sábado, 15 de abril de 2017

A Cabana/The Shack, de WM. Paul Young


Cheguei a este livro pela curiosidade que me causou a sinopse, prova de que uma boa capa e uma boa sinopse podem prometer mais do que vem na embalagem. Parece que este livro é um best seller, e nem todos os leitores vão enganados como eu.
O começo até é interessante. Um homem, cuja filha de seis anos é barbaramente assassinada por um serial killer, recebe um bilhete (aparentemente) de Deus a marcar um encontro na cabana onde as roupas ensanguentadas da menina foram encontradas.
Toda a parte do romance que relata a viagem de férias em que a menina foi raptada é intensa e envolvente. Conseguimos compreender muito bem a angústia daquele pai que perde a filha (talvez a preferida), e aqui o romance assemelha-se ao policial. Da mesma forma, identificamo-nos com o desgosto, o luto e a culpa dos meses posteriores, em que Mackenzie, o pai, mergulha em profunda depressão.
Um dia, Mackenzie encontra um bilhete dactilografado na caixa do correio, supostamente de Deus, a convidá-lo para o tal encontro na cabana de montanha onde a sua filha foi assassinada. Mackenzie pensa que o bilhete pode ter três origens: uma brincadeira de mau gosto, um desafio do próprio assassino, ou uma autêntica mensagem divina. Todavia, Mackenzie decide ir ao encontro, e ir armado. Todo este enredo é de um suspense irresistível.
Não é todos os dias que se recebe um bilhete de Deus. A questão é, e ELE aparece?



***CONTÉM SPOILERS***

E a Justiça, Senhor?
Eu nunca tinha ouvido falar de "ficção cristã", mas agora que ouvi vou fugir dela como o Diabo da cruz. Não porque eu seja o Diabo, mas porque, a avaliar por este exemplo, é uma literatura muito má, tendenciosa e acrítica. O que me parecia uma boa premissa, o encontro entre Deus e um pai enraivecido e revoltado, perde-se num instante assim que Deus aparece. Sim, Deus aparece ao encontro! Li algumas críticas ao livro, que não conseguiram passar desta parte: a manifestação física de Deus. Que Deus não é assim, que não é assado. Eu quero lá saber como é que Deus se manifesta fisicamente, eu queria era saber o que Ele ia dizer àquele pai!
Ficção cristã ou não cristã, quando um autor se mete na aventura de falar por Deus, das duas uma: ou é brilhante, ou se espalha ao comprido. WM. Paul Young espalhou-se ao comprido. Assim que Deus aparece, acontece um efeito sedativo em Mackenzie, a quem, de repente, já não apetece estrangular Deus pela injustiça e crueldade que Este permitiu que acontecesse à sua filha. Fica grato, fica contente, fica eufórico de alegria. O que até faria sentido se Deus (este Deus de WM. Paul Young) conseguisse explicar a velha questão que atormenta toda a gente que pensa nestas coisas: porque é que um Deus de amor permite que o Mal aconteça? Este Deus de “A Cabana” é efectivamente um Deus de Amor, que proclama o afecto e prega o perdão. Mas então e a Justiça?
O resto do livro, que me recusei a abandonar, não passa de uma fantasia mística de um homem que parece estar numa trip de ácidos a ver Jesus, o Espírito Santo, uma rave de auras iridescentes das almas já partidas e um coro de anjos. Mackenzie, o homem revoltado em quem eu tinha posto tantas expectativas de conseguir colocar a Deus as perguntas difíceis, parece que fica pedrado no êxtase divino. Só porque Deus diz: “Eu gosto de ti”.
Ah sim? E Missy? A menina assassinada? Que justiça existe para Missy? Mas não faz mal, diz “Deus”, porque agora Missy está no Céu, com Jesus, e não podia estar melhor. Ah sim? Não podia estar melhor? Então o que é que andamos cá a fazer? Eu também quero ir para Jesus! Vamos todos suicidar-nos para irmos para Jesus mais depressa! E não se preocupem, se “Deus” perdoa o homem que matou uma menina de seis anos (e sabe-se lá que mais lhe fez) também perdoa um suicídiozinho.
Fiquei doente e deprimida durante uma boa semana depois de ler este livro. Não aconselho este livro a ninguém, especialmente a pessoas inteligentes. Faz mal ao cérebro e faz mal à alma.

O livro que recomendo, embora às vezes se perca em explicações pseudo-científicas que não faziam lá falta nenhuma, é “Conversations with God”, de Neale Donald Walsch (sim, os três volumes!). Não finge que é um romance, faz pensar, apresenta respostas lógicas, abre-nos a mente para outras perspectivas, e, acima de tudo, põe-nos um sorriso nos lábios.




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