domingo, 31 de agosto de 2025

Wolf Creek (2005) vs série

Três turistas na Austrália encontram um destino macabro.
Eu receava que ter visto a série primeiro me estragasse o filme. Qual não foi a minha surpresa quando descobri aqui no arquivo que já tinha visto o filme, que já tinha escrito sobre ele, e que dei a mesma nota que ia dar agora. Tal como me parecia, é mais fácil esquecer um filme do que uma série. Uma série, tal como um livro, dá-nos literalmente mais tempo para conviver com os personagens, para os conhecermos, para nos causar impacto. Vou escrever outra vez sobre o primeiro filme "Wolf Creek" da perspectiva de quem viu a série.
Algumas pessoas não vão gostar do início do filme. A acção propriamente dita só começa lá para metade, mas eu acho que se justifica que assim seja. Para se compreender perfeitamente o horror que se segue é preciso dar uma ideia muito clara da vastidão do Outback australiano, difícil de imaginar para quem não conhece, horas e horas a conduzir no deserto sem se encontrar uma única pessoa na estrada ou qualquer vestígio de civilização. Este início faz precisamente isso: eles conduzem, conduzem, passam pela última bomba de gasolina, e continuam a conduzir. As imagens aéreas da paisagem, tão inclemente como deslumbrante, contribuem para esta percepção de que o próprio deserto pode ser letal se tiverem um acidente. Ao mesmo tempo, ficamos com a noção de que são pessoas completamente normais, que não fizeram nada para merecer o que lhes acontece.
Os três amigos vão visitar Wolf Creek, a cratera de um meteorito que existe na realidade. A certa altura há uma vaga alusão ao sobrenatural, quando uma das raparigas questiona porque é que o meteorito caiu precisamente ali, como se algo de maléfico o tivesse atraído (o que volta a ser abordado na série), e o rapaz conta algumas histórias de encontros imediatos, mas felizmente é apenas uma questão de sugestão psicológica. Um dos aspectos que me fazem gostar desta franchise é que não existe sobrenatural, nem aqui faz falta nenhuma.
Enquanto eles exploram, a bateria do carro fica descarregada, ao mesmo tempo que os relógios param, talvez por causa do meteorito, ou talvez não, porque se fosse um fenómeno conhecido o local não estava nos roteiros turísticos, como é o caso. Por outro lado, conhecendo o método de operar de Mick Taylor, não é de estranhar que tenha sido ele a sabotar o carro, mas isso não explica os relógios.
Obviamente, Mick aparece para os "ajudar" e rebocar, mais uma vez durante horas e horas, para ainda mais longe da civilização. Já tendo visto este filme uma vez (apesar de esquecido), e depois de ter visto a série, esta parte ainda me arrepiou mais.
No longo início do filme os turistas confrontam-se com personalidades "rústicas", mal-encaradas e malcriadas, e imagino o espectador a tentar adivinhar qual destes vai ser o assassino, mas nada nos pode preparar para um psicopata sádico como Mick Taylor.
Como disse aqui na primeira crítica, podia acontecer a todos. Um acidente, um campónio prestável, um pouco bronco mas aparentemente bem-humorado e de riso fácil, qualquer pessoa dava o "desconto". É precisamente este sentimento de inferioridade que faz Mick odiar os forasteiros. Ou melhor, que lhe serve de desculpa para os torturar e assassinar. Neste primeiro filme há sugestões de uma componente sexual subjacente, mas percebe-se claramente que não é essa a principal motivação de Mick Taylor. Mick, um caçador, não tem um pingo de empatia e usa a tortura para se divertir. Do que ele gosta mesmo é de infligir medo, dor e morte, de capturar e torturar seres humanos, e gosta de o fazer durante dias, semanas ou meses, conforme eles "durem", segundo o próprio. Depois de ver a série sabemos que Mick não se mete com os locais, apenas com os turistas e forasteiros com a "mania de que são bons", que quase vão ali "provocá-lo". Mas também sabemos que não passa de um pretexto.
A certa altura, a protagonista tem uma hipótese de o matar mas apenas o deixa inconsciente. Isto é muito comum em filmes de terror, mas aqui faz todo o sentido. A protagonista está em estado de choque com os horrores a que assistiu e só quer fugir dali o mais depressa possível, não tem o discernimento nem o sangue frio para planear mais além. Mais uma vez, o longo início ajuda a estabelecer este estado de espírito de turista normal, numa onda de descontracção, a divertir-se com os amigos, que subitamente se depara com um cenário de terror.
"Wolf Creek" é vagamente baseado nos crimes reais de um serial killer que assaltava e matava turistas no Outback australiano. As autoridades não sabem ao certo quantas foram as vítimas. Acho que este primeiro filme conseguiu estabelecer perfeitamente como é que foi possível. Mick Taylor é como um espírito do mal neste território inóspito, que se funde na paisagem como um camaleão, que mata impunemente há décadas sem deixar rasto. Há muitos filmes sobre turistas apanhados por serial killers em sítios ermos, mas o que distingue "Wolf Creek" é o deserto da Austrália, ele próprio uma personagem hostil à vida onde é fácil desaparecer para sempre.

Nota: Já depois de escrever este artigo li algumas críticas da altura que acusavam o filme de misogenia. Posso garantir, especialmente depois de ver a série, que Mick Taylor não é só misógino. Mick Taylor é misógino, é racista, é xenófobo, é homofóbico, mas não é pessoa de discriminar: odeia todos os turistas e tortura-os a todos igualitariamente.

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