quarta-feira, 25 de junho de 2008

Pensamentos soltos sobre o suicídio aqui e ali

Hoje o post vai ser sobre um tema a que muitas pessoas são alérgicas por isso aviso desde já que se vai tratar do suicídio de forma e conteúdo ainda não muito bem definido por isso quem correr o risco de se ver possesso por ataques de vómito pró-vida ou não conseguir conter os sacos lacrimais pode já mudar para o blog seguinte.

Começo pela vida.
Ninguém devia ser obrigado a viver contra a sua vontade.
E no entanto, é contra toda a liberdade do homem que ele nasce e se vê obrigado a permanecer vivo, sem ninguém lhe perguntar a opinião prévia. Começa logo mal.
Há correntes de pensamento que dizem o contrário, bem sei. Que o homem nasce porque quer, porque assim decidiu antes de encarnar. Se assim foi, certamente que a sua vontade de abandonar a vida será decerto também respeitada pelos Poderes que lha concederam. A ver vamos. (Só se sabe no fim.)
Para mim, a vida sempre foi um pesadelo que posso levianamente comparar às Docas. Para quem não sabe e para quem nunca visitou o antro nos seus tempos dourados, as Docas são um espaço de lazer em Lisboa, ali depois de Alcântara, que tem bares porta sim porta sim, oferecendo uma variedade de escolhas desde o techno da moda à esplanada veraneja, e permitindo todo um vasto leque de comportamentos que vão do casal que leva os filhos a comer um gelado, aos engates de ocasião ou à ostentação (verdadeira ou falsa) dos ricos e dos intelectuais, onde toda a gente faz questão de ir para não passar por anormal. Dir-se-ia que foi feito para agradar a toda a gente, e toda a gente gosta muito daquilo, mas eu não gosto nada. Por isso sempre comparei a vida às Docas.
(A vida é melhor, porque tem bares góticos, mas não nos percamos na alegoria.)

Ontem andei a pesquisar na internet métodos de cortar as veias eficientemente com o intuito de sangrar até morrer. Tudo se encontra na internet, e não me desiludi. Não, não vou dizer onde é. Isto de morrer dá o seu trabalho, começando pela pesquisa. E que trabalho! Para fazer a coisa bem feita é quase preciso tirar um curso superior. É preciso saber onde estão veias (artérias, dizem) que nem se sabe que se têm. A direcção do golpe também levanta controvérsia. Metade afirma que deve ser horizontal, se apanhando a artéria no sítio cirúrgico, a outra metade clama que é vertical ao longo da veia do braço. A própria profundidade do corte também não é para amadores. Muito profundo e ineficaz e o suicida corre o risco de mutilar os tendões do pulso (em vez de morrer, claro está) perdendo o controle das mãos com maior ou menor gravidade futura. Cortar pouco, por outro lado, apresenta o risco muito pior de o suicida ser rotulado de "suicida a fingir", ou seja, de ser diagnosticado por apenas "comportamentos suicidários" sem verdadeira intenção de morrer. Pior ainda, de desejar chamar à atenção.
(Por esta ordem de ideias, o simples facto de estar a escrever este texto seria um chamar a atenção sem correr o risco de ficar com cicatrizes. O simples gozo que me dá abordar o tema para escandalizar certas mentes não é levado em conta. O que ainda dá mais gozo.)
Concluindo, se não tem sucesso, o suicida que sobrevive é sempre um falhado. Tendo em conta que na maior parte das vezes a falta de sucesso à luz da sociedade dos outros é o motivo maior para a o acto desesperado, não deixa de ser ironicamente cruel.

Isto levou-me a pensar como é difícil morrer em Portugal. Começando pelo simples acto de cortar as veias. Toda a gente sabe que o melhor método de o fazer, depois da perícia (porque envolve conhecimentos acima da média) de cortar as artérias certas no sítio exacto com uns instrumento suficientemente afiado, é através da imersão em água tépida numa banheira. Isto já pressupõe que o pobre diabo tenha uma banheira. Ora, uma banheira é um luxo. Fazê-lo no bidé, isso sim, é de artista!
Em Portugal, até se é pobre demais para morrer "bem". Os únicos casos de sucesso que conheço são daqueles miúdos que se atiram de um certo viaduto ali para Alcântara e o famoso caso do jornalista da TVI que não foi de modas e saltou da ponte 25 de Abril. Ah valente! (E por falar em bravura, aplaudiria de pé se todos os toureiros decidissem fazer o mesmo para mostrar que os têm como dizem.)
E depois há os casos da linha do comboio de Sintra de que ninguém fala.
E dos polícias que usam a sua própria arma.
Para se morrer, tem de ser à bruta.

No Alentejo, e muita gente não sabe disto, o suicídio é uma tradição que nos aproxima da cultura nipónica. É considerado um acto trágico (mas culturalmente aceitável pelos pares), que um homem ou mulher caído em desgraça, por pobreza ou desonra, se enforque com uma corda nas traves do palheiro. Não sei de quem é a tese, mas existe, de que esta familiaridade alentejana com o suicídio de honra tenha a ver com a menor penetração da mentalidade católica numa região essencialmente pagã que demorou mais tempo a "desarabizar". O que faz todo o sentido, especialmente no mundo pós-2001. Certas culturas são mais inclinadas para o martírio socialmente aceite, independentemente da religião praticada. E se pensarmos em religião, até o Messias se deixou martirizar. (Mas isso eram águas para outro moinho.)

Nos Estados Unidos da América, onde toda a gente compra uma arma de fogo desde que não tenha cadastro (e se tiver até arranja peças mais profissionais) o problema põe-se com maior acutilância. Acredito que seja mais fácil acusar "wannabes" numa sociedade em que toda a casa de família guarda uma arma aqui ou ali. De modo que não chega a haver uma "segunda tentativa". E tendo a conta a familiaridade com que os americanos lidam com o suicídio e o homicídio, só mesmo a inexperiência permite o falhanço (e muitos casos com lesões irreversíveis em estado vegetativo). O suicídio com arma de fogo, bem executado, hitleriano, não permite retorno. Só uma sociedade muito amadurecida consegue conviver com esta proximidade da morte. É verdade que se matam a torto e a direito uns aos outros, mas o suicida que pega na sua arma com balas compradas no Walmart e a dispara nos miolos sabe muito bem que não é uma tentativa - é mesmo a "definitiva".
Conheço de lá um rapaz da minha idade que, como qualquer bom americano, tem um casa não uma arma de fogo mas uma verdadeira colecção. Sabendo das suas tendências depressivas pergunto-me como é que ainda está vivo. (É verdade, estará? Tenho de lhe escrever.) Não senhor, não é brincadeira.

Nisso, acho que os americanos levam a melhor. Uma arma, uma decisão, a terra da liberdade. A liberdade suprema que se pode conceder ao ser humano: acabar com a própria vida.

Em Portugal, por defeito europeu, tem tudo de ser feito com maior hipocrisia. E que hipocrisia. Neste momento trágico que vivemos, aposto que se o senhor Sócrates decidisse distribuir kits de suicídio nos Centros de Desemprego e na Segurança Social livrava-se bem de grande parte do déficit. E assim ficavam mais recursos para os neo-liberais Joões Mirandas da terra, que choram cada tostão dos seus impostos para a solidariedade social.
Estranho ser é o humano, porque a ser feito, não podia ser pela calada. Reunissem, pois, um grupo de desempregados de longa duração, numa daquelas salas de centro de emprego onde se têm de apresentar até à última semana de um subsídio de desemprego que não tarda em acabar (para os que o têm), já a contemplarem o suicídio para não sobrecarregarem a família, e proponha-se-lhes a ingestão de uma pílula letal como fim para os seus problemas. Eis a sublevação imediata! O linchamento do funcionário! O instinto animal a funcionar!
Esta é a razão porque nenhum político alguma vez propôs a ideia às claras (por muito que lhe tenha passado pela cabeça e, nalguns casos, até a tenha tentado pôr em prática).
Como é complexa a alma humana! Tão complexa que é capaz de aceitar o seu fim de livre vontade, mas incapaz de aceitar que lhe seja imposta. Para os que amam a vida ainda deve ser mais lixado. Tenho pena, confesso, porque todos todos todos nós vamos morrer. Uns mais contentes que outros.

12 comentários:

Anónimo disse...

Tenho um caso de suicídio na família.

E sendo uma família alentejana, este caso até vai um pouco contra as taxas da maioria estatística. Sexo feminino.Atirou-se para um poço. Tinha uma doença psiquiátrica tardiamente ou mal diagnosticada.

Dizem que as mulheres apresentam um maior nº de tentativas de suicídio (por medicamentos ou cortes, por ex.), mas são os homens que registam as taxas mais elevadas de suicídios concretizados, por usarem métodos mais violentos e eficazes, como o enforcamento, armas de fogo ou pesticidas. O atirar da ponte também parece ser um método mais masculino.

Conheço essa teoria da relação entre o suicídio no Alentejo e a religião (ou a falta dela). Mas por acaso, sempre vi essa associação como fazendo mais sentido da parte dos homens (daí talvez serem eles a concretizá-lo mais vezes). A maioria das mulheres alentejanas que conheço (mas talvez mais as das aldeias do que das cidades) apresentam-se como muito crentes e “tementes a Deus”. Mas, os “homens-bomba” que se suicidam em nome da sua religião, também são muito crentes…Mas, pronto, isso eram outras histórias.

Quanto os “kits de suicídio”, e á ideia de que nenhum político ainda não propôs essa medida “por muito que lhe tenha passado pela cabeça e nalguns casos, até a tenha tentado pôr em prática”, pois ... talvez a situação a que se chegou, afinal tenha sido mesmo intencional…Para ver, se se livram de alguns…

Fernando disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
skunkie disse...

Utiltarismo - Peter Singer e a conclusão repugnante.
A ética de populações pode ser encarada como injusta: quem merece viver?

para mais e porque isto não é coisa de se explicar em 3 linhas: http://en.wikipedia.org/wiki/Repugnant_conclusion#The_Repugnant_Conclusion

skunkie disse...

bzzzzz....desculpem os erros ortográficos. O multitasking traíu-me.

Fernando disse...

Provocadora ;-)

Aos 13/14 anos, apanhei com um enorme engarrafamento à entrada do Porto via Ponte de D. Luís. Um suicida atirou-se da ponte para o rio, mas o vento impeliu-o para o asfalto do cruzamento de entrada da cidade. Nada agradável, diga-se... cheguei atrasado.

Aos 18 anos, levei com "O Suicídio" de Durkheim no 1º ano da faculdade. Já leste? Julgo que a associação com a religião vem daí. Durkheim estudou as diferenças das taxas de suicídio entre católicos e protestantes e concluiu que as taxas mais elevadas entre os protestantes se ficavam a dever a maior integração (controlo) social.

De um modo genérico, o livro trata o suicídio enquanto fenómeno/facto social, em contraste com as abordagens de carácter psicológico (mais tradicionais).

Banda sonora para o tema: "My Suicide" de Michael Gira/Angels of Light.

Já agora, desculpa a ignorância (pode ser grave), quem é o João Miranda?

katrina a gotika disse...

O João Miranda é um gajo do blog Blasfémias. Criatura inteligente. Inteligente como uma máquina.

Fernando disse...

Ah! Pois... Não leio. Uma das "peças" desse blog trabalha no andar de baixo, fisicamente demasiado próximo de mim...

katrina a gotika disse...

Cuidado não o mordas nem te aproximes muito porque todos eles são de uma maldade venenosa. :>

katrina a gotika disse...

E como são pequeninos como insectos, tem cuidado, não o pises. :> :>

Anónimo disse...

Também tenho um caso de suicídio na minha casa

O Dr Carlos Amaral Dias definiu Depressão ou doença mental mais ou menos assim: Quando o corpo não pode com a alma. Será o suicídio assim também? Para alguém que tenha interesse em partilhar "mágoas", e também para nos fazer sentir que não estamos sós, e se a "dona" , (a quem eu felicito pela sua tremenda lucidez e inteligência) vão dando uma vista de olhos em grande-f-a-minha.

Ainda e sobre o suicídio, eu sei que ele não é um refugio dos fracos.

Fernando disse...

Pequenino?! Só se for em sentido figurado :»

Rellsyck disse...

Relsyck...inhooO


ae Galera Add euzinho no msn !!

So gotika em !!

ISRAEL-KESSLER@HOTMAIL.COM