quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Gotika: arquivos Março 2004

março 06, 2004

Partilhas II

"(...) sabia que raramente estivera tão viva como o estava agora, que o vê-lo verdadeiramente, o ele estar ali, me devolvera à vida um fogo que eu não conhecera durante décadas. Há muito, muito tempo, antes de tantas derrotas, quando eu era jovem e estava apaixonada, talvez estivesse assim viva, quando eu tinha chorado sobre os meus falhanços e as minhas perdas naqueles anos energéticos iniciais, quando tudo era muito luminoso e quente para experimentar, talvez eu tivesse estado assim viva."

Anne Rice, "O Violino"


Bem me parecia que as pessoas morrer por dentro antes de morrerem por fora. Mas pensava que era só eu. Afinal, se calhar, é comum e recorrente. Mesmo assim, eu morri muito cedo. E vivi depressa.

Publicado por _gotika_ em 05:14 PM | Comentários: (5)


Partilhas

Não percam o post de 4-3, "A Igreja do Imaculado Blog - O Céu pode Esperar (ou então que vá andando…) – " no The Old Man. Parece que Blog já abriu o Céu, mas a entrada é condicionada. Aviai-vos, pois, ó crentes!

No mesmo sítio, o post sobre a Noite reza assim:
"É na noite que tudo se esgota.

A escuridão dilui todas as cores,
como um gigantesco sorvedouro cromático.

Á noite é difícil ser azul,
a não ser que escolhamos néon, e isso é falta de gosto.

Não faz muito sentido falar da noite.
Porque as trevas não se podem descrever,
excepto talvez a um cego…
ou a um gótico.

E esses já sabem como é.

Por isso esta noite,
não vou falar da noite!"

Eu diria que a melhor pessoa para descrever a noite é mesmo um gótico, ou, se arranjarem algum, um vampiro. Pessoas que vivem na e da noite.
Mas há pormenores que qualquer taxista ou homem do lixo vos pode contar. Por exemplo, que a noite é mais quente do que o dia mesmo que a temperatura desça. Que as pessoas da noite (e de noite) são completamente diferentes das pessoas do (de) dia. Que a noite é mais longa do que qualquer dia. Que de noite o tempo estende-se, de forma mágica, e fala-se de coisas que o dia nunca tem tempo para falar. De noite as pessoas vestem-se melhor antes de sair de casa. Tiram aquelas caras de obrigação que as arrasta durante o dia. E estão mais calmas, muito mais calmas. É um outro mundo.
Pelos olhos de um gótico, vai-se mais longe. A noite é também o palco de todos os desesperos. Se o dia entretem as pessoas com pensamentos mundanos, a noite revela as angústias, os vazios, as solidões. A própria noite embriaga as almas e fá-las dizer a verdade. O dia é mentira. Com a sua luz que faz doer os olhos, o dia finge que revela mas esconde tudo. A noite mostra. Os maiores dramas passam-se à noite. Porque a noite não deixa esconder nada. Tal como o mar, que devolve à costa todas as impurezas, a maré da noite expõe toda a substância da alma. O mesmo tempo longo que passa a correr para os amantes custa a passar para os desesperados. A noite pode ser um grande pesadelo de insónia. Por isso é preciso abraçar a noite, acolhê-la e desejá-la. Aprender a amá-la. Apreciar-lhe o silêncio e também o movimento das pessoas bonitas na rua. Navegar ao sabor da sua corrente desde o pôr ao nascer do sol.
Não há duas noites iguais. Cada noite é uma noite especial. Alguns povos antigos temiam a noite porque punham a hipótese de o sol ser devorado por um monstro e não chegar a nascer outra vez. O gótico teme o dia em que o sol não se ponha...
E há as noites de verão, quentes e convidativas. As noites de primavera, frescas e loucas. As noites de outono, já a prometer chuva e frio. E as noites de inverno, geladas, húmidas, cortadas pelo vento e cheias de nevoeiro. Neve, para alguns sortudos. Todas estas noites vibram e todas são misteriosas.
De noite as pessoas estão disponíveis. As diferenças sociais diluem-se e ficam apenas as almas. É uma espécie de limbo antes do céu.
E o sossego? Ah, o sosego de uma cidade à noite!
A noite é como o mar. Tanto mais perigoso quanto menos se conhece. Inspira o mesmo respeito. Quem vira as costas à noite nunca será parte dela.

Publicado por _gotika_ em 04:51 PM | Comentários: (3)


Comentários 06.02.04 +/- 16h00

Sou licenciada em ciências e não é por isso que tenho emprego garantido, aliás, estou no desemprego. Muitos colegas e amigos que também tiraram ciências (biologia, geologia, bioquímica, química, física, etc.) também estão desempregados ou em trabalhos precários, vivendo na dúvida se, após terminar o semestre, voltam a ter trabalho. Neste país não se valoriza a "massa cinzenta" que anda por aí. Não se preparou o país para receber e encaixar os recursos humanos que tem. Noutros países existe uma política de ligação entre a universidade e as empresas, onde os licenciados são "escoados" para o mercado de trabalho (o sistema pode não ser perfeito, mas resulta na maior parte dos casos). Neste país não existe um plano de educação, não existe um plano de inserção das pessoas no mercado de trabalho. Apenas existe o plano de obter dinheiro rápido a todo o custo para o ir gastar em jipes, viagens às caraíbas, iates (o ano de 2003 foi o melhor ano de venda de iates em portugal, segundo um vendedor da área), etc. Apostar no potencial humano do país, isso é lirismo a mais para muitos dos empresários e políticos que por aqui andam. Enviado por Alya em março 5, 2004 12:55 PM


O teu comentário é muito interessante. Só prova a desinformação que grassa por aí. Ouvem-se os analistas dizer a torto e a direito que são necessários licenciados em áreas científicas mas, na verdade, estes licenciados não têm onde trabalhar. Não se faz investigação a sério em Portugal. Já não há lugares para dar aulas. Começa a acontecer como nos países de leste, cujos licenciados preferem vir para cá trabalhar nas obras.
A minha prima mais velha tirou Biologia e já foi para o estrangeiro, para os Estados Unidos, de onde, se for esperta, não volta mais. Eu não tive essa possibilidade. A irmã mais nova, que está a tirar Relações Internacionais, também já foi estudar um ano para o estrangeiro. Tem uma bolsa mas se não fossem os pais a ajudar, a bolsa não chegava para ela sobreviver. País triste este, em que quem não pode sair dele não se safa.
O problema do país não é só não existir "um plano de inserção das pessoas no mercado de trabalho". O problema é que já quase não existe mercado de trabalho!... Não há onde trabalhar. Nestas condições, é natural que a faixa de população com escolaridade média (12º ano) seja a mais empregável. Abaixo e acima desta escolaridade, é-se preterido. Por isso também temos casos de operários de baixa escolaridade que trabalharam toda a vida em empresas que foram à falência ou se mudaram para países onde a mão-de-obra é mais barata e agora se vêem desempregados e sem expectativas. Demasiado novos para a reforma, demasiado velhos para serem contratados. Não é que não sejam ainda úteis e capazes, mas como a procura é muito superior à oferta de emprego, os empregadores tornaram-se muito mais exigentes. Têm muito por onde escolher, essa é que é a verdade.
Isto também ajuda ao estabelecimento de uma tirania onde os direitos dos trabalhadores não valem nada. E assim temos casos de exploração de bradar aos céus. É uma nova escravatura.
O que se passa no país é a completa atrofia da economia. A Europa prepara-se definitivamente para transformar Portugal na colónia de férias que sempre foi. Resta-nos a todos ser empregados de mesa.
O país é como uma família. Imaginem esta família, a quem foram dados subsídios para se desenvolver, e que em vez de investir desbaratou a ajuda e ainda guardou o resto no banco. Um dia perguntam-lhe pelo retorno do investimento. Qual investimento? Não houve investimento nenhum. Logo, não se vê nenhum resultado. Os bens adquiridos degradam-se e o dinheiro guardado é gasto a adquirir novos bens. A certa altura acaba-se o dinheiro. É neste ponto que está o país. Quando devia estar a colher os lucros do investimento, eis que não há investimento.
Então a nossa família repara que o pai está doente mas o sistema de saúde não funciona a tempo e horas e que a mãe vai ter de deixar de trabalhar para cuidar do pai. Os filhos não têm emprego porque não investiram o dinheiro numa empresa de sucesso mas em vez disso compraram jipes para ir para a faculdade fazer figura de novos ricos. Agora não há fontes de rendimento e a família estrangula. Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Ao agirem de forma egoísta, esqueceram-se que estavam a condenar o país todo à ruína. É por isso que os países africanos estão como estão. No sub-desenvolvimento. Não é nada de novo.
Não houve coragem dos sucessivos governos para mudar o que está mal. Porque ao mexerem em interesses económicos importantes (sistema de saúde, administração pública, educação, leis laborais) estavam a perder votos e não seriam re-eleitos. Como a única coisa que lhes interessa é ganhar as eleições, fingiram que faziam alguma coisa e deixaram andar tudo na mesma. Não tiveram, principalmente, coragem para enfrentar os grandes grupos económicos e agora quem manda no país é a SONAE e afins. Porque os governos deixaram que isso acontecesse.
O povo é ignorante e não se mexe. Limita-se a sofrer em silêncio. Em vez de se revoltar, prefere tentar a sua sorte num jogo em que está condenado à partida porque as regras estão viciadas. Quanto mais tempo demorará até que perceba que é preciso dizer "basta!"?

Publicado por _gotika_ em 03:59 PM | Comentários: (2)

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