Mostrar mensagens com a etiqueta George A. Romero. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta George A. Romero. Mostrar todas as mensagens

domingo, 25 de agosto de 2024

Danse Macabre, de Stephen King

“Danse Macabre” é um livro não ficcional de Stephen King em que o autor se propõe a fazer uma análise da literatura, cinema e televisão no âmbito do terror entre os anos 50 e 80, à mistura com alguns episódios auto-biográficos e bastantes citações das obras mais emblemáticas. Obviamente, como o próprio reconhece, não seria possível incluir tudo sem produzir uma enciclopédia, pelo que muitas das escolhas do autor são forçosamente subjectivas. Concordo com a maioria, não concordo com algumas, mas teria de ser mesmo assim. Como seria de esperar, King escreve de um ponto de vista americano, com referências americanas, e confesso que nunca tinha ouvido falar de alguns comics dos anos 30, 40 e 50 que ele menciona (nem teria como ouvir). Muitas vezes King tem de ir ainda mais atrás, aos séculos XIX, XVIII e antes, para puxar o fio condutor de obras como “Frankenstein”, “Drácula” e precursores mais antigos.
Nunca pensei que o livro fosse tão extenso. Para analisar “Danse Macabre” era preciso escrever outro livro, por isso não vou sequer tentar resumir. Pelo contrário, vou acrescentar!
“Danse Macabre” foi publicado em 1981. Desconheço se Stephen King actualizou os seus pontos de vista com um “Danse Macabre II” (e eu gostava de ler isso), mas o período analisado é dos anos 50 aos 80. Daí até 2024 muita coisa mudou. Por exemplo, as pessoas tornaram-se tão fanáticas por gatos que no remake de “Pet Sematary” o gato é quase a personagem principal (na minha opinião é mesmo a personagem principal e gostava de saber o que Stephen King pensa disto.)
Mas regressando a “Danse Macabre”, Stephen King preconiza a existência de alguns arquétipos do terror a que ele chama O Vampiro, O Lobisomem (mesmo o lobisomem que usa o “pêlo” por dentro, como em “Psycho”), O Fantasma, A Coisa Sem Nome e O Lugar Maldito (The Bad Place). Na opinião dele, o zombie e o vampiro são apenas um só arquétipo porque ambos se alimentam dos vivos. Ora, do meu lugar de espectadora em 2024 não posso concordar. Talvez tenha sido assim até aos anos 80 mas actualmente o vampiro e o zombie são personagens bastante diferentes. O vampiro, hoje em dia, é uma estrela de rock, um símbolo sexual de juventude e beleza eterna, um bad boy carismático e magnético. (Na verdade, sempre foi, desde que Lucy e Mina correram para os braços do Conde, mas talvez seja uma coisa tão feminina que escapou a Stephen King?...) “Danse Macabre” foi publicado antes da explosão dos vampiros de Anne Rice com o filme “Entrevista Com o Vampiro”. Aliás, é significativo que Stephen King não tenha sequer destacado “Interview With The Vampire” como referência, embora o livro seja mencionado no Apêndice. Já nem falo das filas de adolescentes aos gritinhos em cada estreia de “Twilight”, nem dos posters de Robert Pattinson no quarto… (Acreditem, tive de ir pesquisar o nome do actor.) “The Hunger”, com Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon, é igualmente de 1983. Este não é o mesmo vampiro dos filmes Hammer.
Por sua vez, o desgraçado do zombie (e afins) lá se vai arrastando, mas ganhou um protagonismo que já vai em duas décadas com o fenómeno “The Walking Dead”, e também já não é o mesmo zombie de George A. Romero. O zombie dos anos 2000 é quase um adereço em histórias pós-apocalípticas, em distopias em que o verdadeiro inimigo são os outros sobreviventes, onde impera a lei do mais forte e a violência extrema, curiosamente servidas à primeira geração que sabe que não vai ter uma vida tão boa como a dos pais antes deles. São outras as preocupações sociológicas, como as preocupações com a energia e a guerra nuclear dos anos 50 e 60 que Stephen King não deixa de identificar e que produziram toda uma série de filmes de insectos gigantes, por exemplo, e que até deram motivo ao clássico “The Night of The Living Dead” de Romero (1968).
Mas eu não quero mesmo escrever o livro e fico por aqui. Notei uma tendência extremamente exagerada na maneira em que Stephen King tenta explicar que o autor de terror não é um gajo psicologicamente transtornado, psicopata ou imoral, como lhe parece quando lhe perguntam infinitamente se não se importa de “viver dos medos dos outros”. Se calhar tem razão em ser tão defensivo. A pergunta parece-me incompreensível mas deve ser uma provocação americana. Afinal, ninguém é obrigado a ler ou ver terror, tal como ninguém é obrigado a ler ou ver erotismo. Mas é interessantíssimo que a imprensa americana lhe pergunte isto (e a outros autores do mesmo género) a ponto de o irritar.
Aconselho “Danse Macabre” a todos os amantes de terror e, principalmente, a todos os autores do mesmo ofício. O livro é longo mas não parece, está muito bem escrito e nunca aborrece.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

The Dead Don't Die / Os Mortos Não Morrem (2019)


Comecei a ver “The Dead Don't Die” no canal SyFy à espera de uma comédia com zombies que não me fizesse pensar, e muito menos escrever uma crítica porque já tenho muitas para publicar e dão trabalho. Saiu-me um filme satírico de Jim Jarmusch, o mesmo realizador do excelente “Only Lovers Left Alive”, com cameos de Tom Waits e Iggy Pop e um enredo a puxar para o surrealista. Não é todos os dias que isto acontece!
Na pacata cidade de Centerville, “a real nice place” como diz o cartaz de boas-vindas, coisas estranhas começam a acontecer. Devido ao fracturamento hidráulico nas regiões polares em busca de gás natural, também conhecido por fracking, as notícias informam que a Terra saiu do seu eixo. Os dias estão mais longos, as noites caem subitamente. Todos os animais domésticos desapareceram dos donos. Até os animais de quinta, como galinhas e vacas, fugiram para a floresta.
A terrinha tem três polícias, e o mais novo observa os acontecimentos e diz umas três vezes “isto não vai acabar bem”.
De facto, os mortos começam a levantar-se do cemitério, mas não querem apenas comer os vivos. Continuam a desejar aquilo que mais ambicionavam em vida: os miúdos que morreram há mais tempo querem doces e brinquedos, alguns zombies do sexo masculino cercam a loja de ferragens, uma rapariga zombie quer ser modelo, alguns zombies mais jovens andam com um telemóvel na mão a murmurar “wi-fi, wi-fi”. O que não quer dizer que não comam os vivos quando os apanham; é que têm outras prioridades. Lembram-me os zombies músicos do coreto de “Land of the Dead”, que apesar de zombies continuavam a tentar tocar os instrumentos (muito mal, mas tentavam). Este sim, “Land of the Dead”, tem aspectos muito cómicos e satíricos. Já não foi isso que senti com “The Dead Don't Die”, apesar de o filme se assemelhar em temáticas e inclusivamente quebrar a quarta parede (termo usado no teatro quando os actores se dirigem directamente ao público) na minha opinião sem necessidade e sem o pretendido efeito cómico, o que ainda é pior.
Além desta homenagem a George Romero, noto aqui também vibrações de “Fargo” (os polícias da cidade em que nada acontece que se deparam com um apocalipse zombie que não têm capacidade de enfrentar). Mais do que apenas “vibrações, na verdade, já que o actor de “Fargo” Steve Buscemi (o da trituradora, lembram-se?) entra neste filme. Já a cangalheira-samurai Zelda (Tilda Swinton, a vampira de “Only Lovers Left Alive”) foi muito desaproveitada e sinceramente não percebi o que é que o realizador quis dizer com aquilo.
Já que é um filme sério, vamos falar a sério. O problema foi mesmo esse. Não percebi porque é que Jim Jarmusch, em 2019, achou relevante fazer um filme de zombies como metáfora da sociedade consumista, algo que Romero e os outros todos andam a fazer desde os anos 70 ou 60 (se contarmos o primeiro “Night of the Living Dead”, embora eu não o considere exactamente sobre consumismo). Jarmusch vai ao ponto de pôr Tom Waits a verbalizar “eles já estavam todos mortos”, como se a gente ainda não tivesse percebido. Não encontrei aqui um rasgo de originalidade que pudesse granjear pontinhos ao realizador, por muito que o procurasse. Nem consegui achar piada, o que é mais grave numa comédia. Penso que Jarmusch queria realmente fazer algo único que nunca saiu do papel. Mesmo assim, recomendo a todos os amantes de zombies.

14 em 20

domingo, 17 de abril de 2022

Day of the Dead (2021 - ?)

Admito que sou doidinha por ver o início de um apocalipse zombie. As primeiras suspeitas, nunca levadas a sério quando são relatadas. O primeiro zombie, em “Fear the Walking Dead”, a avançar direito a uma bonita casa suburbana pelo caminho entre os relvados impecáveis. Rick Grimes a sair do hospital e a encontrar uma menina zombie com uma boneca ainda na mão. A confusão das autoridades, sem saberem o que fazer. Por fim, o desagregar da sociedade que “Fear the Walking Dead” nos prometeu mas não cumpriu o suficiente.
Depois desta fase inicial os sobreviventes aprendem a viver com os zombies, aprendem a evitá-los e matá-los, e cai tudo numa rotina que raramente passa do mesmo. “Day of the Dead” é uma série despretensiosa do canal SyFy que retrata o primeiro dia da invasão zombie. Infelizmente, as críticas arrasaram a série, no meu entender injustamente. Em grande parte porque usa o título homónimo do filme de George A. Romero, o que, concordo, não era necessário.
Toda a acção se passa no mesmo dia, numa pequena cidade americana em que há eleições para decidir quem será o novo Mayor e em que se prepara um casamento. Um dia normal como todos os outros. Mas, entretanto, uma companhia de extracção de gás faz uma determinada perfuração que encontra algo estranho: um homem (zombie) atado no fundo de uma gruta que nunca devia ter sido aberta. Alguém chama um detective incauto, que é mordido. Começa a infestação.
Mas estes zombies não são os mesmos de “The Walking Dead”. Não morrem com uma bala na cabeça, não morrem com coisa nenhuma. Só se pode rebentá-los com explosivos, prendê-los ou atrasá-los com tiros nos joelhos. Outra coisa interessante: alguns dos zombies mais “frescos” retêm algo das memórias de quem são/foram, o que não se vê muitas vezes. E os zombies mais frescos não se arrastam; correm. Os habitantes da pequena cidade oscilam entre a incredulidade e o terror.
Este não é um dramalhão como “The Walking Dead”, mas tem drama que baste. Os dez episódios permitem explorar e desenvolver as personagens, inclusive os vilões, que se movem naquela área cinzenta em que lhes conseguimos compreender as razões. Os momentos de humor são mesmo engraçados e inesperados, mas sem abusar. Há mortes com fartura, algumas bastante violentas, mas a série não quis entrar demasiado por aí. Esta é uma série em que, mais do que mortos a comer os vivos, os vivos se tentam organizar para derrotar os mortos, o que não vai ser fácil, porque para conseguirem unir-se nessa causa comum têm de esquecer os conflitos que a pequena cidade foi acumulando ao longo dos anos.
“Day of the Dead” entretém bastante e tem momentos de verdadeiro terror, especialmente no princípio, quando ainda ninguém acredita nos zombies. Quanto a estes, não são, de longe, tão bons como os de Nicotero, mas também estão bem caracterizados e são convincentes.
Não posso concordar com as críticas negativas e aconselho a toda a gente que gosta de zombies, com um drama à mistura que não pretende traumatizar-nos para toda a vida. Mesmo assim, é duvidoso que a série seja renovada, apesar de lançar as bases para isso a uma escala maior. De certa forma, tenho pena. Gostava de ver mais. Mas se era para pior (e nestes casos quase sempre é) mais vale ficar por aqui.


domingo, 11 de outubro de 2020

Dawn of the Dead / O Renascer dos Mortos (2004)


Não vi “Dawn of the Dead” mais cedo porque sempre pensei, pelo título, que este era o filme de 1978. Afinal é um remake, desta vez dirigido por Zack Snyder. Até parece que George A. Romero não teve nada a ver com este filme, apesar de ser mencionado nos créditos como escritor do original. O filme de 1978 é um clássico, mas na minha opinião tão mauzinho, comparado com o fantástico “Night of the Living Dead” (1968), que nunca me passou pela cabeça que quisessem fazer um remake.
Não sei o que teria pensado deste filme de 2004 se o tivesse visto na altura. É oficial, “The Walking Dead” estragou-me todos os filmes de zombies que já vi depois da série. A qualidade de “The Walking Dead” deteriorou-se, é verdade, e a série actualmente tem dificuldade em viver à altura das primeiras temporadas, mas essas primeiras temporadas foram tão marcantes, e deixaram uma mitologia tão bem estabelecida, que tudo o que se fez antes e depois me faz encolher os ombros.
Com a excepção do primeiro dos filmes, “Night of the Living Dead”, de 1968, a preto e branco, que ainda prefiro não ver sozinha porque aquilo é mesmo de meter medo.
Este “Dawn of the Dead” de 2004 é mais um para ver e esquecer. Primeiro que tudo, este foi um daqueles em que alguém achou que os zombies metiam mais medo se fossem mais rápidos. Isto deu em “zombies de corrida”, como já disse aqui mal suficiente em “World War Z”. Neste filme os zombies também correm e saltam (de esconderijos no tecto, ainda por cima) atrás dos sobreviventes. A certa altura parecia que estavam a ser perseguidos por um bando de gente enfurecida em vez de zombies. Ora, por alguma razão o filme de 1968 foi tão eficaz. Porque os zombies são lentos, aparentemente pouco perigosos e acéfalos, mas quando são muitos é que a porca torce o rabo. “The Walking Dead” percebeu isto desde logo, que o clássico é que era bom, e foi assim que se tornou um clássico também.
“The Walking Dead” foi buscar outra coisa à mitologia de “Night of the Living Dead”, e explorou-a. Todos têm o vírus, todos se transformam em zombies depois de mortos. Isto agora já me parece tão óbvio que fiquei desapontada quando neste filme de 2004 só os mordidos por zombies se transformam em zombies. Assim é muito menos perigoso. Em “The Walking Dead” não há mortos “seguros”. Todos têm de levar uma facada no cérebro, até amigos e família, para aumentar o drama.
Mas “The Walking Dead” foi buscar coisas a este filme também, em que uma meia dúzia de sobreviventes se refugiam num supermercado à espera que os venham salvar. Em frente ao supermercado há um prédio onde um jovem está a observar tudo do telhado, com binóculos, e a dar conselhos aos outros sobreviventes. Este jovem, não há volta a dar, pareceu-me o Glenn que salva a vida a Rick Grimes em Atlanta.
Por outro lado, “The Walking Dead” não esconde as suas influências. Em “Dawn of the Dead” os sobreviventes escrevem nas paredes: HELP ALIVE INSIDE. O que se torna, no hospital onde Rick Grimes acorda do coma, no enigmático:

DON’T DEAD
OPEN INSIDE

Já a deixar antever que esta não ia ser apenas mais uma série de zombies em que não era preciso pensar muito, como começava a ser expectável dos filmes do género pós-“Night of the Living Dead”.


Diria mesmo que o melhor que o remake “Dawn of the Dead” conseguiu foi dar ideias a “The Walking Dead”. De resto é um filme esquecível. Um filme até a querer mais ser um slasher do que um filme de zombies, como mostra a parte da serra eléctrica, completamente dispensável. Personagens estereotipados, alguns até pouco credíveis não obstante o estereótipo, os bons e os maus e os heróis, um enredo previsível. No fim, como num bom slasher, morrem todos à mesma, apesar dos grandes esforços para escapar, ou pelo menos é isso que se dá a entender. Mas a verdade é que não há aqui um único personagem por quem a gente se interesse, e aquele que ainda nos interessa mais já tem o destino traçado ainda antes da fuga final. Isto não é bom drama, nem o pretendia ser. Mas o público já estava preparado para mais do que isto, e “The Walking Dead” teve o mérito de ir explorar os personagens em vez dos zombies, a sociedade a desmantelar-se em poucos dias em vez das serras eléctricas. O público estava preparado para “The Walking Dead”.
Ver “Dawn of the Dead” agora parece-me um exercício injusto, um filme que mirrou à sombra de uma série que o suplantou. Recomendo apenas aos grandes fãs do género. A quem quiser ver um filme antigo de zombies que mete mesmo medo, recomendo “Night of the Living Dead” (1968).

14 em 20 (mais alguns pontos porque deu tantas ideias a “The Walking Dead”)



sábado, 3 de novembro de 2018

World War Z / WWZ: Guerra Mundial (2013)


O grande problema deste filme de zombies é que não tem zombies. Há um vírus tipo “28 Dias Depois”. Assim que alguém é mordido por um infectado, transforma-se em “zombie” em 12 segundos. 12 segundos! Nos casos mais demorados, 10 minutos. Não, isto não são zombies. Um zombie é um cadáver que come vivos. Estas pessoas não são cadáveres porque nunca chegaram a morrer.
Pior um pouco, em vez de ficarem mais lentos, os supostos cadáveres adquirem tanta força e velocidade que se nota perfeitamente que algumas imagens foram aceleradas por computador. Estes “zombies” são mais Incríveis Hulks ou algo do género.
E depois temos o enredo. Um ex-agente das Nações Unidas (nunca sabemos o que ele fez ao certo, excepto que era um durão), Brad Pitt (isto é, “Gerry Lane” interpretado por Brad Pitt, mas quem é que se interessa do nome do personagem quando Brad Pitt está no écran e não se chama “Louis”?), retirado da vida activa para se dedicar à mulher e duas filhas, uma destas com asma (mas isto nunca tem importância nenhuma), é o típico ex-militar dos filmes de acção que decide merecer o repouso do guerreiro. O personagem não passa disso, um Action Man a fazer de bom marido e pai extremoso. Como acontece nos filmes de acção, por razões e acasos ele acaba por ser chamado de volta ao seu trabalho quando há uma crise. E resolve-a. E aqui temos o enredo de filme de acção que já vimos ad nauseam.
World War Z até tem umas cenas interessantes no princípio, a lembrar o melhor de "The Walking Dead" e "Fear the Walking Dead". (Faço um parêntesis para realçar como "The Walking Dead" se tornou o mais alto patamar de comparação em tudo o que toca a zombies. Tirando o primeiro filme de George Romero, “A noite dos Mortos Vivos” de 1968, realmente não vi melhor e há que admitir.) São as cenas em que se percebe que algo está mal mas ainda não se sabe o que é. Como aquele engarrafamento em que a família está dentro do carro e começa a ver motos da polícia a avançar por entre o tráfego e transeuntes aterrorizados a fugir na direcção inversa.
Infelizmente, toda esta tensão se perde quando o protagonista observa um “mordido” a transformar-se em “algo” (recuso dizer zombie) em apenas 12 segundos. Catrapás, já estás! A partir daqui o filme torna-se num daqueles enredos em que um herói é enviado a várias partes do mundo à procura do paciente zero, de uma vacina ou de uma cura. Torna-se definitivamente um filme de acção. Como bom filme de acção, não morre ninguém importante. Afinal, o herói tem de salvar a família para que tudo acabe bem.
Entretanto, vi supostos zombies a correr mais depressa do que os vivos, a escalarem muros e arranha-céus (!) tipo formigas umas atrás das outras, e a morderem tudo e todos sem nunca pararem para comer alguém. Mas que?!... Será que as pessoas que fizeram o filme alguma vez viram um filme de zombies? Sim, viram. Na verdade, sendo um filme de 2013, em que "The Walking Dead" já liderava audiências, se calhar até nem queriam fazer um filme de zombies, mas os zombies já estavam na moda e aqui está isto. Um filme que eu vi no engodo de ter zombies. Se me dissessem que era um filme de acção com pessoas infectadas por um vírus raivoso talvez não visse, pois não?
A este filme falta tudo o que é preciso para meter medo. É verdade, as últimas cenas são tensas, mas como já sabemos que ali está um típico herói de acção ninguém acredita que lhe aconteça alguma coisa. Afinal, ele tem de salvar o mundo!
O que nos mete medo, no zombie, é o horror de um cadáver humano que se reanima, podre e malcheiroso, para comer os vivos. (Simboliza, a bem ver, o horror da própria morte. Todos somos cadáveres a prazo). O que temos em World War Z são pessoas infectadas com um vírus raivoso. Sendo assim, preferi “28 Dias Depois”. Pelo menos é mais original. Os apreciadores de zombies não perdem nada se ignorarem World War Z.



12 em 20

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Land of the Dead / A Terra dos Mortos, de George A. Romero (2005)


O título deste filme podia ser “A Fúria do Herói Zombie”. Um dos heróis do filme é mesmo um zombie revoltado com a maneira indigna com que os vivos tratam os da sua espécie. O que por si só já nos diz que este não vai ser um filme de zombies igual aos outros.

Os novos zombies
É praticamente um facto sociológico: o imaginário do zombie, como o conhecemos, surgiu numa época de inquietação existencial perante a alienação das massas cada vez mais passivas. Os anos 60 e 70 foram as décadas em que a geração dos Baby Boomers chegou à idade adulta. Os Baby Boomers nasceram nos anos após a segunda guerra mundial (em que houve um verdadeiro baby boom, daí o nome). Em relação à geração anterior, que teve de suportar a Grande Recessão, o rescaldo da Primeira Guerra Mundial e a Segunda, e as várias misérias decorrentes da situação internacional, os Baby Boomers foram uns privilegiados. A vida era simples e o caminho bem definido: escola, emprego, casa e filhos. Os salários eram razoáveis, havia emprego para toda a vida. Toda a gente tinha carro e dinheiro para gastar no passeio semanal ao supermercado. Instalou-se o consumismo. A vida era estável. Melhor do que na geração anterior, melhor do que na geração seguinte (nós, os Generation X, e nem falo dos Millenials, nem sabemos o significado de estabilidade). Era a geração que se podia “dar ao luxo”. A vários luxos, na verdade, como a alienação voluntária do flower power e do make love not war. Mas até os hippies assentavam, mais tarde ou mais cedo, para engrossar as massas consumistas e alienadas de uma rotina sempre igual.
Contudo, o medo existia, latente, cinematograficamente espelhado nos filmes de terror: o Twilight Zone, as invasões alienígenas, os insectos gigantes resultantes de experiências nucleares, e os zombies. As próprias massas mortas vivas a devorarem-se/consumirem-se a elas próprias.
Comparemos estes zombies iniciais com o que temos agora. Em The Walking Dead, feito para gerações em que a palavra “estabilidade” já nem existe, o importante é sobreviver. Subsistir mais um dia, à precariedade, às contas a pagar, a tentar viver debaixo de um tecto sem acabar na rua. Sobreviver aos energúmenos que nos acusam de viver “acima das nossas possibilidades” quando na verdade vivemos abaixo das nossas potencialidades. Talvez sejamos zombies também, meio vivos e meio mortos de cansaço, a geração no future que já sabia que nunca o ia ter, mas somos uns zombies diferentes. Os nossos heróis anti-zombie já não se limitam a fugir e a esconder-se e a esperar pelas autoridades. Os nossos heróis anti-zombie só contam consigo próprios.
Land of the Dead, de 2005, é algo na transição entre os filmes de zombies invasivos e os filmes de sobrevivência feroz em que da sociedade como a conhecemos já só sobram resquícios. No apocalipse zombie as ameaças vêm de todos os lados. Os vivos são muito mais perigosos do que os mortos. Land of the Dead vai nesse caminho, mas ainda não chega lá.


Os zombies também se revoltam
Comecei a ver este filme com zero expectativas. O filme que iniciou o universo zombie de George A. Romero, “Night of the Living Dead”, de 1968, foi um dos mais assustadores que já vi na vida. Apesar de ser a preto e branco, ou mesmo por causa disso (a televisão da altura era a preto e branco, o que quase lhe atribuía uma aura de “documentário”); apesar da pouca caracterização dos mortos-vivos, dando-lhes um aspecto mais realista de “cadáveres frescos”; apesar da explicação de que a “ressurreição dos mortos” era causada por uma contaminação radioactiva no cemitério (lá está, o medo latente da Guerra Fria). Os restantes filmes de Romero, lamento dizê-lo, aqueles a cores e com muito ketch up, começaram a tender para o exagero e a palhaçada. Interessantes para ver sem pensar muito. Maus efeitos especiais, zombies a invadir supermercados e a conduzir carros. Com estas memórias, também não esperava muito de “Land of the Dead”. Tendo em conta estas expectativas fiquei agradavelmente surpreendida.
Em Land of the Dead, já estamos em pleno apocalipse zombie, com todas as regras que conhecemos. Mas ainda não é a sociedade esfarrapada de The Walking Dead. Os vivos vivem em cidades bem vedadas e defendidas. Equipas bem preparadas vasculham os arredores abandonados em busca de provisões. Numa dessas excursões de busca, o nosso herói “vivo” (Simon Baker do “Mentalista”) repara que um dos zombies manifesta inteligência acima da média zombiesca. Este nosso herói zombie, a que o filme chama Big Daddy, está cada vez mais indignado com os massacres que os vivos infligem aos zombies. Esquecendo, é claro, que os vivos matam os zombies porque os zombies comem os vivos. Mas este zombie está muito revoltado, se calhar com as indignidades com que os vivos chacinam zombies sem distinção: velhos, mulheres e crianças. Os outros zombies não são tão espertos, mas Big Daddy consegue liderar uns quantos numa marcha de indignados para se vingarem dos vivos “maus”.
Isto parece palhaçada mas o filme consegue fazer-nos empatizar com estes zombies maltratados. Até temos pena deles.
Do lado dos vivos também há grandes injustiças. Uma elite de poderosos, ricos e privilegiados, vive num arranha-céus com tudo do bom e do melhor enquanto uma maioria de pobres e excluídos subsiste das sobras nos “subúrbios” da torre. Também alguns destes excluídos se encontram indignados e a planear uma revolta. Estas intenções valem-lhes repressão brutal por parte do chefão das elites.
Este é um mundo onde o dinheiro ainda existe e vale bastante. Um dos membros da equipa consegue juntar o suficiente para comprar um lugar no arranha-céus mas é rejeitado com desculpas. Mas ele sabe, e nós sabemos, que está a ser rejeitado porque é hispânico. Não faz parte da elite, não tem qualquer possibilidade de ascender na vida. Revoltado, também este jura vingança. Já o nosso herói do lado dos vivos só deseja comprar um carro que o leve para bem longe, para onde não haja zombies nem pessoas. (Amigo, como te compreendo! Era exactamente o que eu fazia!)


Todo este ambiente de tensão resulta na destruição da cidade. O zombie Big Daddy aprende por acaso a disparar uma metralhadora e consegue ensinar os outros a fazer o mesmo. [Zombie Rambo] Também os ensina a atravessar um rio, simplesmente caminhando debaixo de água já que não precisam de respirar. [Zombie ninja] Não se vê claramente, mas é ele e o seu exército zombie que consegue fazer explodir as defesas da cidade. É a fúria do herói zombie.


O final é estranho. O nosso herói vivo, relutante mas bonzinho, decide poupar estes zombies espertos. Porque o faz é um mistério. Se calhar porque compreende neles uma consciência de si próprios? Se calhar porque os considera também excluídos, como a grande massa de gente viva nas mesmas condições?
Claramente, a preocupação social do filme já não deriva do consumismo e da apatia, como os originais, mas de uma preocupação com a desigualdade que em 2005 já deve ser gritante. A América já não era a terra das oportunidades. Até os zombies se revoltam, e com razão.


É um filme diferente dos zombies de até então, com algumas cenas perturbadoras que me surpreenderam. Já não julgava que depois de tantos filmes do género ainda alguma coisa me impressionasse, mas aquela cena do umbigo faz mesmo impressão.
The Walking Dead criou outro patamar de qualidade que filmes anteriores não conseguem alcançar (tirando o original “Night of the Living Dead”, de 1968, que é realmente arrepiante), mas este Land of the Dead é um filme cheio de acção que merece ser visto. Gostei de encontrar motivações em todos os personagens, até nos zombies. As diferentes perspectivas conseguem criar-nos empatia e dividir-nos entre a ameaça colocada pelos mortos-vivos e as dúvidas que Big Daddy nos suscita.
Não é uma obra prima, mas vê-se bem.


Curiosidade: neste filme os mortos-vivos já são chamados de “walkers” e “stenchers”. Julguei que “walkers” era originalidade de The Walking Dead, mas enganei-me. É do mestre Romero.


14 em 20