Nos últimos dias, tem vindo sobre mim uma melancolia inexplicável que faz dor estar viva. Coisas de gótico, sem dúvida. Apanhei-me meia dúzia de vezes a pensar que a minha vida acabou e que devia acabar. Razões? Nenhumas em particular. Está frio. Tenho um gato doente desde o Verão, morre não morre. O empregozinho de merda onde se tem de pedir licença para ir fazer chichi. Ter 35 anos (muito cedo mais que isso) e ficar fora do mercado de trabalho enquanto nos obrigam por decreto a fumar menos e viver mais. Para quê, se as pensões não chegam? Não se pode dar milho aos pombos. Nojentas pessoas não gostam de animais e gostariam de os exterminar a todos. E às lareiras. E ao incenso, provavelmente. Pessoas sem pinga de sensualidade. Ter de comer carne porque a comida vegetariana é muito cara. Podia ser pior, podia ser obrigada a comer o meu semelhante, como no empregozinho de merda onde não lhes posso dizer as verdades que deviam ouvir. Que não querem ouvir, nem ler, nem ali nem aqui. Supermercados cheios de imigrantes pobres que vieram enganados. Cada vez mais sem abrigos nas ruas.
E no Quénia, o que será dos animais? Há muito tempo deixei me preocupar com limpezas étnicas. Tenho pena é dos animais, apanhados neste mundo da última Criação Divina, Adão e Eva, natural born killers, o flagelo de Deus.
Nada de novo, portanto. Não poderia dizer porque pensei na morte hoje e não ontem ou amanhã. Não há explicação racional.
Tenho dois artigos das minhas memórias para acrescentar aos outros dois mas apesar de alinhavados a vontade não aparece. E o gato morre não morre.
E eu hesito. Ser ou não ser? Viver ou renunciar? Mais um passo numa ou noutra direcção e terei feito a escolha. Hesito. Irrita-me. Não gosto de viver no meio termo. Ou tudo ou nada. Morre-se ou não morre-se. Vive-se ou não vive-se. Isto de viver por uma causa não é vida, é uma missão. Uma missão involuntária, tem esta algum mérito? Duvido. Parece mais um pedido de desculpas. Que fazer com esta vida que abomino? Tentar transformá-la numa coisa que sirva de alguma coisa? Isso é viver? Não, isso não é viver. Not in my book.