domingo, 23 de novembro de 2025

The Last Kingdom: Seven Kings Must Die (2023)

"Seven Kings Must Die" pretende ser um filme de epílogo para a série "The Last Kingdom", mas eu considero que isto é mais um último episódio de duas horas.
Sem querer entrar em spoilers, Aethelstan torna-se rei após a morte de Edward e enfrenta a aliança de vários soberanos pagãos e cristãos incitada pelo viking Anlaf. Uhtred é obrigado a intervir, não apenas por uma questão de vassalagem mas por lealdade ao neto de Alfred e ao ideal de uma Inglaterra unificada.
Devo dizer, fui ver "Seven Kings Must Die" com muito receio porque já tinha lido críticas alarmantes. "The Last Kingdom" acaba de modo muito satisfatório, não deixa pontas soltas, e "Seven Kings Must Die" começa logo por ser desnecessário. Quando uma série termina tão bem, com tudo resolvido, não queremos uma má sequela a estragar-nos essa recordação. Não foi exactamente o que aconteceu, mas agora compreendo as críticas.
Ao ver o episódio, a minha maior questão foi: porque é que não fizeram mais uma temporada? É aqui que todas as críticas convergem e eu concordo. Este episódio tem enredo suficiente para uma temporada inteira. Como resultado, a acção é demasiado apressada, as viagens entre localidades acontecem à velocidade da luz (custa acompanhar onde eles estão quando vão de norte a sul e de leste a oeste em 30 segundos), e não há tempo para desenvolver as personagens. Por falar nisso, uma nova temporada permitiria incluir personagens como Stiorra, filha de Uhtred, a rainha Aelswith, a monja Hild e a Lady Eadith, que aqui nem aparecem. Tudo o que era excelente na série é sacrificado ao ritmo frenético da acção porque há muitas batalhas para travar e pouco tempo de filme. Há mortes chocantes mas ninguém tem tempo de fazer o luto, nem eles nem nós. O episódio é uma correria desenfreada para conseguir condensar a história que quer contar em menos de 120 minutos.
E por isso pergunto: porquê? Uma das razões apontadas é a falta de orçamento, mas se houve dinheiro para uma batalha épica de 10 minutos não haveria dinheiro para momentos de desenvolvimento das personagens em cenários mais baratos? E, sendo uma série de sucesso e adorada pelos fãs (e muito mais bem escrita do primeiro ao último episódio do que "A Guerra dos Tronos" e "Vikings"), e se o filme foi aprovado, porque é que uma última temporada escrita pela mesma equipa não seria? Há aqui qualquer coisa que não bate certo em termos comerciais.
Se mesmo assim vale a pena ver? Vale muito a pena ver, e as boas memórias da série não vão ficar beliscadas, mas deixa-nos com uma sensação de desperdício de enredo e de incompreensível qualidade inferior.
A mim chateou principalmente a falta de desenvolvimento das personagens. Quem vir apenas este "filme" (que não é filme porque não é uma história autónoma) vai pensar que as personagens da série também eram bidimensionais como são aqui, a mudar radicalmente de ideias em questão de segundos sem que se perceba muito bem as suas motivações. Aethelstan é um vilão porque está a ser manipulado pelo amante, um monge secretamente ao serviço dos reis pagãos. Uhtred tenta abrir-lhe os olhos e Aethelstan quase o manda matar, mas uns minutos depois Aethelstan percebe o seu erro, tudo isto tão depressa que parece que só passou meia hora na vida dos personagens. Nem há tempo para respirar. Para quem não viu a série, asseguro que "The Last Kingdom" é uma história bem contada. Aliás, aconselho veementemente que não se veja este episódio sem ver a série, porque seria uma injustiça.
O que aborrece mais é que ainda assim "Seven Kings Must Die" consegue incluir, na medida do possível e do tempo do filme, pitadinhas dos elementos que tornaram a série tão boa: romance, humor, drama, a dinâmica entre os personagens principais, e uma batalha espectacular a fechar. Uhtred já não está tão burrinho como no princípio. Aparecem presságios que só percebemos no fim. A certa altura pensamos que Uhtred está a ver valquírias e ficamos gelados, mas vamos ter ainda uma visão de Valhalla, como Uhtred o imagina, mais à frente. Os últimos segundos do episódio emocionaram-me e trouxeram-me lágrimas aos olhos, o que não acontece todos os dias, e que não acontece devido ao enredo mas ao significado da história em si.
"Seven Kings Must Die", pelos defeitos, fez-me dar mais valor à qualidade e ao impacto de "The Last Kingdom". Aconselho aos apreciadores da série que desejem mais aventuras de Uhtred, Finan, Sihtric e Pyrlig, desde que se preparem para um episódio mal aproveitado.

ESTE EPISÓDIO MERECE SER VISTO: 1 vez, mas só depois de ver a série

PARA QUEM GOSTA DE: The Last Kingdom, Vikings, drama histórico

terça-feira, 18 de novembro de 2025

The Giver / O Dador de Memórias (2014)

Numa sociedade distópica, muito depois da destruição da Terra, o jovem Jonas prepara-se para assumir o papel de adulto e membro produtivo da comunidade, mas, ao contrário dos seus colegas e amigos da mesma idade, a quem são atribuídas funções de acordo com as suas personalidades, Jonas é seleccionado para ser o novo Receptor de memórias.
Esta sociedade, regulada pelo princípio da Semelhança, em que toda a gente tem de ser igual e a individualidade foi abolida, conseguiu suprimir as memórias do passado e as emoções através da medicação que todos tomam, e inclusivamente a capacidade de ver a cores (para que não haja diferenças raciais). Deste modo, o filme começa a preto e branco e vai ficando colorido à medida que Jonas se recorda das cores. Como receptor das memórias, Jonas é incumbido de receber do Dador que o precede toda a verdadeira História da Humanidade que esta sociedade esqueceu de propósito: as emoções, as cores, a paixão, os sentimentos, mas também a perda, a violência, a guerra, a morte. A sua maior dificuldade vai ser mesmo confrontar-se com a morte, algo que os habitantes da comunidade preferem ignorar que exista.
Esta sociedade podia ser uma mistura de "Admirável Mundo Novo" e "1984", com a adição de eugenia em que os velhos e os bebés considerados não "aptos" são enviados para o Outro Lugar (eufemismo para assassinados). Uma coisa aterradora! Para meu horror, no entanto, o filme desenvolveu-se como uma versão Young Adult de "Admirável Mundo Novo" + "1984" para crianças, o que não anda longe da verdade porque o filme é baseado no livro homónimo de Lois Lowry, que, segundo vi em críticas, é realmente lido às criancinhas como maneira de "preparação" para os clássicos de Aldous Huxley e George Orwell. Eu não li o livro mas não concordo nada com isto. Acho que "1984" deve ser lido a frio, por volta dos 14 anos, para a pancada acertar no sítio. Seja como for, George Orwell até nos fez o favor de escrever a versão "infantil" em "Animal Farm", e tudo o que li sobre o livro de Lois Lowry não me convenceu de que fosse melhor escolha.
Mas voltando ao filme, pelo que percebi é ainda mais Young Adult do que o livro, com o inevitável trio romântico e tudo, a assemelhar-se (colar-se) mais a "The Hunger Games" e "Divergent". Se no livro existe algum "murro no estômago", aqui fica tudo tão diluído num mundo de adolescência que nem a eutanásia de um bebé produz o efeito que merece.
No fim resume-se tudo a salvar um destes bebés enviados para Dispensa (dispensa de viver, entenda-se). A sociedade apresentada podia dar uma história sinistra, de arrepiar, mas em vez disso é tudo tão insonso que eu cheguei a torcer para que o bebé morresse à mesma só para infundir algum drama a esta seca. Ainda por cima o final não faz sentido. Tudo o que Jonas tem de fazer para restaurar as memórias à comunidade onde vive é fugir para lá da Fronteira que separa a comunidade do mundo selvagem, e as memórias regressarão. Mas regressarão como?! Parece que ele e o Dador se comunicam por telepatia, mas, do que vimos, os residentes medicados não reagem à telepatia. Aqui não há magia nem sobrenatural, é tudo ficção científica, então como é que raio o atravessar de uma Fronteira iria afectar a comunidade?
Foi doloroso ver o desperdício de actores como Jeff Bridges, Alexander Skarsgård (o Eric de "True Blood"), e, principalmente, de Meryl Streep, que (tal como Julianne Moore em "The Hunger Games") merecia estar a interpretar papéis à sua altura em vez de participar nesta chachada. Espero que lhe tenham pago bem.

11 em 20
 

domingo, 16 de novembro de 2025

Hitler: The Lost Tapes of the Third Reich / Hitler: As Gravações Perdidas do Terceiro Reich (2023)

Este é um documentário sobre a ascensão e queda de Hitler baseado em testemunhos de seus amigos, conhecidos e colaboradores.
Não é o melhor documentário que já vi sobre o tema, e já vi dezenas, mas é principalmente interessante porque temos relatos de pessoas que lidaram com Hitler como pessoa comum (vizinhos, conterrâneos, inquilinos do mesmo prédio, amigos de amigos) ainda antes de ele se envolver com o partido nacional-socialista. 
Estudar a ascensão de Hitler e do regime nazi é cada vez mais relevante. É fascinante observar como foi fácil, nas circunstâncias do pós-guerra e da Grande Depressão, convencer os alemães de que os judeus eram culpados por todos os problemas da Alemanha. Hitler parecia ter uma obsessão pessoal com os judeus desde muito novo, mas a verdade é que essa percepção encontrou eco nas massas e que os principais líderes do partido, por convicção ou oportunismo, tanto usaram o carisma do Führer como essa predisposição social para empreenderem uma campanha de propaganda simplista contra uma minoria transformada em inimigo número um e alvo a abater. Sem esta conjugação de factores a ideologia nazi nunca teria alcançado o nível de fanatismo que conseguiu arrancar das massas, num crescendo, desde os anos 30 até ao fim da guerra. 
É verdadeiramente impressionante e necessário conhecer o fenómeno a fundo numa altura em que até no nosso país se começa a reconhecer o mesmo padrão.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Insidious: The Last Key / Insidioso: A Última Chave (2018)

Parece que o franchise "Insidious" não pára de lucrar. Esta é outra prequela do primeiro "Insidious", mas também é uma sequela de "Insidious: Chapter 3", e já há outra sequela a caminho com a mesma família do filme original, que, coitados, parece que não se conseguem livrar da assombração.
A sinopse de "Insidious: The Last Key" promete que a médium Elise Rainier vai enfrentar a maior assombração da sua vida, e eu não acreditei porque já sei do que a casa gasta, mas neste caso enganei-me redondamente. Elise Rainier vai mesmo confrontar-se com o maior fantasma da sua vida e da sua infância: o seu pai. E logo isto confere a este "Insidious: The Last Key" um nível dramático que nunca existiu nos filmes anteriores em que um dos personagens recorrentes era um demónio chifrudo (ausente aqui, talvez graças ao deus Pan).
O filme começa com um flashback à infância de Elise. Logo de início, viviam numa casa contígua a uma prisão, onde cada vez que um condenado era executado na cadeira eléctrica as luzes davam sinal. Já em criança, Elise tinha o dom de falar com os mortos. A sua mãe considerava-a especial, mas o pai não gostava nada daquilo e submetia Elise a grandes tareias para a levar a dizer que não via fantasmas nenhuns e fechava-a na cave como castigo por ela insistir na verdade. Como se não bastasse, um dia Elise é enganada por um demónio a abrir uma porta, o que resultou na morte violenta da sua mãe e no aumento da brutalidade do seu pai. Por fim, não são os demónios quem expulsa Elise de casa, é ela própria, já adolescente, que foge da violência a que o pai a sujeita.
Muitas décadas depois, quando Elise já tem a companhia dos dois caça-fantasmas Tucker e Specs (que neste filme não são tão embirrantes como nos anteriores mas continuo a não lhes achar graça nenhuma), Elise recebe o pedido de ajuda de um dono de casa desesperado que é atormentado por fenómenos sobrenaturais. A casa onde ele reside é precisamente a mesma onde Elise cresceu, mas apesar do passado traumático ela não hesita em ir lá.
Aqui começa a parte do filme de que os espectadores mais impacientes não vão gostar. Durante uma boa meia hora Elise e os caça-fantasmas não fazem outra coisa senão andar pela casa a detectar presenças. Estas cenas de "detecção" costumam ser as minhas preferidas, porque já sabemos que eles vão encontrar qualquer coisa. Mas, desta vez, o que eles encontram é tão inesperado e perturbador que me fez cair o queixo, e já considero este o melhor "Insidous" que já vi. Segue-se uma morte não sobrenatural e realista, e juro que nunca mais vou olhar para um armário da mesma maneira.
Mas para quem pense que "Insidious: The Last Key" é só drama da vida real, o último terço do filme leva-nos para território mais "familiar", em que Elise tem de ir mais uma vez ao "Longínquo" para enfrentar o demónio que, aparentemente, lhe matou a mãe e que foi responsável pela violência do seu pai. Este demónio tem chaves em vez de dedos, o que podia ser simbólico das chaves que abrem as portas aos demónios de infância.
Na verdade, este podia ter sido um grande filme se esta faceta dos demónios/chaves/traumas de infância tivesse sido explorada como deve ser, mas a partir deste momento "Insidious: The Last Key" cai na mesma lengalenga dos "Insidious" anteriores: demónios monstruosos, sustos, Elise como super-heroína no plano astral. Que pena. Eu até estava a gostar.
Mesmo assim, como já disse, este pode muito bem ter sido o melhor filme do franchise todo e estabelece Elise Rainier como a personagem principal da saga, sem sombra de dúvidas.

13 em 20

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Yesterday (2019)

Jack Malik é um músico a tentar iniciar uma carreira, mas sem sucesso. Depois de um apagão global de 12 segundos, Jack acorda para um mundo onde os Beatles nunca existiram. Jack é a única pessoa que se lembra das canções e não resiste à tentação de começar a tocá-las como se fossem suas. Para sua surpresa, a reacção dos ouvintes não é tão efusiva como seria de esperar. Isto muda quando Jack obtém a atenção de Ed Sheeran (no papel dele próprio), que o convida para fazer a primeira parte dos seus concertos. O êxito das canções dos Beatles é de tal ordem que Jack Malik é logo abordado por uma manager da indústria discográfica e em questão de meses é admirado e famoso... mas sente-se culpado por estar a receber os louros de um trabalho que não é seu. No entanto, e ao mesmo tempo, Jack sente-se na obrigação de não deixar o mundo perder a música dos Beatles.
"Yesterday" é claramente um filme sobre os Beatles, não tanto sobre como seria o impacto provocado pela sua falta no panorama musical (a não ser que o filme diz que os Oasis também nunca existiram) mas mais sobre como as pessoas reagiriam à música dos Beatles se a ouvissem pela primeira vez nos dias de hoje. Segundo o filme, as reacções variam entre o fascínio e a indiferença quando Jack as interpreta perante família ou amigos, e só são verdadeiramente apreciadas quando Jack se torna um fenómeno mundial com a ajuda mediática. O que nos leva à mesma pergunta, até que ponto é que os Beatles seriam relevantes hoje em dia, e seriam um fenómeno da mesma dimensão que atingiram nos anos 60? Eu nunca fui fã dos Beatles. É um tipo de pop demasiado ligeira, alegre e optimista para o meu gosto (quando na minha opinião a única coisa musical saída dos anos 60 que se aproveita são os Doors, exactamente por serem pesados, depressivos e pessimistas), mas por outro lado acredito que os Beatles não fariam música da mesma maneira se tivessem existido hoje, logo, quem sabe? O que é inegável é o legado e influência que tiveram na música em geral, e não é preciso ser-se fã para reconhecer isso.
É claro que eu já estava à espera de uma injecção de música dos Beatles neste filme (e, para quem gosta, "Yesterday" assegura quase todos os êxitos), o que não esperava era uma injecção de Ed Sheeran, pessoa que conheço da "Guerra dos Tronos" e que prefiro não conhecer de mais lado nenhum, apresentado aqui como o melhor compositor do mundo a seguir aos Beatles, o que me informa de que os realizadores do filme não conhecem Nick Cave (já para não falar de Leonard Cohen). Nem vou dizer que têm mau gosto porque os gostos não se discutem, lamentam-se, e o panorama da música ligeira de massas sempre foi para lamentar desde o tempo de Elvis Presley até hoje, pelo que é fácil perceber onde eu me situo nesta questão.
"Yesterday" também é uma suposta comédia romântica (que não tem graça nenhuma) entre Jack e uma amiga de infância, Ellie, que sempre foi a sua maior fã. Incompreensivelmente, Jack só percebe que ela gosta dele quando Ellie já desistiu e já tem outro namorado, e Jack faz a grande canalhice de se declarar em público e em directo durante um concerto de estádio, sem se ralar nada com os sentimentos do desgraçado do namorado que ficou ali todo encavacado. Isto comigo, se fosse a Ellie, era razão para nunca mais falar a Jack, só pela falta de delicadeza se não por mais razões, mas, como isto é uma comédia romântica, Ellie não apenas adora a declaração de amor como larga o namorado logo ali. O manso do namorado até aceita tudo muito bem, dizendo que sempre soube que era a segunda escolha. Coitado, é de ter pena.
Por causa desta rom com o filme é muito levezinho, mas há uma passagem com um personagem inesperado perto do final que me impressionou bastante, e que pode emocionar grandemente os fãs dos Beatles. De resto, "Yesterday" nunca aprofunda a premissa de nos mostrar um mundo sem os Beatles e, na minha opinião, vale pelas canções e por alguns momentos humorísticos, mas nada por aí além.

13 em 20

domingo, 2 de novembro de 2025

Espias (2025)


Durante a Segunda Guerra Mundial, o Portugal neutro é um palco ideal para a espionagem. "Espias" é uma história de espionagem no feminino com agentes inglesas e alemãs e polícias da PVDE.
Primeiro que tudo, deixo um disclaimer. Não sou fã de espionagem, especialmente a espionagem "pura e dura". Nem sequer tenho paciência para o 007. Só vi esta série porque é portuguesa e porque gosto de ir acompanhando a produção nacional. Posto isto, não sei mesmo avaliar se a série é boa dentro de um género que, pessoalmente, acho chato.
No entanto, as poucas coisas de espionagem que eu vi e que me interessaram focaram-se mais no drama pessoal de uma personagem em que a espionagem propriamente dita ficava quase em segundo plano. Estou a pensar, por exemplo, em "Das Boot", em que os personagens que se viam envolvidos em espionagem lá iam parar um pouco por acidente ou necessidade, mas o foco de interesse era mesmo o drama humano. Em "Espias" temos aquilo a que eu chamo espionagem "pura e dura", em que o drama humano é secundário. É verdade que Bárbara, falsificadora portuguesa que se torna agente dupla porque é apanhada entre ingleses, alemães e a PVDE, tem um irmão preso no Tarrafal e faz tudo isto na tentativa de o ajudar. Mas nunca vemos este irmão nem a relação entre os dois, é apenas uma motivação que nos é informada. A série passa-se sobretudo na acção da espionagem em si, isto é, planos, códigos, encontros, fotografias, mapas, correspondência com tinta invisível, falsificações, seduções, e todo esse etcétera, que é precisamente o etcétera que pessoalmente me desinteressa do género. Se calhar os fãs de espionagem vão achar o contrário, não imagino.
Outra coisa que me entusiasmou minimamente nos (relativamente) poucos filmes e séries do género que vi, é quando todo enredo culmina num propósito maior, seja esse propósito engraçado (como roubar a "Fallen Madonna With The Big Boobies" em "Alô Alô") ou grandioso (como obter informações que podem alterar o curso da guerra em "Das Boot") ou egoísta (como um personagem simpático que só quer safar a pele). Achei que "Espias" se focou principalmente nos pormenores das missões e utilizou muita informação e personagens off-screen que nem chegamos a conhecer, e só conseguiu este efeito de propósito maior no último episódio. Mas isto é a opinião de quem não gosta particularmente de espionagem como género, logo teria de haver outra coisa qualquer para me agarrar.
O que aprecio são produções de época, e gostei bastante do que vi. Só achei estranho tantas mulheres de calças naquela altura, mas por outro lado eram mulheres estrangeiras e da alta sociedade. Pode ser que muita coisa tenha mudado entre os anos 40 e os anos 70, mas ainda nos anos 70 não era bem visto que uma senhora "de respeito" usasse calças, e muitas velhotas que conheço nunca usaram calças na vida nem se sentiriam bem a usar. Era considerado "vergonha". Uma senhora não andava por aí a mostrar as formas, tinha de usar saia, e que não fosse muito justa.
O que me leva ao que gostei mais nesta série, os Pevides, a parte que senti mais portuguesa e próxima daquilo que será o meu imaginário no que toca à altura. Para começar, aprendi que a sigla que antecedeu a PIDE até 1945 era PVDE. Eu sabia que tinha mudado de nome mas não conhecia a designação exacta. Agora não me vou esquecer por causa dos Pevides. Também já tinha ouvido a expressão "pevide", mas sempre pensei que era a gozar com PIDE. Afinal nem era gozo, estava mesmo lá: PeViDE.
Brincadeiras à parte, gostei de ver as coisas um bocadinho pela perspectiva dos agentes da PVDE, por vilões que sejam. Até seria interessante, na minha opinião, termos mais ficção nesta perspectiva. Passados 51 anos do 25 de Abril, talvez já fosse tempo? Talvez ainda seja muito cedo? Pergunto-me. Mas seria interessante.
"Espias" é uma espécie de sequela de outra série que eu perdi, "A Espia". Não me pareceu que não ter visto a série anterior tenha prejudicado a minha avaliação, mas não posso ter a certeza. Aconselho o visionamento aos apreciadores de séries de época e, é claro, de espionagem.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez 

PARA QUEM GOSTA DE: séries de época, espionagem, História