sexta-feira, 24 de agosto de 2018

The X-Files / Ficheiros Secretos 2018

 

E aqui estamos nós outra vez a falar dos Ficheiros Secretos, versão 2018.  É a temporada 11, para quem já se perdeu.
Apesar de toda a minha indignação na crítica à mini-série / 10ª temporada de 2016, confesso que não a levei muito a sério. Como ali digo, “aconteceu-me um raro fenómeno de dissociação televisiva em que continuei a ver sem ver nada. Fui abduzida. O corpo ficou na cadeira em frente à televisão mas a mente já não estava lá.” Enfim, pensei eu, mini-série a apelar à nostalgia (e ao lucro fácil) que começa e acaba aqui. As reacções dos fãs foram semelhantes à minha e acreditei piamente que era a última vez que via o Mulder e a Scully.
Com este novo regresso, a que já chamaram “temporada” em vez de “mini-série”, levei o caso mais a sério. Então os Ficheiros Secretos iam voltar? Iam mesmo voltar, regularmente? Então é para ser bom. Não se admite outra coisa. E comecei a ver com uma maior expectativa que o primeiro “regresso” não me mereceu.
Logo no primeiro episódio, banhada. Toda aquela pandemia do vírus alienígena, o fim do mundo, tudo isso, bem, foi um sonho. [Como naquele famoso e infame episódio de Dallas, de que os leitores mais novos não se vão lembrar mas que é um clássico, em que uma temporada inteira desaparece com um sonho.] Tudo o que vimos na temporada anterior simplesmente não aconteceu. Era só a Scully a ter uma visão do futuro.
Aqui apeteceu-me logo atirar o comando ao écran. Mas acalmei-me. Racionalizei. Se calhar o Chris Carter não sabia se a série ia ser renovada e quis acabar em grande, com o fim do mundo. Sim, com um cliffhanger, mas em grande. E quando a série foi mesmo renovada, percebeu que não era exequível ou não tinha orçamento para continuar o enredo por ali e teve de retroceder. Racionalizei e aceitei. Se isso significava o regresso dos Ficheiros Secretos como os conhecíamos, um caso por semana, Mulder e Scully mais velhos, vinte anos mais tarde, enfrentando novos problemas pessoais e desafios diferentes, até perdoaria o começo desastrado. Porque, afinal, é disso que os fãs dos X-Files sempre gostaram: Mulder e Scully a investigarem casos estranhos, daqueles que nos fazem hesitar entre acreditar e não acreditar. Daqueles que fazem justiça ao slogan da série, I want to believe.

No baú do esquecimento

Esta temporada recordou-me tudo o que já não ia bem nos X-Files quando a série original chegou ao fim. A mitologia, que já não tinha pés nem cabeça. A conspiração, que já não fazia sentido. Mas pelo menos acabaram com a invasão alienígena: o planeta está tão estragado que os extraterrestres já não estão interessados em vir para cá. E aqui sorri. Nunca vi os Ficheiros Secretos à espera de comédia, mas não rejeito. E depois começaram a acontecer coisas estranhíssimas. Sabiam, ou lembram-se, que o Homem dos Cigarros era o pai do Mulder? Lembram-se de isso ser dito, implícita ou explicitamente, na série original? Porque eu não me lembrava nada. Absolutamente nada. E conforme fui lendo críticas aos episódios comecei a recordar-me das últimas temporadas da série que a minha memória tinha pura e simplesmente bloqueado. E lembrei-me que nos últimos tempos a série já não era nada de especial. Até houve uma temporada em que o Mulder esteve ausente! Substituído por um tal agente Doggett interpretado pelo actor de "Exterminador Implacável 2", Robert Patrick. Como é que me esqueci disto tudo? Bem, porque já era mau. É claro que vi, fielmente, mas a série já tinha passado o prazo de validade. Infelizmente, foi disso que esta temporada 11 me recordou e não é o tipo de memórias que queremos ter de uma das nossas séries favoritas. Nostalgia, sim. Do que foi bom, do que lembramos dos tempos áureos. A série não devia ter sido ressuscitada sem motivos épicos para a tirar do baú do esquecimento.
Mas também conhecemos William! Finalmente! Então o puto sempre existe! E não é filho do Mulder. Ficamos logo a saber, no primeiro episódio “My Struggle III”, que o Homem do Cigarro inseminou a Scully, drogada e inconsciente, com um embrião de ambos. Esperemos que a inseminação tenha sido artificial e já é repulsivo o bastante. Mas isto significa que durante este tempo todo o Mulder julgou que era pai de um filho que afinal é o irmão filho do pai. [Não resisti.] E irritou-me um bocadinho. Nunca fui muito apreciadora de terem transformado a relação entre o Mulder e a Scully num romance, admito. Mas fui-me habituando à dinâmica romântica entre os dois e fui-me afeiçoando à ideia de que algures no mundo tinham um filho. De repente, não têm. Nada nos adiantou tentar importar-nos com um miúdo que só vimos brevemente em bebé. Não é filho do Mulder e a Scully foi inseminada por violação científica. O “choque” não compensa a perda do investimento emocional. E faz-nos questionar o mais básico que um espectador nunca devia questionar: vale a pena investirmos emocionalmente nestes personagens? Porque o fim da temporada faz-nos suspeitar que não. Mas agora já me estou a adiantar.

Os bons motivos para uma continuação
Apesar disto tudo, a temporada 11 também me recordou o que me tornou fã dos Ficheiros Secretos. Alguns episódios foram bons, mesmo bons:
“Kitten” Centrado em Skinner e na sua experiência no Vietname, é um episódio à antiga, em que experiências governamentais com drogas alucinogénicas transformam pessoas pacatas em soldados sanguinários. Nada de sobrenatural ou alienígena, mas sempre interessante.
“Rm9sbG93ZXJz” Um episódio que podia ser um filme de terror salpicado de comédia. Num futuro mais ou menos próximo (?) Mulder e Scully vão comer a um restaurante japonês completamente operado por robôs. Depois de ser servido com um jantar horripilante, Mulder recusa-se a deixar gorjeta. Isto leva a uma conspiração entre todas as máquinas dotadas de inteligência artificial que perseguem Mulder e Scully atrás da gorjeta. Parece cómico mas tem momentos muito tensos. A sorte é que a inteligência das máquinas não é assim tanta. Mas faz-nos pensar até que ponto queremos inteligência artificial nas nossas vidas. Eu pensei em comprar um daqueles aspiradores redondos autónomos que andam de um lado para ao outro. Agora é que não compro mesmo! Um excelente episódio, o melhor da temporada na minha opinião.
“Familiar” Este episódio fazia mais sentido no Sobrenatural. Não sei até que ponto é que alguém decidiu que o regresso dos X-Files devia ser palhaçada. Funcionou muito bem com o Lagartomem da temporada anterior, episódio “Mulder & Scully Meet the Were-Monster”, mas para mim já não funcionou tão bem com “The Lost Art of Forehead Sweat” desta temporada, que supostamente devia ser cómico mas não me fez rir. “Familiar” é um episódio a roçar o mau gosto, em que no meio da palhaçada duas crianças são assassinadas e Mulder vê um Mastim do Inferno. No Sobrenatural fazem isto muito bem. Prova de que Sobrenatural é uma das séries mais subestimadas de sempre. Os X-Files tentaram fazer o mesmo e falhou ali qualquer coisa.
“Nothing Lasts Forever” Deste episódio gostei mesmo muito. Um culto procura a eterna juventude alimentando-se de carne e sangue de adolescentes e alguma ficção-científica. E resulta. O que os torna vampiros, nem mais nem menos. Uma diva dos anos 60 permanece jovem e bela como se tivesse vinte anos graças ao seu batido de sangue humano. Muito Erzsebet Bathory. Aconselhado a quem gosta de vampiros. Não aconselhado a pessoas de estômago sensível.
Com estes episódios, recordei o que gostava nos Ficheiros Secretos e vi uma verdadeira possibilidade de continuação. Mulder e Scully, com ou sem romance, a investigar casos estranhos. Sempre foi isto. Bastava só isto.
Mas entretanto aconteceu "Ghouli".


I want to forget
"Ghouli" foi o episódio que introduziu William e não podia ter sido mais disparatado. Começou com um monstro, mas afinal não era um monstro, era William, o filho perdido de Scully e Mulder, o personagem que todos ansiávamos conhecer, o salvador do mundo com o seu ADN alienígena. E estava morto. Mas afinal não estava morto, estava só a fingir-se de morto enquanto Skully chorava à sua beira. Ainda não estávamos refeitos do choque de descobrir que o episódio era sobre um personagem que devia ser fulcral, quando percebemos que William é um estafermo. Mas a série não percebe que William é um estafermo e segue em frente, episódio e temporada, como se nos devêssemos importar com este parvalhão. Entre as belas coisas que William nos mostra, consegue fazer com que as suas duas namoradas se esfaqueiem uma à outra (sim, duas namoradas, ao mesmo tempo). Quando os pais adoptivos são assassinados, não o afecta nada. E ainda diz a uma das namoradas que partilha visões com “uma mulher qualquer que deve ser a minha mãe biológica”. Não é um amor? Mas a série parece querer apresentá-lo como um rapaz interessante e incompreendido. Infelizmente, é apenas um estafermo. E a maneira como o episódio se desenrola é das coisas mais mal feitas que vi na vida. Como se fosse o script de uma história monster of the week em que o William foi metido à força porque não tiveram ideia melhor. É espantoso como uma série deste nível conseguiu destruir o personagem que devia ser o centro emocional da temporada.
Mas isto não é o mais grave. O mais grave é mesmo o fim.
Depois de algumas peripécias, em que Mulder e Scully nunca se apercebem de que têm por filho um estafermo, algo acontece que os leva a pensar que William morreu (mesmo). E aqui Scully tem uma reacção absurda. Depois de anos a agonizar pelo filho perdido, diz apenas: “Ele era só uma ideia, uma experiência de laboratório.” Como?! E Mulder diz esta pérola: “Que sou eu senão um pai?” Como?! Quando é que o Mulder foi um pai? Conheceu o miúdo durante cinco minutos. Trocou com ele cinco palavras. Mulder nunca foi um pai e Scully nunca diria do filho “deixa lá, a gente faz outro”. Ok, ninguém diria uma coisa destas de um filho, ponto final. Quem é que escreveu este diálogo e com que intenção? Porque eu quero esquecer o que vi e ouvi, de tão mau.
Uma coisa são episódios chochos. Outra coisa muito mais grave, como dizia acima, é transformar os personagens em marionetas de papel em que não se consegue investir emocionalmente. E fazer isto ao Mulder e à Scully, a quem conhecemos há mais de vinte anos, é imperdoável.


A temporada 2018 recordou-me o pior e o melhor dos Ficheiros Secretos. Mas o melhor não superou o pior, e é pena. Se é para trazer a série de volta, com pés e cabeça, porque não? Se é para destruir bons personagens e boas memórias, que esta seja a última vez que tenho de falar dos X-Files. De cada vez que tentam dar à série o fim que merece (e que nunca teve) conseguem fazer pior. Se é assim, como fã, prefiro que desistam. Que deixem a série repousar em paz.

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