domingo, 26 de janeiro de 2025

Wolf Creek (2016 - 2017)

“Wolf Creek” é uma série de duas temporadas baseada nos filmes homónimos. Eu não vi os filmes e não sabia o que estava a perder. Porque a série, forçosamente, contém spoilers, aconselho a ver os filmes primeiro.

Primeira temporada
Uma família americana está a acampar na Austrália junto a um rio. O miúdo mais novo vai andar de colchão de água e é atacado por um crocodilo. Surgido do nada, um caçador mata o crocodilo com um único tiro. À noite, ao jantar com a família, o estranho mata o pai e a mãe com uma faca de mato e o miúdo com uma espingarda. Resta a filha adolescente, Eve, que é alvejada mas consegue escapar.
Este estranho é Mick Taylor, um serial killer que odeia turistas e que há décadas colecciona vítimas no grande Outback australiano. Mick é um verdadeiro “personagem”, de meia idade mas mais alto e mais forte do que parece, um chapéu à Freddy Krueger, umas patilhas grisalhas e um risinho irritante ainda antes de se tornar sinistro, e tão sujo e transpirado que o cheiro nos chega através do écran. Mick Taylor também tem por hábito fazer piadas sem graça nenhuma, ofensivas a tudo e todos. Psicopata dos piores, sádico sem escrúpulos e desprovido de empatia, Mick mata indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, como quem elimina uma espécie invasora (aliás, como ele se refere aos turistas). Na verdade, Mick não mata apenas turistas, mas estes são os mais fáceis de fazer desaparecer, não têm família ou conhecidos no país e só se dá por falta deles passado algum tempo. É sugerido, em algumas cenas, que Mick queira também aproveitar-se sexualmente das mulheres que captura, mas percebe-se que esse é um interesse secundário, se é que chega a ser um interesse. O que ele quer mesmo é matar, e em alguns casos torturar antes de matar. Porque é que a polícia ainda não o identificou? Porque Mick não deixa pistas no local do crime e não faltam sítios na vastidão do mato, rios e deserto australiano onde fazer desaparecer um corpo, seja por cortá-lo aos pedaços e dá-lo aos crocodilos ou simplesmente deixá-lo ficar no fundo de uma ravina onde ninguém vai sem motivo. Mick aparenta “aparecer e desaparecer” do nada, quase fantasmagórico, porque conhece o terreno a fundo e usa toda a sua experiência e auto-confiança para surpreender as vítimas. A polícia sabe dos inúmeros casos de turistas desaparecidos mas não tem qualquer indício que aponte para homicídio.
Isto muda quando Eve sobrevive e relata à polícia o que aconteceu, fornecendo mesmo uma descrição de Mick e da sua carrinha azul-clara. Nem todos os polícias acreditam na versão de Eve, considerando que o caso possa ter sido um homicídio-suicídio, mas o detective Sullivan Hill (Dustin Clare, o Gannicus de “Spartacus”, alguns anos mais velho mas ainda com figura de gladiador), que há muito tempo estuda os desaparecimentos, leva-a a sério.
Eve não é uma adolescente vulgar. É uma atleta de pentatlo olímpico, em plena forma mas com uma adicção a analgésicos, que se culpa pela morte dos pais e do irmão uma vez que estavam a fazer aquela viagem por causa do seu problema. Quando Sullivan lhe diz que localizar e prender Mick vai ser muito improvável, já para não falar da dificuldade em condená-lo sem provas para além do testemunho dela (os corpos nunca são encontrados e o veículo da família aparece queimado), Eve decide não voltar a casa e pôr-se ela própria à procura de Mick. Os pais de Eve eram polícias e ela tem conhecimentos de investigação criminal. Para começar, consegue roubar o dossier de Sullivan com os casos dos desaparecidos e dirige-se aos locais onde estes foram vistos pela última vez.
No caminho, numa carrinha muito velha (e esconderijo de droga sem que ela saiba), Eve tem o azar de chocar contra um carro de polícia. Isto leva-a à esquadra, onde entra em contacto com traficantes de droga. Uma vez que a polícia lhe apreendeu o passaporte e o dinheiro, Eve foge da prisão e rouba os traficantes, que imediatamente a perseguem também.
A princípio Eve tem o benefício de seguir Mick sem que ele saiba que ela sobreviveu, mas, à medida que ela vai questionando pessoas por onde passa, alguém acaba por informá-lo de que andam à sua procura. Começa um jogo perigoso do gato e do rato em que Mick tem toda a vantagem.
“Wolf Creek” tem outra personagem sempre presente: a Austrália e as suas paisagens inóspitas, desérticas, belas e perigosas. Vale a pena ver a série só pelos cenários e pelos ambientes tensos que se vivem nesses ermos. Sullivan diz que as pessoas vão para “O Território” (norte da Austrália) para desaparecer, e isso explica a sua relutância em falar quando se nota claramente que sabem mais do que dizem. Nesta cultura de silêncio ninguém se quer meter na vida alheia, especialmente a dos estranhos de passagem, o que joga igualmente em favor de Mick.
A série pode ter sido um bocadinho exagerada na maneira em que retrata os personagens masculinos. Dos homens que cruzam o caminho de Eve, dois querem violá-la (um deles à troglodita: “preciso de uma mulher, dá-me filhos”), Mick quer matá-la (e possivelmente torturá-la também) e apenas um se aproveita como pessoa decente. Não conto o polícia porque era só o que faltava que o polícia não a tratasse com profissionalismo. Ora, eu sei que os homens não são santos, mas esta estatística está um bocadinho deturpada. Por outro lado, os predadores seguem as vítimas aos locais onde elas estão mais vulneráveis, e Eve não podia estar mais vulnerável do que no deserto.
Falando da polícia, não é injusto dizer que as autoridades não fizeram o trabalho que deviam e ficam muito mal na fotografia. Não sei se é mesmo assim na Austrália, mas um dos carros de uma vítima, cheio de sangue e tudo, logo, uma cena de crime, foi deixado à beira da estrada onde o encontraram, nem sequer o levaram para análises forenses. Isto é facilitar a vida a Mick.
Eve comete dois erros típicos de filme de terror. A dado passo, quando já é Mick quem anda à caça dela, este mata o único polícia de serviço numa esquadra de interior. É a primeira vez que o vimos deixar um corpo. Eve tem ali a prova tangível de que precisava mas não aproveita a ocasião para chamar ajuda. Verdade seja dita, por esta altura ela já não está a agir com racionalidade, já não quer apenas que Mick seja apanhado, quer matá-lo ela própria. E finalmente, quando tem a oportunidade, comete o erro do costume de presumir que ele já está morto em vez de o matar de vez e bem morto. Obviamente, Mick não está morto porque há uma segunda temporada.
Não vou dizer o que acontece a Eve. Se por um lado ela não o conseguiu matar, por outro foi a primeira vez que Mick foi exposto às autoridades como assassino, com descrição e tudo. Agora Mick já não é invisível, é um homem procurado.


Segunda temporada
Mick tem perfeita consciência de que é um homem procurado e já nem se desloca na sua carrinha azul-clara quando tem de ir à “civilização”. O primeiro episódio mostra-nos a que ponto ele está irritado por saber que já o toparam. Mas entre saber que ele existe e saber onde ele está, num “deserto do tamanho do Texas”, como ele diz, vai uma grande diferença. Como se descobriu na temporada anterior, Mick tem a sua base de operações em Wolf Creek, uma cratera causada pela queda de um meteorito (que existe na realidade). Em tal ermo, a 500km da civilização, nada o impede de continuar a matar impunemente.
Desta vez, Mick descobre um autocarro cheio de turistas que vai visitar o Outback australiano. Depois de uma troca de palavras com o motorista, em que Mick se sente ofendido mas na verdade é uma desculpa, Mick mata o motorista, toma o lugar dele e desvia o autocarro para o deserto. De seguida deixa os turistas abandonados para começar a “caça”.
Gostei que o primeiro episódio se focasse especialmente nos personagens, para termos tempo de os conhecer e conseguirmos preocupar-nos com eles antes de começarem a morrer, como já sabemos que vai acontecer. Um dos passageiros é um geek que só fala de carros, coitado, e que é uma seca ambulante. Tive logo pena dele, porque a não ser que a série nos surpreendesse muito ele seria dos primeiros a ir. Não esperei é que fosse tão depressa, mas o desgraçado tem o azar de dar uma seca a Mick a falar dos melhores veículos para o deserto, e se o coitado é capaz de torrar a paciência a um santo, Mick não é nenhum santo. Visto assim, até foi cómico, mas tive pena do infeliz.
Os turistas são muito diversos: uma família alemã com uma filha adolescente, um casal gay, outro casal a tentar salvar o casamento, duas amigas canadianas, um veterano de guerra americano, um blogger de sucesso (que inveja), um psiquiatra forense especialista em assassinos. Quando se encontram abandonados no deserto as opiniões dividem-se quanto ao que fazer. Dois deles, o marido de Rebecca e o parceiro de Steve, os mais aptos para caminhadas, decidem ir investigar o terreno e procurar Mick, que julgam o motorista substituto. Entretanto, no autocarro, os restantes encontram o corpo do motorista escondido no vagão refrigerador, e instala-se o pânico. Agora é uma questão de colocarmos as nossas apostas. Quem se vai safar? Eu tinha fé no veterano de guerra, o único com as competências necessárias para travar uma verdadeira batalha contra um inimigo armado que domina o terreno, ou em Brian, o psiquiatra forense, ou em Rebecca, que é sempre mostrada como uma mulher de acção e iniciativa, principalmente quando o marido nunca regressa da exploração (porque deu de caras com Mick).
A situação dos turistas é mais desesperada e impotente do que na primeira temporada. Perdidos no deserto, expostos ao sol escaldante e às tempestades nocturnas, sem telemóveis, sem comida e sem água, Mick só tem de os caçar um por um antes que eles se matem a eles próprios. Nina, a alemã de meia-idade, consegue a proeza de deslocar um ombro e ser mordida por uma cobra venenosa em menos de 24 horas. Brian, que também reconhece em Rebecca maiores hipóteses de escapar, sugere-lhe que deixem os outros para trás, e tem esta conversa de abandonar os mais fracos tantas vezes que a certa altura desconfiamos se ele não é um psicopata também. Brian argumenta que naquela situação limite vale a lei da sobrevivência do mais forte, ao que Rebecca retorque que o ser humano não age pela sobrevivência individual mas antes pela preservação da espécie como um todo. Mas, se é para filosofar, Rebecca está a ser hipócrita e Brian tem razão. Para o grupo ter mais probabilidades de sobreviver, um dos mais fortes teria de tentar fugir sozinho e pedir ajuda, aliás, como a própria Rebecca reconhece no fim, já para não falar em denunciar Mick para benefício de toda a humanidade. Rebecca não está a pensar no melhor para todos coisa nenhuma, está somente fixada em encontrar o marido se este ainda estiver vivo. O que é compreensível, mas não tem nada a ver com a sobrevivência da espécie.
A segunda temporada inclina-se um bocadinho para o sobrenatural. A certa altura os sobreviventes encontram um outro habitante da zona de Wolf Creek que lhes diz que ainda lá vive porque a cratera emite um zumbido, um chamamento, que o mantém lá, e que ele responsabiliza por ter sido a causa do encerramento da mina onde ele trabalhava. Em suma, a zona da cratera é maligna.
O mesmo pensam dois nativos que cruzam o caminho de Steve quando este se perde do grupo. A princípio querem-no ajudar, até ouvirem falar de Mick, a quem um deles chama o Homem-Espírito. O outro não acredita nessas superstições mas a verdade é que também já conhece a reputação de Mick e das “coisas más” que acontecem quando ele aparece, e insiste em ir buscar ajuda antes de o confrontar (o que é inteligente). O episódio dos nativos é dos mais interessantes em termos culturais. Quando um deles é esfaqueado, um dos mais velhos começa a entoar um cântico/feitiço contra Mick, uma espécie de vudu, e o certo é que funciona e que Mick se sente doente. Uma vez que o vudu, aparentemente, actua por auto-sugestão, e que Mick não tinha maneira de saber o que eles estavam a fazer, a insinuação é de que o vudu nativo resulta ou de que existe algo de sobrenatural no próprio Mick. Eu gosto muito de sobrenatural mas, neste caso, preferia um assassino de carne e osso, com as suas forças e fraquezas, como Dexter. Não precisamos de outro Michael Myers.
A primeira temporada é sangrenta que baste, mas a segunda supera-se. Existem muitas cenas susceptíveis de perturbar os mais sensíveis. Já os outros, aqueles que gostam de um bom thriller de terror e serial killers, se ainda não conhecem Mick Taylor não sabem o que estão a perder.
“Wolf Creek” teve apenas duas temporadas mas John Jarratt, o excelente actor que dá vida ao infame Mick Taylor, revelou que se fala numa terceira. Não sei até que ponto a coisa foi para a frente, mas ainda há muito para explorar nesta história que eu gostaria de ver.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Dexter, Mentes Criminosas, Hannibal, serial killers


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