“Maria Theresia” é um drama ficcional sobre a vida da
arquiduquesa Maria Teresa de Áustria, última governante da casa dos Habsburgos,
soberana da Áustria, Hungria, Croácia, Boémia, e outros tantos títulos que não vou citar. Pelo seu casamento com Francisco Estêvão, duque de Lorena, tornou-se
igualmente imperatriz consorte do Sacro
Império Romano-Germânico. Esta é a história de uma mulher forte que teve de se
impor numa época em que as mulheres não eram consideradas capazes de governar.
Era esperado que Maria Teresa cedesse a governação ao marido e em seguida ao
filho mais velho, mas ela não o fez e governou durante 40 anos.
Um pormenor que eu não sabia: Maria Teresa foi a mãe de
Maria Antonieta (essa mesma). A arquiduquesa teve 16 filhos, dos quais Maria Antonieta
foi a filha mais nova. Isto de ser a última filha (e da última governante da
casa dos Habsburgos) quase que prenuncia um destino fatídico desde o berço.
Mas voltando a “Maria Theresia”. Gostei muito desta
mini-série de duas partes, de produção europeia e falada em alemão (isto é, parece-me que é maioritariamente alemão). Os quatro episódios são longuíssimos,
duas horas cada um, mesmo à europeia, mas eu cá acho que não se perdia nada se
a série tivesse mais episódios e mais curtos. Acabei por dividi-los eu, de
acordo com a minha disponibilidade.
Não conheço a família Habsburgo tão bem como devia
conhecer, tendo em conta a sua importância na história da Europa moderna. Vi a
série e consultei a Wikipedia para conferir os factos, mas não encontrei todos
os pormenores que dramatizaram a vida de Maria Teresa. Deste modo, tudo o que
vou dizer a seguir é um comentário à série ficcionada.
Que Maria Teresa foi uma mulher forte não há dúvida
nenhuma, uma daquelas que só faz o que quer e que sabe o que fazer para atingir
os seus fins.
Maria Teresa não foi preparada para a governação pelo seu
pai Carlos VI, ainda à espera de um herdeiro varão que nunca chegou a ter. Na
série, Maria Teresa estuda História e Política às escondidas, preparando-se
autodidacticamente para a posição que ia ocupar muito em breve. Mesmo assim,
apesar dos seus esforços, Maria Teresa cometeu erros de principiante no início
da sua governação, que acabaram por não ser culpa sua mas de toda uma estrutura
política que não a preparou. Ingenuamente, Maria Teresa julgou que os reinos
aliados, que tinham acordado com o seu pai Carlos VI aceitar uma mulher como sucessora,
cumpririam a sua palavra. Não cumpriram, e em breve declaravam todos guerra à
Áustria, cada um a tentar conquistar territórios para si. Maria Teresa percebe
então que tem um exército pequeno, mal equipado e mal treinado. Apesar do apoio
da Hungria, onde foi coroada rainha, os Habsburgos estavam a perder a guerra e
os seus territórios. Isto tornou Maria Teresa uma mulher endurecida, que
compreendeu a necessidade de governar com mão de ferro. Não sei até que ponto a
série foi fiel aos factos, mas no seu desespero Maria Teresa alia-se ao barão
von Trenck, conhecido mercenário e criminoso de guerra que cometeu atrocidades
por onde passou. Mas, como diria Maria Teresa, “ele luta e ganha, e mais
ninguém luta por mim”. Neste aspecto, Maria Teresa foi maquiavélica como uma
verdadeira Cercei Lannister (ou melhor, George R. R. Martin é que se inspirou,
consciente ou inconscientemente, em Maria Teresa ou alguém semelhante),
não acreditando ou não querendo acreditar no mau comportamento do seu melhor
chefe de guerra. Assim que deixou de precisar dele, contudo, mandou-o prender
por todos os crimes cometidos. Maria Teresa podia ser maquiavélica, invocando a
razão de Estado acima de tudo, mas não era um monstro sem coração.
Uma relação complexa
Mas o mais interessante neste drama ficcionado é sem
dúvida a sua relação com o marido Francisco Estêvão. Tudo indica que casaram
por amor, o que por si só já era estranho à época. Mas conhecendo esta Maria
Teresa, muito capaz de levar a água ao seu moinho, até não é assim tão
estranho. Francisco Estêvão também era o que se chama “torcido”, isto é, não
muito fácil de manusear, o que estava à altura dela. Durante os primeiros
tempos foram felizes, até ao momento em que Maria Teresa sucedeu ao seu pai. Aí
é que começaram os problemas, numa versão de “love will tear us apart”. Assim
que Maria Teresa se torna governante e é declarada a guerra, esta deixa de ter
tempo para o marido e até para os filhos. Segundo a Wikipedia, Maria Teresa
terá dito que “se não estivesse quase sempre grávida teria ido sozinha para a
batalha”. Mas apesar de “sempre grávida”, Maria Teresa não parava de governar
nem no momento de dar à luz. Francisco Estêvão compreende-lhe a posição, mas sente-se
diminuído ao lado da mulher. Por exemplo, não o deixam entrar no Conselho
Privado porque não tem a linhagem que lhe garanta lá um lugar. Sem o desejar, Francisco
Estêvão ressente-se da situação. Dedica-se
então a criar uma indústria de tecidos que tinha por objectivo rivalizar com a
da Flandres, e ao que parece foi muito bem sucedido e um grande empresário do
seu tempo. Longe de viver à sombra da mulher, Francisco Estêvão começou por
usar os seus negócios para equipar o exército. Sem que ela soubesse, arriscou
mesmo vender uniformes ao inimigo, que assim, sem o saber, estava a financiar o
exército de Maria Teresa. Isto é traição, claro está, mas Francisco Estêvão
também tinha uma costela maquiavélica, como a esposa. O que os separou a pouco
e pouco foi o orgulho ferido de Francisco Estêvão, que arranjou amantes
inconsequentes para se entreter na ausência da mulher, talvez julgando que era
aceitável e comum à época, e o orgulho ferido de Maria Teresa ao descobrir que
ele as tinha. Mas Maria Teresa não o confrontou nem lhe fez uma cena. Se calhar
por ser comum à época, se calhar porque sabia que o perderia se o confrontasse
(que ele também não era homem de aturar críticas e Maria Teresa tinha a
perfeita consciência de que o negligenciava por motivos de Estado), Maria
Teresa sofreu em silêncio. Depois, de forma egoísta e novamente maquiavélica,
iniciou uma perseguição às prostitutas e a todas as mulheres de pouca virtude, mesmo
as nobres, ambicionando assim atingir as amantes do marido. Com isto, pondo os
jesuítas a agirem como espiões e polícia de costumes (Maria Teresa era
católica), estes acabam por descobrir que Francisco Estêvão não apenas pertence
a uma loja maçónica como é o seu grão-mestre! Muitos dos seus contactos com as
ditas mulheres nem sequer eram de natureza íntima, mas a maneira de comunicar com os maridos delas sem os comprometer com a maçonaria. Finalmente, Francisco Estêvão
conta a Maria Teresa tudo o que ela não sabe, da maçonaria, do financiamento do
exército (de onde é que ela pensava que vinha o dinheiro?), e que ele nem
sequer acredita em Deus. Foi um choque, mas mais uma vez Maria Teresa reage de
uma forma muito madura e moderna e propõe que passem a viver separados.
Francisco Estêvão aceita, mas volta a dizer-lhe que só a ama a ela e que as
outras não significam nada.
Neste período de separação, na série, pelo menos, outros
acontecimentos na vida de Maria Teresa fazem-na perceber que errou em muitas
coisas. Principalmente na questão das perseguições à falta de virtude, que
abandona. E ainda não é tarde para se reconciliar com Francisco Estêvão.
Gostei desta relação complexa e quase moderna, sem o
banal “felizes para sempre”, sem conflitos artificiais para criar tensão. Tenho
algumas dúvidas de que as coisas se tenham passado assim na realidade, mas do
ponto de vista ficcional foi muito bem feito. A relação entre o casal é a alma
da série.
Parece-me que a série não era para ter uma segunda parte.
Se calhar a primeira parte teve tanto sucesso que decidiram continuar. Mas
mudaram muitos dos actores, incluindo a própria Maria Teresa, o que me fez
ficar ali completamente perdida durante uma boa meia hora. Felizmente não lhe
mudaram a mãe nem o marido, ou a minha desorientação teria sido total. Não me
importo que o mesmo actor interprete vários papéis na mesma série (“American
Horror Story”) mas mudar os actores que interpretam o mesmo papel não ajuda a
criar uma ligação com a personagem.
“Maria Theresia” passou na RTP2 e recomendo a toda a
gente que gosta de História em geral e de mulheres fortes em particular.
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