Toda a gente que lê este blog há alguns anos sabe que sou uma FANÁTICA das Vampire Chronicles. Li todos os livros pelo menos duas vezes (excepto o último), vi os dois filmes várias vezes. Há cerca de 15 anos que ouvi falar na produção de “Interview With The Vampire” numa série televisiva e não podia ter ficado mais entusiasmada: finalmente íamos ver a história COMPLETA, com todos os PORMENORES dos livros que fascinaram milhões de fãs em todo o mundo. Falo dos verdadeiros fãs, não daquelas pessoas que viram um filme ou dois e não sabem mais nada da história.
Da mesma forma, não podia ter ficado mais decepcionada, abismada, irritada com a série de que falo aqui e que pode ser tudo menos “Entrevista Com o Vampiro”. Isto não é uma adaptação, isto é fan fic. O que me leva a maior desapontamento ainda com Anne Rice, que sendo produtora executiva teve forçosamente de aprovar todas as alterações. Para quem não sabe, Anne Rice sempre foi contra toda a produção de fan fic (ficção escrita por fãs) do seu trabalho, alegando que deturpavam a história. Mas aparentemente se há dinheiro envolvido já não existe “deturpação”.
O outro problema é: porquê? Porque é que se criou todo um enredo alternativo às Vampire Chronicles quando o original é tão bom e nunca foi adaptado como só uma série de televisão permitiria? Porque é que se quis desiludir milhares de fãs com uma história inferior que atenta contra os elementos mais importantes do original?
Louis de Pointe du Lac
A história começa em 1910. (Porquê, mãezinha, porquê? Porque é que tivemos de perder todo o encanto do século XIX, o século do vampiro?)
Aqui, Louis de Pointe du Lac é crioulo e um proxeneta (dono de bares, casas de prostituição e actividades ilegais em geral). Um Louis crioulo podia ser uma boa ideia, mas a própria questão da raça (incluída por motivos de “diversidade”, algo que nunca teve qualquer relevância no original) coloca contradições gritantes. É Louis quem nos diz que as ruas mal-afamadas de New Orleans eram o único lugar onde um negro podia ser alguém. Por outro lado, o pai dele era dono de uma plantação de açúcar (como no original) que faliu. A família de Louis (mãe, irmã e irmão) é negra e rica. E o pai? Seria branco? Poder-se-á sequer imaginar historicamente que uma família negra pudesse ser dona de uma plantação na Louisiana da altura? * É Louis quem nos diz: não. Então como é que é possível? Mais valia terem retirado completamente a parte da plantação e as coisas faziam mais sentido: Louis de Pointe du Lac, proxeneta, ponto final. (O verdadeiro Louis de Pointe du Lac deve andar às voltas no caixão. Nunca tal criatura sombria e depressiva podia alguma vez estar ligado a negócios de prazer. Aliás, foi esse desprazer com a vida que atraiu Lestat.)
* No segundo visionamento, notei que Louis diz isto sobre a plantação: “Capital acumulado de plantações de açúcar e o sangue de homens que se pareciam com meu bisavô, mas não tinham a sua posição”. Então, a plantação passou para descendentes de escravos? Considerando que seria possível, mesmo assim não invalida a contradição: “as ruas mal-afamadas de New Orleans eram o único lugar onde um negro podia ser alguém”.
Peço desculpa, eu disse que a história começa em 1910. Referia-me ao ano em que Louis conhece Lestat. A série começa nos nossos dias, num dos anos da pandemia, quando Louis, agora instalado no Dubai, convida o jornalista veterano Daniel Molloy para lhe dar uma segunda entrevista 50 anos depois da primeira. Daniel Molloy, que no original também foi transformado em vampiro, está muito mais velho e cínico e sofre de Parkinson. (Esta alteração, por exemplo, não me incomoda muito porque Daniel Molloy nunca foi importante para a história em geral.) Louis, ao que parece, quer corrigir o que disse há 50 anos porque também está mais velho e… mais sábio? Porque mudou de ideias? Porque quer comer Daniel Molloy depois da entrevista? Eu também não sei. A certa altura ambos queimam as gravações em cassete da primeira entrevista, o que não podia ser mais simbólico do que estão a fazer ao trabalho de Anne Rice (com o consentimento da própria). Então este Louis (recuso-me a considerá-lo o “verdadeiro”) começa a contar a história de como era libertino e de como se assumiu como homossexual quando fez sexo com um homem (Lestat). Ui! Isto é mesmo pôr no lixo todos os livros das Vampire Chronicles e deitar-lhes fogo.
Os vampiros de Anne Rice não fazem sexo. O que não quer dizer que não se envolvam em actividades sexuais, mas o êxtase está todo no sangue. Isto não é uma nota de rodapé e não é um pormenor, faz parte da identidade do vampiro de Anne Rice: a imortalidade vem com o preço da perda do prazer sexual, mas o êxtase do sangue supera-o sobremaneira.
Em certos casos, nas Chronicles, alguns vampiros envolvem-se em actividades sexuais com outros vampiros e mortais, o que é sempre representado como uma união profunda, rara, de amor platónico e transcendente, de uma tentativa de voltar a sentir vida. Por exemplo, Lestat e Rowan em “Blood Canticle”. (E sim, temos muitos pormenores bastante explícitos de como estas relações ocorrem, do princípio ao fim. Anne Rice nunca foi exactamente uma púdica.) Transformar isto no mais comezinho da experiência humana é retirar aos vampiros de Anne Rice tudo o que os torna seres únicos e fascinantes, para sempre afastados da humanidade perdida mas nostálgicos por ela, imortais mas amaldiçoados pelo peso da eternidade.
Aliás, a homossexualidade nunca foi escondida nas Chronicles, bem pelo contrário. Muitos vampiros, entre eles Lestat e Marius, assumem-se como bissexuais com todas as letras. Mas Louis nunca o fez e nada nos deu a entender que a sua relação com Lestat não fosse puramente platónica (até ao momento em que Louis o começou a odiar, isto é). A série põe Lestat e Louis a dormirem no mesmo caixão como qualquer casal gay. Isto sim, é fan fic da pior, como certos desenhos que circulam online e que quase me fazem dar razão a Anne Rice quanto à imaginação púbere dos fãs.
Lestat de Lioncourt
Falando no diabo, Lestat é a única personagem que escapa mais ou menos incólume às abominações do enredo. Sam Reid, o actor, consegue personificar o demónio de cabelos loiros como toda a gente o conhece, apesar de o quererem remeter ao papel de marido rabugento que não tem sexo em casa e vai ter com uma amante quando Louis não lhe liga. Isto também é problemático. Lestat nunca se envolve com uma qualquer só pelo sexo. Como no caso de Rowan, o que o atrai a alguns humanos que ele considera extraordinários é um profundo respeito, fascínio e admiração em que o vampiro dá prazer em troca de sangue (ou, no caso contrário, acontecem coisas desagradáveis como em “The Tale of The Body Thief”). Geralmente a amada ou amado são transformados em vampiros também. Não me parece que ele tenha esse respeito imenso pela cantora com que se envolve nesta série.
Claudia
Claudia não é a criança-vampiro de causar pesadelos. É uma miúda de 14 anos, mais ou menos a idade de Armand quando foi transformado. No entanto, com a chegada de Claudia a série começa finalmente a assemelhar-se à dinâmica do original, pelo menos durante uns episódios. Quando a primeira temporada termina, Claudia ainda está viva e o mundo está em plena Segunda Guerra Mundial. Já não são tempos de um Théâtre des Vampires, uma das melhores passagens do livro e do filme. Isto significará que Claudia não morre de todo, o que foi o momento mais dramático e o ponto de não retorno entre Louis e Lestat, já para não falar em Armand? Por outro lado, nesta versão, Armand já não teria razões para destruir Claudia por ser “contra as regras, demasiado nova e dependente para ser um vampiro”. Esta Claudia é bastante auto-suficiente e passa bem por adulta com o vestuário e a maquilhagem apropriada. Aliás, a certa altura ela zanga-se com os “pais” e foge de casa. Nas suas peripécias, conhece outro vampiro de quem se torna amiga e que, tudo dá a entender, a viola de seguida. NÃO! Vampiros não violam vampiros (nem sequer humanos). Primeiro, NÃO CONSEGUEM e não têm prazer sexual. Segundo, a única coisa que lhes interessa noutro vampiro é talvez a amizade, a partilha de um sangue mais potente (como em “Queen of The Damned”), ou a aniquilação do outro por causa do “território de caça”. Obviamente esta gente não leu as Vampire Chonicles e Anne Rice concordou em destruir toda a obra de uma vida. É triste.
Sinceramente, não sei o que estou a ver mas não é “Entrevista Com o Vampiro” de certeza. Pelo menos falaram em Nicholas e Magnus, muito de passagem. Foi pena não terem seguido os livros. Eu teria querido ver o Lestat humano preso na torre, o jovem actor Lestat, e todos os vampiros e vampiras que existiram muito antes de Louis aparecer em cena. O que não queria nada ver era esta abominação. Estou a torcer para que a segunda temporada leve com uma estaca no coração e não apareça à luz do dia. Os verdadeiros fãs fazem melhor em ver o filme do Tom Cruise e do Brad Pitt outra vez.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: NUNCA!
PARA QUEM NÃO GOSTA DE: Anne Rice, The Vampire Chronicles, O Vampiro Lestat, o Vampiro Armand, etc, etc
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domingo, 7 de julho de 2024
Interview With The Vampire (série TV, 2022 - ?)
domingo, 8 de outubro de 2017
"Prince Lestat", de Anne Rice
Já me tinham avisado de que este livro é uma desilusão, mas recusei-me a acreditar antes de ler. E depois recusei-me a acreditar antes de chegar ao fim. E agora que acabei de ler também não adjectivaria o livro como uma desilusão, mas como um manancial de ideias mal aproveitadas que até podiam ter dado um grande livro se tivessem sido exploradas como Anne Rice nos habituou. Infelizmente, este não é um livro da qualidade a que Anne Rice nos habituou. De todas as minhas queixas, a principal é mesmo essa. O que mais gosto na escrita de Anne Rice é que nos mergulha na psique dos personagens e nos faz compreender todas as suas motivações. Infelizmente, é o que mais falha em "Prince Lestat". Nunca consegui compreender as motivações dos personagens, dos já conhecidos e dos que são apresentados neste livro. Muitas das suas decisões e personalidades pareceram-me até incoerentes, como se durante o hiato em que Anne Rice pôs de lado as Vampire Chronicles se tenha esquecido de quem estes personagens são.
Para explicar estes motivos de insatisfação, terei de incluir spoilers. Quem ainda não leu e pretende ler, pode preferir interromper a leitura aqui e regressar mais tarde.
!!!CONTÉM SPOILERS!!!
Rowan? Qual Rowan? Quinn e Mona, idem
A minha primeira insatisfação é a falta de continuidade com o último livro da série, “Blood Canticle”. No fim deste, Lestat e Rowan, das Mayfair Witches, estão completamente apaixonados. Lestat até pensa em dar o Sangue a Rowan, mas decide adiar porque acha que ela ainda tem muito que fazer como humana. (Esta ideia é importante para este livro.) Mas ficamos a pensar que o romance vai ser retomado, se é que chega a ser interrompido.
Neste livro, eu talvez esperasse continuar a partir daí. Mas mesmo não continuando, nunca imaginei que aconteceria o que aconteceu: Rowan desaparece como se nunca tivesse existido. Nem uma palavra é dita sobre ela.
Mona e Quinn, personagens de "Blackwood Farm" e "Blood Canticle", também não são mencionados, como se nunca tivessem acontecido, como se Anne Rice se tivesse arrependido de escrever esses dois últimos livros.
Mas Mona e Quinn (apesar de nunca terem sido personagens de que eu goste particularmente, especialmente a fútil Mona) são agora vampiros. Tendo em conta o enredo desta história, eles deviam ter aparecido, mais ainda, deviam ter estado sempre ao lado de Lestat. Incompreensivelmente, desapareceram também.
Os vampiros cientistas e o bebé-proveta
Parece o título de uma comédia, mas aconteceu mesmo. Lestat conhece uns vampiros que são igualmente cientistas e que se dedicam a estudar a fisiologia da espécie a que pertencem (outros vampiros). Até aqui tudo bem e normal. Conseguem convencer Lestat a participar nestas experiências, ao que ele acede porque lhe parecem interessantíssimas, e por meios que nem vale a pena explicar devolvem-lhe temporariamente a capacidade sexual. (Como os leitores das Vampire Chronicles sabem, os vampiros de Anne Rice perdem qualquer capacidade de desejo ou actividade sexual, sendo esta completamente substituída pelo desejo de sangue.) Lestat consegue assim envolver-se numa relação sexual com uma cientista humana, para fins científicos. Quando a coisa termina e o efeito da experiência passa, a Lestat apetece imediatamente "exanguinar" a parceira, o que não deixa de ser engraçado.
Ainda bem que não o fez, porque o sémen aproveitado deste encontro é utilizado para criar em laboratório um bebé 100% humano! Isto é, Lestat é pai! Lestat tem um filho! Humano! Eu adorei esta parte, imaginando que tipo de pai poderia Lestat tornar-se, como o poderia fazer evoluir e transformá-lo.
Que desilusão! Por razões que me ultrapassam, os cientistas acham melhor esconder a criança do pai, embora o miúdo saiba, desde sempre, que é filho do famoso vampiro Lestat.
Ora, isto não me entra na cabeça. Custava alguma coisa que um deles lhe tivesse telefonado:
“Lestat, pá, como vai isso?”
“Hã, assim assim.”
“Pá, nem vais acreditar no que aconteceu. Lembras-te daquela experiência, com a cientista boazona, no laboratório? Pá, és pai, pá! Vem cá já ver o puto! Mas não o comas, fixe? ”
Nada disto aconteceu. Lestat só toma conhecimento deste filho quando este já tem 18 anos. E não se percebe porquê, porque Lestat e os cientistas ficaram amigos e não havia razão para que não participasse na paternidade. O que Lestat teria para ensinar a um miúdo humano!
O que é que Anne Rice estava a pensar, pergunto-me? Que oportunidade desperdiçada.
A insuportável Rose
Em vez disso, somos apresentados a mais uma protegida de Lestat, uma miúda órfã chamada Rose a quem este decide “adoptar”, apresentando-se como tio Lestan. A história de Rose não me diz nada. A miúda foi tão protegida por amas e seguranças que nunca conseguiu aprender a safar-se sozinha no mundo. Cresceu uma flor-de-estufa, uma mosquinha morta. Uma daquelas donzelas do século XIX que choram e desmaiam e precisam de ajuda para atravessar a rua. Uma coisa que já não existe, graças a Deus.
Resultado: Rosa mete-se em problemas atrás de problemas e não sabe sair deles sozinha. Rosa nem sequer tem um grupo de amigos, nem um único. Só podia correr mal!
Em vez desta insuportável Rose, eu queria ver o Lestat ser um pai para o filho verdadeiro. Como é que alguma vez Rose poderia ser relevante, quando subitamente Lestat tem um filho biológico e humano com quem nunca o vemos relacionar-se? Rose não era necessária para nos mostrar que Lestat tem tendências paternais (sabemo-lo desde Claudia de "Entrevista com o Vampiro") e ainda por cima não desempenha qualquer papel influente no enredo. O que Rose fez na história foi ocupar espaço que devia ter sido usado com Viktor, o filho de Lestat.
A ameaça
"Prince Lestat" é a história de como a comunidade vampírica enfrenta a maior ameaça desde que Akasha ("A Rainha dos Malditos") decidiu destruir todos os vampiros (ou quase). A ameaça, suspeito, é a mesma, porque desta vez é o espírito Amel (o espírito que vivia no corpo de Akasha e origem de todos os vampiros) que após milénios de dormência toma consciência de si próprio e decide que existem demasiados vampiros no mundo. Amel possui um corpo (espiritual, mas um corpo) que também tem limitações, e a proliferação de vampiros esgota-o e enfraquece-o. Desta forma, Amel começa a convencer os vampiros mais velhos, os que já adquiram o Fire Gift, a incinerarem os mais novos. A maneira como os atormenta até que lhe façam a vontade nada deve à possessão. Amel é tão cruel que ameaça os resistentes: se não fazem o que lhes manda, mandará outros matá-los a eles.
Descobri muito depressa de quem era esta Voz que sussurrava ao ouvido dos vampiros, mas não penso que o livro tenha feito dela grande mistério, de propósito ou não, porque Lestat e outros vampiros também já desconfiavam ainda antes de começarem a falar disto uns com os outros.
A Voz, que mais tarde se veio a confirmar ser Amel, é o enredo fulcral desta nova história das Vampire Chronicles. O final, sem querer revelar, foi bastante imprevisto.
Mas que faz Lestat ao conhecer o perigo que enfrenta? Lestat vai buscar um pequeno machado e começa a usá-lo dentro do casaco. Sim, leram bem, um machado! E pequeno! Ora, desde quando é que o vampiro Lestat anda com um machado? E para quê? O que é que Lestat fazia com um machado se lhe aparecesse à frente um vampiro de 6000 anos com intenções de o transformar em cinzas? Esta parte é tão estúpida que até dói. O pior é que Anne Rice nem tenta explicar. Podia ter havido uma explicação plausível, algo do género, “sei que um machado não me protege mas era o que eu usava quando era humano e de alguma forma irracional conforta-me andar com ele neste momento de perigo”. Se era isto que Anne Rice queria transmitir, não transmitiu. Mas o machado acabou por ser muito conveniente quando foi preciso um machado e Lestat o tinha dentro do casaco… Ele há conveniências que só as necessidades do enredo podem explicar.
Lestat superstar
Por falar em vampiros de 6000 anos, esta história apresenta-nos uns quantos que ainda não conhecíamos. O que também é bastante interessante. O que não faz qualquer sentido é que até estes concordem que Lestat deva ser o novo líder de todos os vampiros.
Exactamente, o líder! Por razões que me são incompreensíveis, todos os vampiros do mundo (Armand incluído) decidem que Lestat é o homem perfeito para os liderar. Lestat passará a ser o príncipe dos vampiros! Ora, isto não faz sentido nenhum, nem para o próprio Lestat. Ele mesmo o diz, a certa altura, como é que o vampiro que mais regras quebrou ficará agora encarregado de as estabelecer?! (Boa pergunta, Lestat! E olha, já agora, como e porque é que mudaste de ideias? Foi a tua vaidade, não foi? Mas não explicaste, maroto! Dantes costumavas ser mais sincero. Cuidado, não te transformes mesmo num político.)
Mas é assim que Anne Rice apresenta o mundo dos vampiros. De repente, vampiros antiquíssimos, vampiros de primeira geração, vampiros que já viveram milénios, decidem achar que Lestat é presidenciável, ou realeza, ou algo assim, porque… Ah, é verdade. Não se percebe porquê. Porque teve uma banda rock? Porque expôs os vampiros ao mundo (e não foi ele, foi Louis quem o fez primeiro)? Porque os vampiros mais novos o consideram um vampiro superstar? Pela sua bela “juba de cabelo loiro”? Isto era como se um líder político fosse escolhido por ser um fenómeno de popularidade. Até estaria disposta a aceitar se fossem apenas um ou dois vampiros fascinados com Lestat, mas todos? Não.
As gémeas estavam a mais
Esta fascinação por Lestat também deu muito jeito no caso de Mekare, e em como Anne Rice se livrou das duas gémeas no mesmo livro. (Grande spoiler: as gémeas foram-se, excepto se regressarem como fantasmas.) Mas novamente não faz sentido. Não me lembro exactamente qual era o estado mental de Mekare no fim de "A Rainha dos Malditos", mas é-nos dito neste livro que o cérebro de Mekare está praticamente morto devido a ter passado milénios sem contactar com ninguém. Ora, nesse caso, Akasha, que “petrificou” durante milénios seguidos, não teria ficado no mesmo estado? E não poria isso em causa a capacidade de regeneração vampírica da mitologia destes vampiros? Mas fechando os olhos a estes pormenores (que até não são pormenores, mas adiante), o cérebro de Mekare, dizem-nos, não funciona. Mekare não é capaz de um pensamento racional. Mekare é um vegetal. Muito bem, aceitamos isto. Como é que então Mekare subitamente dá a entender a Lestat que quer morrer? A mesma Mekare que não teve a capacidade mental de perceber que a sua irmã Maharet tinha sido assassinada quase debaixo do seu nariz? Não faz sentido. O cérebro de Mekare funciona ou não funciona, ou só funciona quando dá jeito ao enredo?
Que mal Anne Rice tratou Mekare, e as gémeas. As gémeas que eliminaram Akasha, que souberam o que fazer para impedir a destruição de todos os vampiros que a morte de Akasha implicava! A única maneira de redimir a falta de cerimónia com que as gémeas foram despachadas seria mesmo fazê-las regressar como espíritos. (Neste livro, somos informados de que alguns fantasmas aprenderam a criar um corpo físico para si próprios. Não sei se gostei disso.) Algo me diz que Anne Rice não o fará, que as gémeas morreram porque a autora se fartou delas, e nota-se. Esta parte, a parte em que se nota, é que me incomoda.
O filho (invisível) de Lestat
E por último, voltamos à tristeza que foi o desperdício deste filho biológico, Viktor. A pobreza que foi aquela primeira conversa:
“Sou o teu filho Viktor”
“Pois, parece que sim”
Nem foi tão engraçado como isto, foi muito pior. Foi seco, foi forçado, foi artificial. Absolutamente nenhuma emoção, nem boa nem má. E depois Viktor diz ao pai que também quer ser vampiro. (Aqui, recordemos que Lestat não transformou Rowan por achar que ela ainda tinha muito que fazer como humana.) O que faz Lestat? Aceita! Sim, filho, vamos já tratar disso. Marius, transforma-me aqui o puto, se faz favor.
Não Lestat! O que devias ter-lhe dito era o que ele precisava de ouvir: “Queres o quê?! Ser vampiro? Qual vampiro qual carapuça! Quantos anos tens, 18? Pensa mas é em ir para a escola, tirar um curso, arranjar um emprego! Vai viver a vida! E dá-me um neto, já agora! E depois, quando fores um homenzinho, logo se pensa no assunto.”
Não. Lestat aceita transformar um adolescente em vampiro, antes de ter oportunidade de experimentar a vida, antes ainda de sair de casa dos pais. Isto não me entra na cabeça. Lestat não aprendeu a lição de Claudia?!?!... Por falar em Claudia, o único que ainda tem algum juízo, valha-nos isso, continua a ser Louis. Foi o único que disse ao miúdo que o vampirismo não é vida, é não-vida. Que para ser vampiro Viktor tem de morrer antes. Não adiantou nada.
Rose apaixonou-se por Viktor e também quis ser vampira. O que não interessa nem ao menino Jesus, porque nunca se viu um romance tão forçado e artificial e conveniente (?) como o destes dois. Detesto tanto esta personagem que quando a autora dá entender que por pouco Rose não sobrevivia à transformação, torci para que não sobrevivesse mesmo. Se esta série de livros é para continuar, Rose tem de desaparecer ou ser remetida para um lugar muito nas sombras, ou ter qualquer papel relevante que não seja ser apenas a filha adoptiva de Lestat que é namorada do filho biológico de Lestat, e que também é vampira.
Nunca julguei dizer isto, mas uma personagem como Rose fez-me desejar que Mona regressasse.
Quanto a Viktor, não sabemos nada dele excepto a sua aparência física e que tem medo de espaços subterrâneos (relevância? não sei). O livro não achou interessante debruçar-se sobre a personalidade do único filho biológico do protagonista. Escolhas curiosas, estas. Este podia ter sido um enredo tão interessante como o enredo de Amel, se não mais, mas Anne Rice desperdiçou-o tão completamente que não percebo por que motivo decidiu que Lestat devia ter um filho. Não é todos os dias que um vampiro deste universo consegue ter um filho biológico, faria todo o sentido que um acontecimento destes fosse explorado à altura.
Não bastando todas estas queixas, ainda tenho outra. No final, Anne Rice tenta convencer-nos de que Louis, subitamente, se livrou da melancolia. Que subitamente decidiu que é feliz. Oh horrores, oh injúria! Se ao menos não soasse a falso! Mas cada vez estou mais convencida de que Anne Rice odeia o personagem Louis e se quer livrar dele. Se não fisicamente, transformando-o noutra coisa. Talvez não fosse assim quando escreveu "Entrevista com o Vampiro", mas depois disso Louis desapareceu e começou a ser cada vez mais maltratado pelas Chronicles. Neste aspecto, "Prince Lestat" não destoa da tendência anti-Louis.
Pela primeira vez desde que leio as Vampire Chronicles terminei este livro sem qualquer vontade de o ler outra vez. Não sei se é uma desilusão, para mim pessoalmente, porque "Blackwood Farm" e "Blood Canticle" já não me agradaram tanto como os anteriores. Confesso que não esperava todos os motivos de queixa que apontei acima, o mais grave de todos a falta de importância que é dada à paternidade de Lestat.
No fim do livro, parece que Lestat decide que os vampiros têm de deixar de pensar mal de si próprios, que não são monstros (não, que ideia!), que já não se devem referir a si próprios como The Damned ou ao vampirismo como The Devil’s Road. Em suma, querem ter orgulho em si próprios como "povo". A minha vontade de ler livros posteriores vai depender disto. O mais interessante nas Vampires Chronicles era o perpétuo dilema dos vampiros entre a necessidade de matar e o remorso, entre a imortalidade e a nostalgia da vida mortal, entre o Bem e Mal. Se este dilema acaba, se até Louis resolve decidir que não podia estar melhor como está, que apelo poderá restar nesta série? Não sei, e talvez leia o próximo livro ("Prince Lestat and the Realms of Atlantis") para só para chegar a uma opinião definitiva.
Mas neste momento as Vampire Chronicles estão a perder-me.
Com outra escritora, diria que este livro foi escrito porque a autora precisava do dinheiro para pagar as contas. (Parece que a série sobre Cristo não vendeu o que se esperava.) Anne Rice, do que sei, não precisa do dinheiro. Mas, talvez por sorte, nunca li dela um livro tão desinspirado como este. É como se, ao decidir deixar de escrever sobre as Trevas e começar a escrever sobre a Luz, ela tenha delirado que as Vampire Chronicles também podiam pertencer à Luz. Fechando os olhos ao crime e à morte, porque os vampiros se alimentam de “malfeitores”. Mas até os malfeitores têm direito a julgamento, e nunca um só homem ou vampiro se deve encarregar de fazer justiça pelas próprias mãos e achar que pertence à “Luz”.
Honestamente, não sei que caminho levam as Vampires Chronicles mas não estou a gostar do sentido em que se dirigem. É possível que este tenha sido o último livro que leio desta série. Para já, não me apetece nada ler o próximo.
Por outro lado, descobri no site da Anne Rice que há planos para transformar as Vampires Chronicles numa série de TV, abrangendo toda a história desde o início. Esta sim, é uma ideia brilhante, que adoraria ver em prática. Que venha ela!
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