quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
O capitalismo no Antigo Egipto
Os antigos egípcios acreditavam que para chegar ao Além a alma teria de enfrentar numerosos testes e perigos no caminho, muitos deles em que a alma poderia morrer novamente (e para sempre). Não era necessário possuir um corpo físico para viver no Além, mas de forma a usufruir melhor dos prazeres, comidas e bebidas do Céu era preferível jogar pelo seguro e salvaguardar o corpo físico através da mumificação. Mas o que era mesmo crucial era possuir um exemplar do Livro dos Mortos, uma espécie de mapa e encantamento de protecção para o Além, que era colocado junto à múmia dentro do túmulo. Este Livro dos Mortos era uma colecção mais ou menos extensa de feitiços e orações desenhados em rolo de papiro. Quanto maior o rolo, mais caro era o livro.
Cada Livro dos Mortos era destinado a uma só pessoa e/ou família. Mas não era feito de encomenda. Havia uma "produção em série" em que os sacerdotes iam preparando rolos e rolos e deixando em branco o nome do comprador, que só era acrescentado no acto da compra.
Um Livro dos Mortos era caro e não acessível a todas as bolsas, e quanto maior fosse em tamanho mais caro se tornava e mais lucro proporcionaria ao investimento prévio dos sacerdotes produtores. Era, pois, previsível que estes convencessem os crentes que quanto mais feitiços contivesse o Livro dos Mortos "pessoal" mais seguramente a alma encontraria o caminho para os prazeres do Além. Quanto mais se pagasse, nesta vida, mais probabilidade haveria de garantir a próxima.
A princípio, o Livro dos Mortos destinava-se unicamente ao Faraó, que era considerado divino. Com o tempo, porém, a nobreza e as elites também quiseram garantir o acesso ao Além e começaram a encomendar mumificações e Livros dos Mortos. Para os sacerdotes, abriu-se uma oportunidade de negócio.
Mas os pobres não tinham dinheiro para mandar fazer múmias ou comprar Livros dos Mortos. As probabilidades de um pobre chegar ao Céu eram muito escassas, se não impossíveis. Todavia, os pobres sempre foram de ter fé. As pirâmides propriamente ditas estavam reservadas à realeza, mas os outros logo a seguir, as classes altas, tinham os seus próprios túmulos, mais modestos, onde sepultar as múmias e os respectivos Livros dos Mortos. Os pobres iam enterrar os seus mortos na areia junto destes túmulos, na esperança de que estes conseguissem "seguir" o rico até ao Além.
O que me faz pensar no seguinte: que irracionalidade os tomaria para serem levados a acreditar que o rico desprovido de solidariedade em vida seria solidário depois de morto?... Ou talvez não fosse uma questão de solidariedade. Se ele ia em frente, a caminho do Além, guiado pelo mapa enfeitiçado que era o Livro dos Mortos, não se conseguia livrar da legião de miseráveis que o seguiam. Pensando bem, até faz todo o sentido.
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