domingo, 29 de novembro de 2020

The Moon Pool, de A. Merritt (Abraham Merritt)


"The Moon Pool” é um livro de 1919 e nota-se. Durante a leitura perguntei-me muitas vezes porque é que tinha ido fazer este download ao Projecto Gutenberg. Foi numa altura em que andava à procura dos clássicos iniciais do vampirismo. "The Moon Pool” é efectivamente um deles, mas na minha opinião um dos piores. Este livro é uma salada de Géneros. Terror, Fantasia, Ficção Científica, Acção, Aventura, e, note-se, até Intriga Internacional e Distopia ele conseguiu lá meter! É obra. O problema é que nenhum dos géneros sai bem feito e o livro acabou por se perder nesta salsada toda.
O início até é promissor, uma típica história de Terror. A linguagem é antiquada e datada, mas suporta-se. (Li o livro em inglês.) Um grupo de cientistas vai estudar umas ruínas numa ilha remota do Pacífico. Durante várias noites, na ilha, começam a desaparecer um por um. Os nativos das ilhas próximas são supersticiosos e recusam-se a passar uma noite na ilha em causa, e quando há Lua Cheia nem se querem aproximar dela. Os cientistas estão por sua conta. Apenas um sobrevive, e consegue fugir antes de “desaparecer” também, na intenção de ir buscar ajuda para resgatar os colegas e a mulher. De volta à civilização, já a bordo do navio que o levará a procurar equipamento e ajuda, encontra o narrador desta história, o Dr. Goodwin, outro cientista, a quem conta tudo o que se passou. Goodwin aceita regressar com o amigo e ajudá-lo a encontrar a expedição perdida. Mas, a meio do oceano, um «ser» brilhante de luz aproxima-se do navio através de um feixe de luar, e leva também, nos seus tentáculos de energia, o cientista sobrevivente. Goodwin ainda fica mais determinado a encontrar as ruínas malditas e salvar o amigo.
No caminho encontra um tenente irlandês, piloto na Primeira Guerra Mundial, e um marinheiro nórdico, a quem o mesmo «ser de luz» tinha igualmente levado a mulher e a filha. A este «ser de luz» chamam o Dweller das ruínas.
E aqui está uma história de terror com bases pseudo-científicas. Mas depois as coisas mudam de tom. Os três salvadores, com o uso de engenhocas, conseguem penetrar no túnel secreto do Dweller, que por sua vez os leva ao mundo subterrâneo de Muria, onde existe uma civilização desconhecida. Aqui já estamos no reino da Fantasia. Mas não foram sozinhos. Com eles entrou também um outro personagem de intenções duvidosas, um cientista russo que não parece estar do lado dos nossos heróis.
Ora, desde Júlio Verne que tudo o que são mundos no centro da Terra me dá urticária. Talvez fosse interessante em 1919, mas actualmente considero isto tudo uma patetice. Mesmo assim alinhei, porque na Fantasia temos de fazer cedências. Neste mundo de Muria há uma Distopia em que as pessoas são escolhidas para a elite ou para as massas só por causa da cor de cabelo. Os de cabelo loiro prateado são sacerdotes do Shining One, nome que eles dão ao Dweller, a quem adoram como a um deus. Uma raça de anões também faz parte desta elite. E a elite são todos uma cambada de malvados. Os desgraçados das massas, além de trabalharem e servirem a elite, ainda são oferecidos como sacrifício ao Shining One. Estes desgraçados vivem aterrorizados. O Shining One é mesmo uma espécie de vampiro que enche as vítimas de êxtase e terror ao mesmo tempo. (Não percebi como, mas avançando.)
Tanto estes sacerdotes louros e belíssimos, como os anões, fizeram-me pensar se Tolkien não leu isto também. Foi como entrar no mundo do Senhor dos Anéis, só que com Elfos e Anões malvados. Aliás, o próprio Merritt usa a palavra “élfico” para descrever os sacerdotes.
Os três salvadores têm de lidar com esta civilização sem serem dados como sacrifício ao Shining One, ao mesmo tempo que procuram os amigos desaparecidos. Mas, e aqui entra a parte da intriga internacional/espionagem, o cientista russo está em Muria para arranjar aliados para a Rússia e, com a ajuda do tenebroso Shining One, tomar conta do mundo.

Perda de tempo
O ambiente de terror inicial perde-se num instante e até os sacrifícios ao Shining One são tratados com tanto distanciamento que não causam impacto ao leitor. A história transforma-se depressa em Aventura, sendo o fim escapar de Muria e/ou combater os maus. As personagens são bidimensionais. Apesar de ser uma história narrada em primeira pessoa nem assim conseguimos estabelecer uma relação com o protagonista que nunca passa do cliché do homem de ciência. Os bons são muito bons e muito heróicos, os maus são muito maus. Tudo a preto e branco. Até o vilão russo é explicado “porque a Rússia já fez tantas atrocidades”. Aqui ri-me um bocadinho. Antes da Segunda Guerra Mundial, antes da Guerra Fria. Malvados dos Russos.
A explicação de todos estes fenómenos (a civilização no centro da terra, o ser de energia, etc) cabe no campo da ficção científica, embora completamente risível. O autor é palavroso, muito palavroso. A Wikipedia diz que Merritt influenciou Lovecraft, e vice-versa, mas se em Lovecraft o excesso de palavras funciona para criar um ambiente de terror, aqui em “The Moon Pool” só serve para encher. Um quarto do livro extirpado e não se perdia nada.
A leitura foi efectivamente aborrecida. O que me trouxe a este livro, o vampirismo, existe de facto, à sua maneira, mas quase como algo de secundário. Pior, nunca faz sentido. É-nos dito que as vítimas do Shining One/Dweller ficam exangues. Mas como? Que necessidade de sangue tem um ser feito de energia? Como é que ele consumia o sangue e onde é que o metia? Para que é que o queria? Mais importante ainda, para que é que ele queria as vítimas, afinal, se não precisava delas para coisa nenhuma? Se isto não faz sentido, nada na história faz sentido.
Obviamente, não gostei nada deste livro, embora reconheça ao autor a imaginação, a criatividade e a originalidade tendo em conta a data em que foi escrito.
Não recomendo “The Moon Pool” a ninguém, excepto àqueles interessados em “arqueologia literária”, como eu, que gostam de descobrir os primórdios dos seus géneros preferidos. De resto, uma descomunal perda de tempo.
Teria muito mais a criticar em “The Moon Pool”, mas só vou gastar um último instante a falar do que detestei mais neste livro. Também há Romance, para ajudar à salsada. Um romance muito mau. Merritt consegue colocar as duas protagonistas femininas, a vilã e a boazinha, a lutar pelo irlandês. Porque uma mulher não pode passar sem um homem, e este irlandês é pintado como a oitava maravilha deste mundo e do mundo subterrâneo. Só que, palavra de honra, o irlandês é irritante até dizer chega. Não só como é descrito por Goodwin, mas também quando abre a boca. Para dizer a verdade, as duas protagonistas também são super-irritantes. E este péssimo romance foi para mim o último prego que selou o caixão.
Tenho mesmo de começar a praticar a arte de abandonar os livros a meio.


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