão gela-se-nos a espinha. Era este terror que eu esperava de Stranger Things e que de certa forma nos foi “prometido” na cena inicial da série. Pelo sexto episódio percebi que a história ia mesmo ser sobre os miúdos que querem matar o monstro com pedras e fisgas. Pior, comecei a temer que os miúdos o conseguissem. Felizmente, a série não enveredou assim tanto pela fantasia infanto-juvenil que me teria retirado imediatamente do público alvo. As promessas dos primeiros episódios são cumpridas.
Mais negro para a próxima?
Stranger Things podia ter ido mais fundo e mergulhado em águas mais negras. Por opção, não o quis fazer. Isto prejudicou sobretudo a melhor personagem da série, sobre quem mal falei por causa dos spoilers. Eleven é a verdadeira estrela da história. Vítima de condicionamento psicológico, Eleven só quer ser normal num mundo que para ela é alienígena. É por ela que sofremos, é por ela que torcemos, é sobre ela que tecemos teorias. O final da primeira temporada deixa-nos com um sabor amargo que só pode ser remediado na segunda.
Porque, é claro, há uma segunda temporada. E é claro que vou ver porque a série é excelente. Não é o que eu esperava mas é completamente irresistível. Li algures que os criadores prometem que a continuação vai ser mais negra. Será mesmo, ou é só publicidade enganosa? As promessas foram cumpridas mas as minhas expectativas não foram satisfeitas. A única maneira de tornar a série mais negra, como prometem, é sair do conforto family friendly da fantasia infanto-juvenil que tornou a série acessível a um público mais alargado. Pode ser que me engane mas duvido que se atrevam.
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