domingo, 31 de agosto de 2025

Wolf Creek (2005) vs série

Três turistas na Austrália encontram um destino macabro.
Eu receava que ter visto a série primeiro me estragasse o filme. Qual não foi a minha surpresa quando descobri aqui no arquivo que já tinha visto o filme, que já tinha escrito sobre ele, e que dei a mesma nota que ia dar agora. Tal como me parecia, é mais fácil esquecer um filme do que uma série. Uma série, tal como um livro, dá-nos literalmente mais tempo para conviver com os personagens, para os conhecermos, para nos causar impacto. Vou escrever outra vez sobre o primeiro filme "Wolf Creek" da perspectiva de quem viu a série.
Algumas pessoas não vão gostar do início do filme. A acção propriamente dita só começa lá para metade, mas eu acho que se justifica que assim seja. Para se compreender perfeitamente o horror que se segue é preciso dar uma ideia muito clara da vastidão do Outback australiano, difícil de imaginar para quem não conhece, horas e horas a conduzir no deserto sem se encontrar uma única pessoa na estrada ou qualquer vestígio de civilização. Este início faz precisamente isso: eles conduzem, conduzem, passam pela última bomba de gasolina, e continuam a conduzir. As imagens aéreas da paisagem, tão inclemente como deslumbrante, contribuem para esta percepção de que o próprio deserto pode ser letal se tiverem um acidente. Ao mesmo tempo, ficamos com a noção de que são pessoas completamente normais, que não fizeram nada para merecer o que lhes acontece.
Os três amigos vão visitar Wolf Creek, a cratera de um meteorito que existe na realidade. A certa altura há uma vaga alusão ao sobrenatural, quando uma das raparigas questiona porque é que o meteorito caiu precisamente ali, como se algo de maléfico o tivesse atraído (o que volta a ser abordado na série), e o rapaz conta algumas histórias de encontros imediatos, mas felizmente é apenas uma questão de sugestão psicológica. Um dos aspectos que me fazem gostar desta franchise é que não existe sobrenatural, nem aqui faz falta nenhuma.
Enquanto eles exploram, a bateria do carro fica descarregada, ao mesmo tempo que os relógios param, talvez por causa do meteorito, ou talvez não, porque se fosse um fenómeno conhecido o local não estava nos roteiros turísticos, como é o caso. Por outro lado, conhecendo o método de operar de Mick Taylor, não é de estranhar que tenha sido ele a sabotar o carro, mas isso não explica os relógios.
Obviamente, Mick aparece para os "ajudar" e rebocar, mais uma vez durante horas e horas, para ainda mais longe da civilização. Já tendo visto este filme uma vez (apesar de esquecido), e depois de ter visto a série, esta parte ainda me arrepiou mais.
No longo início do filme os turistas confrontam-se com personalidades "rústicas", mal-encaradas e malcriadas, e imagino o espectador a tentar adivinhar qual destes vai ser o assassino, mas nada nos pode preparar para um psicopata sádico como Mick Taylor.
Como disse aqui na primeira crítica, podia acontecer a todos. Um acidente, um campónio prestável, um pouco bronco mas aparentemente bem-humorado e de riso fácil, qualquer pessoa dava o "desconto". É precisamente este sentimento de inferioridade que faz Mick odiar os forasteiros. Ou melhor, que lhe serve de desculpa para os torturar e assassinar. Neste primeiro filme há sugestões de uma componente sexual subjacente, mas percebe-se claramente que não é essa a principal motivação de Mick Taylor. Mick, um caçador, não tem um pingo de empatia e usa a tortura para se divertir. Do que ele gosta mesmo é de infligir medo, dor e morte, de capturar e torturar seres humanos, e gosta de o fazer durante dias, semanas ou meses, conforme eles "durem", segundo o próprio. Depois de ver a série sabemos que Mick não se mete com os locais, apenas com os turistas e forasteiros com a "mania de que são bons", que quase vão ali "provocá-lo". Mas também sabemos que não passa de um pretexto.
A certa altura, a protagonista tem uma hipótese de o matar mas apenas o deixa inconsciente. Isto é muito comum em filmes de terror, mas aqui faz todo o sentido. A protagonista está em estado de choque com os horrores a que assistiu e só quer fugir dali o mais depressa possível, não tem o discernimento nem o sangue frio para planear mais além. Mais uma vez, o longo início ajuda a estabelecer este estado de espírito de turista normal, numa onda de descontracção, a divertir-se com os amigos, que subitamente se depara com um cenário de terror.
"Wolf Creek" é vagamente baseado nos crimes reais de um serial killer que assaltava e matava turistas no Outback australiano. As autoridades não sabem ao certo quantas foram as vítimas. Acho que este primeiro filme conseguiu estabelecer perfeitamente como é que foi possível. Mick Taylor é como um espírito do mal neste território inóspito, que se funde na paisagem como um camaleão, que mata impunemente há décadas sem deixar rasto. Há muitos filmes sobre turistas apanhados por serial killers em sítios ermos, mas o que distingue "Wolf Creek" é o deserto da Austrália, ele próprio uma personagem hostil à vida onde é fácil desaparecer para sempre.

Nota: Já depois de escrever este artigo li algumas críticas da altura que acusavam o filme de misogenia. Posso garantir, especialmente depois de ver a série, que Mick Taylor não é só misógino. Mick Taylor é misógino, é racista, é xenófobo, é homofóbico, mas não é pessoa de discriminar: odeia todos os turistas e tortura-os a todos igualitariamente.

16 em 20 


terça-feira, 26 de agosto de 2025

The Skulls / Sociedade Secreta (2000)

Este filme é velho mas nunca o tinha visto. Fui um bocado enganada pela sinopse: sociedade secreta, os Skulls, com segredos sinistros, pensei logo em rituais satânicos ou mistérios sobrenaturais. A história é bem mais comezinha. Luke McNamara é um estudante pobre e órfão que conseguiu entrar numa das mais prestigiadas universidades americanas graças a uma bolsa de estudos, mas mesmo assim tem de trabalhar em part-time no refeitório. Luke acumulou dívidas para estudar e a sua grande ambição é ser recrutado para os Skulls, uma sociedade (mais ou menos) secreta e inspirada nos verdadeiros Skull and Bones, que lhe pode arranjar dinheiro e estatuto. Por ser um bom atleta de remo, Luke consegue ser convidado para os Skulls e de facto é presenteado com dinheiro, um relógio topo de gama e um carro desportivo. Tudo parece muito bom até o seu amigo Will, que colabora no jornal universitário, aparecer enforcado quando andava a investigar os Skulls. Luke percebe imediatamente que houve um encobrimento de homicídio e não está disposto a pactuar com isso, mas agora caiu nas mãos de gente muito poderosa nos estratos mais elevados da sociedade.
Logo nos créditos de abertura, fazem-nos a pergunta: qual é a sociedade secreta mais famosa de todas? A Maçonaria, obviamente. Mas não, dizem-nos que são os Skulls. Tretas. Os Skulls até podem funcionar como jardim infantil da Maçonaria, ou da Opus Dei, conforme. Estes Skulls (ou os verdadeiros Skull and Bones) não tardam a ir lá parar, a Maçonaria não dorme em serviço. Aqui pelas nossas terras o ingresso nestas organizações não é tão espectacular. Passa-se de lobito (nos Escuteiros) a maçon e a ministro (e nem me venham dizer que não!). Mas na América é tudo mais dramático e os iniciados chegam a ser marcados com um ferro em brasa no exterior do pulso (que é tapado pelo relógio, mas mesmo assim quase qualquer pessoa poderia reparar na marca).
A seguir a história transforma-se num filme de acção com perseguições a alta velocidade, polícias feitos com a sociedade secreta porque também lhe pertencem, cenas de porrada, o protagonista a ser internado num hospital psiquiátrico, e até um duelo! Tudo isto torna o filme muito longo e, na minha opinião, muito chato e difícil de acompanhar. A certa altura deixei de conseguir perceber onde é que os personagens estavam, e porquê, e como é que tinham chegado lá.
Não acredito que pertencer a uma sociedade secreta, mesmo na América, seja assim tão excitante, mas para quem gosta de acção e policial tem aqui um bom filme para ver. A mim é que não disse nada, e nenhuma sociedade secreta que se preze deixaria as coisas chegarem a este ponto.

11 em 20

domingo, 24 de agosto de 2025

Adolescence (2025)


Jamie, um miúdo de 13 anos, é preso por homicídio, para grande choque dos pais e dos adultos em sua volta. A investigação revela que Jamie tinha sido radicalizado por conteúdos de masculinidade tóxica em comunidades online de incels.
O grande tema desta série é o fenómeno dos incels (involuntary celibate, celibatários involuntários), mas penso que não explicou o suficiente. Também não o vou fazer, porque é uma questão complexa e demasiado extensa para este post. Resumidamente, estas comunidades online começaram nos Estados Unidos e têm vindo a alastrar por todo o lado, especialmente entre os mais jovens. Em bom português, incels são gajos que não conseguem arranjar gajas e não sabem porquê, e vão à internet e dizem-lhes que a culpa não é deles, são as gajas que são más. Aconselho a toda a gente que leia aprofundadamente sobre isto, principalmente gente jovem ou que tenha filhos jovens.
Já comecei a ler sobre incels há meia dúzia de anos e é de ficar de boca aberta. Em suma, são gajos a tentar convencer-se uns aos outros de que um homem baixinho, gordinho e/ou careca, ou que não seja rico, não tem qualquer hipótese de ter sexo com uma mulher e vai morrer virgem. Isto é culpa das mulheres, que são umas cabras e só querem homens atraentes e/ou com dinheiro. Quando lhes apontam exemplos do quotidiano daquele fulano baixinho, gordinho ou careca, com um salário médio, que tem uma família e três filhos, desvalorizam. Já estão tão submersos por essa mentalidade que não conseguem admitir que se calhar são eles que não estão a fazer o esforço e a aprendizagem necessária porque querem que uma namorada lhes caia no colo sem mexerem uma palha. O mais irónico disto tudo é que os incels não sabem que são misóginos. Na verdade, não querem uma namorada, querem um objecto sexual, tratam as mulheres como tal e admiram-se que as mulheres não queiram nada com eles.
O que é mais hilariante ainda é que os incels querem namoradas atraentes. Podem ser baixinhos, gordinhos e carecas, mas a namorada tem de ser uma boazona. Ora, eu também queria o Brad Pitt, de preferência no papel de Louis de Pointe du Lac em "Entrevista Com o Vampiro", onde é que o encomendo? O quê, não posso encomendá-lo? Que chatice. A culpa é dele. Só quer gajas ricas e boazonas.
Isto é engraçado, excepto quando a mentalidade se radicaliza. Alimentados por este discurso violento contra as mulheres, alguns homens começam a acreditar que a "culpa" das mulheres justifica igualmente comportamentos violentos, incluindo agressão e violência sexual, e é aqui que a questão se torna muito grave. Mulheres, especialmente vocês, miúdas, cuidado com isto. É mesmo para levar a sério.
Nada disto é novo. Eu chamo-lhe uma mistura do velho machismo com uma certa cultura facilitista de hoje em dia em que os miúdos têm tudo de mão beijada, elevado ao expoente das redes sociais onde podem entrar em echo chambers que lhes amplificam as teorias absurdas. É muito mais fácil acreditar que a culpa não é deles, é delas. Quanto mais jovens são, mais fácil é cair nesta espiral de pensamentos agressivos, que é o que acontece ao protagonista de "Adolescence".

***

Mas antes de voltar à série, aproveito para contar uma história verdadeira que se passou comigo, tipo serviço público.
Desde que ando na internet tenho conhecido muita gente online, homens e mulheres. Antes disso já conhecia gente através de pen pals (amigos de correspondência). Sempre fui muito cuidadosa e nunca tive problemas. Há cerca de 20 anos, muito antes dos incels, aconteceu-me um caso "caricato". Conheci um gajo online, não da cena gótica, mas alguém com inteligência e cultura geral o bastante para passar as minhas barreiras. Como era uma pessoa que gostava de música alternativa, convidei-o para uma festa onde eu ia e aconteceu a seguinte conversa por sms:
Ele: "Eu vou buscar-te a casa."
Eu: "Não é preciso. A gente encontra-se lá."
Ele: "Não sei muito bem onde é."
Eu: "Eu mando a morada e digo-te os autocarros."
Ele: "Eu vou de carro. Diz-me a tua morada e eu vou buscar-te."
Alarme!!! De carro com um desconhecido? Era só o que faltava. Mas, dando o benefício da dúvida, talvez seja uma pessoa dos subúrbios que acha que é perigoso para mim, talvez um cavalheiro. Vou dar outra hipótese:
Eu: "Não, a gente encontra-se lá."
Ele: "Tu não vais. Vais dar-me uma banhada."
ALARME!!!! Ok, isto não é um cavalheiro. Isto é um gajo que está a tentar controlar-te, a querer saber a tua morada, a querer meter-te num carro sozinha com ele, e quando recusas ainda se faz de vítima. Amigas, isto pode ser um predador. Machista (uma mulher não pode andar sozinha à noite sem a companhia de um homem), controlador (dá-me a tua morada ou nada feito) e manipulador (tu és má e queres gozar comigo), terminando em insulto/agressão psicológica (tu és mentirosa). A conversa acabou ali. Isto surpreendeu-me porque a pessoa não era nenhum mentecapto. Eu não estava à espera, sinceramente, mas é assim que a gente os apanha. Ser mulher é perigoso. Os malucos andam por aí.
É pena que os justos paguem pelos pecadores, e peço desde já desculpa a todos os gajos porreiros que têm de passar "testes", mas compreendam, é mesmo perigoso. Aliás, acho que os gajos porreiros compreendem que é perigoso.
A mentalidade incel perigosa não é nova, saiu destes pressupostos de sempre: machismo, mentalidade de que o homem controla a mulher, manipulação, agressão psicológica ou física.

***

Voltando à série. Se por um lado é verdade que encontrar estas comunidades online contribuiu para radicalizar um miúdo de 13 anos, um miúdo que ainda não tem idade para ter medo de ser feio, baixinho ou careca porque ainda nem cresceu tudo, por outro lado Jamie é um sociopata em desenvolvimento. Na conversa com a psicóloga, primeiro tenta manipulá-la. Quando não consegue, porque ainda não desenvolveu a técnica, recorre a toda a intimidação física que é possível no momento. A sociopatia não é um bicho que se apanha online. Este puto é um sociopata em desenvolvimento, um mentiroso, um manipulador, um narcisista sem empatia. A série recorreu às comunidades de incels para abordar o assunto, o que é bastante premente na actualidade, mas um sociopata sempre foi um sociopata.
Tive pena da família que se culpa por não ter prestado mais atenção, por ter errado. Como os casos reais nos demonstram, muitas vezes o ambiente familiar não tem nada a ver, mas é doloroso assistir a uma família a passar por isto. Foi a parte que realmente me atingiu.
"Adolescence" é uma série difícil de ver mas recomendo a toda a gente, especialmente jovens e pais.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: drama, crime, sociopatas, policial

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Left Behind / A Última Profecia (2014)

Comecei a ver o filme porque prometia um desastre de avião e o súbito desaparecimento de milhões de pessoas da face da Terra. Fã de enredos apocalípticos, deixei-me levar com ingenuidade, mas este Apocalipse é muito literal.
Rayford Steele é um piloto de linhas comerciais afastado da esposa desde que ela se tornou uma fanática religiosa que não pára de o tentar tornar tão devoto como ela. A filha de ambos, Chloe, também se queixa do zelo religioso da mãe, percebendo que isso está a afastar os pais um do outro. A própria Chloe, uma agnóstica, não está contente com tanta religiosidade, sendo igualmente alvo de tentativas de conversão.
Quando o avião de Rayford já ia no ar, grande parte dos passageiros desaparece de repente, deixando para trás as roupas e pertences. Todas as crianças desapareceram. O que Rayford e os passageiros não sabem é que o mesmo aconteceu por todo o mundo, o que criou algumas cenas apocalípticas de carros sem condutor e aviões sem tripulação a despenharem-se, ao mesmo tempo que as pessoas aproveitavam para pilhar centros comerciais. Foi a melhor parte do filme, à “The Walking Dead”.
Entretanto, no avião, Rayford percebe que o seu co-piloto e uma hospedeira de bordo desapareceram também, ao mesmo tempo que perde as comunicações. Depois de embater noutro avião não tripulado, o avião começa a perder combustível e não consegue entrar em contacto com nenhum aeroporto. Começa aqui a parte do desastre de aviação.
Então o que é que aconteceu às pessoas? Enquanto os passageiros especulam, inclusivamente sugerindo que os desaparecidos foram abduzidos por extraterrestres, cada vez mais pessoas chegam à conclusão de que o que aconteceu foi nada mais nada menos do que o Rapture. Ora, o que é o Rapture? Não temos uma palavra em português para isto porque é um suposto acto de Deus nos Dias do Fim, em que Deus arrebata os seus fiéis vivos para o Céu, e que não está em lado nenhum na Bíblia porque o Rapture foi uma invenção de algumas igrejas evangélicas americanas do séc. XIX. Em português acho que já ouvi a palavra Arrebatamento para descrever isto, mas podem procurar à vontadinha que não o encontram na Bíblia, nem sequer no Apocalipse (aliás, isto contradiz a maior parte do Apocalipse). No entanto, há muito boa gente que acredita nisto piamente, e este filme foi feito para estes crentes, naquilo que só posso interpretar como a tentativa de converter mais uns quantos espectadores. Por aqui já se compreende o nível da “obra prima” em questão.
Todavia, mesmo à parte a religiosidade toda, o filme é de 2014 mas parece ser dos anos 80 ou 90. As mulheres são representadas como inúteis e histéricas, incluindo a hospedeira de bordo, sempre a precisarem da liderança e conforto masculinos. Um jornalista é deixado entrar no cockpit, ficando sentado ao lado do piloto mesmo sem ter qualquer experiência de voo, mas é homem, logo, deve ter mais competências do que a hospedeira…
Por último, apesar da fachada de filme-catástrofe, percebemos que nos estão a tentar impingir a religião para arrependimento dos nossos pecados, principalmente quando o avião consegue aterrar e vemos que o mundo todo está a arder porque começou a Grande Tribulação (que esta, sim, está na Bíblia). Do que percebi, a intenção era fazer sequelas, Deus nos valha!
Enfim, estes filmes deviam trazer uma bolinha especial a dizer “propaganda religiosa”. Não há aqui nada que se aproveite, nem o desastre de avião, que é resolvido de maneira tão idiota que só um milagre o explicaria, mas parece que Deus não gosta das pessoas que não “arrebatou”, logo, não foi obra Dele. Um não-crente pode mesmo sair deste filme ainda mais ateu do que já era, tendo em conta as pessoas “piedosas” que são levadas e as que são deixadas.
Não aconselho este filme a ninguém excepto como curiosidade de uma certa cinematografia religiosa americana que pode explicar muito do que se passa presentemente.

10 em 10 (porque detesto que me tentem evangelizar, especialmente com teorias pseudo-bíblicas, mas o filme também não é grande coisa em si próprio)


domingo, 17 de agosto de 2025

Rabo de Peixe / Turn of the Tide (2023 - ?) [primeira temporada]

"O diabo tem de sair por algum lado" - Carlinhos, em "Rabo de Peixe"

Em 2001, centenas de quilos de cocaína deram à costa em Rabo de Peixe. O que se passou depois poderia ter sido esta série. Quatro amigos da vila piscatória, um dos lugares mais pobres da Europa, decidem que esta é a sua única oportunidade de conseguirem uma vida melhor.
Lembro-me de ler sobre o incidente caricato na altura e lembro-me de pensar o que faria se fosse comigo. Bem, não fazia nada, exactamente por causa da polícia e dos traficantes. Vender cocaína aos quilos atrai demasiada atenção, algo que os protagonistas descobrem num instante.
Mas convenhamos. A droga dá 23 milhões e 820 mil euros. Põem este valor à frente de um pobre muito pobre, e o pobre não pensa duas vezes. Não por ganância ou desejo de luxos, mas porque "com esse dinheiro posso comprar uma casa à minha mãe". Eduardo, jovem pescador, o melhor aluno da sua turma, teve de deixar a escola para ir para o mar. O pai dele precisa de uma operação às cataratas e o Serviço Nacional de Saúde não dá resposta. É esta a sua motivação principal. Com o tempo, se tivesse conseguido chegar longe, daria mais em mau, como Walter White?
Sim, esta é quase a premissa de "Breaking Bad", um génio injustiçado que se mete no negócio da droga porque precisa do dinheiro para pagar as despesas médicas do filho. Eduardo não é um doutorado em Química como Walter White, mas também não precisa de ser. O seu conhecimento do mar, da geografia, do lugar, já o colocam à frente dos traficantes e da polícia. Depois é só preciso ter alguns dedos de testa, sangue frio, e um grande motivo de bom filho a ajudar o pai.
O enredo também segue a fórmula de sucesso drama/acção/humor/thriller que me recorda tanto de "Breaking Bad". Curiosamente, as críticas comparam mais a série a "Narcos", que eu não vi, mas "Narcos" é posterior. Da mesma forma, também encontrei aqui vestígios de "The Wire", mas podem ter chegado igualmente via "Breaking Bad" porque são séries que se foram influenciando umas às outras, e ainda bem. Já as influências de "Pulp Fiction", também comuns a estas séries todas, devem ter vindo directamente do original.
"Rabo de Peixe" (título em inglês "Turn of the Tide") esteve no Top 10 de séries mais vistas da Netflix e compreende-se porquê. Adorei a adaptação deste tipo de enredo a uma realidade portuguesa (e até fiquei com inveja de não se passar em Lisboa). Não temos os cartéis sul-americanos? Temos melhor e mais original, a máfia. Não temos o Tuco Salamanca? Temos o traficante de bairro, Arruda, com a fachada da oficina de mecânico. Não temos Jesse Pinkman a vender Blue Sky aos putos da esquina? Temos o playboy Ian a traficar com os nórdicos que conheceu quando viveu por lá. Não temos as mães de família dos bairros sociais norte-americanos? Temos as mães de família que vão à missa e competem entre elas para levar a imagem de Nossa Senhora para casa. Está tão bom, tão realista, tão bem feito, que não se consegue parar de ver episódio após episódio.
Disse que fiquei com inveja de não se passar em Lisboa, mas é só dor de cotovelo. As paisagens são tão deslumbrantes, tão fantásticas, e funcionam tão bem na história que não imagino isto noutro lado, e com certeza que as paisagens também contribuíram para o sucesso da série.
Por falar em paisagens, foi aqui que a credibilidade foi desafiada. Os Açores não são o deserto do Novo México. É preciso querer acreditar que tudo aquilo podia acontecer sem que aparecesse um pescador, um turista, um guardador de vacas, ou que qualquer pessoa pode subir por um farol acima, por exemplo. As testemunhas incautas que surgiam em lugares inesperados, até no meio do deserto, tornaram-se mesmo num dos elementos mais dramáticos de "Breaking Bad". Também não fiquei convencida com aquela troca de carro. É muito estranho que numa ilha, naquele ambiente de pobreza, conseguissem arranjar duas carrinhas precisamente iguais em tão pouco tempo, e com a mesma capota e com o mesmo crucifixo. Já nem falo da matrícula, porque algumas pessoas topam logo pela matrícula que não é o carro que elas conhecem. (Seria mais credível terem ali dois ou três populares a trocar o que ia na carrinha.)
"Rabo de Peixe" foi renovado para uma segunda temporada, e confesso que estou apreensiva. Esta foi uma grande história, bem contada, e, na minha opinião, bem resolvida. Receio muito a "maldição" da segunda temporada.
Agora uma nota sobre a banda sonora. Ganda bosta de banda sonora. Mas não culpo quem a escolheu. Isto era efectivamente a música que se ouvia na rádio na altura (na sua maioria). Compare-se com a banda sonora de "Yellowjackets", tudo êxitos dos anos 90, e temos aqui um bom exemplo do declínio da música mainstream a partir do ano 2000. (E não estou a falar de cenas alternativas, estou mesmo a falar da música dos tops de vendas, da música de massas.) Mas a série não tem culpa disto.
"Rabo de Peixe" é uma série de qualidade acima da média que merece o sucesso que teve e que nos pode deixar muito esperançosos quanto ao futuro da ficção televisiva.
(Para quando algo do tipo "Midnight Mass" à portuguesa? É que depois de ver isto, até dava, é que dava mesmo. Não estou a sugerir uma cópia, estou só a dar ideias.)
E aprendi quatro ou cinco palavrões que não conhecia, entre eles blica e naião, para não me esquecer.
E outra que eu também não sabia: rapexinho, natural de Rabo de Peixe.


ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes

PARA QUEM GOSTA DE: acção, drama, policial, Breaking Bad, Pulp Fiction

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Brahms: The Boy II / The Boy: A Maldição de Brahms (2020)

Não gosto de ver uma sequela sem ver o original, mas neste caso aconteceu. Daquilo que li nas críticas, no entanto, também me parece que uma história não tem nada a ver com a outra.
Depois de um assalto em casa, o casal Liza e Sean e o filho Jude decidem mudar-se para o campo, arrendando um anexo numa propriedade antiga (onde se passou o filme original). Jude ficou tão traumatizado que deixou de falar, mas, ao descobrir o boneco a que dá o nome de Brahms (o boneco sinistro na imagem), começa a conseguir falar com ele, para alegria dos pais. Mas, de seguida, Brahms começa por ditar uma série de “regras”, como, por exemplo, não ter visitas e comer sempre com a família à mesa. A princípio Liza pensa que estas regras vêm de Jude, mais uma forma que ele tem de expressar o trauma, mas à medida que o tempo passa começa a desconfiar cada vez mais do boneco que o filho encontrou enterrado no chão, como se lá tivesse sido posto de propósito, e que parece estar a apossar-se de Jude a ponto de o miúdo se querer vestir como Brahms. É então que Liza decide investigar a história da propriedade, e faz descobertas inquietantes: em todas as famílias que tiveram o boneco Brahms, o filho matou os pais.
As críticas foram muito más para este “Brahms: The Boy II”, acusando-o de ser apenas um filme com um boneco sinistro. Pois foi mesmo disso que eu gostei, apenas um filme com um boneco sinistro sem os desvarios dos efeitos especiais do costume, e mesmo assim conseguindo manter uma atmosfera tensa até ao fim.
Também penso que este Brahms daria um óptimo namorado para Annabelle. Foram feitos um para o outro.

12 em 20


domingo, 10 de agosto de 2025

47 Meters Down: Uncaged / 47 Metros: Medo Profundo (2019)

Quatro amigas adolescentes decidem mergulhar nas ruínas de uma cidade Maia submersa pela subida do oceano, só para se verem encurraladas e rodeadas de tubarões-brancos.
Este filme vem na sequência de “47 Meters Down” mas a história é completamente diferente. Em comum, apenas duas irmãs, como no original, e mais um pormenorzinho de que falarei à frente. O pai destas duas irmãs é um mergulhador que anda precisamente a preparar as grutas inundadas da cidade Maia, no México, para uma exploração arqueológica. Aliás, ele não é o único, faz parte de uma equipa de mergulhadores (vai ser importante depois). Esta equipa não é muito cuidadosa com o sítio onde deixa o equipamento de mergulho, e as quatro amigas encontram-no na lagoa onde vão nadar. Ao ver o equipamento, uma delas convence as outras a visitarem as ruínas submersas, onde um dos membros da equipa já a tinha levado antes. A ideia é entrarem na primeira câmara e apenas nessa, mas uma vez nas ruínas uma das raparigas assusta-se com um peixe cego que se assanha a ela (sim, o peixe assanha-se*), vai de encontro a uma coluna, a coluna cai, e ao que parece isto causa a abertura de uma nova passagem. Desta nova passagem aparece um tubarão-branco dos grandalhões, mas cego como o peixe, que ao investir contra as raparigas provoca o desabamento da entrada por onde elas vieram. Agora elas estão encurraladas, as botijas de oxigénio estão a esgotar-se, aparecem mais tubarões, e as raparigas têm de descobrir uma outra saída no labirinto que são as ruínas Maias. O pormenor semelhante ao do filme anterior, em que as irmãs acreditavam que os tubarões tinham medo dos very lights (não têm), é que a certa altura as raparigas pensam que os tubarões têm medo de um localizador de mergulho que emite um sinal sonoro e luminoso (mas aparentemente também estão enganadas).
O resto é o que se espera de um filme de tubarões, mas há aqui muita coisa sem pés nem cabeça. Para começar, as raparigas teorizam (têm equipamento de mergulho que lhes permite comunicar, ou permitiria se o equipamento fosse realista…) que os tubarões evoluíram nas grutas e que por isso são cegos. Ora, eu não estava à espera que as raparigas, naquela situação aflitiva, se pusessem a conferenciar sobre a evolução dos tubarões, mas isto não faz sentido nenhum. Mesmo que os tubarões tivessem perdido a visão em centenas de anos (os Maias não são assim tão longínquos), o ecossistema das grutas não tinha alimento que chegasse. Estas ruínas foram escavadas na rocha e serviam de catacumbas (embora os personagens se tenham referido a elas antes como “cidade”). Que tamanho poderiam ter estas catacumbas subterrâneas que permitissem a subsistência e movimentação de tubarões de 6 metros, que exigem tanto espaço? Um campo de futebol, dois, três, quatro? E, mais importante de tudo, como é que a equipa de mergulhadores, que já andava a trabalhar nas grutas há bastante tempo, nunca se apercebeu da presença de tubarões de 6 metros mesmo ali ao lado, e não descobriu antes a passagem que parecia afinal tão fácil de derrubar? Sobre os tubarões propriamente ditos, se eram cegos e caçavam por ouvido e por vibrações na água, porque é que tinham tanta dificuldade em localizar as raparigas que não paravam de gritar a torto e a direito e faziam tanto estardalhaço? Estes pobres tubarões já deviam ter morrido de fome a tentar apanhar os peixes assanhados, que ainda assim eram mais silenciosos.
Como se vê, este é daqueles filmes que criaram um cenário sem preocupações com o realismo só para lá porem as raparigas e os tubarões. O fim, então, é para achar ridículo ou para rir às gargalhadas, o que acontecer primeiro. Filmes de tubarões não precisam de muito enredo mas “47 Meters Down: Uncaged” exagerou um bocadinho. Não há aqui nada para ver excepto tubarões a comer pessoas (mas isso já era de esperar) num cenário delirante. Personagens, enredo, drama, lógica, nada disso pesou em consideração. Mas se querem ver um peixe assanhado, é aqui.
Por último, o CGI dos tubarões é tão mauzinho que não consegui arranjar uma imagem decente para ilustrar o post sem que eles parecessem bonecos de plástico, o que já diz tudo.

* Sim, o peixe assanha-se e grita com a rapariga. Eu nem reparei nisto, pensei que tinha sido ela a gritar, como efectivamente grita, mas depois de ler algumas críticas que salientam este pormenor fui ver de novo e de facto o peixe grita. Já os tubarões estão caladinhos para não fazerem figuras tristes. O grito do peixe lembra-me aquela música dos Trovante: Onde as bruxas dançam, / quando os mochos amam / E as pedras choram. E os peixes gritam.

12 em 20 (mais um ponto porque o peixe grita)

  

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Crise, qual crise - habitação

Há muito tempo que não falava de política/sociedade. Ora cá vai um apontamento da actualidade.
Eu devo ser mais lenta do que pensava. Finalmente consegui perceber o que é afinal a Puta da Crise Crónica - Crise, Qual Crise?, sobre a qual ando aqui a escrever há anos.
Tenho ficado muito perplexa com a "crise da habitação". Mas qual crise? As casas estão caras, não se consegue arrendar? E onde é que está a novidade? Qual é a diferença agora? Nos anos 60 e 70 a minha tia arrendava um apartamento de várias assoalhadas em Lisboa com os quartos todos "alugados". Um estivador aqui vizinho "arrendava" uma despensa de pátio onde só cabia uma cama de molas e um fogão de campismo. Outro vizinho vivia num armazém de refugo de madeira (antigo palheiro para animais de manjedoura), exíguo, de uma fábrica quando havia fábricas em Lisboa. Vivia-se assim, sempre foi normal. E havia barracas, sim havia, nos arredores. O palheiro sempre era mais perto do local de trabalho.
De repente, fez-se um clique, um momento EUREKA. Só se chama crise quando afecta a classe média. Quando (ainda só) afecta os pobres não faz mal, é normal, "não estudaram/não querem trabalhar". Mas quando toca nos filhos daqueles que conseguem arrendar e pagar empréstimos, aí já é crise. Percebi.
Isto já aconteceu com a crise do emprego precário, nos últimos 20 anos, quando os filhos da classe média saíram das faculdades e não conseguiam arranjar nada sem ser a recibos verdes (hoje recebem o ordenado mínimo). Pensei que, sei lá, as pessoas tivessem aberto a pestana. Afinal não.
Não é crise quando só afecta os filhos dos pobres. Está esclarecido.
 

domingo, 3 de agosto de 2025

Finisterra (2025)

No barlavento algarvio, em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, um avião aliado despenha-se e a neutralidade de Portugal é questionada.
Isto é muito interessante, mas, lamento, isto não tem quase relevância nenhuma para o enredo. O aviador inglês (ou seria americano, já não sei) é devolvido, fim da história da guerra. Tirando alguém que é espião, mas isto também não tem relevância nenhuma, é só pano de fundo.
"Finisterra" é a história de Celeste, que é considerada bruxa pela superstição local, a ponto de ela própria se questionar se tem o "mal". Isto também é interessante, mas a série foi-me vendida como sobrenatural. Ora, lamento, de sobrenatural isto não tem nada. O que se passa aqui é uma bruxa/vidente de província, aparentemente com um livro de São Cipriano e veneno de formigas, a liderar um culto daquilo que na altura se apelidava de satânico, com orgias e bebidas perigosas, mas de verdadeiro satânico também não tem nada. O problema das pessoas deste tempo é que não tinham televisão, nem sequer rádio, nem sabiam ler, e inventavam estas coisas para se entreterem, e quem os pode censurar.
Não estou a dizer que não gostei da série. "Finisterra" criou toda uma atmosfera do que a representação da realidade podia ter sido, sem ser exactamente realista. O fim também foi inesperado, não estava nada à espera daquilo. As cenas da gruta foram um bocadinho "isto deve ter caído aqui de outro filme", mas aceito. No final de cada episódio temos um testemunho verdadeiro de pessoas que viveram na época. Penso que os criadores tentaram inventar uma história que englobasse esses testemunhos.
Os meus problemas com a série não têm a ver com o enredo mas com a execução. Aconteceu-me muitas vezes não perceber o que estava a acontecer. Antes que me venham com desculpas, ter clareza de narrativa não é "guiar o espectador pela mão", é mesmo clareza de narrativa. Por exemplo, ouvimos bombas a cair mas não as vemos, e custou-me perceber que a casa do monte tinha sido atingida. Também não parecia uma casa atingida por uma bomba, para ser franca. Parecia mais chamuscada pela queima de lenha ou algo assim. Isto pode ser por questões de orçamento, e compreendo, mas nesse caso talvez fosse boa ideia ter alguém a verbalizar que a casa foi atingida. Como isso me escapou completamente, perdi partes importantes da lógica das consequências e tive de voltar atrás para ver de novo. Outras coisas não percebi mesmo. Por exemplo, naquele monte algarvio não crescia nada e Celeste era acusada de ser a causadora disso, por ser bruxa. Mas a certa altura vemos a madrinha dela a pôr qualquer coisa no chão, seria sal? Ou seria apenas a viúva a demonstrar o seu ódio pela terra? Sinceramente, não percebi e desisti de perceber. A relação de parentesco também é esquisita. Há aqui muitos pais e muitas mães desaparecidos, e quem era mesmo o pai da outra e do outro afinal, etc.
Mas o que me chateou a sério foram os diálogos que não consegui perceber. Depois de ponderar muito se seria problema de som ou de dicção, uma vez que consegui perceber perfeitamente as palavras de Salazar na rádio, e que até consegui perceber melhor os testemunhos com sotaque e com mau português, e que percebi tudo o que diziam alguns actores, como Miguel Guilherme, tenho de concluir que o problema é mesmo a dicção dos outros actores. Estou a dizer isto como crítica construtiva, a dicção é importante. A naturalidade das falas não as pode tornar incompreensíveis. Já não é a primeira vez que bato nesta tecla, mas faço isto com boas intenções. Afinal, quem beneficia de boas séries sou eu, a espectadora. Custou-me muito acompanhar os diálogos dos actores principais e tenho a certeza de que isto contribuiu para perder o fio à meada da narrativa (isto, e as deficiências da narrativa).
Outro exemplo foi quando os homens andavam a fazer a mó. Desculpem a ignorância, mas só percebi o que eles estavam a fazer no testemunho do final. Durante a cena, porque nunca tinha visto nada semelhante, passou-me pela cabeça se andavam a colocar ou a tirar uma mina (por causa da guerra) ou se estavam a fazer um altar ritual (por causa da bruxaria). Enquanto tentava decifrar o que eles andavam a fazer, e porquê, e como é que se relacionava com o resto, entretanto já tinham passado 10 minutos e mais enredo a que não consegui prestar a atenção devida. Uma vez que isto é uma coisa antiga, talvez pudesse ter sido explicada a espectadores mais novos e citadinos. Por falar nisso, também me custou perceber o que é que o padrinho de Celeste lá andava a fazer com eles, porque não era o trabalho dele. Se bem compreendi, ele andava a tentar ganhar dinheiro em biscates porque o campo dele não produzia. Ora, juntando a minha ignorância quanto à mó, os diálogos que não percebi, à tentativa de estabelecer ligações entre o enredo da guerra e das bruxas, fiquei ali à nora.
Até aconteceu uma coisa um pouco cómica. Existe um personagem, penso que chamado o Parvo (lá está, custou-me perceber o que lhe chamavam), que vive como maluco selvagem nas grutas da praia. Quando ele apareceu, logo de início, pensei que era outro aviador naufragado antes e afectado das ideias. Quando Celeste o manda ir embora, pensei que estava a mandá-lo esconder-se de alguém que andasse à procura dele para o entregar aos alemães. Inventei isto tudo, admito, porque estava a tentar encontrar um fio condutor entre a história da guerra e a história da protagonista (mas não há fio condutor). Este personagem desaparece completamente e volta a aparecer no fim, quando já não me lembrava dele. Mas ainda estava convencida de que era um aviador naufragado. O Parvo é o único que tem desculpa para não falar como deve ser, mas a parte engraçada é que pensei que ele estava a falar inglês (e eu também não compreendia). Na realidade ele estava a dizer "o mar bate na terra". Mas isto fez-me rir. Esta coisa do aviador escondido também pode ter vindo do "Alô Alô" e de filmes de náufragos, confesso.
A série podia ter sido mais agradável de ver se não fosse isto tudo. Vou ser muito honesta, "Finisterra" pareceu-me, para o bem e para o mal, um daqueles filmes experimentais do cinema português em que o valor artístico é mais importante do que a lógica. Mesmo assim, gostei dos temas principais, da ambiência da época, das partes bem feitas, e acho que vale muito a pena.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: drama, bruxas, séries de época