domingo, 25 de fevereiro de 2024

The Walking Dead: Daryl Dixon (2023 - ?)

[contém spoilers]

Pensavam que “The Walking Dead” tinha acabado? “The Walking Dead” nunca vai acabar porque, como o próprio nome indica, vai andar por cá durante séculos… ou enquanto der dinheiro. Já estava na calha um spin-off protagonizado por Daryl Dixon, em que Carol, inicialmente, era suposto ter participado também.

França: mais uma personagem
Confesso, fiquei agradavelmente surpreendida com esta série filmada em França (fui confirmar) que nem precisava de enredo, bastava Daryl a matar zombies pelos fascinantes cenários franceses, mas por acaso até tem.
Comecemos pelo princípio. Daryl dá à costa em França e põe-se a deambular por lá como um peixe fora de água (passe o trocadilho). Como é que Daryl dá à costa em França? Isto pode parecer pateta mas o penúltimo episódio explica-nos o que aconteceu. (Voltarei a isto no fim.) *
Quanto mais vejo a série mais sentido faz o contraste entre o redneck (campónio) americano Daryl, um homem sem educação nem requinte que não percebe uma palavra de francês, e a cultura de milénios onde acaba de aterrar. Não estou com isto a menosprezar ou a subestimar Daryl. Pelo contrário, parece-me que a série original é que o menosprezou em favor de personagens menos interessantes, porque em “Daryl Dixon” percebemos que Daryl até pensa e diz umas coisas muito acertadas.
O que Daryl encontra ao chegar não é muito diferente do que se passa nos Estados Unidos: zombies mortos e vivos, cidades e estradas desertas, falta de recursos. O que muda é o cenário, e que cenário! A série leva-nos a muitos locais belos, mais do que eu consigo enumerar, como um convento, um castelo medieval, um palácio barroco, as Catacumbas, a paisagem campestre francesa, Paris, o cemitério de Père-Lachaise e o túmulo de Jim Morrison, o Mont Saint Michel, entre outros lugares icónicos. A Notre Dame deve ter sido inserida por computador porque, ironicamente, ardeu no nosso mundo mas não ardeu no apocalipse zombie. A Torre Eiffel, por outro lado, sofreu um choque com um helicóptero e tem o pináculo derrubado. É quase como se França fosse mais uma personagem da história. Inclusive descobrimos que o avô de Daryl morreu no desembarque na Normandia na Segunda Guerra Mundial, o que fez com que o pai de Daryl fosse ausente e negligente, no que Daryl chama “o repetir da história”. No fim temos uma cena muito emocional em torno disto.

Voltar a casa
Mas vamos ao enredo. Daryl quer encontrar uma maneira de voltar para casa, mas mete-se logo em sarilhos. Durante uma escaramuça com os novos senhores de França, os guerriers do Pouvoir des Vivants, uma força militarizada e comandada pela implacável Madame Genet, um destes homens é morto e o irmão dele jura perseguir Daryl até à morte.
Daryl é encontrado por uma freira, Isabelle, que o leva para um convento. Antes ainda da escaramuça com os homens de Genet, Daryl fica ferido por uma espécie de zombies que ele nunca tinha visto (nem nós) que têm sangue ácido e que queima. Não é explicado se isto tem a ver com as experiências com zombies que Genet anda a conduzir (já lá vamos) ou se é uma coisa completamente diferente e característica do apocalipse zombie em França. O convento de Isabelle pertence a uma nova doutrina, uma reunião de várias religiões na Union de l’Espoir (afinal o apocalipse sempre serviu para uma coisa boa), e Isabelle tenta convencer Daryl a ajudá-la a viajar para norte onde ela pretende levar o jovem Laurent, apontado como o futuro líder da Union. Laurent é um miúdo de 12 anos, muito inteligente e puro, mas igualmente ingénuo e inocente. Quando Daryl descobre que as freiras têm um zombie fechado no convento, o venerado padre Jean que morreu, decide logo ir-se embora como quem já viu esse filme (o celeiro da segunda temporada de “The Walking Dead”). Mas, na verdade, as freiras apenas estão a viver de acordo com o que acreditam, à espera que padre Jean se “erga” outra vez. Daryl vai-se mesmo embora, mas regressa quando o convento é atacado por homens do Pouvoir. Acaba por decidir ajudar Isabelle, não por acreditar que Laurent seja um Messias, mas, bem pelo contrário, por achá-lo completamente impreparado para sobreviver no mundo fora do convento. Aqui, Daryl está a tentar fazer com que a história não se repita. Esta informação sobre o avô que morreu na guerra explica-nos muita coisa sobre o personagem. Por outro lado, Daryl quer chegar ao porto de Le Havre, de onde há rumores de navios a funcionar, e parte do caminho é coincidente.

Os vilões
Entretanto, a Union chamou a atenção do Pouvoir, que os considera inimigos. Como diz Genet, a Union vende contos de fadas e cada pessoa que se junta a eles enfraquece o Pouvoir. O Pouvoir recorda-me os regimes fascizantes do século XX. Como estes, Genet chega mesmo a dizer que o impressionismo é uma arte degenerada. E, obviamente, Genet também quer “fazer a França grande outra vez”. Para isso, pretende aniquilar “movimentos de fracos” como a Union. Durante o caminho, Daryl, Isabelle e Laurent são perseguidos pelos guerriers. Laurent, porque as pessoas acreditam nele, torna-se um alvo a abater.
O Pouvoir anda a fazer experiências sinistras com zombies, injectando-lhes um líquido que os torna super-zombies (e que provoca o tal sangue ácido), sem dúvida para tentar transformá-los em armas. Geralmente não gosto de super-zombies, mas mais uma vez  “The Walking Dead” apresenta os melhores zombies de Hollywood. Estes super-zombies não funcionam perfeitamente: alguns não resistem ao soro, outros ficam fortes e rápidos mas têm espasmos e paragens, outros atacam outros zombies. As experiências não estão a correr nada de feição para o Pouvoir.
Um segundo vilão, Quinn, antigo amante de Isabelle, é o delicioso Adam Nagaitis que interpretou o infame Mr. Hickey em “The Terror”. Quinn não é tão maléfico como Mr. Hickey, nem nada que se pareça, mas Nagaitis é um excelente actor em papéis de vilão. O que ele consegue transmitir com um simples franzir de sobrancelhas ou um esgar dos lábios! Estou encantada com o actor e queria vê-lo em muitos outros papéis.
As lutas de zombies continuam a ser do melhor que há. A certa altura Daryl é obrigado a lutar com super-zombies, como num combate de gladiadores em Roma com armas medievais, e mata um deles com a bandeira de França. No contexto em que a cena se passa, é épico em todos os sentidos. Mais tarde, Daryl e Quinn são obrigados a enfrentar mais super-zombies, desta vez agrilhoados um ao outro. Uma das manobras que empregaram lembrou-me “Spartacus”, só que em “Spartacus” a pobre vítima estava muito viva. Toda a cena das correntes recordou-me também de “The Terror”. Afinal, foi por causa de Mr. Hickey e de uma corrente que o Tuunbaq conheceu a sua desgraça.

O fenómeno Dixon
Daquilo que tenho lido, Daryl Dixon é a única personagem de “The Walking Dead” que não estava na banda desenhada original. Tenho para mim que Daryl era daqueles personagens destinados a morrer logo na primeira temporada, mas, graças à performance carismática de Norman Reedus, e àquele primeiro feito heróico em que Daryl regressa ao telhado para salvar o irmão Merle (que devia ter sido heroísmo de Rick mas que granjeou mais pontos a Daryl), o personagem ganhou a simpatia do público para sempre. É um fenómeno que uma personagem não original tenha chegado até aqui, e ainda mais que tenha alcançado tal estatuto que merece um spin-off protagonizado por ele sozinho (isto é, sem mais personagens originais de “The Walking Dead”). A popularidade de Daryl Dixon é igualmente um fenómeno. Daryl tem milhões de fãs, não apenas “em casa” como da Europa à Ásia e em qualquer lugar onde haja um televisor e passe “The Walking Dead”. Como explicar que um redneck de um estado obscuro da América, um homem sem educação, sujo e de poucas falas, se tenha tornado tão amado pelos fãs? Talvez porque Daryl sempre tenha sido menosprezado pelo pai e subestimado pelo irmão, aprendendo a desenvencilhar-se sozinho desde infância, o que o preparou invulgarmente para o apocalipse. Talvez a sua vulnerabilidade escondida, que o faz isolar-se na floresta de forma anti-social porque ter amigos é sinónimo de os perder ou de ser traído por eles. Talvez o seu bom coração debaixo daquela carapaça durona. Talvez tudo isto tenha tocado os corações de todo o mundo e criado uma empatia com os fãs. É possível, nesta altura, que Daryl tenha mais fãs do que o protagonista, Rick, que já nem está na série.
Por todos estes motivos, Daryl mereceu o seu próprio spin-off num cenário deslumbrante onde ele melhor contrasta. Não sei se a série vai ser renovada, mas eu não me importava de ver Daryl numa perambulação pela Europa toda (por exemplo, aqui vemos os primeiros dias do apocalipse em França, e os primeiros dias é o que eu gosto mais de ver, confesso), mostrando-nos o apocalipse zombie no velho continente desde o Reino Unido à Noruega. E talvez, até, neste jardim à beira-mar plantado.
“The Walking Dead: Daryl Dixon” é um spin-off que se podia ver só pelos cenários mas que, ao invés disso, tem uma componente dramática que há muito tempo não se vislumbrava na série original.

* Spoiler / teoria
Daryl Dixon é levado para França num transatlântico que transporta zombies a bordo. Isto pode parecer estúpido porque os franceses não precisam de ir à América buscar zombies mas, se pensarmos que a CRM (República Civil Militar) também estava a fazer experiências com zombies em “The Walking Dead: World Beyond” para o mesmo objectivo e que a CRM tem capacidade de comunicar por rádio (e se calhar também por satélite?), será que o navio francês foi antes buscar equipamento, conhecimento, fórmulas, o tal soro? Afinal, os cientistas franceses começaram logo a fazer as experiências durante a travessia. É a minha teoria, pelo menos, porque gosto que as coisas façam sentido.


ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (pelos cenários de França)

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies


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