Uma rapariga de 17 anos aparece morta numa praia. Ao mesmo tempo, Rita, jovem ex-toxicodependente, procura a filha bebé que lhe foi levada por uma suposta assistente social que nunca mais deu notícias. A princípio, esta série portuguesa de grande qualidade parece um mistério de crime do tipo "quem matou Laura Palmer", mas, tal como em "Twin Peaks", o importante aqui é o drama que guia e conecta as personagens.
Sobre o crime propriamente dito não posso revelar nada, mas devo confessar que a investigação é muito interessante e que os culpados não são quem imaginaríamos ser. Deste modo recomendo bastante esta série quando a RTP1 decidir repeti-la.
Dito isto, houve algumas coisas que me irritaram, nomeadamente os personagens principais.
Comecemos por Sara, uma adolescente apaixonada pela rapariga que morreu. Não estou a dizer que a culpa é da actriz (nunca tinha visto a actriz em lado nenhum) mas Sara é uma miúda insuportável e egocêntrica, uma autêntica drama queen. Sei que os adolescentes podem ser exagerados, mas nos primeiros episódios só desejei que alguém lhe desse um par de estalos. Felizmente a personagem acalma lá para o meio e torna-se menos visível.
Depois temos Júlia, a psicóloga, uma daquelas pessoas que conhecemos da vida real que se julgam as únicas pessoas equilibradas que existem, e que na verdade costumam é ser as mais desequilibradas de todas. Júlia tem um peixe num aquário e, juro, a certa altura receei que o peixe fosse acabar vivo na frigideira. (Pessoas que fumam tabaco aquecido mas têm a lata de dizer que fumar faz mal a quem fuma cigarros normais são pessoas em extremo estado de negação, o que se aplica aqui como uma luva).
Rita, a ex-toxicodependente, até é uma personagem simpática, mas alguns aspectos irrealistas tiraram-lhe credibilidade. Aliás, aproveito para dizer que se um estrangeiro visse esta série ia pensar que vivemos todos em belas casas suecas com janelas para o mar, que é precisamente o caso de Rita, ex-toxicodependente sem família que trabalha em limpezas. Ora, lamento, mas a bota não bate com a perdigota.
- se Rita é pobre e sem família (como é indicado quando ela vai pedir ajuda ao sogro) e herdou a casa, tanto ela como o pai da filha, igualmente drogado, já teriam vendido a mobília toda, incluindo o frigorífico;
- se Rita pertence a uma família da classe média/média-alta, não acabava a fazer limpezas de certeza; metiam-na num centro de reabilitação (ou vários) ou directamente no conselho de administração de qualquer empresa, drogada ou não, ou, em casos mais modestos, a trabalhar na mercearia dos pais; viver numa tenda no Casal Ventoso é para os desgraçados que nem têm nada para roubar em casa.
A série foi filmada, salvo erro, na zona da Figueira da Foz. Será que a droga é mais barata por lá?... Da minha observação lisboeta, entre os carochos sem-abrigo e os betos da Linha com grandes carrões estacionados à entrada do Casal Ventoso a impedirem a passagem do autocarro 12, Rita vive muito bem para ex-drogada. Como toda a gente nesta série vive muito bem, depreendo que alguém julgue que todos os portugueses vivem mesmo assim e que nem outra coisa lhes passe pela cabeça. Ou, então, isto é de facto uma série para consumo estrangeiro, que não quer mostrar a miséria real do país (embora tenham retratado o antro de droga de forma muito realista, curiosamente). Não percebi esta duplicidade de critérios e acho que Rita teria resultado melhor como personagem se a realidade fosse tida em conta.
Outro problema da série é o actor que faz de detective principal. Não consegui perceber 85% do que ele diz, o que é irritante numa personagem que fala tanto. A certa altura tive de parar de me esforçar por perceber porque era demasiado cansativo. Vou deixar este apontamento como crítica construtiva: o actor precisa mesmo de melhorar a dicção.
Por outro lado, quero dar os parabéns a quem filmou aquele plano do casal Anabela/Henrique na janela, como figuras espectrais e sinistras, o que convinha ao enredo. Por falar nisso, fiquei bastante impressionada com a actuação de Ana Cristina de Oliveira (Anabela), principalmente no último episódio.
Em resumo, gostei da forma como "Irreversível" nos agarrou ao mistério do princípio ao fim, mantendo sempre um nível dramático muito elevado e intenso. Só preferia que a série fosse menos um espectáculo de gente rica para gente pobre ver (como são as telenovelas) e que a realidade do país estivesse mais bem retratada, especialmente no caso de Rita.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, crime, mistério, drama, cinema português
domingo, 30 de março de 2025
Irreversível (2024)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário