domingo, 1 de novembro de 2020

Maria Theresia (2017–2019)


“Maria Theresia” é um drama ficcional sobre a vida da arquiduquesa Maria Teresa de Áustria, última governante da casa dos Habsburgos, soberana da Áustria, Hungria, Croácia, Boémia, e outros tantos títulos que não vou citar. Pelo seu casamento com Francisco Estêvão, duque de Lorena, tornou-se igualmente  imperatriz consorte do Sacro Império Romano-Germânico. Esta é a história de uma mulher forte que teve de se impor numa época em que as mulheres não eram consideradas capazes de governar. Era esperado que Maria Teresa cedesse a governação ao marido e em seguida ao filho mais velho, mas ela não o fez e governou durante 40 anos.
Um pormenor que eu não sabia: Maria Teresa foi a mãe de Maria Antonieta (essa mesma). A arquiduquesa teve 16 filhos, dos quais Maria Antonieta foi a filha mais nova. Isto de ser a última filha (e da última governante da casa dos Habsburgos) quase que prenuncia um destino fatídico desde o berço.
Mas voltando a “Maria Theresia”. Gostei muito desta mini-série de duas partes, de produção europeia e falada em alemão (isto é, parece-me que é maioritariamente alemão). Os quatro episódios são longuíssimos, duas horas cada um, mesmo à europeia, mas eu cá acho que não se perdia nada se a série tivesse mais episódios e mais curtos. Acabei por dividi-los eu, de acordo com a minha disponibilidade.
Não conheço a família Habsburgo tão bem como devia conhecer, tendo em conta a sua importância na história da Europa moderna. Vi a série e consultei a Wikipedia para conferir os factos, mas não encontrei todos os pormenores que dramatizaram a vida de Maria Teresa. Deste modo, tudo o que vou dizer a seguir é um comentário à série ficcionada.
Que Maria Teresa foi uma mulher forte não há dúvida nenhuma, uma daquelas que só faz o que quer e que sabe o que fazer para atingir os seus fins.
Maria Teresa não foi preparada para a governação pelo seu pai Carlos VI, ainda à espera de um herdeiro varão que nunca chegou a ter. Na série, Maria Teresa estuda História e Política às escondidas, preparando-se autodidacticamente para a posição que ia ocupar muito em breve. Mesmo assim, apesar dos seus esforços, Maria Teresa cometeu erros de principiante no início da sua governação, que acabaram por não ser culpa sua mas de toda uma estrutura política que não a preparou. Ingenuamente, Maria Teresa julgou que os reinos aliados, que tinham acordado com o seu pai Carlos VI aceitar uma mulher como sucessora, cumpririam a sua palavra. Não cumpriram, e em breve declaravam todos guerra à Áustria, cada um a tentar conquistar territórios para si. Maria Teresa percebe então que tem um exército pequeno, mal equipado e mal treinado. Apesar do apoio da Hungria, onde foi coroada rainha, os Habsburgos estavam a perder a guerra e os seus territórios. Isto tornou Maria Teresa uma mulher endurecida, que compreendeu a necessidade de governar com mão de ferro. Não sei até que ponto a série foi fiel aos factos, mas no seu desespero Maria Teresa alia-se ao barão von Trenck, conhecido mercenário e criminoso de guerra que cometeu atrocidades por onde passou. Mas, como diria Maria Teresa, “ele luta e ganha, e mais ninguém luta por mim”. Neste aspecto, Maria Teresa foi maquiavélica como uma verdadeira Cercei Lannister (ou melhor, George R. R. Martin é que se inspirou, consciente ou inconscientemente, em Maria Teresa ou alguém semelhante), não acreditando ou não querendo acreditar no mau comportamento do seu melhor chefe de guerra. Assim que deixou de precisar dele, contudo, mandou-o prender por todos os crimes cometidos. Maria Teresa podia ser maquiavélica, invocando a razão de Estado acima de tudo, mas não era um monstro sem coração.

Uma relação complexa
Mas o mais interessante neste drama ficcionado é sem dúvida a sua relação com o marido Francisco Estêvão. Tudo indica que casaram por amor, o que por si só já era estranho à época. Mas conhecendo esta Maria Teresa, muito capaz de levar a água ao seu moinho, até não é assim tão estranho. Francisco Estêvão também era o que se chama “torcido”, isto é, não muito fácil de manusear, o que estava à altura dela. Durante os primeiros tempos foram felizes, até ao momento em que Maria Teresa sucedeu ao seu pai. Aí é que começaram os problemas, numa versão de “love will tear us apart”. Assim que Maria Teresa se torna governante e é declarada a guerra, esta deixa de ter tempo para o marido e até para os filhos. Segundo a Wikipedia, Maria Teresa terá dito que “se não estivesse quase sempre grávida teria ido sozinha para a batalha”. Mas apesar de “sempre grávida”, Maria Teresa não parava de governar nem no momento de dar à luz. Francisco Estêvão compreende-lhe a posição, mas sente-se diminuído ao lado da mulher. Por exemplo, não o deixam entrar no Conselho Privado porque não tem a linhagem que lhe garanta lá um lugar. Sem o desejar, Francisco Estêvão ressente-se da situação. Dedica-se então a criar uma indústria de tecidos que tinha por objectivo rivalizar com a da Flandres, e ao que parece foi muito bem sucedido e um grande empresário do seu tempo. Longe de viver à sombra da mulher, Francisco Estêvão começou por usar os seus negócios para equipar o exército. Sem que ela soubesse, arriscou mesmo vender uniformes ao inimigo, que assim, sem o saber, estava a financiar o exército de Maria Teresa. Isto é traição, claro está, mas Francisco Estêvão também tinha uma costela maquiavélica, como a esposa. O que os separou a pouco e pouco foi o orgulho ferido de Francisco Estêvão, que arranjou amantes inconsequentes para se entreter na ausência da mulher, talvez julgando que era aceitável e comum à época, e o orgulho ferido de Maria Teresa ao descobrir que ele as tinha. Mas Maria Teresa não o confrontou nem lhe fez uma cena. Se calhar por ser comum à época, se calhar porque sabia que o perderia se o confrontasse (que ele também não era homem de aturar críticas e Maria Teresa tinha a perfeita consciência de que o negligenciava por motivos de Estado), Maria Teresa sofreu em silêncio. Depois, de forma egoísta e novamente maquiavélica, iniciou uma perseguição às prostitutas e a todas as mulheres de pouca virtude, mesmo as nobres, ambicionando assim atingir as amantes do marido. Com isto, pondo os jesuítas a agirem como espiões e polícia de costumes (Maria Teresa era católica), estes acabam por descobrir que Francisco Estêvão não apenas pertence a uma loja maçónica como é o seu grão-mestre! Muitos dos seus contactos com as ditas mulheres nem sequer eram de natureza íntima, mas a maneira de comunicar com os maridos delas sem os comprometer com a maçonaria. Finalmente, Francisco Estêvão conta a Maria Teresa tudo o que ela não sabe, da maçonaria, do financiamento do exército (de onde é que ela pensava que vinha o dinheiro?), e que ele nem sequer acredita em Deus. Foi um choque, mas mais uma vez Maria Teresa reage de uma forma muito madura e moderna e propõe que passem a viver separados. Francisco Estêvão aceita, mas volta a dizer-lhe que só a ama a ela e que as outras não significam nada.
Neste período de separação, na série, pelo menos, outros acontecimentos na vida de Maria Teresa fazem-na perceber que errou em muitas coisas. Principalmente na questão das perseguições à falta de virtude, que abandona. E ainda não é tarde para se reconciliar com Francisco Estêvão.
Gostei desta relação complexa e quase moderna, sem o banal “felizes para sempre”, sem conflitos artificiais para criar tensão. Tenho algumas dúvidas de que as coisas se tenham passado assim na realidade, mas do ponto de vista ficcional foi muito bem feito. A relação entre o casal é a alma da série.


Parece-me que a série não era para ter uma segunda parte. Se calhar a primeira parte teve tanto sucesso que decidiram continuar. Mas mudaram muitos dos actores, incluindo a própria Maria Teresa, o que me fez ficar ali completamente perdida durante uma boa meia hora. Felizmente não lhe mudaram a mãe nem o marido, ou a minha desorientação teria sido total. Não me importo que o mesmo actor interprete vários papéis na mesma série (“American Horror Story”) mas mudar os actores que interpretam o mesmo papel não ajuda a criar uma ligação com a personagem.
“Maria Theresia” passou na RTP2 e recomendo a toda a gente que gosta de História em geral e de mulheres fortes em particular.


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