quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Gotika: arquivos Dezembro 2003

dezembro 18, 2003

Under reconstruction

Nunca pensei que um diário online, pessoal e intimista, tivesse algum interesse para os outros. Sempre pensei que fosse a curiosidade, e não o interesse, que levava as pessoas a ler sobre a vida dos outros. Com certeza que também existe a curiosidade mórbida mas existe igualmente a escolha dos diários que lemos, os diários das pessoas que nos interessam.
Pergunto-me o que quero escrever aqui, e para quem. Não sei se escrevo para os amigos. Nem tenho a certeza se quero que os amigos saibam. Afinal, aqueles que merecem já sabem. Os outros, nao importa.

Ultimamente tenho sentido uma grande necessidade de solidão. Ao contrário de muitas pessoas, para mim é difícil estar sozinha. São muitas as solicitações. Parece que sou uma companhia agradável e tenho sempre assunto de conversa. Multiplicam-se os amigos e os conhecimentos. Torna-se difícil passar umas semanas sem os ver. Já para não falar nos amigos online. A única forma de os evitar é não abrir a caixa de correio.

Solidão, esse bicho temido, é aquilo que mais preciso. Sou um ser under reconstruction.
Veremos o que sai da metamorfose.

Publicado por _gotika_ em 06:14 PM | Comentários: (1)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Gotika, no princípio...


A propósito de um comentário recente, descobri que o meu blog no Sapo, entre 2003 e 2004, foi apagado. Não sei se fui avisada porque com quase toda a certeza me esqueci de actualizar o endereço de email no perfil de utilizador e os emails que usava para efectuar o login foram também todos apagados por falta de uso.
Não fiquei surpreendida. Aquele blog não tornaria ser actualizado.
Para quem não sabe, este blog estava inicialmente alojado no Sapo, onde os períodos de indisponibilidade e bugs vários eram de fazer perder a paciência a um santo. Passados poucos meses assentei arraiais nesta morada do Blogger, que nesse sentido, apesar de alguns soluços aqui e ali, parece ser uma plataforma mais estável.


THANK YOU BLOGGER!!!



Mas não estou de facto surpreendida.  Prevendo essa eventualidade, fiz questão de guardar todas as páginas, todos os posts. (E os deste blog também, aliás, porque já não é o primeiro susto que apanho ao chegar aqui e não conseguir aceder!)  O que é de todo irrecuperável são os comentários, as discussões que os posts suscitavam, principalmente quando o tema era controverso, e muito especialmente quando se discutia o que é e não é o gótico. Tudo isso se perdeu, e é pena. (Podem verificar o número de comentários no final de cada post.)
Quanto aos posts originais, decidi voltar a publicá-los, aqui, nem que seja um por dia, pela reacção que causaram e as memórias que evocam e o muito que esclareceram e agradaram. Encontro citações minhas, por aí, sem saber que existiam. Já chamaram a esse blog “mítico”. Não mereço tamanho elogio, mas na altura o blog teve um certo impacto porque era o único a abordar o assunto abertamente. Havia, na altura, a ideia prevalente de que “o gótico nunca admite que é gótico”. Não sei se continua a haver mas, como devem calcular, se pouco me ralava na altura menos me rala agora.

Comecei esse blog, no Sapo, no dia 18 de Dezembro de 2003. Quando vi que estava apagado fui visitar os arquivos e comecei a ler. O que imediatamente me saltou à vista foi o quanto eu me estava a divertir a fazer aquilo. E como me apetecia partilhar, a melancolia, o bom humor, a ironia, os posts sérios, o humor dos testes “que personagem de Anne Rice és tu”… Por muitas razões, nem sei qual delas a maior, isso já não acontece. Já não me divirto, já não me apetece partilhar. Consequentemente, comecei escrever a menos. Porque é mesmo assim, os posts dão trabalho. E adivinho que já não devo concordar com muitas das coisas que pensava nessa altura. Adivinho que cada post necessite de um comentário actual.
Um blog tem necessariamente uma natureza efémera. Muitos posts não farão sentido e não serão publicados. Tentarei cingir-me ao que foi importante. Ao que é importante. Com ou sem motivo para um comentário actual.
Para os que leram desde o princípio, se ainda há por aqui alguém, espero que se divirtam como se divertiram naquele tempo. Eu tentarei apenas recordar, se tal é possível. Foi há muitos anos.
Naquela altura, o blog vestia-se assim:


Quando decidi voltar a publicar os posts do blog apagado tinha a impressão de que o blog tinha existido no Sapo durante muito menos tempo. Ao começar o trabalho apercebi-me de que ainda lá esteve de Dezembro de 2003 a Agosto de 2004. São muitos meses, muitos posts. Escrevi muito naquela altura. Muitos posts são curtos e publicados no mesmo dia, no estilo daquilo a que se chama hoje tweets (não havia Twitter): uma canção, um pensamento, uma frase. Podia publicar tudo? Podia, e demoraria meses. Tive de escolher. Tentei preservar os posts sobre a cultura gótica, as críticas de literatura e cinema, os posts sobre o estado do país. Mas este blog sempre teve acima de tudo o intuito de ser um diário pessoal (sempre teve por subtítulo Diário pessoal do terror quotidiano), e mantive alguns posts que ajudam a perceber como isto começou, mas a maioria de posts intimistas foram sacrificados. Quem me conhecia não altura leu, quem não conhecia não vai ler. Alguns posts, do ponto de vista do enquadramento psicológico em que foram escritos já não fazem sentido se não forem apresentados na sequência inicial. Esses foram cortados. Muitos diálogos também. O que passou, passou.

domingo, 30 de setembro de 2012

Conto cruel do terror quotidiano

É uma rua comprida e muito inclinada. Todos os dias a atravesso. Os carros têm de a descer devagar, de tão inclinada que é. Naquele dia, esta semana, eu ia atravessar quando olhei para cima e vinha um carro a descer, ainda ao longe, mas mais depressa do que é costume, pelo que preferi esperar que passasse. A rua é longa, ainda demorou uns segundos, e fiquei no passeio à espera. Olhei para baixo. Estavam dois pombos a uns metros, a depenicar no passeio. Um pombo e uma pomba. Sei por causa da coloração das penas. E o carro a descer, em longos, longos segundos. Tempo para tudo. O pombo, parvo do pombo, começa a andar para o meio da rua sei lá porquê, como se fosse Deus quem lhe tivesse dito: olha, vais fazer um teste, avança. A pomba ficou no passeio, a depenicar. Eu fiquei a ver. Tempo para tudo.
A besta do carro também viu o pombo. Não podia não ver o pombo. E continuou por ali abaixo, como se nada fosse. Nem sequer abrandou. Não vinha nenhum carro atrás, nem nenhum carro à frente. Nenhuma razão para não abrandar. A besta estava com pressa. Não tive tempo de atravessar e obrigar a besta a parar, porque já ia abaixo do lugar onde eu estava. A besta passou por cima do pombo, puft!, um monte de carne e penas, o que vivia já não vive, matou e andou, e nem sequer abrandou. Nem sequer viu como eu fiquei a olhar, petrificada de raiva, não apenas raiva, mas Ira, a pensar que um de nós não é humano. Ou eu não sou humana ou a besta não é humana. Não podemos ser ambos humanos. É impossível.
Olhei para a pomba. Tinha ficado petrificada também, olhando, de olhos estupefactos, o cadáver. Naquele momento pareceu-me ver na pomba um momento de lucidez que sobrevém aos animais de maneira diferente do que acontece às pessoas, pois não é verbalizável, mas se fosse seria assim: o meu companheiro desfeito no asfalto!
Estava atrasada mas não me consegui mexer. Demorei a recompor-me do que tinha visto. Porque eu não sou da mesma espécie da besta no carro, que nem abrandou. Eu petrifiquei. Não sei quanto tempo, petrifiquei. Os meus olhos na pomba, a uns metros, aterrorizada. Só quando eu saí do meu transe, e me mexi, e dei um passo, ela abriu as asas e levantou voo. Sei lá se naquele momento consciente de que o companheiro não ia atrás dela. Possivelmente não consciente, o que é uma bênção dos seres irracionais.
Quando regressei, à noite, já não sobrava nada da carne e das penas. Havia só uma mancha amarela. Ninguém diria o que aquilo tinha sido.
As bestas que passaram a seguir também não se importaram de ficar com cadáver nos pneus. Passaram, sem abrandar, e continuaram em frente, todas sujas de morte.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Black Dianthus "Bright Side of a Black Hole"



Os que já sabem do que a casa gasta, que muitas vezes aqui critico negativamente livros e filmes (e mais coisas), já também devem saber que quando aqui falo de música é sempre, ou quase sempre, para elogiar. Eis o caso.
Black Dianthus é um projecto português, que me foi dado a conhecer através da Abismo Humano, e que não merece ficar na obscuridade.
Foi uma surpresa deparar-me com um trabalho a este nível de qualidade e inovação no panorama musical alternativo português. As duas primeiras faixas do álbum, devido aos arranjos com vozes guturais (e o próprio lettering do logotipo da banda), podem fazer com que muitas pessoas que não apreciam especialmente o metal se sintam desencorajadas e abandonem a audição. A estas eu incentivo a não desistir perante os dois primeiros temas, "Elysium" e "Over", mas antes a deixar-se deslumbrar pelo épico "Battlefield" (para ouvir alto e forte!) e a de seguida se permitirem arrebatar pelo assombroso e igualmente épico "Strange Flowers". Só para começar. Depois há mais, e mais subtil.
Também eu preferiria uma ainda maior descolagem de um certo "teor metálico" e a passagem completa cá para o meu lado (oh my Goth!) mas este é daqueles casos em que se prova que beber em várias fontes de inspiração dá sempre os melhores resultados.
Aconselho vivamente.

O álbum pode ser ouvido na íntegra e permite download gratuito aqui:

http://abismohumano.bandcamp.com/album/bright-side-of-a-black-hole

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"O Estranho Caso de Angélica" (2010)



Pela primeira vez na minha vida vi e gostei de um filme de Manoel de Oliveira!
Quanto a isto tenho pouca coisa a dizer, excepto explicar porquê. Gosto dos outros filmes do realizador? Não. E neste, a cinematografia é semelhante? É. Pouca acção, câmara parada? Com certeza. Diálogos artificiais? Do mais artificial que pode haver. Qual é a diferença, então?
Como sempre suspeitei, e tenho aqui a prova, o que realmente interessa, mais ainda do que a história, e não sei mesmo se mais do que o estilo, é o tema.
A história não é muito original. A abordagem é aquela que caracteriza o realizador. O tema é gótico. Um homem apaixona-se por um fantasma, um fantasma apaixona-se por um homem, e no fim... Não vou contar o fim. Gostei do fim. Gostei do filme todo. Essa é que é a grande surpresa.
Confesso que me espantou, do realizador, o tipo de filme. E que me espantou aquela cena sem cor em que o morcego (?) sobrevoa a cama do adormecido. Muito vampiresco. Muito "Nosferatu". A última coisa que esperaria de Manoel de Oliveira. E passado, ao que parece, lá para as bandas do Douro. Mas não interessa, porque não se dá por isso. O filme é maior do que o espaço, porque o tema é maior do que a vida.
E eis algo que jamais julguei afirmar: vi um filme de Manoel de Oliveira e era um filme de suspense! Quem não acreditar que veja por si.
Não sei o que diriam em Cannes mas eu, que não sendo uma perita credenciada em cinema o sou definitivamente no tema, dou:

12 em 20

Já que se aborda o assunto Manoel de Oliveira, confesso que estou muito curiosa quanto ao filme que este realizador já fez e só permite que seja exibido após a sua morte. Não sendo possível, por vontade do próprio, vê-lo antes, não o espero ver cedo a não ser que o senhor altere a sua intenção, mas não posso deixar de especular sobre o que se trata. Deveras intrigante.

domingo, 2 de setembro de 2012

“Astrologia Kármica”, por Sussuca Ferreira





Já há muito tempo que não vinha aqui com um livro mas este não pode escapar. “Astrologia Kármica, A Viagem da Pedra ao Diamante”, pela astróloga Sussuca Ferreira, edição Pergaminho, 2008, trata, como o próprio nome indica, de astrologia kármica.
Primeiro aviso, a astrologia kármica é uma matéria controversa até mesmo entre os astrólogos. De forma muito simples, a astrologia kármica tenta determinar, através da análise do mapa astral, nomeadamente pela posição do Nódulo Lunar Norte (ou Nó Lunar Norte, ou Cabeça de Dragão) nos signos e nas casas, nada mais nada menos do que o karma e as vidas passadas.
Leram perfeitamente bem. As vidas passadas! Quem não acredita em vidas passadas não pode compreender a importância do que vou dizer mas poderá ficar a saber que, para alguns de nós, conhecer as vidas passadas é como encontrar o Santo Graal.
Logo a primeira crítica que se pode apontar a esta forma de determinar o karma é que o karma é geracional. Isto é, por exemplo, todas as pessoas nascidas entre 16 de Outubro de 1970 e 5 de Maio de 1972 têm o Nó Lunar Norte em Aquário e partilham o mesmo karma. Numa segunda análise, porém, até faz sentido. Pois esta geração vai definitivamente estar sujeita a acontecimentos e situações e adversidades e oportunidades que nenhuma outra vai experimentar. Noutras palavras, pode ser a altura exacta para este grupo de pessoas reencarnarem de modo a expiarem esse karma. (Exactamente assim: é ao lote.)
Para quem leva isto a sério esta não é questão para brincadeiras.
Neste “lote”, contudo, porque não há dois indivíduos iguais, existem diferenças, vestígios de um karma que só pode ser dessa pessoa e de mais ninguém. Alguns astrólogos, e eu concordo, apontam, por exemplo, a importância da análise de Lilith no karma individual. Eu, pessoalmente, até chamo a Lilith “a maldição”. Todos temos uma.
Voltando ao livro, que trata precisamente do karma e vidas passadas, não é um livro que eu aconselhe a toda a gente, e muito menos a quem percebe pouco ou nada de astrologia. Até se pode ler, nada o proíbe, mas há muita coisa que um “leigo” não vai entender porque a linguagem não é para principiantes. Seria como tentar entender a equação da relatividade de Einstein sem saber a tabuada. Por outro lado, poderá despertar a curiosidade para ir estudar o básico de modo a compreender o complexo.
Todavia, é um livro para iniciados. Para estes, e especialmente aos que se questionam quanto ao karma e vidas passadas, falarei agora. Sussuca Ferreira compilou uma série de teorias interessantíssimas, muito mais do que o simples “Nó Lunar Norte em Capricórnio significa que é destino da pessoa dedicar-se à carreira profissional” que costumamos ler por aí. São teorias que nos fazem reflectir, embora por vezes considere que possam ser demasiado fantasiosas. Seja como for, é a melhor interpretação de astrologia kármica que já li até hoje e aconselho vivamente.





Não resisto sem deixar aqui algumas notas deste livro sobre o meu próprio karma, a que se chama o Karma da Maturidade. Devo dizer que não me surpreendeu. E àqueles que acompanham o espírito que preside este blog não deve também surpreender. Pelo contrário, até explica muita coisa.
“Este ser vivia a verdade da alma e, por este motivo, nunca conseguiu ser vencido pela personalidade humana. Viveu sempre com dificuldade em aceitar as manobras emocionais dos adultos que, geralmente, falavam de uma maneira e pensavam de outra.
O nosso nativo, que nunca se esquece de nada, lembra-se muito bem do seu passado. Assim, ainda hoje não consegue lidar com a hipocrisia, a mentira e a falsidade.
(…)
Este nativo não cresceu realmente. No passado, sempre que lhe exigiam qualquer coisa (…) ele gerava, inconscientemente, a sua própria morte. (…)
O nosso nativo tinha tanto medo de perder a sua ligação com a sua alma que preferia partir. Actualmente designa-se por Karma do Suicida, pois sabe exactamente como aliviar uma pessoa do seu sofrimento. (…)
Este karma tem a obrigação de ficar vivo (…) pois é o único karma que não tem tempo para desencarnar, morrendo quando fica desmotivado.
Desta maneira, é fundamental que tenha sempre ideais, sonhos e planos para o seu futuro, dado que é uma pessoa que necessita de motivação interior para viver.
(…)
Estes nativos não suportavam a vida quando era vista pelo seu lado feio, e então preferiam partir.”


As questões existenciais que se colocam são imensas e profundas.
Em suma, este karma encarna para aprender a amar a vida. Está-se aqui a partir do pressuposto de que o ser, por ter morrido em criança ou por ter optado pelo suicídio, não teve tempo de aprender a amar a vida.
Como se o universo ache que o ser, vivendo muitos anos, acabe por amar a vida. Que o ser tem obrigação de amar a vida, porque o universo acha que a vida é muito bonita e que todas as criaturas devem concordar com o universo.
E se o ser, por mil anos que viva, nunca amar a vida?
E se o ser decidir não fazer parte da pantomima criada pelo universo, por não gostar do enredo?
Continuo a fazer a pergunta que sempre fiz desde que me conheço: quem é que pode possivelmente julgar que todas as criaturas têm a obrigação de estar contentes e felizes por estar vivas?
É uma pergunta retórica. Sei a resposta mas não vou responder. Já arranjei sarilhos suficientes com o universo para uma miríade de vidas.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Entremuralhas 2012

25 e 26 de Agosto Castelo de Leiria Merece uma visita a página oficial do Festival Entremuralhas, aqui: fadeinaacultural.com Tal como já nos habituou em edições anteriores, a organização disponibiliza áudio ou vídeo das bandas em cartaz este ano. Uma boa oportunidade para a descoberta de bandas menos conhecidas, ou para saborear um ante-gosto do que se vai ouvir, para os que vão, ou a decisão de não perder o festival, para os indecisos. Só na edição do ano passado conheci Irfan e Arcana, e pergunto-me como era possível viver sem eles. Sem falar das outras bandas com que tive um primeiro contacto (por exemplo, Narsilion) que apesar de agradáveis descobertas não se tornaram imprescindíveis como o ar para respirar. Na edição deste ano, e passando ao lado dos cabeças de cartaz Suicide Commando e VNV Nation e Clan of Xymox, amplamente conhecidos, tive já a oportunidade de escolher do lote uma banda para mim até aqui desconhecida, os Daemonia Nymphe. Migalhas de luxo para os que não podem ir.

domingo, 22 de janeiro de 2012

E apagou-se a luz

Queridos amigos...

*evil grin*

2010 foi um ano muito divertido. 2011 ainda foi mais. Fartei-me de rir. (Bem vos disse que riria.)
Não, não fiquem indignados. Não vale a pena. Este ano já não vou rir. Já perdeu a piada.
Quando, há meia dúzia de anos, comecei a escrever neste blog sobre o estado da nação, e expliquei como a mediocridade havia de afundar o país, porque o mérito não era reconhecido, porque a Justiça não funciona, porque sem a Justiça a funcionar a democracia não funciona, porque nos íamos tornar todos escravos sem escolha, etc...
Nessa altura, e já pude falar do assunto pessoalmente com pessoas que me lêem desde então, houve comentários de gente de todas as idades -- deixem-me salientar, de todas as idades -- a chamarem-me doente, depressiva, a sugerirem que tomasse medicação para a depressão, a culparem-me de ter ido parar ao call center por falta de mérito. Coisas assim. Meia dúzia de anos mais tarde...

*evil grin*

... meia dúzia de anos mais tarde, dizia eu, aconteceu-lhes o impossível: alguns cresceram, e agora estão no call center também ou nas lojas do centro comercial ou nas caixas de supermercado. É à escolha. Ganha-se o mesmo.
(Mesmo assim, meus amigos, já houve uma evolução nas mentalidades, por isso não se queixem muito. Na minha altura, apenas há meia dúzia de anos, tive de mentir, tive de fingir que não era licenciada, tive de falsificar o meu currículo, para ser aceite sequer numa entrevista de emprego para call center! Actualmente, meninos mais novos, graças a pioneiros e pioneiras como eu, já não precisais de mentir. Podeis sair das faculdades e ir directamente à agência de trabalho temporário-permanente com a vossa licenciatura que eles já não se importam e vos esperam de braços abertos assim que terminardes o estágio não remunerado financiado pelos vossos papás na qualquer área do saber que vos passou pela cabeça prosseguir, cheios de esperança do tal mérito.)
Outros, os que tiveram a sorte de nascer um bocadinho mais cedo, uma geração privilegiada a que eu chamo "os irmãos mais velhos", que vieram ao mundo uns anos antes do 25 de Abril e se viram de repente no País das Maravilhas, indignam-se muito ao ver os filhos, os irmãos mais novos, e a eles próprios, num desemprego e numa desesperança que nunca lhes cruzou o espírito deslumbrado que lhes tocasse na pele. Excepto à meia dúzia de "irmãos mais velhos" que chegaram ao poder desde o tempo do engenheiro. [Cuidado com eles. Mudaram de cor mas são a mesma cambada. Não sabem sequer o que é querer limpar o rabo e faltar o papel higiénico mas não se importam de dizer aos outros 'limpem-se aos dedos'. Sempre vos avisei quanto a eles. Quem não os conheça que os compre.]
Os mais velhos que esses, coitados, dividem-se entre os alucinados que ainda julgam viverem no PREC e os que se contentam em dar graças ao Governo pela pensãozita. Destes nem vale a pena falar. É natural que estejam loucos. Depois de nascerem no tempo da guerra ou no período em que ainda lhe sentiam os efeitos de penúria, e passarem a maior parte da vida sob uma ditadura, e da esperança que foi saírem dela, e caírem a seguir... nisto, não é de estranhar que estejam afectados da cabeça. (Eu também estou, e não sou tão velha como eles, mas ainda estou suficientemente lúcida para saber que estou doida.)
Todos estes pobres deslumbrados se indignam.
Houve uma altura, aqui neste blog, em que se repetia a graça, em post ou nos comentários: "todos os dias acorda um". (Lembram-se?)

Acreditem ou não, ainda não acordaram todos, isso é que é intrigante!!!

Mas indignam-se, e indignam-se tarde.
Muito, muito tarde.

Sabem quando é que eu me indignei, meus amigos? Há vinte anos atrás.
Foi precisamente nos anos 90, há vinte anos atrás, sensivelmente, estava eu a acabar o meu curso quando vi a escuridão. Mas lá está, era eu que estava doente. Era eu que estava a ver fantasmas.
Agora indignam-se, e vão para o Facebook chamar nomes ao mesmo homem que há vinte anos foi um dos responsáveis pela minha indignação (mas longe de ser o único!). Estive a ler a página de comentários do fulano, e a mim o que me indigna é a falta de memória de quem tinha obrigação de se lembrar. Só os mais novinhos têm desculpa. Os outros, lamento, se não fizeram a vossa cova ajudaram a cavá-la. Onde estavam vocês, indignados, quando eu me indignei nos anos 90? Eu lembro-me. Vocês lembram-se? Ou fumaram assim tanta ganza que já não há nenhum neurónio nessa cabeça?
Acabei de dar a resposta à minha própria pergunta. Pois foi. Fumaram muita ganza. Eu sei porque me lembro. Não se ofendam, porém, porque eu não estou melhor. A benzodiazepina também não faz melhor ao neurónio, e há coisas que uma pessoa mais vale esquecer. De certa forma, tinham razão. O que me faltava era medicação, não anti-depressivos, porque já não há cura para estas trevas, mas ansiolíticos. Anestesia. O que é preciso é anestesia.

Por isso não me indigno. Nem me queixo. Para mim já é tarde. O meu barco já partiu. Já tive mérito mas já não tenho. Nem para caixa de supermercado porque me engano nos trocos e era logo despedida. Imaginem vocês que de um dia para o outro até já nem sei escrever português! Não há, de facto, neurónio que aguente tanta injustiça. Fundiu-se tudo.
Completo este ano os 40. Posso dizer que até tive sorte em arranjar um trabalhinho antes dos 35, ou já não arranjava nada. Assim haja saúde e transportes públicos para ir trabalhar, e até se sobrevive. Por enquanto.
Depois não sei, nem sei quando será o depois.
Isto de ser oráculo tem muitas desvantagens. Como diria o Nostradamus, "depois de 2000 não vejo nada". Eu também, lamento, não vejo nada no futuro. Nada de nada.
Há certas alturas em que até um oráculo decide fechar os olhos para não viver a tragédia duas vezes. (Esta aprendi no "Flashforward", o que se aprende com a televisão!)

Quem quiser saber como chegou aqui, clique ali em baixo na etiqueta com o nome do país. É possível que não apareçam os posts todos mas alguns hão-de aparecer.
Aos outros (poucos) visionários que também viram o futuro: coragem!
Aos recém-indignados: mais vale tarde do que nunca, mas olhem que é tarde, tão tarde! Mas tão, tão tarde que nem há palavra no dicionário para descrever o quão tarde.

Agora apagou-se mesmo a luz.
E olhem, meus amigos, até apagaram a televisão. Sempre dá jeito que as pessoas não estejam informadas, especialmente aquelas que não têm dinheiro para pagar tv-cabos e televisões novas e aparelhómetros.
Se me estão a ler, considerem-se pessoas de sorte. Muitos há que ainda não descobriram sequer que existe internet.

Vou acabar com uma pequena nota sobre algo que me está a impressionar profundamente, algo do país real, do país quotidiano. Desde há uns dois anos para cá, tenho notado uma crescente falta de bens à venda no supermercado, em quantidade e em variedade. Não é que não haja procura. Já não há sequer oferta. Nestes 40 anos de vida, ouvi falar dos tempos em que as pessoas queriam comprar e não havia à venda como uma coisa dos tempos da guerra, lá muito muito longe. Nunca pensei, na minha existência privilegiada, entrar num supermercado e não encontrar bens básicos como cotonetes, pacotes de sal, amendoins. Nunca pensei ter de andar de supermercado em supermercado à procura de bens tão básicos. E nem sequer estou a falar de uma determinada marca. Estou a falar de não terem o produto, seja de que marca, porque esgotou. E pode estar esgotado dias a fio. Não porque não haja procura. Mas porque não se investe para que haja oferta. Da mesma forma, por exemplo, alguns produtos únicos que eu usava, tipo sabonetes e afins, e não estou a falar de um ou dois mas de número significativo, deixaram de ser fabricados. Vendiam-se, mas deixaram de ser fabricados. Ora, se há procura, se há quem compre, se dava lucro, porque é que já não dá? Porque é que as fábricas fecham se há encomendas? Quem é que anda a fomentar uma economia de tempo de guerra? Quem é que anda a amealhar? O que vem por aí?...
Sintomático dos tempos.

Pensem nisto e até à próxima.

xoxos




post scriptum

Segui o meu próprio conselho e carreguei na etiqueta, para ver se ela ainda funcionava, e descobri este post engraçadíssimo de Janeiro de 2009, que até é giro e reproduzo na íntegra para não acabarmos isto em lágrimas, porque afinal rir é o melhor remédio:

Crise, qual crise?

Então nos últimos dias descobri que neste próximo ano, a manter o meu emprego, apesar da crise (qual crise?) até posso elevar o meu padrão de vida porque os combustíveis e a prestação da casa vão baixar.



Esta gente droga-se. Não há crise nenhuma. Não tenho acções, não tenho casa, não tenho automóvel. Vou ficar perfeitamente na mesma. Perfeitamente na mesma merda. E aqueles sem abrigo a dormir na rua também não vão perceber nada.
Às vezes dá gozo ser pobre. São gargalhadas, são barrigadas de riso, saber que um gajo se atirou para debaixo de um comboio porque perdeu milhões na bolsa. Idiota materialista. Com tantas boas razões para se suicidar foi-se matar por dinheiro.

Uma pessoa não se mata por dinheiro mas porque SIM! Poseur!!!

Devo dizer que desde que a crise dos ricos começou me tenho rido à fartazana, e parece que o ano de 2009 tem tudo para ser uma festa de endorfinas sem recurso a estupefacientes. Basta-me ouvir meia hora do telejornal da 2. Gostei daquela do Monstro do Bolo Rei vir dizer que as ilusões se pagam caras, e com esta se cala, (que ilusões, outro tabu?), e o Histérico nem sequer o ouço porque assim que aparece na televisão carrego no mute (é para isso que ele serve). O Vítor Constâncio, esse, é o melhor palhaço da televisão. Mais ou menos, a piada é esta: se não for despedido, até vai viver melhor do que os outros, mas se for vai amargar. Fantástico! Como se Portugal não fosse já, a par dos Estados Unidos, porque nisso somos uma potência mundial, o país com maior desigualdade! A começar pelo Vítor Constâncio, que devia (a não ser preso) receber o novo ordenado mínimo de 450 euros por incompetência, e o resto do ordenado ser distribuído equitativamente por todos os sem abrigo que aparecessem para o receber à porta do Banco de Portugal.
E como parece que hoje já me estiquei demais e tenho bocas para alimentar, desculpem lá não querer ser presa mas não dava muito jeito. O nome do jogo, dizia outro dia um vampiro qualquer, é "sobrevivência". Depois não se queixem, quando perceberem o verdadeiro significado da palavra que tão levianamente invocam: sobrevivência.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O capitalismo no Antigo Egipto




Os antigos egípcios acreditavam que para chegar ao Além a alma teria de enfrentar numerosos testes e perigos no caminho, muitos deles em que a alma poderia morrer novamente (e para sempre). Não era necessário possuir um corpo físico para viver no Além, mas de forma a usufruir melhor dos prazeres, comidas e bebidas do Céu era preferível jogar pelo seguro e salvaguardar o corpo físico através da mumificação. Mas o que era mesmo crucial era possuir um exemplar do Livro dos Mortos, uma espécie de mapa e encantamento de protecção para o Além, que era colocado junto à múmia dentro do túmulo. Este Livro dos Mortos era uma colecção mais ou menos extensa de feitiços e orações desenhados em rolo de papiro. Quanto maior o rolo, mais caro era o livro.
Cada Livro dos Mortos era destinado a uma só pessoa e/ou família. Mas não era feito de encomenda. Havia uma "produção em série" em que os sacerdotes iam preparando rolos e rolos e deixando em branco o nome do comprador, que só era acrescentado no acto da compra.
Um Livro dos Mortos era caro e não acessível a todas as bolsas, e quanto maior fosse em tamanho mais caro se tornava e mais lucro proporcionaria ao investimento prévio dos sacerdotes produtores. Era, pois, previsível que estes convencessem os crentes que quanto mais feitiços contivesse o Livro dos Mortos "pessoal" mais seguramente a alma encontraria o caminho para os prazeres do Além. Quanto mais se pagasse, nesta vida, mais probabilidade haveria de garantir a próxima.
A princípio, o Livro dos Mortos destinava-se unicamente ao Faraó, que era considerado divino. Com o tempo, porém, a nobreza e as elites também quiseram garantir o acesso ao Além e começaram a encomendar mumificações e Livros dos Mortos. Para os sacerdotes, abriu-se uma oportunidade de negócio.
Mas os pobres não tinham dinheiro para mandar fazer múmias ou comprar Livros dos Mortos. As probabilidades de um pobre chegar ao Céu eram muito escassas, se não impossíveis. Todavia, os pobres sempre foram de ter fé. As pirâmides propriamente ditas estavam reservadas à realeza, mas os outros logo a seguir, as classes altas, tinham os seus próprios túmulos, mais modestos, onde sepultar as múmias e os respectivos Livros dos Mortos. Os pobres iam enterrar os seus mortos na areia junto destes túmulos, na esperança de que estes conseguissem "seguir" o rico até ao Além.
O que me faz pensar no seguinte: que irracionalidade os tomaria para serem levados a acreditar que o rico desprovido de solidariedade em vida seria solidário depois de morto?... Ou talvez não fosse uma questão de solidariedade. Se ele ia em frente, a caminho do Além, guiado pelo mapa enfeitiçado que era o Livro dos Mortos, não se conseguia livrar da legião de miseráveis que o seguiam. Pensando bem, até faz todo o sentido.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"Gatos que recusam viver sem os donos"

Do site da União Zoófila:




De uma vez por todas, é falso e é profundamente injusto o que se diz sobre os gatos, que não reconhecem ou estabelecem ligação com os donos. Os gatos não só estabelecem ligação com os donos como morrem quando ficam sem eles.
O Roger tinha oito anos quando foi descartado, como se de um objecto sem valia se tratasse. Tinha vivido toda a vida numa casa, mimado, confortável, e depois viu-se num gatil, um sítio estranho, sem a presença do que tinha sido seu dono. O Roger deixou de comer e de se mexer e assim ficou sem que qualquer cuidado ou medicação pudesse fazê-lo recuperar a vontade de ficar vivo. O Roger morreu.
Abandonar um gato adulto, habituado a viver numa casa, num gatil significa muitas vezes a depressão e a morte. É bom que quem o faz fique ciente que condena à morte um amigo e que carregue o peso na consciência.



Para pensar.