domingo, 18 de agosto de 2024

Pet Sematary (2019)


[contém spoilers]

“Pet Sematary” (1989) é um dos meus filmes preferidos portanto vai ser muito difícil falar deste remake de 2019 de forma imparcial. Numa apreciação global, sugere-me um filme feito para quem já viu o original e para os amantes de gatos que se calhar, na altura, não eram tantos como são agora.
O enredo é o mesmo: um casal e os dois filhos e o gato mudam-se da cidade para uma pacata localidade no campo de modo a terem mais tempo para a vida familiar. Gostei que o filme tivesse começado pelo fim, quando todos pensamos que já sabemos o que aconteceu, mas o filme reserva-nos surpresas que nunca nos passariam pela cabeça e se o virmos duas vezes ainda percebemos melhor o que ocorreu depois de o filme acabar. Diria mesmo que este “Pet Sematary” não é tanto um remake como antes uma versão alternativa que nos leva a questionar tudo. Peço desde já desculpa pelos spoilers mas não seria possível analisar as diferenças sem eles.

Do que gostei
Gostei do cenário. O filme original era passado num descampado suburbano com uma estrada feiosa a meio. Aqui a família muda-se para uma casa na floresta cerrada, rodeada de árvores verdejantes e trilhos pedestres. A floresta, escura, misteriosa, selvagem, perigosa, sempre foi um local que evoca medo, especialmente de noite, que esconde o que pode estar à espreita. Neste caso a estrada também lá está, ainda mais mortal porque menos visível entre ramos e vegetação, como uma armadilha perfeita. E, como uma armadilha, faz vítimas. A primeira é Church (Winston Churchill, o gato).
Aqui vem o spoiler que não posso evitar. Quem morre a seguir não é Gage, o bebé, mas a irmã mais velha, Ellie, o que altera toda a dinâmica da história. Gostei desta mudança. Gage, como bebé assassino, pode ser mais sinistro e chocante para algumas pessoas mas eu sempre achei que uma criança tão pequena a executar homicídios que exigiam bastante força física era irrealista e exagerado; era como se Gage tivesse saído da sepultura 5 anos mais velho. Ellie, por outro lado, tem 9 anos. Isto permite um nível filosófico de conversa entre ela e o pai que Gage nunca teria, como quando ela pergunta “onde é que eu estive?”, “estou morta?”, com um inegável ressentimento para com ele como se este lhe tivesse roubado o repouso em paz. Muito mais interessante, na minha opinião. Gostei que Ellie tivesse regressado com olhos de morta: uma pálpebra mais descaída, outra mais fechada. Quando Ellie pede ao pai que fique com ela nessa noite, é visível a hesitação de medo e desconforto com que Louis se deita na cama da filha, e, no entanto, quase contra o seu próprio instinto de preservação, sente-se como ele luta contra essa repugnância visceral para ter a filhinha “de volta”.
Gostei muito mais do papel de Church neste remake. No filme original o gato era quase um adereço, uma desculpa para introduzir o cemitério índio. Neste “Pet Sematary” Church tem um papel mais principal, se não for mesmo a personagem principal do filme! Church volta da sepultura perfeitamente malévolo e manipulador. Não é apenas o catalisador de mais tragédias, conseguiram de facto pôr-lhe expressões de contentamento felino a cada novo horror. Church é o aliado dos que regressam, parte da força maldita e sobrenatural que os move.
Aliás, neste remake é-nos dito que os nativos descobriram o poder maléfico do solo e fugiram porque acharam que aqueles bosques pertenciam a outra coisa qualquer, não sem antes assinalarem as árvores com símbolos de aviso. A localização do cemitério de animais, tão próxima do sítio “onde os mortos andam”, já não nos parece assim tão acidental mas um resquício esquecido de crenças antigas.
Não é a única informação nova que o remake introduz. É fortemente sugerido que Jud, o vizinho simpático que leva o médico ao cemitério índio, também lá enterrou a esposa quando ela morreu. Esta complexidade acrescida, no entanto, nunca é explicada. (Lá vou eu ter de ler o livro.) O que nos leva ao que não gostei.

Do que não gostei
Tal como no filme original, Zelda continua a ser um erro. Zelda é a irmã mais velha de Rachel (a mãe) que morreu de uma doença terrível que lhe distorcia a coluna. Assim que chega à casa nova, Rachel começa a ter visões da irmã. Rachel nunca conseguiu ultrapassar a culpa por ter sentido alívio quando Zelda finalmente morreu. É claro que compreendemos como é que um acontecimento tão traumático assombra Rachel para sempre, e percebemos que para uma criança a doença e a morte possa ter sido assustadora. No entanto, tal como no original, o filme insiste em representar Zelda como uma monstruosidade, quando na verdade é uma pobre vítima digna de compaixão que morreu demasiado cedo depois de uma doença dolorosa e prolongada. Ambos os filmes nos podiam ter mostrado os sentimentos de culpa e medo de Rachel sem tentar usar Zelda para assustar os espectadores também. Aqui é que está o erro. Zelda não nos assusta, provoca-nos pena. Os filmes não perceberam que o espectador pode compreender o medo que Zelda inspira a Rachel sem nos impingir Zelda como um monstro, o que é um tiro pela culatra. Este “Pet Sematary” ainda exagera mais a coisa, transformando a morte de Zelda num jump scare completamente desnecessário e até um pouco ridículo. Mal feito, muito mal feito.
Por outro lado, este “Pet Sematary” não incluiu duas das partes mais assustadoras do original: os flashbacks do cão e da primeira pessoa que foram propositadamente enterrados no cemitério índio. A cena do cão a ladrar do outro lado dos lençóis estendidos ainda hoje me arrepia. O soldado que regressa como morto-vivo foi possivelmente o primeiro zombie bem feito e verdadeiramente assustador que eu vi na vida, um zombie tão semelhante aos de “The Walking Dead” que não me admiraria nada que tivesse inspirado o próprio Greg Nicotero anos mais tarde. Aliás, por falar nisso, o fantasma de Pascow avisa o médico, no cemitério de animais, tal como no original: “This is the place where the dead rest. Don’t go on to the place where the dead walk.” Coincidência ou inspiração, não sei.
Os flashbacks do cão e do zombie foram verdadeiramente arrepiantes e não gostei que os tivessem retirado. Sem eles, nunca teríamos sentido tanta tensão à medida que o filme original avança e percebemos que Louis vai cometer os erros de que já foi avisado. Neste novo “Pet Sematary”, lamento dizê-lo, nunca há cenas tão assustadoras, o que é pena.
Então, resumindo, qual é a razão de existir deste novo “Pet Sematary” para além das coisas que não acontecem como estávamos à espera e das coisas que acontecem quando já não as esperávamos? Tal como no original, também neste filme o tema principal é o luto, a dor tão feroz que faz as pessoas cometerem os actos mais tresloucados, mas por alguma razão o original conseguiu transmitir melhor essa dor. No funeral de Gage, por exemplo, quando uma briga faz com que o caixão caia ao chão, ou quando Louis desenterra Gage e passa a noite com ele ao colo.
Este “Pet Sematary”, por seu lado, envereda por uma conclusão bizarra. No final do filme há uma cena muito tensa em que efectivamente tive medo do que ia ver, mas mais uma vez me trocaram as voltas. Regressando ao início do filme compreendemos melhor o que se passou depois, como disse atrás. O problema começa exactamente aqui: e agora, o que é que eles vão fazer? Viver zombies e felizes para sempre? Lançar uma epidemia de zombies? Será isto o piscar de olho a uma sequela?
Tendo em conta a dificuldade em ser imparcial, não consigo dizer qual dos filmes é melhor. O original já nos parece algo antiquado. O novo tem uma linguagem cinemática mais moderna mas não consegue transmitir o tema com a mesma visceralidade. Gostei dos dois e encontrei virtudes e defeitos em ambos. Neste, pelo menos, um personagem muito especial teve um fim feliz. Para mim, pelo menos. Não consigo escolher e recomendo os dois.

15 em 20 (menos 2 pontos do que o original porque faltam os flashbacks icónicos)


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