Jamie, um miúdo de 13 anos, é preso por homicídio, para grande choque dos pais e dos adultos em sua volta. A investigação revela que Jamie tinha sido radicalizado por conteúdos de masculinidade tóxica em comunidades online de incels.
O grande tema desta série é o fenómeno dos incels (involuntary celibataires, celibatários involuntários), mas penso que não explicou o suficiente. Também não o vou fazer, porque é uma questão complexa e demasiado extensa para este post. Resumidamente, estas comunidades online começaram nos Estados Unidos e têm vindo a alastrar por todo o lado, especialmente entre os mais jovens. Em bom português, incels são gajos que não conseguem arranjar gajas e não sabem porquê, e vão à internet e dizem-lhes que a culpa não é deles, são as gajas que são más. Aconselho a toda a gente que leia aprofundadamente sobre isto, principalmente gente jovem ou que tenha filhos jovens.
Já comecei a ler sobre incels há meia dúzia de anos e é de ficar de boca aberta. Em suma, são gajos a tentar convencer-se uns aos outros de que um homem baixinho, gordinho e/ou careca, ou que não seja rico, não tem qualquer hipótese de ter sexo com uma mulher e vai morrer virgem. Isto é culpa das mulheres, que são umas cabras e só querem homens atraentes e/ou com dinheiro. Quando lhes apontam exemplos do quotidiano daquele fulano baixinho, gordinho ou careca, com um salário médio, que tem uma família e três filhos, desvalorizam. Já estão tão submersos por essa mentalidade que não conseguem admitir que se calhar são eles que não estão a fazer o esforço e a aprendizagem necessária porque querem que uma namorada lhes caia no colo sem mexerem uma palha. O mais irónico disto tudo é que os incels não sabem que são misóginos. Na verdade, não querem uma namorada, querem um objecto sexual, tratam as mulheres como tal e admiram-se que as mulheres não queiram nada com eles.
O que é mais hilariante ainda é que os incels querem namoradas atraentes. Podem ser baixinhos, gordinhos e carecas, mas a namorada tem de ser uma boazona. Ora, eu também queria o Brad Pitt, de preferência no papel de Louis de Pointe du Lac em "Entrevista Com o Vampiro", onde é que o encomendo? O quê, não posso encomendá-lo? Que chatice. A culpa é dele. Só quer gajas ricas e boazonas.
Isto é engraçado, excepto quando a mentalidade se radicaliza. Alimentados por este discurso violento contra as mulheres, alguns homens começam a acreditar que a "culpa" das mulheres justifica igualmente comportamentos violentos, incluindo agressão e violência sexual, e é aqui que a questão se torna muito grave. Mulheres, especialmente vocês, miúdas, cuidado com isto. É mesmo para levar a sério.
Nada disto é novo. Eu chamo-lhe uma mistura do velho machismo com uma certa cultura facilitista de hoje em dia em que os miúdos têm tudo de mão beijada, elevado ao expoente das redes sociais onde podem entrar em echo chambers que lhes amplificam as teorias absurdas. É muito mais fácil acreditar que a culpa não é deles, é delas. Quanto mais jovens são, mais fácil é cair nesta espiral de pensamentos agressivos, que é o que acontece ao protagonista de "Adolescence".
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Mas antes de voltar à série, aproveito para contar uma história verdadeira que se passou comigo, tipo serviço público.
Desde que ando na internet tenho conhecido muita gente online, homens e mulheres. Antes disso já conhecia gente através de pen pals (amigos de correspondência). Sempre fui muito cuidadosa e nunca tive problemas. Há cerca de 20 anos, muito antes dos incels, aconteceu-me um caso "caricato". Conheci um gajo online, não da cena gótica, mas alguém com inteligência e cultura geral o bastante para passar as minhas barreiras. Como era uma pessoa que gostava de música alternativa, convidei-o para uma festa onde eu ia e aconteceu a seguinte conversa por sms:
Ele: "Eu vou buscar-te a casa."
Eu: "Não é preciso. A gente encontra-se lá."
Ele: "Não sei muito bem onde é."
Eu: "Eu mando a morada e digo-te os autocarros."
Ele: "Eu vou de carro. Diz-me a tua morada e eu vou buscar-te."
Alarme!!! De carro com um desconhecido? Era só o que faltava. Mas, dando o benefício da dúvida, talvez seja uma pessoa dos subúrbios que acha que é perigoso para mim, talvez um cavalheiro. Vou dar outra hipótese:
Eu: "Não, a gente encontra-se lá."
Ele: "Tu não vais. Vais dar-me uma banhada."
ALARME!!!! Ok, isto não é um cavalheiro. Isto é um gajo que está a tentar controlar-te, a querer saber a tua morada, a querer meter-te num carro sozinha com ele, e quando recusas ainda se faz de vítima. Amigas, isto pode ser um predador. Machista (uma mulher não pode andar sozinha à noite sem a companhia de um homem), controlador (dá-me a tua morada ou nada feito) e manipulador (tu és má e queres gozar comigo), terminando em insulto/agressão psicológica (tu és mentirosa). A conversa acabou ali. Isto surpreendeu-me porque a pessoa não era nenhum mentecapto. Eu não estava à espera, sinceramente, mas é assim que a gente os apanha. Ser mulher é perigoso. Os malucos andam por aí.
É pena que os justos paguem pelos pecadores, e peço desde já desculpa a todos os gajos porreiros que têm de passar "testes", mas compreendam, é mesmo perigoso. Aliás, acho que os gajos porreiros compreendem que é perigoso.
A mentalidade incel perigosa não é nova, saiu destes pressupostos de sempre: machismo, mentalidade de que o homem controla a mulher, manipulação, agressão psicológica ou física.
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Voltando à série. Se por um lado é verdade que encontrar estas comunidades online contribuiu para radicalizar um miúdo de 13 anos, um miúdo que ainda não tem idade para ter medo de ser feio, baixinho ou careca porque ainda nem cresceu tudo, por outro lado Jamie é um sociopata em desenvolvimento. Na conversa com a psicóloga, primeiro tenta manipulá-la. Quando não consegue, porque ainda não desenvolveu a técnica, recorre a toda a intimidação física que é possível no momento. A sociopatia não é um bicho que se apanha online. Este puto é um sociopata em desenvolvimento, um mentiroso, um manipulador, um narcisista sem empatia. A série recorreu às comunidades de incels para abordar o assunto, o que é bastante premente na actualidade, mas um sociopata sempre foi um sociopata.
Tive pena da família que se culpa por não ter prestado mais atenção, por ter errado. Como os casos reais nos demonstram, muitas vezes o ambiente familiar não tem nada a ver, mas é doloroso assistir a uma família a passar por isto. Foi a parte que realmente me atingiu.
"Adolescence" é uma série difícil de ver mas recomendo a toda a gente, especialmente jovens e pais.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: drama, crime, sociopatas, policial
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