domingo, 8 de novembro de 2020

The Purge / A Purga (2013)


Mais uma distopia a juntar às muitas que têm aparecido nos últimos anos. Para resolver o alto nível de criminalidade na América, uma nova ordem política institui uma noite chamada A Purga, em que durante 12 horas todos os crimes são autorizados, incluindo o homicídio. O objectivo é dar vazão aos instintos violentos da população nesta noite apenas, reduzindo assim –ou mesmo eliminando, não percebi bem– o crime durante todo o ano.
Primeiro comentário: compreendo a lógica subjacente, mas não acredito que isto resultasse. Muito do crime violento não obedece a qualquer lógica, e aquele que obedece, o crime profissional, digamos assim, “trabalha” o ano todo. Esta seria apenas mais uma noite de violência, e ainda por cima uma noite pior do que as outras.
Mas esquecendo esta objecção, a noite da Purga é o cenário perfeito para o terror que já se adivinha que vai sair daqui.
Na noite da Purga, os Sandin, uma família de classe média alta, barricam-se em casa, protegidos por um sistema de segurança semelhante a um bunker. O pai de família é precisamente um vendedor destes sistemas de segurança e o ano correu-lhe particularmente bem (alguém lucra com a Purga). O pai e a mãe explicam ao filho mais novo, ainda um miúdo, os benefícios da Purga do ponto de vista de quem conheceu as coisas “como eram dantes”. Declaram-se ambos apoiantes da medida, mas nota-se que nem a mãe nem o pai estão perfeitamente convencidos do que dizem, especialmente a mãe. O puto, definitivamente, não está nada convencido. Na televisão, em voz-off, alguém comenta que os detractores da Purga acusam o governo de pretender desembaraçar-se assim dos fracos, pobres e doentes que não se conseguem defender. (Uma ideia tanto mais perigosa porque até já foi aplicada por certos regimes durante a História e nada nos garante que não volte a ser.)
Mais tarde, durante a noite, um homem aparece na rua de vivendas desta classe média alta, perseguido por alguém que o quer matar, implorando que lhe dêem abrigo. Sem que os pais saibam, o puto abre-lhe a porta e deixa que o homem se esconda. Mais tarde vimos a saber que o homem é um sem-abrigo, embora sinceramente não pareça (ou os nossos sem-abrigo são muito mais miseráveis do que os sem-abrigo americanos), mas não é um sem-abrigo qualquer porque usa uma chapa de identificação de veterano de guerra. Aqui percebi logo que este acto de altruísmo ia ter repercussões quando fosse preciso salvar a família. Previsível e “subtil” que nem um calhau. Ainda por cima o homem em questão, pobre e perseguido, é negro. Ainda por cima é um ex-militar, abandonado pelo país que serviu, como “Rambo – A Fúria do Herói”. Podia haver maior cliché?
Pouco depois, um grupo sinistro bate à porta dos Sandin a exigir que lhes “devolvam” a presa, o tal homem que o miúdo escondeu. Senão, serão os Sandin a presa. Este grupo, composto por jovens de classe alta, é especialmente arrepiante porque foram sem qualquer dúvida inspirados nos seguidores de Charles Manson. Já o líder deles é a versão rica e privilegiada do psicopata de “A Laranja Mecânica”. O grupo de psicopatas só quer uma coisa, matar e divertir-se, divertir-se a matar. Os Sandin, que no princípio da noite pareciam tão protegidos, estão agora em grande perigo. E coloca-se-lhes a questão moral: devem entregar um inocente a um bando de assassinos que dizem descaradamente que “a única razão da existência dessa gente é para serem purgados por nós” e outras atrocidades do género? Afinal os Sandin não são assim tão adeptos da Purga como se julgavam.
Não vou revelar o fim, mas a reviravolta final também não me surpreendeu. Pelo contrário, até já estava à espera dela. No fim, são os vizinhos que querem matar os Sandin, invejosos do seu sucesso. Eu até me pergunto como é que ainda não tinham planeado, todos juntos, matar os Sandin mais cedo.
Este filme não é subtil, mas é um bom filme que pretende chamar a atenção para a parte mais negra da natureza humana se lhe for dada oportunidade de se manifestar impunemente. Como filme de terror cumpre a sua obrigação de manter a tensão do princípio ao fim, apesar dos clichés e do enredo previsível. Como filme de comentário social, era preciso muito mais para me chocar. Só podia ficar chocada se não conhecesse a natureza humana, e a natureza humana já fez muito pior do que isto.
Mesmo assim, um filme interessante para reflectir nas coisas antes que elas nos aconteçam a nós.


14 em 15, por ser tão previsível

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