quinta-feira, 19 de junho de 2008

Mais uma página

To Malone the sense of latent mystery in existence was always present. In youth he had felt the hidden beauty and ecstasy of things, and had been a poet; but poverty and sorrow and exile had turned his gaze in darker directions, and he had thrilled at the imputations of evil in the world around. Daily life had for him come to be a phantasmagoria of macabre shadow-studies; now glittering and leering with concealed rottenness as in Beardsley's best manner, now hinting terrors behind the commonest shapes and objects as in the subtler and less obvious work of Gustave Doré. He would often regard it as merciful that most persons of high Intelligence jeer at the inmost mysteries; for, he argued, if superior minds were ever placed in fullest contact with the secrets preserved by ancient and lowly cults, the resultant abnormalities would soon not only wreck the world, but threaten the very integrity of the universe. All this reflection was no doubt morbid, but keen logic and a deep sense of humour ably offset it. Malone was satisfied to let his notions remain as half-spied and forbidden visions to be lightly played with; and hysteria came only when duty flung him into a hell of revelation too sudden and insidious to escape.

H. P. Lovecraft, "The Horror at Red Hook"



Gustave Doré, ilustração para "Paradise Lost"


Atravessei rios de lava para estar aqui agora e os pedregulhos não param de cair de todos os lados. Muito (mais) se perdeu. Ardido. Calcinado. Nem as cinzas restam.
A perda já não me aflige. Habituei-me a ela. Parece que o propósito da minha vida não é outro que não uma calculada aprendizagem de como a rejeitar, de perda em perda, de menos em menos.
Nestes tempos tenho escrito imenso num diário privado para nenhuns olhos senão os meus, tal a gravidade das palavras que desabafam coisas incompreensíveis para o comum dos mortais. Coisas más, coisas ruins que já basta afligirem-me quanto mais dá-las a perceber aos outros sem que nada de bom daí advenha mesmo que as pudessem entender. Coisas a serem enterradas no silêncio.
Aflige-me mais o silêncio. Nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida. Não é aquela solidão de não ter ninguém, nada disso. Nem aquela outra de estar só no meio de muita gente. É pior. De repente, é como se as pessoas deixassem de existir. Sou um fantasma no meio delas. Todas as minhas palavras seriam vãs, todas as palavars delas são vãs. Pegando no dilema de Descartes, será que existo só porque penso? E se não sinto os outros, continuo a existir? Se não sinto, existo? Mesmo que exista, interessa? Não me parece.
Não me lamento, contudo. Ainda não experimentei a derradeira solidão, aquela que deve ter levado o redentor a gritar "Pai, Pai, porque me abandonaste?". Ainda não me senti abandonada por Deus. Isso sim, deve ser a pior de todas as solidões.
Mas ainda sobre o silêncio. Afligem-me mais as razões porque não posso falar do que o segredo em si. Na mais completa impotência, deu-se-me um nó na garganta e calei-me. Calei-me, como o personagem de Lovecraft, perante a dolorosa incredulidade. Serão então segredos.
Mais rios de lava estão para vir, não tenho dúvidas. É esse o destino.
Entretanto, segue o diário do terror quotidiano. Este blog será provavelmente a minha única criação. Literária, filosófica, existencial, não sei classificá-la nem tal é importante. Testemunho, testamento, legado, talvez. Palavras que consigo fazer passar entre naufrágios e chuvas de lava, como o derradeiro manuscrito de um único sobrevivente no meio de destroços que tenta desesperadamente descrever o que se passou a quem chegar depois sem grande ou nenhuma esperança de que alguém o descubra. Rabiscos na parede da cela de um condenado longe dos seus. Um livro enterrado nas areias do deserto. Uma caixa negra à deriva na corrente. A última e incompleta explicação.
Parece-me que é um instinto puramente humano. Um mistério da alma.

3 comentários:

Fata Morgana disse...

"E se não sinto os outros, continuo a existir?"

:(

Nenhuns outros?

katrina a gotika disse...

Nenhuns. Há uma história interessante com lagartixas que já contei ao Gold. Se ele a percebeu, que a conte. Se não, um dia conto-a a ti.

Anónimo disse...

Porque só te sentes ouvida aqui, no "mundo do espelho"?

Pode ser terapêutico,mas está longe de ser suficiente,não é?

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