sábado, 21 de junho de 2008

Pré-apocalípticos

O movimento punk caracterizou-se pela ruptura e pela revolta. Pretendia-se chocar a sociedade de fato e gravata, a mesma e muito britânica sociedade em que jovens desiludidos da geração dos Sex Pistols depressa perceberam que nunca iam ter lugar. Lá apanhou-se mais depressa a grande mentira. "No future" tornou-se o grande lema de todos esses punks maltrapilhos, de cabelos em pé, guturais, bêbedos e drogados que viraram as costas às corporações (principalmente as musicais) e adoptaram o "do it yourself". Pelo menos no campo musical, a coisa resultou. Em todo o resto, não resultou nem era para resultar. Afinal não havia mesmo futuro.
O movimento gótico também resultou dessa desilusão mas percebeu que não valia a pena revoltar-se. (Os punks furiosos acabaram de duas maneiras: mortos de overdose ou vendidos nos anos 80 às corporações que combateram nos 70. Não eram exemplo para ninguém.) O que restava ao gótico? A falência dos sistemas políticos, religiosos, sociais. A impotência perante o jogo viciado. O "nada vai mudar nunca". As preocupações ambientais muito antes de alguém as levar a sério (veja-se "Black Planet", The Sisters of Mercy). E no fim, qual cereja no topo do bolo, a explosão do sol. O apocalipse. Everything dies.
Como qualquer geração que sabe estar às portas do apocalipse, os góticos não iam gastar energia com revoltas inúteis. Fulminados por apatia e profundo desinteresse pelas engrenagens que fazem mover o mundo agonizante, voltaram-se então para a beleza, para o misticismo, para a arte (acima de tudo, para a música). É por isso que não verão um gótico pegar em armas e vem daí a profunda tradição de não violência pela qual o movimento é amplamente conhecido. A arte e a música é o único refúgio, e o amor pela arte é tal que a própria aparência o reflecte. Verão, sim, maquilhagem trabalhada, penteados premeditados (mesmo os mais naturais), roupa cuidadosamente escolhida para transformar cada gótico numa tela onde se pinta uma persona única.
O apocalipse veste-se a rigor.

5 comentários:

Tomás disse...

Explosão do sol metafórica?

katrina a gotika disse...

Não, meu. Explosão do sol a sério. A tal explosão de que toda a gente diz "já não haverá vida no planeta quando acontecer", o que é igualmente encorajante...

Tomás disse...

Bom, acho que devia meter algum rigor científico nos teus receios.

Segundo aquilo que se sabe da evolução das estrelas, o sol não vai bem "explodir" no sentido das supernovas que dão aqueles clarões giros (oh bolas...) porque é demasiado levezinho. Durante a sua evolução natural, vai crescer devagarinho em tamanho e em luminosidade (e portanto calor) chegando eventualmente a ter um diâmetro maior do que a órbita em que a terra está agora. A terra também se vai afastar durante o processo, por isso não se sabe ao certo se o sol vai ou não engolir a terra. De qualquer modo, o crescimento do sol implica que daqui a mil milhões de anos (e antes da terra ser engolida) a temperatura na terra já será suficiente para não existir água no estado líquido, o que é bastante aborrecido para a vida como a conhecemos.

No entanto aquilo que eu queria salientar é que isto vai acontecer daqui a mil milhões de anos. Segundo os especialistas na matéria, a vida na terra tem 4 mil milhões de anos, e há mil milhões de anos atrás foi quando começaram a aparecer os primeiros organismos multicelulares. Por volta dessa altura a forma de vida mais complexa na terra devia ser um líquene ou um fungo. Relva e algas por exemplo ainda deviam ser demasiado à frente. Se assumirmos que a evolução vai continuar a seguir o seu curso, o "ser humano" daqui a mil milhões de anos deve ter tanto a ver connosco como nós temos a ver com fungos e líquenes. Para mais, diria que nós saímos das cavernas enquanto espécie aí há uns reles dez mil aninhos (somos tão putos), e só neste tempinho já levámos gente a passear à lua e mandámos sondas para todo o lado.

Isto tudo para dizer que tudo o que é bom acaba, se não for por uma maneira é por outra, e a terra não é excepção. Mas o sol enquanto causa é irrelevante, porque à escala da merda que o sol pode fazer, o asteróide que matou os dinossauros todos (talvez...) foi ontem, e nós começámos a brincar com armas nucleares há 1 minuto atrás, e tanto um como outro como deus sabe mais o quê são muito mais prováveis de nos limpar o sarampo a todos do que o sol. Pela altura em que chegar a vez do sol, se ainda cá houver alguma coisa (coisa que duvido), será radicalmente diferente do que há hoje.

Tomás disse...

"There have been at least five mass extinctions in the history of life, and four in the last 3.5 billion years in which many species have disappeared in a relatively short period of geological time. The most recent of these, the Cretaceous–Tertiary extinction event 65 million years ago at the end of the Cretaceous period, is best known for having wiped out the non-avian dinosaurs, among many other species."

Se fizermos a escala de 65 anos para 65 milhões, os dinossauros ontem faz as armas nucleares há menos de uma décima de segundo atrás. Temos resmas de tempo para nos matarmos a todos.

katrina a gotika disse...

Oh Tomás, obrigada, já estou tão mais aliviada. :)

Agora a sério, não sabia exactamente que o sol não se ia tornar uma supernova. Sempre pensei que sim. Não é a minha área e não domino a matéria. No entanto, do nosso pequeno ponto de vista, é um bocado irrelevante de que forma é que o sol vai crescer ou engolir a Terra ou simplesmente secá-la. Como disseste, já não estaremos cá porque não será possível a existência de vida. Um apocalipse certinho se outros não vierem primeiro, e sim, eu tenho noção de que podem vir, mas que importa o como?