Vou antes salientar este excelente post do Henrique no Hora Absurda, sobre a nossa muito portuguesa miséria envergonhada:
O nosso Presidente da República mandou uma boca no sentido de se remendar a moralidade tiocrática que pulula por aí. Deu a dica ao governo para se reduzir o salário dos gestores de empresas. Mas trata-se, efectivamente, de uma forma de tapar ainda mais os olhos das bestas que já não veem um boi à frente do nariz. Não veem, não senhor. Vamos supor que o governo fazia baixar aqueles salários. Mesmo que a redução fosse de 50%, esses tios gestores não davam por isso. Arranjariam forma de compensar essa redução com mais benesses das empresas que gerem. Em certas empresas são os tios gestores que determinam os seus salários e benesses. E como aquelas empresas prestam serviços em regime de monopólio ou em cartel com outras, elas podem sempre apresentar lucros fabulosos porque impõem o preço dos seus serviços. Nem o consumidor pode sequer boicotar-lhes a estratégia. Tomemos como exemplo a electricidade. De que adianta pouparmos na electricidade se o preço sobe e continuamos a pagar o mesmo porque os lucros não podem baixar, têm que subir sempre. Quanto mais pouparmos, mais lucros terão a EDP, a REN, a Iberdrola, etc.. Depois são os mais pobres que sofrem porque eles não poderão pagar a conta e a EDP manda cortar a luz sem dó nem piedade. Quantos lares já têm a luz cortada neste momento em Portugal? Pergunte-se aos Me®dia, talvez saibam (isso é que era bom!).
(...)
Muitas empresas que prestam serviços são apenas fachadas “financeiras”, nem prestam já serviços. Mandam outras empresas menores fazer o serviço que eles supostamente deviam prestar - é aquilo a que eles pomposamente chamam de outsourcing para que as bestas pensem que se trata de algo moderno e bom para as bestas. Mas é, tão somente, uma forma de explorar melhor as bestas. As pequenas empresas que prestam serviços às grandes financeiras (EDP, Telecom, Netcabo, SMAS), procuram sacar o máximo delas. Do género de fazerem mal uma instalação para, depois do cliente reclamar, enviarem de novo os seus técnicos ao cliente e facturarem pela resolução do problema “fabricado” - a história da carraça, conhecem? Mas quem paga tudo é o cliente, isto é, nós, as bestas.
(...)
Por isso, caros cidadãos (entenda-se bestas!), preparem-se para apertar ainda mais o cinto. Não dou conselhos a ninguém, mas vejo que a única forma de escaparmos à miséria total é deixarmos de necessitar dos serviços deles; procuremos alternativas, se houver. Ou habituemo-nos a viver sem luz, sem água, sem nada. Isto é que um verdadeiro PR devia dizer. Tudo o resto vem por acréscimo, porque saúde, educação, etc., tudo segue a mesma lógica tiocrática que consegue enganar as bestas com medidas que favorecem cada vez mais os tios, e mais ninguém.
Pois eu acho que ainda não cortaram o suficiente a água, a luz, o pão. Deviam cortar mais, para ver se as bestas acordam. Ainda há muita besta adormecida. Apenas um quinto das bestas abriu os olhos. O resto queixa-se que os gajos que cortam a água, a luz, o telefone, é que são maus, e esquecem-se que durante 30 anos andaram a votar no sítio errado, se votaram de todo, abstraindo-se de toda a responsabilidade sobre o futuro do país. E entretanto lá se vão entretendo com futebóis, "morangos" e créditos até vir o homem do corte. Aí, ai que d'el rey, que são maus! Chamam nomes aos operadores de call center, querem bater aos gajos que lhes vêm buscar o carro, vandalizam as casas que são forçados a abandonar quando não pagam as prestações. Parecem crianças a quem tiram um brinquedo.
Eu digo aos homens e mulheres deste país: deviam cortar-lhes os tomates, sem anestesia.
Corte-se!
De onde vem a minha implacável intolerância à cobardia? Já aqui o disse mais de uma vez, eu não devia estar na internet. Não venho da classe média. Venho de mais baixo, muito mais baixo. Em 2005, ano em que estive desempregada, passei muito frio porque não havia dinheiro para ter o aquecedor ligado. Cheguei a escrever este blog, à noite, de luvas e gorro. Agora já o posso dizer, porque já passou. Não sei se não se repetirá. A única razão porque mantive a internet foi a necessidade de procurar emprego. E muitas vezes pensava como seria se não houvesse dinheiro para a electricidade que sustenta o computador e o telefone que recebia as chamadas. Quando se é pobre, uma coisa arrasta a outra e a certa altura já nem há dinheiro para procurar emprego. Mas nunca, NUNCA!, pensaria em queixar-me dos homens maus que não dão o que não pago. Esta ideia que tudo é de graça porque o Estado tudo dá foi o maior erro em que caiu a geração que desgraçou a minha, a geração que fez o 25 de Abril. A geração que hoje vive dos altos ordenados ou da reforma que eu não terei. A mesma geração que só acorda quando não tem água, nem luz, nem comida, e lhes levam o carro, a casa, e acorda na rua. E ainda há quem passe pelos sem abrigo e ache que a culpa é deles.
Enquanto houver quem pense assim, corte-se! Aliás, vou corrigir: enquanto a maioria pensar assim, cortar-se-à. E cortar-se-à! E cortar-se-à! E é bem feita. Ainda devia doer mais.
9 comentários:
Supõe que um milhão de bestas acorda. Aos berros. Cortam salários, e outras coisas que por pudor não ponho aqui, aos "tios" do Henrique-da-Hora-Absurda.
Day after?
As bestas são analfabetas. Já nem sequer serão capazes de ler nos livros velhos como é que se fazia na Albânia.
Quando os "tios" se forem (confio mais nas alterações do clima do que nas bestas) é bom que tenhamos, tu e eu, os gorros e as luvas à mão.
Porque as coisas não caem do Estado, mas também não caem do céu.
Cada vez mais acho que devemos andar em bicos de pés para que as bestas façam o seu ó-ó. De qualquer forma é tarde demais, e pelo menos não há barulho. E eu gosto de sossego.
Dark kiss.
"Supõe que um milhão de bestas acorda."
Penso, realisticamente, que não corremos esse risco. Pelo menos não de um dia para ao outro nessa versão apocalíptica que descreves. Se ando desde 1990 a dizer isto e ainda só acordou um quinto?!...
"Cada vez mais acho que devemos andar em bicos de pés para que as bestas façam o seu ó-ó."
Percebo-te, mas o sono também não nos vai salvar. Dos 3 quintos que acordem, meia dúzia de exaltados vão degolar os tios (à francesa) e esperemos que uma pequena minoria possua os conhecimentos técnicos para produzir o que é preciso. A malta da minha geração e posteriores não é menos inteligente que as antecedentes, simplesmente não lhes foi dada oportunidade porque os lugares estão ocupados (os velhos já não morrem!).
Ainda há quem saiba ler nos livros velhos. Tive um colega no liceu que escolheu Latim. Só porque às pessoas não é pedido que mostrem as suas capacidades não quer dizer que não as tenham. Eu acho que ainda sou capaz de falar francês se for mesmo, mesmo preciso. Às vezes ainda me surpreendo a mim própria.
Agradeço-te o destaque, não deve tardar a hora prevista do corte que fará com que os tios também acordem, também eles andam a dormir à sombra da bananeira e esqueceram-se de olhar para os lados e não repararam que à volta do oásis onde vivem o deserto avança e os camelos vão investir a qualquer momento. E apesar do seu poderio militar, irão ser esmagados sem dó nem piedade.
Ainda falta muito para a revolta, pelo menos nos habitantes dos países ocidentais (não querendo fazer um trocadilho com deserto - camelos - muçulmanos, a sério!).
Ah, o que eu penso é que NADA nos vai salvar.
Se os tais "Tios" foram degolados (mas não o serão) não se trata de "conhecimentos técnicos". Podemos ter a receita da mousse de chocolate. Mas não teremos o chocolate. A Rússia, em 89, era o pais com mais e melhores engenheiros do mundo. E os ocidentais acharam que bastava a "democracia". Mas uma sociedade não se faz por decreto nem por vontade política. Ao contrário do que andaram a dizer as nossas utopias durante 400 anos, um conjunto de náufragos numa ilha não é capaz de fazer uma sociedade decente.
A salvação virá depois de mais um longo mergulho no abismo.
E isso faz-me ter a tentação mais tremenda: a de pôr a esperança no abismo. Estes tempos de crepúsculo e inverno são uma maçada para a qual já não tenho idade.
E escrevo isto noite dentro, com um cigarro aceso na mão, a mente pesada de fumo e bebida. Não, amanhã de manhã não vou correr meio nu como o nosso Primeiro Ministro, nem vigiar o colesterol. Vou acordar com muito café e fumar mais e acabar de ler mais um livro escrito muito antes de eu nascer. Amanhã, a caminho do trabalho, vou passar por uma casa bonita de onde à noite voavam morcegos, e que começou a ser demolida. Vou ver o tipo da porta ao lado daquela onde trabalho com a sua gravata cor de rosa horrenda. Se tiver azar vão-me perguntar se quero ir almoçar a um restaurante japonês. Tanto nada, tanto vazio. Não tenho vontade de acordar nem de dormir. Aqui estou, e na mão o vermelho-aceso do cigarro acompanha-me a pensar. É bom.
E um dia isto ser-nos-á tirado. Sabes? He doesn't want our souls. He wants a soulless universe.
Não nos podem tirar tudo. Eles bem tentam mas não conseguem.
E acertas na minha análise do abismo. É o abismo que nos vai salvar. Como sempre. Basta olhar para a História da humanidade.
«tiocrática»?!? Fala do tio de quem, aí o Mel Gibson tuga?
E dá esse gajo aulas na Faculdade!
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