A minha raiva com esta Lei Anti-Tabaco não é a lei propriamente dita mas o espírito que a orienta. O meu post anterior sobre o assunto foi cómico mas este será sério. A coisa levantou questões tão graves que nem sei por onde começar.
Talvez por isto. O povo é ignorante, muito ignorante. A dona de um cafézinho aqui do bairro decidiu que o café dela (aí uns 20m2, se tanto) vai ser para fumadores. Foi daí, comprou o dístico azul e disse "aqui fuma-se". Totalmente ignorante da lei, não sabe que não lhe foi dado direito de escolha. Nem sabe que a qualquer momento lhe pode entrar um gajo pela loja adentro e multar à vontade. É assim a ignorância. É por isto também que o povo não se revolta quando é preciso. E a mim o que revolta é a ignorância.
Voltemos à lei do tabaco, sem esquecer o pormenor da ignorância. Esta lei lembra-me a proibição de dar milho aos pombos. Caso não saibam, caros leitores, é proibido e punido com coima, em Lisboa, o hábito inofensivo e milenar de alimentar os pombos no jardim. Desculpa: os excrementos estragam as estátuas. De modo que qualquer estátua é mais importante do que as criaturas vivas. É a mesma mentalidade que quase nos proíbe de deslocarmos os nossos animais nos transportes públicos. É a mentalidade paranóica do medo da morte e da higiene e da supremacia do ser humano que é veiculada a toda a hora como se pode ver pela histeria da gripe das aves. Nunca ninguém parou de dar comida aos pombos, mas às escondidas, porque aqui na rua há um bufo. Um bufo que ameaça vingar-se dos vizinhos chamando a polícia. Esta história caricata não é do tempo da PIDE e de Salazar, mas dos nossos dias, do nosso recém chegado 2008. A raça humana é o homem lobo do homem.
Esta lei, como as anteriores, é mais uma lei proibicionista e nazi (porque vexatória) que não dá hipótese de escolha aos donos dos estabelecimentos (ao contrário do que a minha ignorante vizinha pensa). Daqui até à proibição de fumar em nossa própria casa, o nosso espaço privado, vai um passinho. É isso mesmo que eu estou a dizer, meus amigos. Adivinha-se o caminho: a ilegalização do tabaco.
Se os meus amigos pensavam que me importa fumar na rua, mesmo em relação aos bares, tirem o cavalinho da chuva. Pelo contrário, não vejo a obrigatoriedade de ir fumar para a rua como um problema mas como uma oportunidade. Vou fazer amigos novos e inesperados.
A mim preocupa-me algo de mais perigoso. Cada vez que uma substância é ilegalizada nascem fortunas! Foi assim com o ópio, com a cocaína, com o haxixe, com o próprio álcool nos Estados Unidos durante a Lei Seca, e será assim com o tabaco. Países produtores e canais distribuidores têm todo o interesse em ver o tabaco ilegalizado. O tráfico compensa. A única razão porque hesitam é porque o tabaco não é, no fim de contas, tão viciante como as outras drogas. Estou a comparar a dependência da nicotina à dependência da heroína e mesmo do álcool. Qualquer fumador, com força de vontade, larga o tabaco de um dia para o outro. E mesmo que tenha recaídas, e compre um cigarro no mercado negro, esse cigarro não lhe incapacita os sentidos como as drogas alucinatórias e não aparece no emprego incapaz de trabalhar. Se existir dependência, depois do desmame, esta é psicológica, como a do jogo, a da internet, a do sexo, e outras mais graves como a auto-mutilação.
Se o mercado não percebesse isso, há muito que o tabaco estava proibido. Se a tendência for proibicionista, nada nos garante que o álcool não seja de venda proibida, como já é a pessoas "nitidamente embriagadas" ou que aparentem distúrbios "psicológicos". Leiam o cartaz quando estiverem no supermercado. Já nos dizem qual é o nível de embriaguez socialmente consentida. O que tem a ver o nível de embriaguez com a harmonia social e a saúde dos restantes cidadãos ainda estou para perceber. Estamos a falar de pessoas notoriamente embriagadas que já não se aguentam de pé e que não têm equilíbrio suficiente para entrar num carro sem ajuda quanto mais de o conduzir e que não oferecem perigo nenhum para a sociedade a não ser a ofensa inestética de um vómito. Mas que é proibido, é.
Em muitos países, também o suicídio foi proibido (e punido com pena de morte!) durante séculos e séculos de influência da igreja.
A tendência proibicionista também já começou com as benzodiazepinas ao volante. As benzodiazepinas, altamente viciantes, são outra substância que dava um grande jeito ilegalizar (e por sua vez substituir por pior). Actualmente estão ao preço da chuva e o número de viciados é aliciante.
No tempo da guerra, até o café e os chocolates forneceram uma excelente oportunidade de negócio para o mercado negro.
É tudo isto que a Lei do Tabaco traz ao de cimo, lembrando-nos de que nos Estados Unidos se chegou ao extremo de proibir o tabaco a uns tantos metros de qualquer casa habitada, e que temos de pensar se queremos uma sociedade em que o Estado se sobrepõe ao livre arbítrio ou se queremos uma sociedade equilibrada em que o direito de escolha é sagrado. Eu voto pela segunda.
17 comentários:
É fantástico! Será que os antitabagistas acreditam mesmo que vão conseguir pôr termo ao negócio?
Bom texto.
Como vim aqui parar não sei, mas também pouco interessa.
Quando li o primeiro post acerca dos não-fumadores irritei-me, revoltei-me e decidi falar, depois passou-me... e agora voltou-me a vontade (curioso):
Ia dizer que "quem desrespeita a vida dos outros não merece viver".
Não vale a pena aos fumadores porem-se com idiotices ao dizerem que a lei é fundamentalista e igualarem-na à Lei Seca, ou ter o atrevimento de se porem ao nível dos cães pelo simples facto de não os deixarem fumar - já cá faltava também mais um desrespeito aos animais (já agora).
Isto não é mais do que as pessoas que se sentem lesadas estarem a lançar veneno para todos os lados e a fazerem-se de coitadinhas. Perdão? Coitadinhos são os que não fumam e tinham que levar com o tabaco dos outros.
Uma coisa que sempre me apercebi é que a maioria das pessoas que fuma é mal educada, não tem respeito pelo seu igual, está-se a cagar se está a incomodar e a prejudicar outras pessoas, nomeadamente os seus próprios filhos.
Infelizmente este é o povo que somos: não somos educados e para fazermos as coisas bem feitas tem que ser à força. Daí a lei.
E só porque sou antitabagista não faz de mim uma health freak. De todo. Também gosto da "má vida" e sou a favor da legalização das drogas leves. Sem tabaco, claro.
O tabaco não é considerado ilegal porque o Estado ganha muito, muito dinheiro com ele, simples.
Não inventem: aquilo mata e antes de o fazer, faz sofrer e muito.
Mas que esta lei não sirva para mais bairrismos, já nos basta o futebol e os partidos políticos para isso.
Que sirva para educar-nos a todos.
Não quero que se fique com a ideia que entrou o Buda em mim e estou a lançar paz e amor, é óbvio que falo de barriga cheia porque estou satisfeita, mas não estou contra ninguém... mas também sou pessoa para dar um murro a quem desrespeitar este meu direito recém adquirido.
Sonja
Gotika
Gostei de te ler e acredita que nesta altura do campeonato até gostava de ter uma ignorante com um dístico azul aqui para os meus lados rsrs
Mas como faço parte dos "Fumeus" não posso estar de acordo com que esta fundamentalista ex-fumadora passiva Sonja disse
Dá ideia que a perseguida é ela ahahaha
Devo estar com sono....
Boa semana
Beijos
Bem, eu não penso que a motivação económica ("lei seca") seja aqui a fundamental. A questão é absolutamente política, como o ridiculo comment da Sonja demonstra. As pessoas "sentem-se lesadas" e têm "direitos recém-adquiridos".
E tudo isto faz parte do programa "Happy Slaves". Mantenham os escravos contentes. Dêem-lhes liberdade sexual, convençam-nos que cada criancinha idiota é um "bébé adorável", dêem-lhes muita TV e muitos "sonhos" como os que todos os dias se contam (ou melhor, se "confessam") nas capas das revistas para galdérias e se anunciam na publicidade dos bancos. Tornem-nos fisicamente saudáveis (convém que os escravos tenham força física). A pouco e pouco desinteressar-se-ão da "politica". Cumprirão as "regras". Sentir-se-ão iguais aos outros e "em paz" consigo próprios. Lerão, na internet, textos de auto-ajuda e receitas de sushi. Imagine all the people.
Boff.
A comentadora Sonja refere:
«Quem desrespeita a vida dos outros não merece viver».
A aplicação desta «lei», de forma imparcial, poria todos os condutores em risco de vida. Todos produzem gases altamente venenosos e muitos com a agravante de conduzir perigosamente.
São tantos os disparates, todos cometidos por excesso, deste post que nem vale a pena rebater. Concordo que há muito higienismo subjacente a um certo radicalismo que se revê em alguns tópicos da lei (p. ex., acho inadmissível que não se criem espaços para fumadores nas escolas e hospitais, centros comerciais,..., mas o mais significativo deste post é que a Gotika não refere sequer ao óbvio, isto é, ao espectro que paira sobre o espírito dse todos os fumadores, e eu fui-o durante 20 anos: CANCRO, cancro do pulmão. É horrível, degradante, amesquinhante, desesperante, cruel e EVITÁVEL! Pela minha parte, duas pessoas muito queridas morreram, neste ano que acabou, com um filho da puta de um cancro de pulmão. O tabaco foi a causa. Eu sei, +orque fumei durante 20 anos, que é um vício idiota e caro que dá um raro prazer que não compensa, de maneira nenhuma, o risco, o efeito, o preço, nem a rebeldia.
Oh S, o que é isso de uma "rebeldia que compensa"?!
Há cada uma hoje em dia.
Quem é tu, S., para decidires por mim a minha morte? Aliás, quem és tu, com o devido respeito, para orientares a linha de importância dos assuntos nos meus posts? Se até no fundo concordas comigo e dizes que devia haver espaços só para fumadores...
Que é isto que escapa à nossa comentadora fundamentalista, que a revolta é por nos terem tirado os espaços todos. Ainda hoje li numa crónica que os fumadores deviam dar-se por felizes porque podem fumar em casa e na rua. Ou seja, deviam dar-se por felizes por o tabaco não ser ilegalizdo, ponto final.
Essa da liberalização das drogas leves, então, é anedótica. Fumar droga sem tabaco, só com ervinha, só pode fazer bem. Sugiro um espaço criado nas escolas e nos hospitais, como dizia o S., para os charrados poderem fumar as ditas drogas, porque agora só em casa ou na rua.
Amiga fundamentalista, é muito simples e resume-se a isto: se eu tiver um estabelecimento eu devo ser livre de escolher o que se passa lá dentro.
Agora por acaso, lembro-me dos clubes privados, como os mais gritantes clubes de charuto e cachimbo. Pode-se fumar num clube privado? Porque das duas uma: ou não pode e fecha; ou pode, e qualqer bar tem o direito de se constituir em clube privado, de porta fechada, onde só entram os membros.
Quem és tu para me condenares à morte por cancro do pulmão só por que te apetece lançar baforadas de fumo para cima de mim?
Ponto 2: Se acaso, Deus não o queira, contraires cancro do pulmão, terás a mesma coragem e irreverência para prescindires dos tratamentos caríssimos, que se elevam a dezenas de milhares de contos, em nome do teu direito a decidir pela tua vida, e supondo que a doença é uma consequência directa e comprovada da tua reivindicação?
Conduzes automóvel, S?
Conduzo, Goldmundo, mas:
a) Não reivindico o direito a atropelar os outros,
b) Não exijo uma estrada só para mim quando me apetece conduzir bêbedo e
c) Um acidente na estrada é um acidente. Quando resulta de um acto prévio deliberado não é um acidente. E quando dessa negligência resulta prejuízo ou morte de terceiros é CRIME. Entendes, Goldmundo, quão infeliz é a tua comparação mal sugerida? O que eu coloco em questão à Gotika é, e repetindo-me: estando cientificamente demonstrado, sem margem para qualquer dúvida, que o cancro do pulmão resulta, em 90% dos casos, do consumo de tabaco (ou seja, não é um acidente), está a Gotika disposta a presindir do tratamento, uma vez que reivindica o direito ABSOLUTO à livre escolha, mesmo nos casos mais extremos como é este que envolve a vida e a morte?
Não há nenhum radicalismo da minha parte, que até aceitei a existência de espaços para fumadores em locais onde seja possível e onde não incomodem os outros, que até condenei algum higienismo militante. Mas há radicalismo da parte de quem faz de um vício um direito, de quem considera uma exigência existencial um hábito nocivo gerador de dependência física e psicológica, de quem agita fantasmas, comparando a lei ao nazismo, ao fascismo e ao puritanismo político de alguns sectores da vida norte-americana.
Goldmundo, julgava-te capaz de evitar esta explicação: o cigarro fumado por James Dean, por exemplo, foi um ícone apropriado para um jovem rebelde. Já não é.
S, eu não vou entrar em discussões requentadas. O que está em discussão não é o espaço livre de fumo mas a falta de espaços para o fumo. Escusas de tentar desconversar que não vou na tua cantiga.
Muda a conversa para a frente ou ficas a falar sozinho.
A não ser que estejas a sugerir que aos fumadores seja retirada a assistência médica gratuita para que não saia do teu bolso. Isso sim, já é mais destes tempos de selvajaria.
Ah, e ainda hoje estava a pensar que o cigarro continua a ser sinónimo de rebeldia. Cada vez mais. Vê lá como as coisas são.
Hoje ainda mais que no tempo de James Dean.
Correndo o risco de ficar a falar sozinho (e depois queixas-te da intolerância!), lembrei-me de te fazer uma pergunta: porque não dás aos adeptos das touradas a mesma complacência que exiges para os fumadores? E não desconverses por favor, como fizeste com aquela alusão aos impostos. Os animais têm direitos e os não-fumadores não têm o direito a proteger-se do fumo passivo e do CONSEQUENTE cancro? É que é mesmo consequente!
Foda-se! Mas é que está aqui a dizer que os não fumadores não têm direito ao espaço livre de fumo? Não estás a ler, estás a inventar.
Não quero que ninguém fume o meu fumo. Não é nada disso, mesmo nada disso. Quero que sejam criadas condições para eu fumar sem incomodar os outros. É preciso explicar as letrinhas todas?
Palavra de honra, já me devias conhecer melhor. Não me fico pelo óbvio, graças a Deus.
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