quarta-feira, 16 de agosto de 2006

De como eu acabei a viver em Portugal

Eis a história de como eu acabei a viver em Portugal. Foi assim.

Estava eu no mundo das almas, mais precisamente no SDRP (Secção dos Desencarnados para Reencarnação Próxima) quando me apercebi de que não tinha a certeza onde me instalar nos próximos 70 anos (com sorte). Depois de milénios e milénios a visitar todos os locais do planeta Terra, as opções começam a ser repetitivas. Desde a Índia, onde, como qualquer crente na reencarnação que se preze, passei uns bons tempos, à fria Europa onde vivi a maior parte das minhas últimas vidas, tudo era bastante déjà vu. O Oriente não me fascinava (e ainda não me fascina - devo ter-me farto dos Mongóis no tempo deles), a Austrália e a África têm grandes bichos rastejantes e bestas ferozes, e o que eu queria mesmo era um lugar quente e tranquilo onde pudesse assistir pacatamente ao espectáculo do Fim dos Tempos - leram bem, Fim dos Tempos, que é como quem diz o Fim do Mundo, que foi só por isso que me convenceram a voltar para o aqui e o agora. Disseram-me, e fica entre nós, que ia ser melhor do que o Fim de Ano na Praça do Comércio...
Pedi ajuda a um orientador. Os OCs (Orientadores Celestiais) são como os orientadores profissionais cá de baixo, excepto que conhecem de facto o futuro e sabem o que dizem.
Depois de o ouvir, e apesar da minha ânsia por climas tropicais, África e América Latina foram cartas postas fora do baralho. Fome, guerra, corrupção assassina, miséria atroz... "Não, nem pensar!", respondi. "O meu karma não é assim tão pesado. Pensemos em algo melhorzinho. Não mereço tal sorte".
O meu OC, que era preto, ou tinha sido preto e mantinha a cor, porque como se sabe os anjos no céu não se casam nem são dados em casamento e também não têm cor nem sexo, mas até que lhe ficava bem com a túnica de cetim e as plumas das asas brancas (dava ares de Pai de Santo sem turbante), começava a ficar preocupado com a minha esquisitice e quase disposto a dar-me também umas asinhas e a promover-me a um cargo vitalício no funcionalismo público espiritual sem direito a férias pagas no estrangeiro.
Começámos então a analisar as hipóteses restantes. Algures na Indonésia havia uma vaga para uma vida de classe média (que por lá significa vida de nababo) mas terramotos e tsunamis dia sim dia não tiravam a pica toda. Paciência. O dinheiro não é tudo.
O Brasil, rejeitei logo. Homens feios. Homens muito feios. Disse-lhe que preferia voltar para a Índia, fazer voto de castidade e juntar-me às irmãzinhas da Madre Teresa.
Falou-me então dessa nação poderosa, os Estados Unidos da América, onde se pode de facto ser filho de ninguém, começar por servir hamburgueres e acabar como presidente de uma grande companhia, "um dos últimos sítios do mundo onde uma Educação ainda vai valer alguma coisa até lá para o ano 2000". Atraiu-me, e a cena gótica até não era má de todo. Estávamos ainda em 1960 e qualquer coisa e eu só tinha ainda visto os Doors ao vivo mas podia adivinhar que o caminho era por ali. Mas logo depois de consultar o futurómetro (espécie de televisão que permite ver o futuro para que o espírito à procura de encarnação não venha ao engano), e fui logo sintonizar aquilo no canal dos anos 90 com uma certa curiosidade sobre o pós-Guerra Fria!, percebi que as mordaças tinham emigrado para lá e desisti a tempo.
Estávamos a ficar limitados, mais uma vez, à velha Europa. "Bem, lá volto para a Holanda, onde os homens são bons e eu me divirto. Ou melhor ainda, para a Inglaterra. Mostra-me lá isso da cena gótica outra vez". Ele mostrou. Era cada vez mais por/para ali.
Já estava convencida de que ia ser Londres o meu destino, ou talvez mesmo Leeds para compor o ramalhete, quando, de novo, desabafei: "Raios, lá vou eu voltar para o frio, mas não há alternativa, lá terá que ser".
Foi então que os olhos do meu OC se arregalaram. "Talvez não. Se é só isto que desejas da grande civilização europeia, há alternativa. Bem, uma alternativa-zinha. Há um país-inho medíocre, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, que agora vive em ditadura mas isso vai acabar assim que tu chegares, e é, enfim, um país-inho, bonitinho, simpático, sem o sangue na guelra dos espanhóis, sem a máfia organizada dos italianos, sem a língua lixada dos gregos..."
"E que país é esse que nunca ouvi falar dele?"
"Chama-se Portugal... Portugal-zinho." Eu só deitei a língua de fora, como se vomitasse. "Mas repara, é quente durante o Verão (se bem que os nativos não saibam dar valor ao clima porque acham que o frio é chique), é visitado por isso mesmo, e pelas belas praias!, por todos os europeus que o desejam para colónia de férias (o que vai ser fatal mas não te aflijas que a tua estadia é apenas temporária e não é nada contigo), e é um local sem guerras porque o povo é cobarde".
Ligámos o futurómetro e rimos a bom rir da revolução de Abril e do seu glorioso futuro, especialmente na ilha da Madeira.
Havia uma cena gótica(-zinha), havia holandeses nas praias, havia estrangeiros na internet e, Alá seja louvado, não havia guerra porque o povo era manso.
"Só há um senão", avisou o meu OC. "Aqui não há mérito que te valha. Podes até ser um einstein que só te safas no estrangeiro. Conhecimentos noutras áreas que interessem ao mundo também as não há. Conhecimentos sobre a cultura autóctone não interessa aos próprios. Professores, sábios, filósofos, por lá não se safam. Só pedreiros. Pedreiros safam-se. Pensa assim naquilo como... uma África com monumentos!"
"E sem bicheza."
Nessa altura eu estava numa de make love not war, até porque era o tempo dos hippies, e só queria flores no cabelo. Decidi a encarnar-me aqui. (Mas continuo a pensar que foi pela ausência de bicheza...)
Mas enganei-me. Devia ter mesmo ido para a Holanda. No Verão, porque tinha dinheiro para férias, viria à mesma para cá curtir as praias e o calor que os locais preferem destruir com os seus ares condicionados terceiro mundistas. De Inverno, teria neve a sério, frio a sério, não esta coisa-zinha a que os portugueses se habituaram a chamar "briol", e viveria em casas a sério, calafetadas e quentinhas. E teria cena gótica! Mais do que cena gótica, poderia fumar - haxixe! - à vontade, nos cafés! Possivelmente, até dar milho aos pombos sem levar multa que aquela gente é assim livre e doida?... E, acima de tudo, teria homens bons, homens bons e mulheres boas, boas, boas!
Agora é tarde. Eu vim para cá assistir ao Fim dos Tempos. Qualquer balcão ou lugar de plateia serve o propósito quando isto começar a ferver.


Doces pesadelos.

9 comentários:

Anónimo disse...

Genial!
Lembras-te de te ter dito que tens futuro, desde que resolvas utilizar os teus dotes a sério?
Já estou que nem posso!

^^c^^

katrina a gotika disse...

Quando eu disse "bons" eu queria dizer que dão tesão, amigo brasileiro (?). Pois é isso aí, "bons" não significa o contrário de "maus". ;)

katrina a gotika disse...

Craven: isso era ironia, não?...

Anónimo disse...

Ironia nenhuma.
Leva-te a sério!
Mas sem exagero.

^^c^^

Dinis Martins disse...

Tipo...Trestas é dizer-se gotico, concordo.Gostava de perceber, o pk de ter perdida a minha namorada, ya, contribui mt pra depressão dela, tlvz até se cure, e volte a ser kem era...N percebo é a estupida insistencia dela de se achar gotica, é absurdo. Agora tudo o ke ouve ke esteja catalogado como bom por goticos é fixe e mt bom...Parece um miuda, eu amo-a tanto mas mm assim tenho duvidas ke ela cresça algum dia, pk ela já foi crescida antes desta triste fase. No fundo, kria saber, se é possivel aos 21 anos, kerer apanhar com dor por kerer, e n acredito nessas tretas do gotico e das roupas e o resto das merdas.Desde de jovem ksou um tipo mt fexado e triste, e acho verdadeiramente palhaçada tudo isso. Adoro os "adornos" da noite, e teologia e mts cenas dessas, mas essa atitude do vou sofrer é apenas digna, de adolescentes. Bhá, é a minha opinião, tb sei respeitar, mas vivendo o ke vivo, acho absurdo, ao mm tempo ela"a minha ex" é k se está a portar como uma triste, sei kno momento em ke estiver só, vai a correr pedir dsclpas, pk neste momento, mm sofrendo mt mm, eu sou a unica pessoa com kem ela desabafa os filmes mais palhaçada a kela chama gotico:)...Pk a relegião é o opio to povo, e hj em dia sei, ke mt mais do ke religião se torna o opio do povo.Não há goticos, há seres despertos.

Anónimo disse...

Dinis, mesmo estando eu em casa alheia, vou aproveitar para dizer o seguinte:
O que acabas de dizer está muito certo. Quando se faz uma coisa por tendência ao invés de ser por um desejo que parti livremente de ti, tornas-te um imitador. O que se passou entre ti e a tua companheira é algo que diz agora respeito aos dois. A "ex" como dizes, pelos vistos, ainda é tua amiga. Se calhar é preferível assim, sem apressão de namorar. A seu tempo tudo acontece.
Ser gótico é tudo menos uma maldição. Quem estiver nessa condição, até pode ser o Papa Bento XXVI, que de nada lhe valerá a pena.
É uma forma como encaras o teu reflexo.
Depois de tanta concepção do que é ser gótico, até fico com vontade de me sentar e tomar um chá.
Também tu precisas de energia construtiva.
Já tivemos muitos Cobain, Ian Curtis, Lane Staley, Michael Hutchence e outros tantos anónimos.

^^c^^

Lord of Erewhon disse...

Menos bicharada, menos haxixe... o resto até entendo.

Anónimo disse...

Neste cantinho plantado à beira-mar está muito perto de se tornar uma selva.

Basta sair à rua e ver isso.

Preferia de longe S.Tomé.

Nuno disse...

excelente, nem mais.