“The Haunting of Hill House” é uma série baseada no romance homónimo de Shirley Jackson de 1959. Seria difícil não gostar da série porque “The Haunting” é um dos meus filmes de terror preferidos de todos os tempos (o de 1963, não o de 1999 que não interessa nada). Não li o livro e não consigo avaliar qual é a melhor adaptação, mas deduzo que a narrativa televisiva não possa ser igual à cinematográfica.
Na verdade a série devia antes chamar-se “The Hauting of the Family Crain” porque a assombração persegue esta família durante décadas. Um dos personagens até diz que “a casa considera a família uma refeição inacabada” (ipsis verbis).
A acção passa-se no início dos anos 90, mas todo o ambiente foi pensado para dar uma ideia de intemporaralidade: podia ser nos anos 60, 70 ou 80. A família Crain compra a Mansão de Hill House, na sequência da morte da última herdeira dos Hill, no intuito de a reabilitar e voltar a vender o mais depressa possível para poderem então construir a casa dos seus sonhos. Nunca é dito mas está implícito que Olivia Crain, a mãe, é arquitecta (foi ela quem desenhou esta casa de sonho) e que Hugh, o pai, é o mestre-de-obras. Os Crain têm cinco filhos: Steve, Shirley, Theodora, e os gémeos Nell e Luke. (Só isto é um terror: cinco filhos!) A casa tem uns 100 anos e foi construída à vontade dos Hill a imitar um edifício vitoriano, algo entre um castelo e uma abadia, um verdadeiro horror estético de estilos e gostos duvidosos por dentro e por fora. Mas a casa é grande, espaçosa, ideal para uma família abastada com apetência por residências retro e uma grande sala de bailes, por isso os Crain pretendem passar lá apenas uns dois meses para a remodelar e pôr no mercado. Estes planos vão por água abaixo quando Hugh descobre um problema de bolor negro desde o terceiro andar até à cave (bem-vindos ao meu inferno, família Crain).
Hugh não desiste (até porque empatou todo o dinheiro na casa), mesmo quando coisas suspeitas começam a acontecer. Nell e Luke queixam-se de ser assombrados durante a noite mas ninguém os leva a sério. Mais grave ainda, Olivia começa a agir de forma estranha e a ter enxaquecas e sonhos muito vívidos em que fala com antigos habitantes da casa.
Quem se lembra de “The Haunting” de 1963 vai reconhecer alguns elementos que fizeram deste um grande filme de terror e que têm sido inclusivamente utilizados em filmes posteriores:
O casal Dudley, os caseiros que vivem na extremidade da propriedade e se recusam terminantemente a permanecer na casa de noite. É Clara Dudley quem diz, e repete, o aviso que ninguém ali deve ficar “in the night, in the dark” que nos arrepiou em “The Haunting”.
Os cães a ladrar que os miúdos ouvem à noite mas nunca se vêem.
A escadaria de ferro forjado em espiral na biblioteca.
As pancadas nas paredes e nas portas.
A cena em que alguém aperta a mão de uma das irmãs adormecida, que esta julga ser a irmã mais nova, mas não está ninguém na cama.
O berçário, chamado em “The Haunting” “o coração da casa” e aqui apelidado antes de “estômago” – bem apanhado!
A intenção, desta vez expressa pelo pai, de queimar a casa e salgar o terreno.
Todas estas passagens se encontram em “The Haunting”, mas “The Haunting of Hill House” não é apenas uma série de terror com assombrações e sustos e quem esperar isso vai ficar desapontado. Pelo contrário, existe uma componente dramática muito forte que me recorda outra grande série, “Six Feet Under” (se não viram deviam ver urgentemente!), sobre os problemas de uma família dona de uma agência funerária (uma das irmãs, Shirley, também é agente mortuária). E se há drama nesta família! Olivia, a mãe, suicidou-se em Hill House, atirando-se do patamar superior das icónicas escadas de ferro. O pai, Hugh, nunca quis explicar exactamente o sucedido, embora tenha perdido a custódia das crianças que cresceram com a tia materna. Steve julga que a mãe enlouqueceu e que o pai é culpado de não lhe ter prestado os cuidados devidos. Shirley tornou-se uma controladora ao extremo. Theodora tem o dom de captar vibrações sobrenaturais com o toque e anda sempre de luvas para o evitar. Luke tornou-se toxicodependente. Nell também tem problemas psicológicos, terrores nocturnos e provavelmente stress pós-traumático. Tudo remete para a casa embora ninguém lá more há mais de 20 anos. Hill House continua a assombrar os Crain, apesar das vidas normais que eles tentam levar. Como disse o pai, “uma refeição inacabada”.
A primeira a sucumbir ao apelo da casa é Nell, que se “suicida” nas escadas de ferro da mansão abandonada e vazia. (Peço desculpa pelo spoiler, mas é o que provoca todo o desenlace; ademais, acontece logo nos primeiros episódios e não é exactamente um suicídio…) Gosto tanto do drama desta série que um dos meus episódios preferidos é quando toda a família se junta para o velório e tem uma discussão “das antigas”, com toda a gente a apontar as culpas uns dos outros, a falar nas costas uns dos outros, a atirar à cara quanto dinheiro uns devem aos outros, etc, tudo sem qualquer necessidade de assombrações. É delicioso.
Mas isto é “The Haunting of Hill House” e não fica por aqui, evidentemente. O terror está apenas a começar.
A série tem as incontornáveis influências de clássicos como “Amityville” (o original) e “The Shining”, embora neste último caso seja mais ao contrário (Stephen King chegou a escrever sobre o livro de Shirley Jackson).
Não posso revelar qual é a verdadeira assombração da casa, mas começa tudo com um quarto fechado que ninguém consegue abrir. É de arrepiar os ossinhos. Adorei o puxador em forma de leão e o efeito especial dos créditos de abertura.
Curiosamente, tal como em “American Horror Story: Hotel”, quem morre na casa fica lá para sempre como fantasma. Algumas pessoas, por vários motivos, decidem morrer na casa de propósito por essa razão. Pergunto-me se a ideia também está no livro original? Tenciono ler o mais depressa possível. “The Haunting of Hill House” é uma série a não perder pelos amantes de terror.
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PARA QUEM GOSTA DE: Six Feet Under, Amityville, The Shining, casas assombradas
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