domingo, 4 de fevereiro de 2024

The Haunting of Hill House (livro, 1959), The Haunting (filme, 1963)

The Haunting, 1963

Mais um dos casos raros em que o filme me estragou completamente o livro. Depois de ver a série “The Haunting of Hill House” (2018), e uma vez que “The Haunting” (1963) é um dos meus filmes de terror preferidos de sempre, tive a compulsão de ir ler o livro original “The Haunting of Hill House” de Shirley Jackson, publicado em 1959. Finalmente queria descobrir o que fazia parte do livro original, do filme e da série.
Desta vez não tenho qualquer problema em dizê-lo: o filme é muito melhor do que o livro. Não só criou uma atmosfera (e história) muito mais arrepiante como cortou toda a palha desnecessária.
Eleanor Vance continua a ser a protagonista (o apelido é ligeiramente alterado no filme para Lance), uma mulher de trinta anos que sempre viveu com a irmã e que passou os últimos 11 anos a cuidar da mãe doente sem ter qualquer vida própria (onde é que estava a irmã que nunca ajudou a cuidar da mãe?). Eleanor é submissa, passiva (diria mesmo passivo-agressiva), insegura, isolada, eternamente à espera que algo de importante lhe aconteça. Finalmente algo lhe acontece, quando é convidada por um investigador do sobrenatural, o doutor Montague (Markway no filme) para um estudo experimental em Hill House. Eleanor recebe o convite devido a uma experiência documentada com um poltergeist na infância. Os outros investigadores são Theodora, uma médium (curiosamente,Theodora é lésbica no livro, no filme e na série, mas apenas declaradamente na série, sinal dos tempos), e um representante da família dos donos da casa e potencial herdeiro, Luke. São estes igualmente os protagonistas do filme. Mais tarde aparece a esposa do doutor Markway num papel ultra secundário, e ainda bem, porque a esposa do doutor Montague no livro é uma personagem execrável, ainda mais fanática pelo espiritismo do que ele, que critica, desvaloriza e trata o marido abaixo de cão. Eu, sinceramente, tive pena do homem. Se fosse a ele fechava-a no berçário e deixava-a lá para todo o sempre. Não exagero, a mulher é tão mandona e convencida (se calhar foi inserida no livro como comic relief) que nem a casa quer nada com ela. A mulher bem tenta ser assombrada mas Hill House nem lhe passa cartão, o que é dizer tudo.
Por falar em berçário, há uma diferença significativa no livro, em que Hugh Crain, o dono original de Hill House, tem duas filhas e não apenas uma. Na morte do pai, as duas irmãs digladiaram-se encarniçadamente pela herança da casa e seus conteúdos, o que nos recorda as brigas de família da série “The Haunting of Hill House” em que os irmãos quase andaram à porrada no velório da irmã.
Tanto o livro como o filme se centram fundamentalmente em torno de Eleanor, cuja fragilidade psicológica a torna presa fácil para ser possuída (ou enlouquecida, se quisermos) por Hill House, onde ela julga ter encontrado o seu lugar. Outra diferença significativa é que no livro Eleanor se interessa romanticamente por Luke enquanto que no filme os seus afectos se dirigem ao doutor Markway, o que até faz mais sentido porque um homem mais velho lhe oferece mais estabilidade emocional, estabilidade que é feita em pedaços quando Eleanor descobre que ele é casado. Tanto no livro como no filme Eleanor começa por pensar que descobriu amigos nos três companheiros e acaba a considerar que afinal não tem um lugar entre eles, que eles a gozam e subestimam (apenas na imaginação dela), exactamente como a sua família sempre fez. É caso para dizer que Eleanor nunca consegue perceber que é ela quem tem de aprender a socializar e a impor-se, com consequências trágicas. A série, até pelo formato televisivo, teve de desenvolver a história de outra maneira, mas foi buscar muita coisa tanto ao livro como ao filme.
Não considerando a série (pelo motivo referido), continuo a preferir o filme original ao livro, também porque visualmente é mais impressionante sem que envolva grandes efeitos especiais, até porque acabamos por nunca ver nenhuma assombração mas conseguimos senti-la numa casa onde os personagens se perdem a caminho do quarto para a sala de estar e onde não existe um único ângulo recto, o que é muito lovecraftiano.
Em suma, não digo a ninguém que não leia o livro, mas “The Haunting” conseguiu fazer mais e melhor.

 

Sem comentários: