sábado, 31 de outubro de 2020

O grande abanão

E porque logo é Halloween, aqui vai um post do diário pessoal do terror quotidiano, 100% Gotika™.
Transcrevo de seguida parte do artigo de opinião de Pedro Gomes Sanches, “Portugal: crónica de uma morte anunciada?”, publicado no Observador online a 25 de Outubro.
É sempre tão saboroso quando encontro quem diz tudo o que eu já ando aqui a dizer há 17 anos! Só é pena os mesmos não terem aberto os olhos mais cedo, e agora já é tarde para mim. Se calhar bateu lá à porta dele? Desculpem lá o cinismo, é o que tenho observado nestes 17 anos de blogosfera, desde o tempo em que eu dizia coisas destas e me mandavam para o psiquiatra porque estava “deprimida” (nunca lhes tinha batido à porta deles):

Era uma vez um país a empobrecer. Não a empobrecer por causa da pandemia, que apenas agravou e tornou indisfarçável esse empobrecimento, mas de antes, de mais de duas décadas sem rumo. Sem reformas. Não “um país” como construção abstrata, estatística, apenas captada nos números do PIB per capita cada vez mais distante da média europeia; nos números crescentes da dívida pública. Não. Um país de pessoas a empobrecer. Da angústia nunca mais debelada dos dias 20 a 30 de cada mês, em que se come menos e protela mais. Mês após mês. Ano após ano. Das famílias com passes sociais mais baratos, mas com pior serviço de transportes, cada vez menos frequente, cada vez mais cheio, cada vez menos pontual. De um país a morrer de envelhecimento, a debater-se com o encerramento das urgências pediátricas e obstétricas nos hospitais públicos mais próximos de casa, onde continuar a ter filhos é um misto de loucura e coragem. De um país com a maior carga de impostos da história, proclamações entusiasmadas de defesa do Serviço Nacional de Saúde, mas as primeiras consultas de especialidade e as cirurgias que não acontecem, penalizando cada vez mais os mais vulneráveis; que são também cada vez mais.

Era uma vez um país a perder liberdade. Não a perder liberdade em termos formais, que este país, em matéria de liberdade, sempre proclamou muito mais do que aquilo que concretizou. Mas a perder liberdade de facto. Famílias com menos oportunidade de escolha na educação a dar aos seus filhos. Casais com menos rendimento e maiores encargos, com menos infraestruturas públicas que impostos, sem horários nem apoios, impossibilitados de terem filhos. Trabalhadores sem expectativas de promoção. Empresários sem incentivo para promoverem. Jovens qualificados, hoje, sem expectativa de ganhar mais que mil euros, tal qual os seus antecessores nessa demanda há, pelo menos, 15 anos.

Era uma vez um país sem esperança que desistiu de si e do futuro. Não um país agarrado às grandiloquências do passado, das descobertas e dos “novos mundos ao mundo”. Mas um país sem qualquer visão de futuro. Nem tanto, apesar de também, um país demasiadamente ocupado em gastar no dia-a-dia o dinheiro que a União Europeia lhe envia há 35 anos, sem querer investir solidamente num futuro sustentável, sem qualquer aposta na sua emancipação. Mas um país em que os jovens qualificados só “lá fora” adivinham riqueza e mobilidade social. Um país cozinhado nos partidos políticos, com avenças e lugarzinhos para distribuir pelos leais, sem que a competência seja, vagamente sequer, critério. Um país de velhos abandonados pelos seus e pelo Estado no presente, agarrados a idealizações passadas mais felizes. Jovens sem expectativa de futuro, presos ao presente em casa dos pais de onde saem cada vez mais tarde. Um país tão desesperançado em si, que até o Primeiro-ministro, de um partido para quem a dívida pública nunca foi um problema, derrogou, não inocentemente, a possibilidade de recurso a empréstimos da União Europeia com condições muito favoráveis, simplesmente porque não acredita na possibilidade de retorno positivo económico do investimento que pudesse ocorrer com esses mesmos empréstimos.


Até aqui concordo com tudo. Excepto com a parte de jovens qualificados “sem expectativa de ganhar mais que mil euros”. Quais mil euros, ó pázinho? Onde é que se ganha mil euros, até já com experiência profissional de 20 anos? No meu tempo os jovens qualificados iam trabalhar para as empresas de borla, como estagiários, durante anos! Com os paizinhos a financiar.
Mas depois o autor estraga tudo, e revela a sua agenda política, quando diz: “Neste país manda o Governo mais incompetente de que há memória, pelo menos, desde o PREC.”
A memória do autor do artigo não pode andar muito bem, porque eu lembro-me de muito mais incompetência e, acima de tudo, de corrupção endémica e sistémica. Este é o governo mais incompetente desde o PREC? Não me façam rir. Isto não começou aqui nem ali, isto vem “de longe, de muito longe”, como diz a canção, e todos têm sido incompetentes e, acima de tudo, corruptos.
Este também foi o governo que se deparou com as maiores tragédias que tenho em memória no pós-25 de Abril (corrijam-me se falhar alguma), os incêndios de 2017 e a pandemia. Já nem falo da pedreira de Borba porque já é normal que de vez em quando caia uma ponte (Entre-os-Rios, 2001, 59 mortos), devido à inépcia e incúria na sua conservação (em Portugal o dinheiro tem sempre para onde ir menos para onde é importante, não se sabe já?).

Mas se pensam que estou aqui a defender o Costa, nem lá perto. O Costa anda numa deriva autoritária, não porque goste, coitado, mas porque o obrigam, porque se as pessoas fizessem o que ele quer o Costa não precisava de ser autoritário. (Não fui à procura do link para isto nem acho que precise. Toda a gente ouviu.)
O Costa precisa de um “abanão”, como ele próprio diz, assim tipo a polícia a mandá-lo parar na rua e a pedir-lhe os documentos que provem que é Primeiro-Ministro, porque é sempre muito agradável ser parado na rua, como um criminoso, para provar que vamos trabalhar, como se o simples facto de ir trabalhar não fosse já suficientemente desagradável. E já agora, ao Presidente da República também: “Mostre lá os documentos de Presidente, faxavor.”
Aliás, todos os partidos do “arco” estavam a precisar de um abanão, e tiveram-no quando lhes entraram pela porta dentro quatro novos partidos, algo impensável, por exemplo, quando comecei este blog. Eleger o Bloco de Esquerda lá para dentro já custou o que custou, digo eu que ajudei.
Aqui não me interessam as doutrinas, ideologias e filosofias dos novos partidos na Assembleia, mas apenas que foram eleitos. Interessa-me que houve um número significativo de portugueses que se fartou de votar com a carneirada e começou a votar nas alternativas que se lhe apresentaram. Portugueses que quiseram “ser a ovelha negra” (os leitores mais antigos lembrar-se-ão deste slogan do PSR). Portugueses que realmente deram um “abanão” aos partidos comodamente instalados a distribuir tachos pelos amigos, família, e negociatas ainda mais sórdidas.
Ainda se deve ter esperança, afinal, no povo português?

Quando é que são mesmo as próximas eleições?



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